Discurso durante a 174ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração ao centésimo aniversário de nascimento de Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração ao centésimo aniversário de nascimento de Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2008 - Página 37899
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, SALVADOR ALLENDE, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, COMENTARIO, HISTORIA, FILIAÇÃO, PARTIDO POLITICO, SOCIALISMO, CRIAÇÃO, ORGANIZAÇÃO POLITICA, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, PAIS, DEFESA, IDEOLOGIA, OCORRENCIA, GOLPE DE ESTADO, PROVOCAÇÃO, SUICIDIO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, BUSCA, DEMOCRACIA, TENTATIVA, SOCIALIZAÇÃO, ECONOMIA, NACIONALIZAÇÃO, INDUSTRIA, GARANTIA, JUSTIÇA, IGUALDADE, SOCIEDADE, EMPENHO, ACOLHIMENTO, EXILADO, BRASIL.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, PAIS, AMERICA DO SUL, OPORTUNIDADE, HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, SALVADOR ALLENDE, EX PRESIDENTE, DISCUSSÃO, CRISE, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, REGISTRO, RELEVANCIA, INFLUENCIA, ESPECIFICAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, VENEZUELA, ARGENTINA, URUGUAI, EQUADOR, PARAGUAI, BRASIL.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Papaléo Paes, cumprimento o Exmº Sr. Álvaro Dias Pérez, Embaixador do Chile; os Exmºs Srªs e Srs. Embaixadores e demais representantes do corpo diplomático; a Srª Laís Abramo, Embaixatriz do Chile; a Srª Miréya Pérez, mãe do Sr. Embaixador do Chile no Brasil, Álvaro Dias Pérez. Sejam bem-vindos! O filho do Embaixador, Antônio, a Alejandra e o Leonardo - podem sentar-se -, a nora e o neto do Embaixador Álvaro Dias, estão aqui. O Leonardo não incomodará se falar algumas palavras no plenário do Senado. Ele pode estar sentando aqui no meio de nós.

            Queridos Senadores Cristovam Buarque e Jefferson Praia, Sr. Presidente Papaléo Paes, Sr. Embaixador Álvaro Dias Pérez, gostaria de justificar a ausência do Senador Aloizio Mercadante, que, hoje, teve dificuldade para estar aqui e que pediu a mim e ao próprio Senador Cristovam Buarque para que o representássemos e falássemos também em nome dele, em homenagem aos 100 anos de Salvador Allende, bem como aos 35 anos da sua trágica morte.

            Salvador Allende continua entre nós. No último dia 11 de setembro, fez 35 anos da morte de Salvador Allende Gossens, e, no ano de 2008, comemoramos também os 100 anos do nascimento desse grande estadista que nasceu em Valparaíso, no Chile, em 26 de junho de 1908.

            No Brasil, em 11 de setembro de 1973, a notícia se espalhou como um raio de extraordinária tristeza: o golpe militar no Chile. Não havia ainda Internet, não havia TV ao vivo. Os rádios, todos ligados no noticiário, enviavam informações confusas dos jornalistas que se reuniram em Mendoza, cidade argentina da fronteira. Ninguém queria acreditar nelas, repetidas a todo momento, que davam conta da morte de Salvador Allende. Falavam em suicídio. Seria verdade? A História confirmou que sim, que Allende não resistiu à possibilidade de ver seu país entregue à mentalidade fascista dos golpistas e teria preferido morrer junto com a democracia, que, naquele momento, também saía da vida chilena.

            Mas os relatos falam da solidão de Allende, resistindo com algumas rajadas da metralhadora que talvez o tenha matado, no Palácio de La Moneda, no centro de Santiago. Allende apareceu como um vulto numa das janelas com a arma na mão, e um fotógrafo fez a foto histórica. Quem conhece essa foto lê seu olhar desesperado e não esquece, porque resumia a tristeza do mundo inteiro naquele dia.

            Hoje, seguindo a História, é de se perguntar: qual foi o destino dos golpistas? Sofrem, até hoje, a condenação do mundo pelas prisões, pelas torturas e pelos milhares de assassinatos praticados da forma mais cruel. Foram presos no estrangeiro, fazem-se passar por doentes mentais, imaginando que assim podem atenuar seus crimes de lesa-humanidade... Assassinos do seu próprio país, traidores do seu povo, carregam essa suprema vergonha por onde andam.

            E qual foi a trajetória de Salvador Allende, quando vivo e mesmo depois de morto? Seu amigo Pablo Neruda, o poeta genial que dias depois também não agüentou o golpe e deixou que a tristeza fizesse o seu coração parar, gostava de explicar que os homens dos países frios e montanhosos como o Chile sofrem de um bem - não de um mal - tão eterno quanto o gelo dos Andes: sonham. Sonham com o que possa lhes aquecer a alma: afeto, aconchego, sorriso, bem-estar, “bailes coletivos de gente com saúde”, como dizia o próprio Allende.

            Se estivesse vivo, Salvador Allende estaria agora com cem anos - lê-se hoje em todos os jornais. Coincide também - agora me dou conta disto - com a idade de minha mãe Filomena, que vai fazer cem anos no dia 24 de setembro; eles teriam, portanto, a mesma idade. Mas os chilenos que o adoravam corrigiriam esta frase: “Ele está entre nós” - disseram, enchendo as ruas de Santiago quando comemoraram o dia das eleições que levaram Allende à presidência, como o primeiro socialista latino-americano a chegar a esse cargo pelo voto popular.

            Filiado ao Partido Socialista, Salvador Allende criou em 1936 a Frente Popular, uma aliança de esquerda que foi um marco histórico para o Chile e um exemplo de caminho para a esquerda do mundo inteiro - naquela época, perseguida pelas idéias fascistas e nazistas na Europa.

            Um ano depois, em 1937, foi eleito deputado. Em 1945, chegou ao Senado. Em 1961, foi reeleito. Em 1966, ocupou a presidência do Senado.

            Era médico. Passou pelo Ministério da Saúde no governo de Pedro Aguirre Cerda e defendeu o direito à saúde plena de todos, lembrando que ela passa pela realização total do homem e que isso é impossível na convivência com a miséria. É interessante notar que, agora, nos Estados Unidos da América, 35 anos depois da morte de Salvador Allende, um dos debates mais relevantes é justamente o da democratização do direito de atendimento à saúde para todos os norte-americanos.

            Ao assumir a Presidência do Chile, no ano de 1970, Allende tenta socializar a economia chilena com base num projeto de reforma agrária e de nacionalização das indústrias. Buscava uma transição pacífica para uma sociedade mais justa. Buscando a construção do socialismo, acreditava que seria importante nacionalizar os bancos, as minas de cobres e algumas grandes empresas. Por isso, enfrentou pressões, sobretudo norte-americanas e dos segmentos mais conservadores.

            Na política internacional, Allende defendeu com vigor a soberania dos povos. Chamou atenção pela coragem, por ser o primeiro a apoiar o Marechal Tito, da ex-Iuguslávia, nos conflitos com a também ex-União Soviética. Disse que “cada povo é livre para escolher seu próprio caminho ao socialismo”. Pela mesma razão, condenou a invasão das tropas do Pacto de Varsóvia na ex-Tchecoslováquia. Preferiu ficar do lado daquele rapaz tcheco que, sozinho, atirou uma pedra num dos tanques soviéticos. A história provou que Allende estava certo.

            O mundo todo hoje lhe presta homenagem. Faz cinco anos e dois meses que a praça Santiago de Chile, em Paris, leva seu nome. Junto conosco, agora, centenas de parlamentos, escolas, sindicatos, jornais, rádios e TVs do mundo todo recordam o Presidente Salvador Allende.

            Como visionário do século XX, sabia que a luta pelo socialismo atravessaria o século XXI, porque estava apenas começando. Mais do que isso: sabia que ela não terminaria com sua morte física. Outros, no Chile e noutros países, continuariam a defender os direitos e a grandeza do homem.

            Eis as suas palavras:

Tengo fé em Chile y su destino. Superarán otros hombres el momento grís y amargo, donde la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre para construir una sociedad mejor. 

            Sua filha Isabel Allende Bussi mantém vivo seu pensamento na política chilena. Tive a honra, a alegria e a felicidade de visitar Isabel Allende e, inclusive, de ter sido convidado por ela e especialmente pela mãe do Presidente Salvador Allende, a Srª Hortensia, para almoçar em seu apartamento, numa das viagens que fiz a Santiago do Chile. Tínhamos, logo antes, visto um documentário muito bonito de um cineasta sobre o que se passou ao tempo de Salvador Allende. Então, fomos almoçar e tivemos um ótimo diálogo. Falei que, em 1973, eu, com 32 anos de idade, tinha em Salvador Allende uma das principais fontes de inspiração e de ânimo. Disse que eu tinha objetivos comuns aos dele, que eu acreditava ser possível construir uma sociedade democrática, com efetiva igualdade, de maneira tal que os princípios de justiça e de solidariedade pudessem prevalecer entre todos os membros da sociedade.

            Para nós, no Brasil, tão próximos da história do Chile, ainda resta agradecer a generosidade a Salvador Allende, que, logo após sua eleição, acolheu nossos exilados num momento muito difícil que também atravessávamos. Nós, aqui, vivíamos os piores anos do regime militar. Junto com tantos bons chilenos, centenas de brasileiros também sofreram a perseguição e a prisão nos ginásios de esportes transformados em campos de concentração. Mas, enquanto pôde, ele acolheu muitos de nossos companheiros, alguns dos quais, inclusive, hoje são membros do Governo do Presidente Lula; outros estão aqui, no Congresso Nacional, como representantes do povo.

            Tenho a convicção de que a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil tem enorme relação com toda a trajetória de Salvador Allende, já que nossas aspirações de liberdade e de justiça são as mesmas de todos os chilenos, dos que povoam as três Américas e de toda a humanidade.

            A crise que culminou na morte de Allende no Chile foi muito bem lembrada ontem na reunião da União dos Países da América do Sul (Unasul) para tratar da crise na Bolívia e para tentar evitar que, na Bolívia, ocorra algo com o Presidente Evo Morales que recorde tristemente a tragédia ocorrida com Salvador Allende. Não por acaso, os Presidentes reunidos em Santiago do Chile incluíram na declaração final do encontro a menção aos 35 anos do golpe militar que levou à morte de Salvador Allende. Em uma pausa para fechar o texto do documento, a Presidente do Chile, Michelle Bachelet, conduziu seus pares para dar uma volta no Palacio de La Moneda, levando-os justamente à sala em que o Presidente Salvador Allende morrera em 11 de setembro de 1973.

            Alguma coisa de muito bom tem ocorrido, o que, certamente, deve fazer com que Salvador Allende esteja sorrindo no céu ou onde ele estiver. Se, nas décadas de 60 e de 70, grande parte dos países sul-americanos estava submetida a ditaduras militares, muitas vezes ou geralmente apoiada pelo governo dos Estados Unidos da América, atualmente, embora as turbulências políticas continuem, a despeito da democratização iniciada nos anos 80, algo muito positivo está fazendo Salvador Allende sorrir: na Venezuela, Hugo Chávez, eleito em 1998, considera-se um irmão de ideais de Salvador Allende; no Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito em 2002 e novamente em 2006, com propósitos fraternos e solidários àqueles de Salvador Allende; na Argentina, em 2003, Nestor Kirchner é eleito Presidente, também de forma democrática, bem como o foi recentemente sua esposa, a Srª Kirchner; no Uruguai, Tabaré Vázquez foi eleito em 2004, um médico de idéias progressistas, visando a construir naquele país uma sociedade solidária e justa; no Equador, Rafael Correa, em 2005, é eleito democraticamente; Daniel Ortega novamente é eleito, com eleições livres e democráticas, em 2006; também no Chile, foi eleita Michelle Bachelet; Cristina Kirchner, como já mencionei, foi eleita em 2008; e, ainda agora, mais recentemente, Fernando Lugo foi eleito no Paraguai. Todos, sem dúvida - acredito que o próprio Presidente Eduardo Frei, eleito em 1994 -, significaram um passo na direção dos ideais que Salvador Allende proclamou.

            Então, querido Embaixador, seus compatriotas, os chilenos, têm razão: Allende vive, está entre nós e não nos deixará enquanto houver uma só pessoa, um só homem, uma só mulher, sonhando com um mundo melhor e mais generoso.

            Parabéns ao povo chileno, a todos os amigos e amigas e aos familiares de Salvador Allende!

            Também gostaria de saudar a presença de Jackson Barreto, que, há pouco, estava aqui e que é Deputado e irmão também nesses ideais.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2008 - Página 37899