Discurso durante a 174ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manifestação sobre debate realizado hoje, com a presença de dirigentes da Abin e da Polícia Federal, em razão dos últimos episódios de espionagem envolvendo os Poderes da República.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Manifestação sobre debate realizado hoje, com a presença de dirigentes da Abin e da Polícia Federal, em razão dos últimos episódios de espionagem envolvendo os Poderes da República.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2008 - Página 37911
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, DEBATE, SENADO, DIRIGENTE, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), POLICIA FEDERAL, BUSCA, ESCLARECIMENTOS, ACUSAÇÃO, ESPIONAGEM, ATENDIMENTO, SOLICITAÇÃO, ORADOR, ABERTURA, DISCUSSÃO, SOCIEDADE.
  • IMPORTANCIA, TRABALHO, IMPRENSA, DENUNCIA, REALIZAÇÃO, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), ESCUTA TELEFONICA, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ESCLARECIMENTOS, SUBORDINAÇÃO, ORGÃO PUBLICO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETIVO, GARANTIA, INFORMAÇÃO, PRIVILEGIO, DEFESA, UTILIZAÇÃO, CENTRO DE INTELIGENCIA, NECESSIDADE, REVISÃO, ATIVIDADE.
  • DEFESA, CONDENAÇÃO, RESPONSAVEL, CRIME, ABUSO DE PODER, PRESERVAÇÃO, POLICIA FEDERAL, IMPORTANCIA, COMBATE, CORRUPÇÃO.
  • INTERPELAÇÃO, TRAMITAÇÃO, POLICIA FEDERAL, INQUERITO, UTILIZAÇÃO, LOTERIA, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), LAVAGEM DE DINHEIRO, QUESTIONAMENTO, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), INFORMAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MESADA, HOMICIDIO, EX PREFEITO, MUNICIPIO, SANTO ANDRE (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CORRUPÇÃO, BANQUEIRO, DECLARAÇÃO, DIRIGENTE, AUSENCIA, PARTICIPAÇÃO, INVESTIGAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, FUNÇÃO, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), INTERFERENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INVESTIGAÇÃO, CRITICA, DIVERSIDADE, DEPOIMENTO, MEMBROS, GOVERNO FEDERAL, OCORRENCIA, MANIPULAÇÃO, INFORMAÇÕES.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Papaléo Paes, Srªs e Srs. Senadores, apenas informo aos estudantes que se encontram nas galerias que hoje é um dia atípico, já que estamos em plena campanha eleitoral, aproximando-nos das eleições, e, naturalmente, os Srs. Senadores estão ausentes, participando desta festa cívica que é a campanha eleitoral. Obviamente, gostaríamos de ver este plenário cheio de Senadores, para que os estudantes pudessem levar daqui uma melhor imagem. De qualquer forma, essa é a justificativa. Esperamos que eles possam voltar em dia de grandes debates neste plenário e de deliberações importantes, quando todos os Senadores estiverem presentes na Casa.

Mas, Sr. Presidente Papaléo Paes, participamos hoje de interessante debate, com a presença do General Félix, do Dr. Paulo Lacerda e do Dr. Luiz Fernando, dirigentes da Abin e da Polícia Federal. Alguns ex-dirigentes, em razão dos últimos episódios, foram afastados de suas funções.

Creio que o debate é oportuno, uma vez que não podemos nos conformar com o que vem ocorrendo em matéria de bisbilhotagem da vida alheia, nos últimos tempos, no Brasil: a arapongagem tomando conta, instalada em vários Estados da Federação e, lastimavelmente, chegando até mesmo ao Palácio do Planalto, uma vez que a Abin é um órgão diretamente ligado à Presidência da República e foi alvo de denúncia relativamente à espionagem realizada atingindo dois Poderes da República, o Poder Judiciário e o Poder Legislativo, colocando em risco, inclusive, a estabilidade das instituições públicas no País.

O debate sobre a Abin deve ser aberto. Hoje, quando chegamos à reunião, que seria secreta, pedimos ao Presidente da Comissão, Senador Heráclito Fortes, que consultasse os convidados para a realização de uma sessão aberta.

O Senado Federal é a Casa da transparência, não pode ser uma sociedade secreta, onde se escondem mistérios. As informações que recolheríamos no dia de hoje, e recolhemos, no debate travado durante toda a manhã, são para a sociedade brasileira, e não para serem guardadas num baú indevassável, no prédio do Congresso Nacional.

A consulta formulada aos convidados possibilitou a reunião aberta. Discutimos a Abin: a Abin se justifica? Qual o papel da Abin? Tem prestado, realmente, o serviço a que se propõe prestar ao País, ou, ao contrário, percorre descaminhos que a levam à espionagem, como se denunciou?

O Dr. Paulo Lacerda rechaçou a possibilidade de ter sido a Abin a responsável pela escuta telefônica realizada, mas concordou em que a escuta telefônica existiu, uma vez que o diálogo havido foi publicado e confirmado pelos envolvidos: o Presidente do Supremo Tribunal Federal e o Senador Demóstenes Torres.

Indaguei do Dr. Paulo Lacerda: “a denúncia dá conta de que foi um servidor da Abin que forneceu o texto do diálogo havido e nomes de autoridades do Judiciário e do Legislativo que tiveram também os seus telefones grampeados”. O Dr. Paulo Lacerda questionou o jornalista; disse que cabe ao jornalista revelar. Eu contestei, defendendo o chamado instituto do sigilo da fonte. É um instituto essencial para o País. A imprensa que investiga presta um extraordinário serviço ao Brasil na medida em que possibilita colocar-se o mal à luz, para que seja investigado, combatido, denunciado e, eventualmente, condenado. Certamente, sem esse instituto do sigilo da fonte, a imprensa não estaria cumprindo, da forma exemplar como cumpre, esse papel de investigar alguns dos escândalos que mais desencantaram o povo brasileiro nos últimos anos.

Portanto, que se preserve o sigilo da fonte, que não se exijam do jornalista esclarecimentos sobre o denunciante. Não cabe ao jornalista apontar quem forneceu a prova material desse crime. A Abin, o Governo, a Polícia Federal, o Ministério Público possuem instrumentos eficazes que possibilitam uma investigação séria; têm, portanto, todos os instrumentos para apontar responsabilidades em relação à arapongagem realizada.

Na verdade, o que prevalece até este momento é que houve uma espionagem oficial, que tem a chancela governamental. Não há como fugir dessa realidade, uma vez que a Abin é um órgão do Governo ligado à Presidência da República, com dirigentes nomeados pelo Presidente da República e tendo o Presidente como seu principal usuário. O objetivo desse órgão, dessa instituição, é exatamente municiar o Presidente da República e Ministros de Estado de informações privilegiadas.

Senador Papaléo, o General Félix afirmou que, provavelmente, muitos não sabem o que faz a Abin, o que deve fazer a Abin, qual o objetivo, quais as suas funções, e nós dissemos que todos nós temos o dever de saber qual é a função da Abin, porque a função da Abin está definida em lei, mas, certamente, nós não sabemos o que a Abin anda fazendo ultimamente. O que se noticiou mais recentemente é que a Abin está realizando espionagem, que realizou espionagem atingindo dois Poderes da República, o Judiciário e o Legislativo. Por muito menos, um Presidente da República perdeu seu mandato nos Estados Unidos da América do Norte.

Parece-me não ser essa a missão da Abin. Nós questionamos a Abin, mas deixamos claro no debate que somos favoráveis a que o Estado brasileiro tenha um sistema de inteligência, de informação e de contra-informação. Mas, para que esse sistema seja eficaz, é preciso repensar a Abin. Quem sabe existam outras formas para que o Governo brasileiro tenha inteligência, informação e contra-informação? O que há é um conflito entre instituições. Isso foi tema discutido hoje pela manhã. A Abin utilizou-se de profissionais da Polícia Federal - o que se conclui é que de forma oficial. Portanto, a Abin trabalhou para a Polícia Federal em inquéritos, ou pelo menos nesse inquérito envolvendo o banqueiro Daniel Dantas.

Nos últimos tempos, discute-se a independência da Polícia Federal, e esse foi também um dos temas. A Polícia Federal é uma instituição independente? A Polícia Federal está dividida? Existem duas Polícias Federais? A Polícia Federal é parcialmente manipulada politicamente, atendendo a interesses do Governo Federal, ou não? Dr. Luiz Fernando, peremptoriamente, rechaçou a hipótese, disse que existe uma única Polícia Federal, que não há divisão da Polícia Federal entre aquela liderada pelo Dr. Paulo Lacerda e aquela liderada por ele, Dr. Luiz Fernando; que a Polícia Federal é una. Prefiro que seja, Senador Papaléo, porque defendo a instituição.

Equívocos podem existir e devem ser condenados, mas é necessário preservar a instituição, fundamental no combate à corrupção no País e, sobretudo, essencial no combate à corrupção do colarinho branco. E é preciso reconhecer: a Polícia Federal tem realizado notável trabalho de investigação policial, tem contribuído, sim, de forma eficaz para reduzir os índices de impunidade no Brasil.

A impunidade tem prevalecido não por responsabilidade da Polícia Federal - é preciso reconhecer. Agora, é claro que nós temos que condenar eventuais equívocos cometidos por integrantes dessa instituição. Não podemos ser coniventes, passivos, porque estaríamos contribuindo para descaracterizar uma instituição da maior importância para o País.

Indaguei do Dr. Luiz Fernando sobre dois inquéritos que devem estar tramitando na Polícia Federal. O mais antigo diz respeito à lavagem de dinheiro com a utilização das loterias realizadas pela Caixa Econômica Federal.

            Há vários anos venho denunciando a hipótese de irregularidades. E, recentemente, ainda, Senador Geraldo Mesquita Júnior, visitando o pequeno Município de Piên, no Paraná, fui indagado sobre essa matéria. O que ocorreu com a denúncia? Qual foi a providência adotada? Nós denunciamos. Apresentamos projeto de lei tentando regulamentar o pagamento dos prêmios das loterias da Caixa Econômica Federal, impondo rigor para evitar falcatruas. E fomos informados, à época, que, em razão daquela denúncia, a Polícia Federal instaurava inquérito para investigar.

            Indagamos e recebemos a resposta de que seremos informados a respeito, porque o Delegado Dr. Luiz Fernando, no momento, não tinha informações a respeito desse inquérito.

            Indaguei também sobre outro inquérito. Aquele que diz respeito ao dossiê fabricado na Casa Civil, no Palácio do Planalto. Esse inquérito caminhou, avançou. O Dr. Sérgio Menezes foi promovido e transferido para São Paulo - ele presidia esse inquérito. E o Dr. Luiz Fernando nos informou que o inquérito foi remetido ao Supremo Tribunal Federal e que, agora, todas as diligências são propostas pelo Supremo Tribunal Federal e que à Polícia Federal cabe apenas aguardar instruções oriundas da Suprema Corte.

            Portanto, esse inquérito não foi concluído e estamos aguardando sua conclusão. Vamos ficar atentos, evidentemente cobrando as providências necessárias para que a sociedade brasileira possa ter resposta terminativa em relação a essa questão e a esse escândalo.

            Uma outra indagação que formulei, Senador Papaléo, ao General Félix foi se a Abin informou ao Presidente da República sobre a existência do “mensalão”. Se a Abin tem essa responsabilidade de transferir ao Presidente da República informações privilegiadas, é natural que se indague se a Abin informou ao Presidente da República sobre o “mensalão”. O que se ouviu foi que o Presidente não sabia de nada, não só nesse caso como em outros. Daí a indagação se a Abin não informa ao Presidente.

            Indaguei de um ex-Presidente da República - obviamente, por uma questão de ética, não revelo o nome - se a Abin, durante seu mandato, transferiu informações privilegiadas importantes para o Presidente da República. Ele respondeu que em nenhum momento recebeu da Abin qualquer informação de importância que já não estivesse divulgada pelos jornais do País. 

            É por essa razão que indagamos se esse investimento se justifica ou se as informações que podem ser colhidas e transferidas às autoridades pela Abin podem ser trabalhadas por outra instituição ou por outro órgão ou departamento já existente na estrutura da Administração Federal. Essa é uma questão que se discute.

            Indaguei também a respeito de outros escândalos sobre os quais, durante as investigações, sempre se alardeou que o Presidente da República de nada sabia. Indaguei, por exemplo, sobre o crime de Santo André, que abalou São Paulo, a morte do ex-Prefeito, o assassinato do ex-Prefeito de Santo André. Como decorrência daquele crime, denunciou-se que autoridades do Governo orientavam testemunhas para definir a natureza do crime, para evitar que se concluísse ser crime de natureza política, para que se concluísse que se tratava de crime comum. Indaguei se a Abin trabalhou informações e as transferiu para o Presidente da República. Indaguei também sobre casos mais recentes, de tráfico de influência, sobre esse escândalo da Varig. Afinal, fatos ocorriam na estrutura do Governo. Natural seria que o Presidente fosse informado a respeito deles.

            É evidente que tenho que indagar quem informa o Presidente. Ao que se sabe, o órgão de inteligência, a Abin tem essa função, e não apenas a de buscar informações que dizem respeito apenas a uma possível ameaça externa ao nosso país.

            As ameaças internas que comprometem a estrutura governamental também devem ser motivação para o trabalho de um órgão de inteligência, de informação e de contra-informação. Isso não vem ocorrendo no Brasil ou, pelo menos, não se sabe que isso tenha ocorrido.

            E no dia de hoje, não obtivemos respostas. O que ouvimos do General Félix é que a Abin não trabalha inquéritos. Mas não me referi a inquéritos, e sim à fase que antecede aos inquéritos policiais. Referi-me a informações preventivas que deve receber o Presidente da República, pois o Presidente da República, como guardião do Estado brasileiro, tem necessidade de receber informações privilegiadas. A função, a meu ver, essencial é esta, ou não se justifica a existência da organização.

            Nós tivemos o “mensalão”, por exemplo. Foi uma organização criminosa que operou durante muito tempo. Por quanto tempo até que ocorresse a denúncia? Por quanto tempo até que a população brasileira tomasse conhecimento da existência de Marcos Valério, do “valerioduto” e dos “mensaleiros”? Por muito tempo... E quando se debateu, especialmente durante os trabalhos da CPI dos Correios, essa questão, enfatizou-se sempre que o Presidente havia sido informado. E sempre houve o desmentido: “O Presidente não sabia de nada!” Ou a Abin informa ao Presidente ou ela tem de dizer ao País o que faz. Espionagem é o que não deve fazer. Se não fez, há que provar que não fez; se fez, há que apontar os responsáveis para o indispensável julgamento e eventual condenação e punição. Mas não deve fazer espionagem, não! Com carimbo oficial, não!

            Senador Papaléo, não avançamos muito no debate de hoje. A investigação política fica comprometida em razão da estratégia, que já é prática comum, de manipulação das informações, da distribuição de versões diferentes, numa manobra diversionista para confundir e inviabilizar a investigação.

            Se inviabilizam a investigação política, fica comprometida também a informação judiciária. Quantas versões apresentam para cada episódio? Temos inúmeros exemplos. O Governo, quando ocorre um escândalo, defende-se, inicialmente, apresentando uma versão. Quando os fatos desmentem a versão apresentada, o Governo corrige o equívoco e apresenta outra. Quando novos fatos desmentem também a nova versão, surge uma terceira. Assim, conseqüentemente, são inúmeras as versões em nome da blindagem das autoridades maiores. O que não se contempla é a preocupação com a responsabilidade maior. Responsabilizar só os inferiores; os superiores, nunca.

            Essa estratégia diversionista, essa manobra da plantação de versões que se sucede interminavelmente tem, sobretudo, o objetivo de promover a blindagem das autoridades maiores. Consagra-se a norma de que, no Brasil de hoje, a autoridade maior não deve ser responsabilizada por crime nenhum. Até tentam consagrar a tese de que o crime existe, mas o criminoso não existe.

            Muito obrigado, Senador Papaléo, pela concessão do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2008 - Página 37911