Discurso durante a 171ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a crise política na Bolívia e suas conseqüências para o Brasil. Apelo para a célere tramitação de proposta de autoria de S.Exa., que proíbe o Brasil de reconhecer qualquer novo país que surja de um processo de secessão. Importância da reunião da CRE agendada para a próxima quarta-feira, a fim de se discutir a situação na Bolívia.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. EDUCAÇÃO. POLITICA ENERGETICA.:
  • Preocupação com a crise política na Bolívia e suas conseqüências para o Brasil. Apelo para a célere tramitação de proposta de autoria de S.Exa., que proíbe o Brasil de reconhecer qualquer novo país que surja de um processo de secessão. Importância da reunião da CRE agendada para a próxima quarta-feira, a fim de se discutir a situação na Bolívia.
Aparteantes
Adelmir Santana.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2008 - Página 37653
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. EDUCAÇÃO. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • APREENSÃO, COMOÇÃO INTERNA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, COMENTARIO, POSSIBILIDADE, INICIO, GUERRA CIVIL, INTERRUPÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, GAS NATURAL, AUMENTO, FLUXO, MIGRAÇÃO, REFUGIADO, QUESTIONAMENTO, POSIÇÃO, BRASIL.
  • COMENTARIO, MOTIVO, CONFLITO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, DIVISÃO, REGIÃO, PRIORIDADE, ALTERAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, ADVERTENCIA, BRASIL, ATENÇÃO, EXPERIENCIA.
  • CRITICA, HISTORIA, TENTATIVA, SEPARAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO SUL, DEFESA, AMPLIAÇÃO, PATRIOTISMO, BRASILEIROS, MELHORIA, EDUCAÇÃO.
  • ELOGIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, EXPLORAÇÃO, JAZIDAS, PETROLEO, RESERVATORIO, SAL, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, POLITICA SOCIAL, POSSIBILIDADE, LOBBY, ESTADOS, EMPRESA.
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, CRITICA, ESTADOS, AUMENTO, PISO SALARIAL, PROFESSOR, ALEGAÇÕES, AUSENCIA, RECURSOS, NEGAÇÃO, POSSIBILIDADE, DEFESA, ORADOR, MELHORIA, ORGANIZAÇÃO, CORPO DOCENTE, AMPLIAÇÃO, SALARIO, VALORIZAÇÃO, PROFISSÃO.
  • SOLICITAÇÃO, ACELERAÇÃO, TRAMITAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PROIBIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, RECONHECIMENTO, PAIS, INDEPENDENCIA, PROCESSO, SEPARAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, REUNIÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, DEFESA, PARTICIPAÇÃO, SENADOR, DEBATE, CONFLITO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, NECESSIDADE, MENSAGEM (MSG), POSIÇÃO, PRESIDENTE, SENADO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, eu venho falar da Bolívia. Falei talvez um ano atrás, falei seis meses atrás, falei três meses atrás, falei dois meses atrás, falei na semana passada, falei esta semana. E lamento que as coisas estejam caminhando para aquilo que eu falei e comentei que aconteceria e não estejam caminhando para aquilo que eu sugeri que nós deveríamos fazer. Acho até que o Governo brasileiro, pelo que a gente tem lido, talvez esteja tentando fazer, mas nós, Senado, ainda não estamos. E eu vim falar, Sr. Presidente, sobre a preocupação, sobre uma lição que precisamos tirar e, também, fazer um apelo a esta Casa.

No que se refere à preocupação, é mostrar que aquele país já está numa guerra civil. Pode ser uma guerra civil nos seus inícios, que, em geral, são discretos; pode ser uma guerra civil reversível, antes de se transformar num processo prolongado. Mas hoje é uma guerra civil, e uma guerra civil entre populações, pessoas e regiões, e isso vai, necessariamente, trazer conseqüências dramáticas também para o Brasil.

Mesmo que ficasse apenas na Bolívia, Senador Marco Maciel, creio que seria obrigação nossa tentar ajudar, tentar influir; mas, além disso, como Nação independente que somos, tentar prever o que pode acontecer para o Brasil e como evitar. Por exemplo, se demorar um pouco mais, se se acirrar esse conflito, certamente haverá, senão interrupção, redução drástica do fluxo de gás.

Só que essa é a parte mais visível e, mesmo assim, não se sabe ainda o que fazer com clareza, apesar dos anúncios de meses ou anos de que isso poderia acontecer. Mas há outras que a gente não prevê. É possível, certo talvez, que, havendo um acirramento, ocorra de imediato um fluxo migratório de refugiados fugindo da guerra em direção ao Brasil. Eu não falo refugiados em números de dezenas. Eu falo de milhares de pessoas. E é muito provável que esses refugiados prefiram vir para o Brasil até mesmo do que para Argentina, até porque o conflito maior está na fronteira com o Brasil.

O que é nós vamos fazer quando centenas, milhares de refugiados bolivianos começarem a chegar ao Brasil? Como vamos tratá-los? Essa é uma preocupação que precisamos ter. Além disso, há milhares de brasileiros morando na Bolívia. O que vai acontecer com eles? Eles vão tomar lado, participar dessa guerra civil? Isso trará conseqüências muito graves. Eles vão ficar de fora? Isso trará conseqüências graves para eles. E, quando eles forem perseguidos - o que poderá acontecer, Senador Adelmir -, o que vamos fazer? Assistir à distância? Intervir, ferindo a soberania de um país independente como é a Bolívia?

Vamos ficar numa situação de perplexidade, de impasse. E, cada dia, cada mês que se demore o conflito, a perplexidade, a falta de atividade de intervenção - no sentido político, não militar -, pior para o Brasil. E quando esse conflito adquirir feições além da Bolívia? E quando, por exemplo, na guerra civil, o grande aliado da Bolívia, que é o Presidente da Venezuela, decidir atender a um apelo do presidente boliviano, enviando armas? Quando isso ocorrer, o que vai acontecer? Um país está dentro do outro, e certamente os Estados Unidos não ficarão de fora. E aí veremos a opção: um lado em guerra contra o outro lado; um lado com o apoio de um país, e o outro lado com o apoio de outro país. E o Brasil? Assistindo de fora, alheio, sem gás? E, no lugar do gás, refugiados chegando aqui?

É algo dramático o que pode ocorrer na Bolívia! Isso já venho dizendo há algum tempo, e não vejo o que estejamos fazendo ou tenhamos feito para tentar impedir que chegasse a esse ponto. É claro que temos que ter consciência das nossas limitações. Talvez, mesmo tentando, não conseguíssemos nada.

Mas, Senador, antes de lhe passar a palavra para um aparte, quero dizer que, além da preocupação, creio que precisamos tirar uma lição. Está visível que a causa fundamental desse conflito é uma divisão daquele país em duas regiões com características muito diferentes: diferentes na riqueza econômica, diferentes nos recursos naturais, diferentes nas etnias e até diferentes nos idiomas. Mas o motivo que está provocando não é essa diferença étnica, porque com esta eles convivem há mais de 200 anos; o que hoje está provocando, o estopim, é o egoísmo daqueles que não querem perder uma parte dos royalties do petróleo, que, de acordo com o programa do Governo Evo Morales, é para aplicar no sistema de aposentadorias daquele País. Ou seja, alguns estados, províncias não querem abrir mão de uma parcela dos royalties de um recurso que é nacional, mais do que provincial, que é do país mais do que da região, para deixar que esse dinheiro seja usado para os velhos pobres bolivianos. Desse egoísmo é que a gente precisa tirar uma lição, porque ele existe no Brasil.

Não existe a radicalidade da diferença étnica, de maneira alguma. Nós, nordestinos, não somos tão diferentes dos paulistas, dos rio-grandenses-do-norte. É muito sutil a diferença. Jamais provocaria um clima de guerra civil e de secessão, embora, até muito recentemente, tenha havido movimentos secessionistas no Sul contra o resto do Brasil; embora não seja raro ouvir de pessoas de Estado rico dizerem que o melhor seria o Estado se separar do resto do Brasil, “não carregar nas costas o Nordeste”, como já ouvi de uns. Esquece que foi este Nordeste comprando os produtos fabricados no Sul que permitiu o seu enriquecimento.

Senador Adelmir, como pernambucano - e tem mais um presidindo aí na Mesa - se, ao longo da história, tivéssemos trocado o nosso açúcar, para falar só de um recurso, por bens importados da Europa e dos Estados Unidos, teríamos bens melhores e mais baratos durante os anos 50, 60 e 70. Foi o protecionismo, foi o fechamento da fronteira do Brasil que permitiu o desenvolvimento da indústria no Sul, e no Sudeste especialmente.

O Professor Celso Furtado chegou a dar explicação para o que chamou de triangulação. Os Estados do Sul compravam máquinas e produziam. Nós comprávamos os produtos dessa indústria. E nós exportávamos esses nossos produtos com os dólares com que o Sul comprava suas máquinas. Uma triangulação perfeita, que durou 30, 40 anos. Fomos os consumidores dos produtos que, no início da industrialização do Brasil, não tinham qualidade e tinham preços altos, e fizemos isso com patriotismo, com o patriotismo de ter um carro brasileiro, embora um estrangeiro fosse melhor e mais barato. E funcionamos como Nação. Mas há, sim, ressentimentos; há, sim, choques de interesses. Só que, hoje, eu acho que a lição que devemos trazer para cá é menos uma lição de choque entre Estados do que choque entre grupos - eu nem falei classes.

Hoje, no Brasil, os grupos corporativos organizados têm o mesmo grau de egoísmo que aqueles que, na Bolívia, não querem abrir mão de um pedacinho da renda do petróleo para servir aos velhos, pobres, aposentados bolivianos. No Brasil, quando, por exemplo, aprovamos o piso salarial do professor, já diversos Estados se manifestaram dizendo que isso era impossível. Como impossível? Como é impossível você aumentar o salário de um professor, o piso, para R$950,00? A vergonha é de ainda ser R$950,00, em um País que tem salários de R$10.000,00, R$15.000,00, R$24.000,00 no setor público. Não falo do setor privado, que tem direito a todos os seus salários, o quanto quiserem, desde que pague imposto. Mas o setor público tem salários de R$24.000,00, e a gente sabe que alguns, com os penduricalhos das leis, chegam a R$30.000,00, R$40.000,00; e a gente sabe que alguns têm dois, três salários, às vezes, duas, três aposentadorias; a gente sabe disso, mas, para esses, tem dinheiro; para o piso salarial, não. Por quê? Porque o professor não tem até hoje um sindicato nacional forte; se o tivesse, já teria resolvido o assunto. Cada grupo corporativo brasileiro que faz uma greve recebe imediatamente uma parte da renda nacional. É a mesma coisa, é uma maneira de estar pegando um pedacinho dos royalties - o royalty é a renda nacional.

Nós, na hora que quisermos, de fato, fazer uma revolução neste País - e eu não falo do ponto de vista econômico, porque não vejo como mudar a economia... Somos amarrados hoje a uma realidade global que faz com que a economia seja uma questão muito mais técnica do que política. Não vejo por aí. Comparto esse lado liberal, Senador Marco Maciel, no que se refere à economia, mas essa renda dessa economia, para ser distribuída, vai-se chocar não mais como um luta de classe entre capitalista e trabalhadores, porque os trabalhadores organizados já conseguem seus salários. É uma disputa entre quem é organizado e quem é desorganizado; é uma luta entre quem tem na organização o capital conhecimento e quem, desorganizado, não tem capital conhecimento.

E essa luta a gente deve percebê-la em suas conseqüências ao analisarmos o que está acontecendo hoje na Bolívia. Na Bolívia é visível, porque é região e não grupos; é visível, porque o petróleo são royalties e não salários, graças à organização dos grupos corporativos. Mas o Brasil é um País tão dividido, embora de outras formas, quanto a Bolívia. Não há um sentimento patriótico comum no Brasil, salvo na Copa do Mundo, salvo nas Olimpíadas, salvo efemérides. Não há um sentimento comum nacional, como a Bolívia também não tem. Na Bolívia é mais grave: são etnias diferentes, são idiomas diferentes, são características físicas diferentes. Nós não. Apesar das sutis diferenças que temos, entre loiros de um lado e nós baixinhos nordestinos do outro, são sutilezas. Somos uma mesma raça, somos um mesmo idioma, somos uma mesma cultura, mas não somos um mesmo povo. Não somos o mesmo povo ainda. Nós não conseguimos fazer com que este País se transformasse em uma nação com objetivos, com propósitos comuns. Cada governo faz os arranjos necessários para compor os grupos, como se o País fosse um quebra-cabeça e não uma entidade viva.

Estamos comemorando vinte anos da Constituição. Não há exemplo melhor talvez de um documento que é fruto da composição de grupos do que a nossa Constituição, que foi chamada de cidadã - eu acho que ela o é, mas não é patriótica. Se a gente analisa a Constituição, a gente não vê ali dentro uma nação nascendo, mas vê ali dentro grupos se organizando e, democraticamente, vendo quem ganha mais. O grande salto da Constituição de 1967, do regime militar, para a de 1988, do regime democrático, foi no marco do funcionamento da política, na democracia política, não no marco da sociedade. Do ponto de vista da sociedade, as mudanças foram poucas, e aí nós tivemos, até hoje, governos de transição.

O Presidente Lula não é o primeiro Presidente de um novo ciclo pós-ditadura, mas o Presidente de um ciclo que se iniciou ao terminar a ditadura e que ainda não se concluiu, até porque o fim do regime militar foi fruto de um grande pacto, de um pacto entre pessoas que tinham participado dele, de pessoas que tinham críticas a ele, de pessoas que estavam mais à esquerda ou à direita. Esse pacto continua, e esse lado é bom. Só que esse pacto precisa dar um salto, um salto de ser o acordo pós-regime autoritário para ser um salto pós-sociedade dividida. Dividida não quer dizer desigual, porque desiguais as sociedades continuarão. Eu estou falando daquela sociedade que tem um corte e não uma continuidade na desigualdade. Falo de sociedades como a África do Sul, que tinha o apartheid nítido, como o Brasil quando tinha escravos e não-escravos. Hoje, temos uma linha separando os pobres, excluídos, e aqueles que estão dentro da modernidade. Claro que, graças à generosidade que se inicia no Governo Fernando Henrique e que o Presidente Lula fez avançar, existe um fluxo de renda através do Bolsa Família. Mas isso não é sustentável, isso não incorpora; isso mantém os pobres do lado de lá, recebendo esses pedacinhos, e não os traz para o lado de cá para terem acesso aos meios para ganharem os recursos para seu próprio sustento.

Precisamos aprender a lição com o que acontece na Bolívia, Presidente Marco Maciel. Precisamos aprender que temos que correr rápido para transformarmos um país em uma nação. Quando o senhor fala em federalização, está tentando isso; quando eu falo numa revolução educacional, estou tentando isso. Mas a gente não está conseguindo. Não estamos conseguindo fazer com que o Brasil tenha os instrumentos necessários para que, dentro de cinco, dez, vinte, trinta anos - não será pouco tempo -, possamos dizer que aqui não há exclusão social, que aqui não há ninguém que não tenha o mínimo essencial; e que, ao mesmo tempo, a longo prazo, possamos dizer que ninguém vai consumir recursos naturais numa proporção maior do que aquela que é capaz de ser renovada. Esse é o desenvolvimento sustentável do ponto de vista ecológico, e decente, e inteligente, e patriótico do ponto de vista social.

A Bolívia nos traz uma preocupação, mas nos traz uma lição: precisamos construir no Brasil uma nação; não podemos ser apenas um país.

Eu disse, Sr. Presidente, que não ia tomar muito tempo, mas que tinha três pontos a abordar: a preocupação, a lição e um apelo. Antes, porém, desse apelo, passo a palavra ao Senador Adelmir Santana.

O Sr. Adelmir Santana (DEM - DF) - Senador Cristovam, eu pedi um aparte para fazer uma referência a suas posições, que não são de hoje. O senhor tem levantado aqui, já levantou, há alguns meses, a sua preocupação e de todos nós com relação à Bolívia. Eu quis fazer este aparte para lembrar essa sua posição que vem de muito antes de essa questão se agravar. Todos sabemos que a Bolívia tem uma longa história de instabilidade política e institucional, o que realmente causa preocupação. Ainda ontem, tivemos paralisação de algumas instituições em São Paulo por falta de gás, uma vez que houve a suspensão de parte do fornecimento, o que é preocupante. Então, eu queria me associar às palavras de V. Exª e dizer que a vitória dos autonomistas sobre o poder central, na verdade, significará um golpe; e o Brasil não pode naturalmente aceitar golpe, nem de um lado nem de outro. Nós temos de ter a preocupação e a responsabilidade de estarmos atentos a isso, e V. Exª já traz à Casa essa preocupação há alguns meses. Associo-me, portanto, ao pronunciamento de V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço a V. Exª e quero dizer, Senador, que é mais grave do que um golpe, porque pode haver um golpe mantendo a pátria. Golpe não destrói, necessariamente, a pátria; ao contrário, às vezes salva. O que acontecerá será o fim da pátria, a divisão do país em dois. É muito mais grave do que um golpe. Não podemos tolerar um golpe que acabará com a democracia conquistada na Bolívia a duras penas, até porque será um exemplo para os golpistas dos outros países, que se sentirão entusiasmados. Não podemos tolerar que, num país vizinho, a força dos poderes econômicos contra a distribuição de uma pequena parte da riqueza que esses Estados e províncias têm leve a uma secessão. Daí os meus apelos.

Meu primeiro apelo é para que o Senado tente apressar a tramitação de um projeto, que dei entrada aqui já faz meses, pelo qual o Brasil fica proibido, na Constituição, de reconhecer qualquer novo país que surja de um processo de secessão. Se nós fizermos isso, não há dúvida alguma de que os secessionistas bolivianos vão começar a ter dúvidas quanto a dividir o país, porque não serão reconhecidos pelo Brasil.

É claro que, nessa lógica econômica que o Brasil tem, alguns vão dizer que aí ficaríamos sem o gás boliviano, que vamos ter que buscar gás em outro lugar. Aí é uma questão de reais e dólares contra princípios. E, quando a gente começa a preferir reais e dólares a princípios, quando a gente começar a deixar de lado princípios para ter gás, reais e dólares, o resto não se mantém, porque, ferindo-se um princípio, os outros também serão feridos. Temos que, tecnicamente, descobrir onde buscar outro gás, mas não aceitar a idéia de que a secessão tem que ser reconhecida para fazermos um acordo e voltarmos a comprar gás talvez até mais barato. Não podemos aceitar isso.

Então, meu primeiro apelo é para que se dê rápida tramitação a esse projeto, que creio que está na CCJ, pelo qual o Brasil tomaria a decisão de incorporar na sua Constituição a decisão de não reconhecer país que nasça de uma secessão, que nasça de um processo secessionista, pelo menos na América do Sul. Esse é um apelo.

Outro apelo que eu faço, Sr. Presidente, é para que a gente faça uma reunião da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional na quarta-feira, conforme o Senador Heráclito está propondo. Eu sei do sacrifício que é os Senadores virem para Brasília no meio da penúltima semana antes das eleições, mas a gente tem que fazer um esforço. O momento exige. Que venham de manhã e voltem à tarde para suas campanhas, mas o momento exige que essa reunião que o Senador Heráclito Fortes está convocando para quarta-feira tenha o máximo de Senadores presentes, não apenas Senadores da própria Comissão, mas Senadores que tenham espírito patriótico e o sentimento do risco que nós atravessamos e que um país irmão atravessa, para ali discutirmos o que podemos fazer, nem que seja para chegarmos à conclusão de que somos totalmente incapazes de agir neste momento.

Outra coisa importante seria, antes mesmo da reunião, tentarmos fazer com que o Senador Garibaldi tomasse uma posição em nome do Senado. Que ele consulte os Líderes por telefone, mas que faça uma manifestação. Outros Senadores já falaram com ele sobre isso, mas peço que a Mesa, se estiver de acordo, entre em contato com o Senador Garibaldi para que ele faça uma mensagem discreta, que discuta com o Ministério das Relações Exteriores, se quiser, mas que demonstre que nós queremos, sim, fazer algo e que estamos alerta e preocupados.

Finalmente, Sr. Presidente, faço um apelo para que a gente tire uma lição do que ocorre com a Bolívia e que nos ponhamos a trabalhar no sentido de construir, de dar os passos necessários para transformar o País em uma nação. País, por exemplo, é aquele que tem uma bandeira; nação é aquela em que todos são capazes de ler que está escrito “Ordem e Progresso” ali. E hoje sabemos que quinze milhões não são capazes de ler o “Ordem e Progresso”. Se a gente misturar as letras, eles continuam pensando que é a mesma bandeira. Então, a bandeira não representa a Nação; ela representa aqueles que sabem ler.

Nação, por exemplo, é a gente saber que nenhuma criança vai deixar de ter seus talentos aproveitados porque não teve a ocasião de entrar na escola na data certa. Nação é todas as crianças, ao entrarem na escola na data certa, ali terem o desenvolvimento do seu potencial e talento feito ao longo dos anos do ensino básico até o final do segundo grau. Nação é que essas crianças que entram na escola e ali ficam possam ter, até o final da sua educação básica, uma escola da máxima qualidade, porque é na escola que nasce uma nação. São os soldados que defendem, mas são os professores que constroem uma nação. E nós políticos somos auxiliares dos soldados e dos professores, definindo as leis, definindo as regras que fazem com que tudo isso funcione, mas, na hora de defender o país, são os soldados; na hora de construir, são os professores. Alguns dizem que são os engenheiros, mas os engenheiros são construídos pelos professores. Existe uma construção dos construtores. O único que a gente não pode dizer que há um construtor dele é Deus. Os outros, nenhum nasce construído.

É na escola que se ensina o mesmo idioma. E o Brasil só fala um idioma razoavelmente igual hoje graças à rádio e à televisão, porque, se não tivesse rádio e televisão integrando o Brasil, provavelmente existiriam no Brasil hoje dois idiomas: o português falado pelos pobres que não estudaram e o português falado pelos ricos que estudaram. Já é diferente, mas ainda é o mesmo português, graças à rádio, graças à televisão.

Ficam aqui esses apelos, e esse último, que talvez seja o mais complexo, que eu não sei como a gente pode levar adiante, mas que a gente precisa: que, a partir do Senado - e o senhor, Senador Marco Maciel, além de ser um líder aqui, é um estudioso, sobretudo de Joaquim Nabuco e daquele período do Império -, façamos o que o Senado do Império fez: não completou a Nação, mas deu o salto necessário para sair da dependência para a independência política.

São esses os apelos, com base nas lições que vêm de uma preocupação com um país vizinho, externo, mas que têm tudo para nos ensinar, para que aqui não aconteça igual.

Só para concluir, quero dizer que o Presidente Lula está lançando uma idéia muito parecida com a do Presidente Evo Morales - e eu defendo totalmente. Vou até mais longe: apresentei, junto com o Senador Tasso Jereissati, um projeto aqui nesse sentido, três meses antes do Presidente Lula. O Presidente Lula está dizendo que todo o petróleo que vier do pré-sal vai para o Brasil inteiro e para a educação, e não ficar naqueles Estados para usarem no que quiserem.

Foi o que o Presidente Evo Morales disse: os royalties do gás irão para toda a Bolívia em direção aos velhos aposentados. O Lula está dizendo que irá para todo o País em direção às crianças, na sua educação. No ponto de vista de impacto de longo prazo, é até melhor a proposta do Presidente Lula, até porque, aqui, os aposentados recebem suas aposentadorias. Então, quando o Presidente Lula, de fato, for fazer isso, e quando a gente começar a ver, de fato, o petróleo do pré-sal - porque hoje é só uma idéia -, vai começar a haver resistências. A primeira resistência é que saia do Estado para ir para o Brasil inteiro; a segunda resistência é que saia de outros interesses para ir para a educação. A gente tem que estar alerta, porque o que acontece na Bolívia - de outra forma, porque a história não se repete igual - pode acontecer aqui, se o Brasil não der o passo que a Bolívia não consegue dar, de transformar um país em uma nação.

Essas eram as palavras, Sr. Presidente, que eu tinha para esta manhã de sexta-feira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2008 - Página 37653