Discurso durante a 174ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a queda das bolsas no mundo e sua relação com a economia brasileira.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Reflexão sobre a queda das bolsas no mundo e sua relação com a economia brasileira.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2008 - Página 37925
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, AUSENCIA, EFEITO, BRASIL, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, REGISTRO, ANTERIORIDADE, CONDUTA, BANCADA, OPOSIÇÃO, CRITICA, PROPOSTA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), MANUTENÇÃO, ESTABILIDADE, ATUALIDADE, COMPARAÇÃO, PROGRAMA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), TENTATIVA, REDUÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA ECONOMICA.
  • IMPORTANCIA, MANUTENÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, FUNDOS PUBLICOS, IMPEDIMENTO, AGRAVAÇÃO, PREJUIZO, BANCOS, CRITICA, CRIAÇÃO, INFLAÇÃO, REDUÇÃO, CRISE, ECONOMIA.
  • APREENSÃO, POSSIBILIDADE, EFEITO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, BRASIL, MOTIVO, SUPERIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL, PROBLEMA, EXPORTAÇÃO, PRODUTO PRIMARIO.
  • DEFESA, CONTROLE, GASTOS PUBLICOS, AMPLIAÇÃO, RESPONSABILIDADE, POLITICA FISCAL, MELHORIA, BALANÇA COMERCIAL, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO, SUPERIORIDADE, AGREGAÇÃO, VALOR, ESPECIFICAÇÃO, AERONAVE, EMPRESA BRASILEIRA DE AERONAUTICA (EMBRAER).
  • DEFESA, RETIRADA, RECURSOS, SETOR, INEFICACIA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, TRANSPOSIÇÃO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, AUXILIO, ALTERAÇÃO, EXPORTAÇÃO, MELHORIA, ECONOMIA NACIONAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Alvaro Dias, está na moda falar: “Pela primeira vez, o Brasil...”.

            De fato, creio que é a primeira vez, Senador Alvaro - nós vamos fazer uma reflexão, e o senhor vai estar de acordo -, que o pânico lá fora não chega aqui, pelo menos imediatamente. É verdade!

            Agora, quero analisar duas coisas. Quero analisar primeiro a base dessa tranqüilidade; e depois quero analisar o risco dessa tranqüilidade que a gente vive.

            É claro que não houve pânico. A queda das bolsas, um pouco. Uma certa saída de dólares, um pouco. O dólar sobe, mas sobe de uma maneira até leve, não há nenhuma explosão.

            Agora, onde está a base disso? Temos que refletir e lembrar que a base disso está muitos anos atrás.

            Lembro-me que, quando Pedro Malan fez o Proer, ele foi criticado por quase todos os lados, sobretudo pelo lado daqueles que fazem parte do Bloco de Esquerda, no qual me situo. Mas não fui dos que o criticaram.

            Hoje, o que o governo americano está fazendo é um Proer caótico. Aqui pelo menos foi organizado. Custou um dinheirão. Não há dúvida nenhuma de que custou um dinheirão, mas evitou quebradeira de bancos. A gente sabe que, se acontece, as conseqüências são mais graves do que esse dinheiro que se gasta.

            As conseqüências são o desemprego, a quebradeira, e são necessários longos anos para uma recuperação. Eu não vou discutir os detalhes do Proer, de que muitos nem se lembram mais. O Senador Alvaro Dias se lembra bem e se lembra das críticas que foram feitas ao Presidente Fernando Henrique e ao Ministro Pedro Malan. Mas imaginem se, naquela época, tivesse acontecido no Brasil o que está acontecendo agora nos Estados Unidos. Foram medidas necessárias, como estão sendo necessárias nos Estados Unidos, mas quero fazer alguma reflexão sobre isso.

            Então, a base dessa tranqüilidade que estamos vivendo no meio de um caos que acontece lá fora não é fruto de circunstâncias atuais, mas de um processo de amadurecimento brasileiro. Amadurecimento que se deu lá atrás, há dez ou doze anos, quando se fez o Proer. Amadurecimento da responsabilidade fiscal. Ou seja, um pilar dessa tranqüilidade está no Governo Fernando Henrique Cardoso, e seria um erro histórico e também técnico negar isso. Não podemos negar que outro pilar está no Governo Lula, porque o Governo Lula poderia ter chegado quebrando a responsabilidade fiscal, tomando medidas que impedissem o funcionamento equilibrado do sistema bancário. Em vez disso, o Presidente Lula foi, sim - e é até o momento -, um Presidente que teve a responsabilidade. Temos de reconhecer que essa tranqüilidade que a economia está vivendo no Brasil é fruto de um amadurecimento, de uma espécie de pacto não escrito entre o Governo anterior e o Governo atual, no sentido de nenhum deles fazer aventura, como o Brasil estava acostumado a fazer ao longo dos anos.

            A diferença é que, aqui, a crise se chamava inflação. Há uma reação muito grande quando se pega dinheiro público e se investe para salvar um banco. Eu acho que o dono do banco deveria ir para a cadeia. Temos que discutir, isto sim, o lado moral, colocar-se dinheiro para salvar um banco e deixá-lo nas mãos de um banqueiro que teve como função destruir o banco. Isso não pode, é uma questão moral. No entanto, economicamente, deixar que um banco quebre pode ser um prejuízo maior do que investir nele e protegê-lo, o que é, muitas vezes, necessário.

            O Presidente Mitterrand, socialista, um dia estatizou o setor bancário inteiro, logo que assumiu seu primeiro mandato, para evitar problemas desse tipo. É um sistema que funciona na base da confiança. Quebrou-se a confiança, descobriu-se que o banco não tem dinheiro suficiente para cobrir todos os depósitos, não apenas ele, mas também os outros começam a quebrar. Em seguida, vem a indústria e todo o setor econômico.

            Tivemos um amadurecimento, o amadurecimento de parar a inflação, que é a outra maneira, mais perversa ainda, de se salvar um banco. Em vez de pegar dinheiro público para salvar uma instituição financeira, cria-se uma inflação que fica tirando dinheiro do povo todos os dias e enganando o povo ao dizer que lhe dá dinheiro aumentando os salários, mas tirando-se dinheiro dele no final do mês pelo excesso de emissão de dinheiro. De forma disfarçada, transfere-se dinheiro do setor público para outros setores. A inflação é a maneira de esconder o que está sendo feito agora nos Estados Unidos para salvar o sistema financeiro. Vai custar muito dinheiro, que deveria ir para a educação, para a saúde, para a infra-estrutura, mas termina indo para salvar um banco. É por causa da responsabilidade anterior. Começou-se a exigir responsabilidade fiscal do Governo, mas não se exigiu responsabilidade fiscal do sistema bancário privado, das entidades de financiamento de construção civil. Fizeram uma verdadeira farra, como naqueles jogos em que cada um vende duas, depois quatro, e depois seis, as chamadas pirâmides. Quando alguém descobre que não vai dar certo, a pirâmide cai inteirinha. O que aconteceu no sistema financeiro mundial ultimamente foi uma espécie de pirâmide que foi enganando cada um e todos se enganando também.

            Amadurecemos no Brasil através de uma política de responsabilidade fiscal, da intervenção no momento certo para não permitir que o sistema bancário quebrasse. E não amadureceremos se o Presidente Lula continuar a aceitar isso - apesar de antes ter sido um grande crítico -, e se o Partido dos Trabalhadores também aceitar, como aceitou. Não falo como crítica, mas, ao contrário, como elogio, apesar de ter criticado antes. É outra discussão. Da mesma maneira que a gente pode discutir se o banqueiro cujo banco iria quebrar deve ser preso ou se deve ficar solto, por ser uma questão moral - mas o banco deve ser salvo, porque os correntistas têm de ser protegidos -, podemos discutir a coerência de se ter uma posição antes e agora se ter outra. Mas não podemos discutir que foi um acerto.

            Senador, essa é a primeira reflexão, o problema da base da tranqüilidade em que a gente vive.

            Agora quero falar do risco dessa tranqüilidade. Se essa tranqüilidade, Senador Suplicy, não vem com uma luz amarela bem acesa, com cuidados especiais, ela pode ser o estopim para a crise vir um dia mais forte ainda. E aí vejo três pontos. O primeiro são os gastos públicos. Continuar elevando os gastos públicos, Senador Suplicy, hoje é um risco ainda maior do que há seis meses, do que há dois anos. No momento em que o mundo inteiro entra em crise e o Brasil mantém-se tranqüilo e cria a ilusão de que tudo está bem, de que não haverá problemas lá na frente, estamos caminhando para incentivar que a crise chegue, e dura.

            Acho que o Presidente e o Ministro da Fazenda não devem, em nenhuma hipótese, ser instrumentos de pessimismo, porque isso gera mais pessimismo. Mas eles não podem ser instrumentos de ilusionismo.

            Nós vivemos perigo, sim. E o primeiro perigo é o problema do gasto público. Tem que haver uma reafirmação da responsabilidade fiscal de uma maneira firme, como foi no começo do Governo Lula, como foi durante o período do Ministro Palocci. Mas não quero dizer pelo Ministro, porque quem manda é o Presidente. Tem que retomar aquele momento de fechamento das torneiras dos gastos públicos, senão essa tranqüilidade pode se transformar depois na descoberta da ilusão que ela representa.

            O segundo problema é o déficit na balança comercial. É claro que a crise vai ajudar a uma recuperação das exportações e a uma redução das importações, porque, na medida em que o dólar sobe em relação ao real, vamos ter uma redução dos gastos com importações, inclusive com o turismo, e vai haver uma melhora na perfomance das empresas exportadoras, porque elas vão ter incentivos para exportar. Entretanto, isso provavelmente não acontecerá, porque, embora haja a desvalorização do real, o conseqüente incentivo às exportações vai coincidir com a queda no preço das commodities das mercadorias que exportamos, por causa da crise internacional e também porque, quando o dólar fica mais forte em relação à nossa moeda, é mais fácil exportar, mas leva anos, pelo menos meses, para que esse efeito cambial chegue como um efeito material na balança comercial. Você não consegue exportar só porque o preço da sua mercadoria caiu aqui dentro em relação ao dólar. Leva meses para se fazer o contato, para retomar o importador lá fora, para funcionar através do verdadeiro fluxo de dificuldades que é conseguir colocar uma mercadoria no exterior.

            Então, é preciso analisar o déficit da balança comercial, para o qual já se vem alertando há bastante tempo. Eu mesmo já fiz aqui diversos discursos. O déficit produz um buraco, uma escassez de dólares no Brasil, mesmo com uma reserva de duzentos bilhões. Mesmo com uma reserva elevada, o déficit na balança comercial pode rapidamente levar o dólar para fora e fazer o Brasil cair numa crise cambial.

            Volto a insistir: se a crise lá fora traz o efeito positivo, na balança comercial, de elevar o valor do dólar, de tornar mais fácil exportar, de tornar mais difícil importar, com o preço das nossas mercadorias caindo lá fora, o efeito não vai ser como a gente espera.

            Dois riscos que eu vejo por conta da tranqüilidade: não nos preocuparmos com o buraco na balança comercial e não nos preocuparmos duramente com o problema dos nossos gastos públicos crescentes.

            O terceiro, antes de passar o aparte ao Senador Suplicy, é o problema do longo prazo.

Mesmo sem crise internacional, mesmo que ela não chegue aqui, a longo prazo a economia brasileira não conseguirá florescer por muitas décadas - não falo em meses nem anos - se a gente não mudar o perfil do produto de exportação brasileiro.

            Ter uma economia com o potencial da brasileira, baseada internacionalmente na exportação de ferro, na exportação de soja, na exportação dos chamados bens primários, é ir contra o tempo.

            No século XXI, os grandes setores exportadores serão aqueles que têm alto conteúdo tecnológico dentro dele, do produto. É isso o que a gente tem de procurar para fazer com que o Brasil se transforme numa potência permanente. Nossos produtos deviam ser do tipo dos aviões da Embraer. Esses são produtos com conteúdo tecnológico. E olhe que menos do que devemos pretender, porque grande parte do conteúdo tecnológico do avião da Embraer é importado: os chips, os componentes eletrônicos, grande parte é importado. Nós estamos, sobretudo, montando, o que já é uma grande coisa; nós estamos, sobretudo, com a engenharia do corpo do avião, o que já é uma grande coisa; com a montagem das peças do avião, o que já é uma grande coisa. Mas os conteúdos realmente tecnológicos, de ponta, nós estamos importando.

            Vejo, portanto, Senador, três riscos nessa tranqüilidade. A primeira delas é criar a ilusão de que tudo vai bem, quando dois fatos mostram riscos imediatos: a crise cambial e os gastos públicos. Ao mesmo tempo, a longo prazo, nós podemos antecipar crises ou pelo menos, se não crise para que a economia caia, a crise no sentido de que não permita ela subir com a velocidade que queremos. É a falta de conteúdo de alta tecnologia na nossa balança de exportações. Somos uma balança de exportações ainda fortemente definida, influenciada pela exportação de bens primários.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Ou de produtos industriais que nós apenas montamos; nós não desenvolvemos os componentes. Esses componentes, daqui para frente, servirão de geração de valor. O valor das coisas não vem mais tanto da quantidade de trabalho, não vem tanto da quantidade de matéria-prima; o valor das coisas vem, daqui para frente, da quantidade de conhecimento que existe lá dentro.

            E venho, portanto, dizer aqui que, neste momento em que o Brasil pela primeira vez - repetindo o que o Presidente Lula gosta sempre de dizer - entra numa crise internacional sem turbulências muito grandes, com uma tranqüilidade razoável, com pequenos efeitos negativos que até aqui não dão para sentir problemas maiores, nós precisamos refletir sobre os dois pontos: a base dessa tranqüilidade e os riscos dessa tranqüilidade.

            As bases dessa tranqüilidade eu ponho num grande pacto nacional automático, que não foi preciso escrever, entre o Governo Fernando Henrique e o Governo Luiz Inácio Lula da Silva, de dar continuidade a certas bases da política econômica baseadas na responsabilidade fiscal, no respeito e em certo cuidado com as instituições financeiras.

            E os riscos, eu repito, são três: balança comercial, com seu déficit; gastos públicos, com seu crescimento; e falta de uma política de longo prazo para fortalecer os nossos setores produtores de conhecimento. E que esses conhecimentos penetrem na matriz de produção industrial e até agrícola e de serviços, fazendo com que o Brasil seja um país exportador de conhecimento, de ciência, de tecnologia, que é a verdadeira matéria-prima, que é a verdadeira base da economia do futuro.

            Peço ao Presidente permissão para conceder o aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Cristovam Buarque, ambos estamos sendo convidados para a Comissão pelo Presidente Heráclito Fortes, que nos aguarda, mas achei importante trocar idéias com V. Exª nesta reflexão importante sobre a crise mundial e os seus efeitos sobre a economia brasileira. Eu tive a oportunidade de ouvir o Ministro Guido Mantega, na segunda-feira pela manhã, no 5º Fórum de Economia, na Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. Ali, no diálogo com economistas tais como Luiz Carlos Bresser Pereira, Yoshiaki Nakano, Carlos Antônio Rocca, Gomes de Almeida, Eliana Cardoso e tantos outros, houve um reconhecimento de cuidado, mas, ao mesmo tempo, de otimismo, com respeito à situação brasileira, que, mesmo diante desse verdadeiro furacão nas bolsas internacionais e no próprio Brasil por causa dos eventos de concordata, de grande ajuda do FED a instituições financeiras de grande porte nos Estados Unidos, que denotam, certamente, uma crise muito forte ali, reconhecida por todos. Ainda assim, o Brasil vem despontando com um crescimento da ordem de 6,1%, com um crescimento da oferta de emprego em termos recordes neste ano, com uma taxa de inflação considerada moderada - sob controle ela está -, tudo combinado ainda com diversas políticas sociais que fizeram com que o Brasil, de 2003 para cá, a cada ano, conseguisse diminuir tanto o número de pessoas em condição de pobreza absoluta como também o coeficiente Gini de desigualdade socioeconômica. E os indicadores de que a economia pode ser considerada com razoável segurança, diante desses ventos tão fortes que ocorrem no mundo, estão, por exemplo, colocados em razão de um volume de reservas recordes superior a US$200 bilhões e também da relação entre, por exemplo, valor de exportações ou mesmo do PIB com respeito ao endividamento. Ou seja, o endividamento, hoje, tem uma proporção muito menor em relação ao PIB e em relação ao valor das exportações. Sim, é importante tomar os devidos cuidados para que, de repente, não haja uma situação na balança de pagamentos, na balança de contas correntes que deteriore rapidamente a condição de equilíbrio externo, podendo, de repente, haver uma desvalorização muito acentuada da moeda. Se o dólar, que, por quase três anos, em relação ao Real, foi se valorizando, nestes últimos dois ou três meses, se valorizou para um patamar que pode até ser interessante para os exportadores. Se, de repente, sair de controle e der um salto, aí viria uma ameaça que, inclusive, poderia prejudicar a meta de estabilidade de preços. Mas o Ministro Guido Mantega pareceu muito responsável no cuidado que está tendo com as medidas que estão sendo adotadas, ressaltando, inclusive, que é meta do Governo brasileiro manter não apenas um superávit primário, mas um superávit nominal nas contas públicas de tal forma que não haverá gastos excessivos. Por outro lado, é claro que, quando V. Exª diz para tomar cuidado com os gastos públicos, ao mesmo tempo V. Exª tem insistido em que haja uma destinação de recursos mais intensa para a educação, para a promoção do progresso tecnológico e assim por diante. Então, é muito importante pensarmos no conteúdo de gastos que tragam racionalidade e efetivo bem-estar não apenas no curto prazo, mas na possibilidade de o Brasil se preparar inclusive para exportar mais e mais. Felizmente, o Brasil hoje já exporta com uma diversificação na sua pauta de exportações muito maior do que o que acontecia há vinte, há trinta anos. V. Exª mesmo mencionou as exportações da Embraer, mas sabe V. Exª que são muitos os setores hoje das indústrias automobilísticas, de autopeças, mecânica e de produtos tecnologicamente avançados. É claro - tem V. Exª razão - que melhor será se exportarmos um volume maior de recursos com valor adicionado e tecnológico acentuado. Mas avalio que as ponderações de V. Exª são importantes para chamar a atenção do nosso Ministro Guido Mantega e de toda a sua equipe. Meus cumprimentos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador. Eu quero concluir dizendo...

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Eu vou lá para a nossa reunião. Inclusive para falar da Bolívia.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu quero dizer que não vim aqui falar, de maneira alguma, no pessimismo. Hoje, sou otimista, mas há dois otimismos: existe o otimismo iludido e o otimismo preocupado. O meu é um otimismo preocupado. E só o otimismo preocupado é capaz de fazer com que se saltem barreiras. O otimismo iludido faz você se chocar com as barreiras, porque você não vê a barreira em frente. É o otimismo preocupado que faz você saltar as barreiras. Eu tenho, sim, um otimismo preocupado. Defendo aumentos de gastos no setor educacional, no setor científico e tecnológico, mas tirando de outros setores. Não aumentando outros setores e ainda aumentando esses, não dá! Aí é a irresponsabilidade fiscal. O que me preocupa é que tem havido aumento de gastos em setores improdutivos, em setores que não vão trazer a novidade. E essa novidade, quero concluir lembrando, é o conteúdo científico e tecnológico dentro dos nossos produtos, tanto os de exportação como aqueles que nós consumimos aqui dentro.

            Nós falamos muito, ao longo das últimas décadas, do setor primário, do setor secundário e do setor terciário, como sendo o de serviços. Mas hoje já há um outro setor. É o setor que vai além do primário, do secundário e do terciário. Nem é só de produtos agrícolas e minerais, como o primário; nem só de produtos industriais, como o secundário; nem só de produtos terciários, como o de serviços. É um setor da produção de ciência e tecnologia, que está dentro dos outros três. Quando você exporta soja, ali dentro tem um conteúdo científico e tecnológico que, graças à Embrapa, já tem um pouco produzido no Brasil, mas ainda tem uma parte importada. Quando a gente fala no industrial, no automóvel, tem uma parte de ciência e tecnologia, e quase sempre lamentavelmente importada. O nosso setor automobilístico não é um autoprodutor de bens de ciência e tecnologia, nem mesmo a autopeça. Os aviões da Embraer já têm mais conteúdo científico e tecnológico, mas grande parte da ciência e tecnologia de ponta ainda é importada. E o setor de serviços também. Você abre um hotel, mas quando você vai fazê-lo funcionar, o software foi importado. Grande parte do produto que gera a estrutura de funcionamento é importada sob o nome de uma das redes de hotel. A gente paga royalties a essas redes para funcionar um hotel aqui dentro. Por isso, vale a pena continuar otimista, mas é preciso um otimismo preocupado e não um otimismo iludido.

            A crise lá fora chegará aqui dentro, mas poderá chegar leve ou forte, dependendo de como cuidamos dos gastos públicos, de como cuidamos da saúde das instituições financeiras, de como cuidamos do problema da balança comercial. E, passada a crise, o futuro dessa economia só será de fato uma economia como nós queremos para o século XXI, se mudarmos o perfil, se formos um país exportador de bens, desse novo setor da economia do conhecimento. Isso exige investimentos hoje, mas com responsabilidade, não aumentando todos os gastos, mas aumentando esses gastos, a ciência e tecnologia que vêm da educação, reduzindo gastos em setores improdutivos que, tradicionalmente, o patrionalismo brasileiro faz com que seja desperdício de recursos.

            Vamos manter o otimismo, mas preocupado, e vamos reconhecer no otimismo o papel que Governos anteriores tiveram para que a gente pudesse atravessar esta crise com a tranqüilidade que o Brasil está tendo e que nunca teve antes.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2008 - Página 37925