Discurso durante a 171ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de debate em torno de questões éticas, com o fim de se aperfeiçoar e consolidar as instituições democráticas.

Autor
Adelmir Santana (DEM - Democratas/DF)
Nome completo: Adelmir Santana
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Defesa de debate em torno de questões éticas, com o fim de se aperfeiçoar e consolidar as instituições democráticas.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2008 - Página 37657
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, ETICA, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, CONSOLIDAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, COMENTARIO, HISTORIA, PENSAMENTO, MORAL, ANALISE, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), DISCURSO, NATUREZA POLITICA, SITUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, UNIÃO DEMOCRATICA NACIONAL (UDN), INCAPACIDADE, ELABORAÇÃO, PROJETO, ORGANIZAÇÃO, SOCIEDADE, POLITICA, EMPENHO, COMBATE, CORRUPÇÃO.
  • REGISTRO, CONFERENCIA, EX MINISTRO DE ESTADO, DISCUSSÃO, ETICA, ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, DEMONSTRAÇÃO, PROBLEMA, INFLAÇÃO, AMERICA LATINA, REDUÇÃO, CRESCIMENTO, SUPERIORIDADE, ONUS, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, OBRIGAÇÃO, GOVERNO, MANUTENÇÃO, ESTABILIDADE, MOEDA.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, EFICIENCIA, POLITICA, TRIBUTOS, MELHORIA, ESTABILIDADE, MOEDA, PARIDADE, ORÇAMENTO, MOTIVO, REDUÇÃO, INFLAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, BUSCA, ETICA, MORAL, RELEVANCIA, PARTICIPAÇÃO, IMPRENSA, SOCIEDADE, DEFESA, CONSTRUÇÃO, MELHORIA, BRASIL.

O SR. ADELMIR SANTANA (DEM - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estive há alguns dias nesta tribuna fazendo um comentário sobre a pesquisa feita pela Vox Populi sobre brasileiros e, principalmente, sobre os políticos e a política.

            Hoje, volto à tribuna para um assunto mais ou menos correlato, porque há um clamor no País em torno da ética e dos princípios morais que devem reger a convivência.

O povo nas ruas demonstra perplexidade, indignação e descrença diante do quadro de impunidade e de falência das instituições. O Senado não pode, de forma alguma, eximir-se de suas responsabilidades. Deve enfrentar a questão, fortalecer o debate em torno de idéias que ajudem a aperfeiçoar e a consolidar as instituições democráticas comprometidas com a ética e o bem-estar da população.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, não podemos ser omissos e, assim, pavimentar o caminho que leva à banalização da falta de ética. É vital agir, antes que o descrédito do povo nas instituições e na política seja irreversível.

Lembro que as discussões em torno de questões éticas são hoje dominantes, seja no âmbito acadêmico, seja nos ambientes político, econômico e profissional. Por força do papel desempenhado pelos meios de comunicação, estenderam-se a toda a sociedade, não só no Brasil, mas neste vasto mundo globalizado.

Mas não é de agora. Em verdade, tais questões centralizam a preocupação do homem há muito e têm sido objeto de análises e observações por parte de pensadores do cidadão comum, desde os primórdios da humanidade. Na China, com as reflexões e os ensinamentos da Lao Tzu e Confúcio; no Ocidente, quase à mesma época, graças aos fundadores das nossas matrizes culturais greco-romanas e judaico-cristãs. Mas antes, já em 1700 a.C, na antiga Mesopotâmia, havia sido elaborado o Código de Hamurabi, monumento monolítico talhado em rocha onde foram escritos os artigos regularizando a vida quotidiana. No seu epílogo, Hamurabi afirma que elaborou o conjunto de leis “para que o forte não prejudique o mais fraco, a fim de proteger as viúvas e os órfãos” e “para resolver todas as disputas e sanar todos os ferimentos”. Seguem-lhe o Torah e muitos outros códigos, quase sempre de cunho religioso.

É, no entanto, na Grécia antiga, para alguns o berço dos pensadores, que vamos encontrar explicações racionais para tudo aquilo que era explicado, até então, por meio da mitologia. A partir dos pensamentos de Sócrates e Platão, Aristóteles desenvolveu a lógica dedutiva clássica, organizou a ética como disciplina filosófica e formulou a maior parte dos problemas que mais tarde iriam ocupar os filósofos morais. Com o advento do Cristianismo, os filósofos submeteram a ética ao religioso e aproveitaram muito da ética grega, principalmente Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.

Ressalte-se que o termo “ética” tem origem no grego ethos e “moral” vem do latim mos ou mores. Ética é o princípio; moral são aspectos de condutas específicas. Pode-se, então, dizer que a ética é uma doutrina filosófica que tem por objeto a moral no tempo e no espaço. Muitos autores, porém, os utilizam indistintamente, sendo mesmo equivalentes em vários textos.

Desde então, até o início do Renascimento, a história da ética não registra avanços mais significativos. Mas, do século XVI ao início do século XIX, é tamanha a diversidade de doutrinas éticas que é muito difícil sistematizá-las. Nelas há, contudo, um cerne comum: a razão se separa da fé; as ciências naturais, dos pressupostos teológicos; o Estado, da Igreja; e, em alguns casos, até o homem, de Deus.

Essa ruptura - admitem importantes estudiosos da questão - fica muito evidente quando, entre a Idade Média e a Modernidade, o italiano Nicolau Maquiavel provoca uma revolução na ética ao romper com a moral cristã, que impõe os valores espirituais como superiores ao políticos, quando defendeu a adoção de uma moral própria em relação ao Estado. O que importa são os resultados e não a ação política em si, sendo legítimos os usos da violência contra os que se opõem aos interesses estatais.

A propósito, o professor Antônio Ozaí da Silva, Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, comenta: “Em Maquiavel, a política identifica-se com o espaço do poder, enquanto a atividade na qual se assenta a existência coletiva e que tem prioridade sobre as demais esferas da vida humana. A política funde-se com a realidade objetiva, com os problemas concretos das relações entre os homens: deixa de ser prescritiva - em torno de uma abstração moral e ideal - e passa a ser vista como uma técnica, com leis próprias, atinente ao cotidiano dos indivíduos. Para Maquiavel, a política deve se preocupar com as coisas como são, em toda sua crueza, e não com as coisas como deveriam ser, com todo o moralismo que lhe é subjacente. Ao libertar a política da moral religiosa, Maquiavel explicitou seu caráter terreno e transformou-a em algo passível de ser assimilado pelos comuns dos mortais”.

Todavia, adverte ainda o professor Antônio Ozaí:

Maquiavel não introduziu as práticas amorais na política. A despeito de toda a moralidade, o ‘maquiavelismo’ que lhe imputam já se fazia presente antes de ele escrever sua obra mais polêmica: O Príncipe.

Quem lê esse livro sem levar em consideração e estudar minuciosamente o contexto histórico no qual ele escreveu, não aprenderá nem fará justiça ao seu autor.

A obra de Maquiavel influenciou outros pensadores como Thomas Hobbes e Spinosa. Para este último:

A ajuda mútua é necessária e útil. Sem ela, os homens não podem viver confortavelmente nem cultivar seus espíritos. O objetivo do Estado não deve ser tirânico (como em Hobbes) mas libertário. O direito natural em Spinosa é compatível com a democracia: é nas grandes massas que a natureza humana melhor se manifesta.

Embora tenha discordado do dualismo da filosofia de Descartes, Spinosa é a mais coerente figura do racionalismo moderno, depois do fundador e antes de Kant.

Kant, à sua vez, é certamente a maior expressão da ética moderna. Influenciou, entre outros, Hegel - que propôs a transformação da ética em uma filosofia de direito - e Marx - para quem os homens necessitam da moral como necessitam da produção, e cada moral cumpre sua função social de acordo com a estrutura social vigente.

Para Kant:

Só no domínio da moral que a razão poderá, legitimamente, manifestar-se em toda sua pujança. A razão teórica tinha necessidade da experiência para não se perder no vácuo da metafísica. A razão prática, isto é, ética, deve, ao contrário, ultrapassar, para ser ela própria tudo que seja sensível ou empírico.

O imperativo moral não é um imperativo hipotético, mas o imperativo categórico: “cumpre teu dever incondicionalmente”. Essa “Teoria do Dever”, que mais tarde Jeremy Bentham chamaria de Deontologia, fundamenta-se em dois conceitos: a razão prática e a liberdade. Agir por dever é o modo de conferir à ação o valor moral; por sua vez, a perfeição moral só pode ser atingida por uma vontade livre.

Ainda nesse contexto, Friedrich Nietzsche faz duras críticas aos valores tradicionais da sociedade representados pelo cristianismo e pela cultura ocidental. O pensamento, para libertar, deve ser livre de qualquer forma de controle moral ou cultural.

É interminável a sucessão de doutrinas éticas. Como salienta Sánches Vásquez:

As doutrinas éticas fundamentais nascem e se desenvolvem em diferentes épocas e sociedades como respostas aos problemas básicos apresentados pelas relações entre os homens e, em particular, pelo seu comportamento moral efetivo. Por isso, existe uma estreita vinculação entre os conceitos morais e a realidade humana, social, sujeita historicamente à mudança. Por conseguinte, as doutrinas éticas não podem ser consideradas isoladamente, mas dentro de um processo de mudança e de sucessão que constitui propriamente a sua história. Ética e história, portanto, relacionam-se duplamente: a) com a vida social e, dentro desta, com as morais concretas que são um dos seus aspectos; b) com a sua história própria, já que cada doutrina está em conexão com as anteriores (tomando posição contra elas ou integrando alguns problemas e soluções precedentes), ou com as doutrinas posteriores (prolongando-se ou enriquecendo-se nelas).

Em toda moral efetiva se elaboram certos princípios, valores ou normas. Mudando radicalmente a vida social, muda também a vida moral. Os princípios, valores ou normas encarnados nela entram em crise e exigem a sua justificação ou a sua substituição por outros. Surge, então, a necessidade de novas reflexões ou de uma nova teoria moral, pois os conceitos, valores e normas vigentes se tornaram problemáticos. Assim se explica a aparição e sucessão de doutrinas éticas fundamentais em conexão com a mudança e a sucessão de estruturas sociais, e, dentro delas, da vida moral.

Em meados do século XIX, o estudo dos fatos humanos começa, mais que em qualquer outra época, a ser objeto de tratamento científico. Surgem novas especializações, e a ética deixa de ser investigada exclusivamente pelos filósofos. É nesse passo que Max Weber, jurista, economista e sociólogo alemão estabelece os fundamentos da ética como a entendemos hoje, ao fazer uma distinção entre duas éticas: a ética da convicção e a ética da responsabilidade.

A ética de convicção serve-se de valores anteriores às ações, sendo o julgamento das condutas feito segundo a observância ou não das prescrições ordenadas por tais valores. Essa ética seria mais adequada ao indivíduo privado, que tem condições de meditar e refletir sobre esses valores antes de incorporá-los e assumi-los.

Já a ética de responsabilidade determina o certo e o errado, não de acordo com os valores pelos quais as ações foram conduzidas, mas segundo o resultado atingido por elas. Como a ação política está justamente voltada para produzir resultados eficazes, ela deve se orientar pela ética de responsabilidade.

Ralf Dahrendorf discorda: “É certo que há condições - e as vimos prevalecer em tantos países durante o século - nas quais a ética da convicção é a única moralidade válida.”

E Habermas desenvolve a “Teoria da Ação Comunicativa”, dentro da qual fundamenta a ética discursiva, baseada em diálogo, por sujeitos capazes de se posicionar criticamente diante de normas. Ele acredita que é pelo uso do argumento, de argumentos racionais, que um grupo pode chegar ao consenso, à solidariedade e à cooperação.

A ética de responsabilidade aqui e acolá suscita dúvidas, honestas ou mal intencionadas, quando se a confunde com o princípio ditado por Maquiavel de que “os fins justificam os meios”.

Ora, até em defesa do pensador florentino vale retornar ao professor Antônio Ozaí - do qual já fizemos uma citação - que fez uma releitura da sua obra:

Os fins justificam os meios, é verdade. Mas apenas na medida em que estes meios não entram em contradição com os fins almejados. Quer dizer, nem tudo é permitido! Só é aceitável aquilo que contribui para que se atinja o fim e que não represente a negação deste.

Estou quase concluindo, Sr. Presidente, peço a sua tolerância.

É claro que ao político incumbe adotar uma ética de convicção no âmbito privado, mas pautar-se pela ética de responsabilidade quando se tratar de decisões políticas de interesse coletivo.

Na verdade, este é um assunto palpitante que me levou a fazer essas observações e essa pesquisa, porque incomoda a forma como têm sido tratadas essas questões, tanto da ética como as questões políticas.

Concedo um aparte ao Senador Cristovam.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Adelmir, apenas para dizer da satisfação de ter o Senador aqui, que comparte comigo representar o DF, fazendo um discurso sobre um assunto que a gente deveria debater muito mais comumente. O Senador Marco Maciel, de vez em quando, traz essa preocupação, sobretudo com as citações do Bobbio, de quem ele é um leitor assíduo. Falta muito aqui entre nós, no Parlamento, na política brasileira, o sentimento da ética. Eu não falo da ética de roubar ou não roubar, não, não; não essa ética do contrário da corrupção - esse é um detalhe maldito -, mas eu falo da ética no sentido da política com a causa, com a proposta, com a finalidade, com o sentimento, a ética que complementa o jogo político. Hoje, nós estamos muito fazendo da política um simples jogo: jogo de interesses, jogo de posições, jogo de falas, e não um jogo com uma finalidade, com um propósito e liderado pela ética. Houve já muitos partidos em alguns países que até usaram os jogos com finalidades, mas sem uma ética; que eram capazes de justificar todos os meios em função dos fins - em nome da igualdade, acabar com a liberdade, por exemplo. Isso aí é uma forma de funcionamento que não permite dizer que foi parte da ética que está no âmago do ser humano. Então, fico feliz de ouvir o seu discurso. Espero que ele seja distribuído para todos nós, Senadores, para que sirva não só de lembrete, mas também de reflexão.

O SR. ADELMIR SANTANA (DEM - DF) - Agradeço o aparte do Senador Cristovam.

Já tivemos aqui no Brasil, na década de 50, quando se pregava a questão ética muitas vezes não compreendida, a própria atuação da UDN. Muitas vezes a velha banda de música da UDN, de bossa nova, se colocava em pontos éticos, mas não soube ganhar as eleições. Talvez não tenha compreendido bem as questões. Colocava sempre a classe média como defensora da questão ética.

Vou suprimir alguns parágrafos, por estar me alongando, mas farei constar nos Anais da Casa o meu discurso como se o tivesse lido na íntegra.

Queria dizer, Sr. Presidente, que não há dúvida de que sempre teve razão a velha UDN em ressaltar a importância da ética e da moralidade na vida pública. A corrupção pessoal é condenável - é claro que é condenável. Deve ser combatida permanentemente por todos nós. Indo além, contudo, consulta mais o interesse coletivo, a crítica às instituições e às políticas públicas.

Nós tivemos a oportunidade de assistir recentemente a uma palestra do Paulo Paiva, ex-Ministro do Governo Fernando Henrique, “Sobre Ética, Economia e Boa Governança”. Ele nos ofereceu dois exemplos de ação excepcional da questão ética: a questão da responsabilidade fiscal, ligada à questão inflacionária, tributária e muitas outras a que ele fez referência.

Peço que seja considerada como lida esta matéria, porque estou vendo a pressa do Sr. Presidente, que vai pegar um vôo. Mas quero dizer aqui, Sr. Presidente, que todos nós temos que estar envolvidos nessa questão: sociedade civil, empresas, sindicatos, organizações não-governamentais, associações de classe. Essa é uma matéria que tem que ser constantemente veiculada nos Anais da Casa, nas escolas, para que compreendamos essa questão ética no País.

Agradeço a tolerância de V. Exª e tomo como lidos todos os fundamentos dessa pesquisa que elaboramos sobre a questão ética.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR ADELMIR SANTANA.

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O SR. ADELMIR SANTANA (DEM - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2008 - Página 37657