Discurso durante a 176ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manifestação quanto à decisão a ser tomada pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare) e pelo STF, relativamente ao pedido de extradição do Sr. Cesare Battisti. Comentários sobre artigo de autoria do jurista Dalmo de Abreu Dallari, sobre o direito ao asilo, bem como sobre artigos de Mino Carta, Wálter Maierovitch e da Sra. Fred Vargas, referentes à questão.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. DIREITOS HUMANOS.:
  • Manifestação quanto à decisão a ser tomada pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare) e pelo STF, relativamente ao pedido de extradição do Sr. Cesare Battisti. Comentários sobre artigo de autoria do jurista Dalmo de Abreu Dallari, sobre o direito ao asilo, bem como sobre artigos de Mino Carta, Wálter Maierovitch e da Sra. Fred Vargas, referentes à questão.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/2008 - Página 38003
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • EXPECTATIVA, DECISÃO, COMITE NACIONAL, REFUGIADO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), PEDIDO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, EXTRADIÇÃO, PRESO POLITICO, SENTENCIADO, ACUSADO, HOMICIDIO, COMENTARIO, LEITURA, TRECHO, APOIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIA, PROFESSOR, JURISTA, DEFESA, ASILO POLITICO, MOTIVO, PROCESSO JUDICIAL, NATUREZA POLITICA, NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, DIREITOS HUMANOS.
  • COMENTARIO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, JURISTA, OPOSIÇÃO, ASILO POLITICO, ESTRANGEIRO, DEFESA, ACEITAÇÃO, PEDIDO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ITALIA, EXTRADIÇÃO, PRESO POLITICO, ALEGAÇÕES, NECESSIDADE, PUNIÇÃO, CRIMINOSO, TERRORISMO, REGISTRO, INDEFERIMENTO, ORADOR, RESPONSAVEL, EDIÇÃO, DIVULGAÇÃO, CARTA, AUTOR, HISTORIADOR, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, RESPOSTA, CONTESTAÇÃO, PUBLICAÇÃO.
  • APOIO, ALEGAÇÕES, LEITURA, TRECHO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA, AUTORIA, HISTORIADOR, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, DEFESA, INOCENCIA, PRESO POLITICO, ASILO POLITICO, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS, COMPROVAÇÃO, INEXATIDÃO, PROVA PERICIAL, PROVA TESTEMUNHAL, QUESTIONAMENTO, CONDUTA, AUTOR, DENUNCIA, CRIME, ADVERTENCIA, ERRO, INQUERITO, UTILIZAÇÃO, TORTURA, PROCESSO JUDICIAL, NATUREZA POLITICA.
  • ANALISE, MOTIVO, MANUTENÇÃO, PEDIDO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, EXTRADIÇÃO, PRESO POLITICO, IMPEDIMENTO, QUESTIONAMENTO, VALIDADE, SENTENÇA JUDICIAL, DIVERSIDADE, CIDADÃO, PERIODO, AUTORITARISMO.
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, PRISÃO, ESTRANGEIRO, PRESO POLITICO, DEFESA, INOCENCIA, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, CONSELHO NACIONAL, REFUGIADO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INVESTIGAÇÃO, ASSUNTO, CONCESSÃO, ASILO POLITICO.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente, Senador Alvaro Dias, Srs. Senadores Marco Maciel, Renan Calheiros e outros que estão chegando, está para ser tomada a importante decisão, primeiro, pelo Conare (Comitê Nacional para Refugiados) que examina esses casos e, depois, pelo Supremo Tribunal Federal, relativamente a se atender ou não o pedido de extradição do Sr. Cesare Battisti, que se encontra hoje detido aqui em Brasília, na Papuda, depois de permanecer algum tempo nas dependências da Polícia Federal.

            No último sábado, o Professor Dalmo de Abreu Dallari publicou um artigo no Jornal do Brasil sobre o direito ao asilo, direito humanitário, em termos que me parecem extremamente justos, de bom senso, de forma tal a atender os princípios constitucionais brasileiros.

            O Professor Dalmo Dallari, professor e jurista eminente, foi presidente da Comissão de Justiça e Paz, e é um dos mais respeitados juristas brasileiros, professor de Direito da Universidade São Francisco e autor de inúmeras obras que são muito utilizadas por todos os estudantes de Direito no Brasil.

            Abro aspas para suas palavras:

Quando as relações internacionais são regidas pelo direito, os conflitos de interesses são resolvidos por meios pacíficos, buscando soluções justas e com respeito recíproco entre os Estados envolvidos. Um dos pontos fundamentais desse avanço, que deve ser creditado, em grande parte, ao Brasil, pelo extraordinário desempenho de Rui Barbosa na Segunda Conferência da Paz de Haia, em 1907, é o respeito à igualdade de direitos de todos os Estados, sem a concessão de privilégios aos mais poderosos militar ou economicamente e sem degradar as relações internacionais, reduzindo-as a uma troca de favores entre governantes.

            Rui Barbosa, que é como que o nosso patrono inspirador de todos os Senadores, por ter sido um extraordinário membro desta Casa e tão importante sempre foi sua contribuição.

A par disso, em defesa de sua própria soberania, mas também para salvaguarda do princípio da igualdade de direitos, que é de interesse universal, os Estados têm o dever de não abrir mão de seu direito à igualdade, que é parte de sua soberania, não aceitando acordos nem fazendo cortesias que impliquem uma renúncia a esse direito.

É importante e muito oportuno que isso seja lembrado agora, quando as autoridades brasileiras deverão decidir se deverá ser acolhido um pedido de asilo formulado pelo italiano Cesare Battisti, refugiado político que a Itália pretende que seja extraditado. Perseguido por suas atividades de jovem militante de um movimento político armado, há cerca de trinta anos, durante os chamados "anos de chumbo", quando direita e esquerda se confrontaram com extremos de radicalismo, Battisti refugiou-se primeiro na França, quando o governo Mitterrand ofereceu abrigo aos que desistissem da luta armada. Depois, quando um novo governo francês fez acordo com o governo italiano e em troca de algumas compensações prometeu entregar os refugiados, veio para o Brasil, onde vivia pacificamente com sua família, desenvolvendo sua atividade de escritor, com vários livros já publicados. Um dado importante é que Cesare Battisti é acusado pelo governo italiano de ter praticado quatro homicídios, o que ele sempre negou, tendo sido julgado e condenado à revelia, sem a possibilidade de exercer seu direito de defesa.

Neste momento estão pendentes no Brasil um pedido de extradição formulado pelo governo italiano e um pedido de asilo, pelo reconhecimento de sua condição de refugiado, apresentado formalmente por Cesare Battisti. Cabe aqui lembrar que as atividades de que ele é acusado caracterizam, sem qualquer dúvida, crime político e a Constituição brasileira estabelece expressamente, no artigo 5º, inciso LII, que "não será concedida extradição de estrangeiro por crime político". Além disso, no artigo 4º, onde são enumerados os princípios que regem as relações internacionais do Brasil, consta, no inciso X, "concessão de asilo político". Comentando esse dispositivo, observa o eminente constitucionalista José Afonso da Silva que, pela Convenção sobre Asilo Político aprovada pela ONU, essa proteção a pessoas perseguidas por motivos políticos é considerada de caráter humanitário, ficando, assim, cada Estado com o direito de fixar suas regras sobre o assunto.

Adverte, ainda, o eminente jurista, que o Estado ao qual é pedida a concessão do refúgio é quem deve fazer a qualificação jurídica dos fatos imputados ao requerente do asilo, pois "a tendência do Estado de origem do solicitante é de negar a natureza política do delito imputado e dos motivos da perseguição, para considerá-lo crime comum". Assim, pois, ambas as decisões, sobre o asilo e a extradição, devem ser rigorosamente pautadas pelos princípios e normas da Constituição brasileira, sem aceitar pressões das autoridades italianas e sem fazer concessões que configurem uma indigna subserviência do Estado brasileiro.

            Pois bem, Sr. Presidente, ainda recentemente a revista Carta Capital publicou artigos do eminente jurista que foi Secretário Nacional Antidrogas, Sr. Wálter Fanganiello Maierovitch, pessoa com quem tenho uma relação muito construtiva, de muito respeito dele para comigo.

            Nos dois artigos, “Na mesma medida”, de 15 de agosto de 2008 e “Um noir para o Judiciário”, de 27/06/2008,, ele argumenta que o Sr. Cesare Battisti teria cometido, sim, crimes comuns.

            E eu avaliei que seria importante pudesse a CartaCapital, onde ele publicou este artigo, publicar um esclarecimento, ou o devido direito de defesa. E justamente a escritora francesa Fred Vargas, aquela que hoje tem nada menos que quatro livros na lista dos mais vendidos na França - tem o primeiro livro mais vendido na França -, portanto uma escritora de extraordinário reconhecimento, que conheceu de perto Cesare Battisti e, conhecendo a sua história, ouvindo os seus argumentos, ficou mais do que persuadida de que ele não cometeu aqueles quatro assassinatos.

            Então, tendo conhecimento pessoal de Fred Vargas, eu encaminhei para o Sr. Mino Carta e para o Sr. Wálter Maierovitch um artigo da Srª Fred Vargas. Entretanto, o Sr. Mino Carta, responsável editorial, avaliou que não seria o caso de publicá-la, apenas publicando um editorial “Aos criminosos, punição”, onde ele diz:

Por intermédio do senador Eduardo Matarazzo Suplicy, recebemos uma longa missiva da escritora e historiadora francesa Fred Vargas, em defesa de Cesare Battisti, apontado como ex-membro do grupo denominado Proletários Armados para o Comunismo (PAC).

Numa apertada síntese e pelo juízo externado pela missivista, Battisti não cometera e nem teve participação em nenhum dos crimes de assassinato pelos quais acabou definitivamente condenado pela Justiça italiana, postuladora da sua extradição.

Cumpre observar que os argumentos agora apresentados - muitos deles conhecidos por meio da leitura do livro de Battisti, recém-publicado no Brasil -, não sensibilizaram a Justiça francesa, quando apreciou igual pedido de extradição. Esta não foi efetivada por ter Battisti, ao prever o resultado, fugido para o Brasil.

Sobre valorar relatos, apreciar vícios, acertos ou erros da Justiça italiana, isso poderá ser mais adequado numa revisão criminal, estabelecido o contraditório com o Ministério Público. Ou, talvez, pelas nulidades apontadas pelo nosso Supremo Tribunal Federal, a quem compete apreciar o pedido de extradição, cujo procedimento se encontra suspenso. Até agora, na Itália, na França e na Corte de Direitos Humanos da União Européia, os relatos de Battisti não convenceram.

Não temos, de todo modo, elemento algum, nem mesmo indiciário, para concluir, como faz a missivista, que “Razão de Estado”, consagradora de injustiça, levou dois governos italianos, de centro-esquerda e o atual, de direita, a pedir a extradição de Battisti.

Convém ficar registrado que CartaCapital tem posição firmada: acusados de assassinatos e torturas e, portanto, de crimes de lesa-humanidade, devem ser responsabilizados criminalmente.

            Pois, bem, acredito, Sr. Presidente, que seria próprio, adequado e justo, até em defesa da liberdade de imprensa que sempre Mino Carta defendeu, que ele pudesse também ter divulgado o artigo de Fred Vargas que avalio seja importante ser do conhecimento público. E, por essa razão, aqui vou lê-lo.

            Diz Fred Vargas, num artigo que a CartaCapital preferiu não publicar:

No artigo Um noir para o Judiciário, publicado pela CartaCapital em 27 de junho do corrente, Wálter Fanganiello Maierovitch afirma que Cesare Battisti, condenado na Itália à prisão perpétua em 1988, cometeu quatro crimes, em 1978 e 1979, os anos de chumbo italianos, e dá os detalhes: um tiro direto contra o guarda da prisão, Antonio Santoro; crime contra o joalheiro Pierluigi Torregiani; um tiro direto, no mesmo dia, contra o açougueiro Lino Sabbadin e, por último, um tiro direto contra o agente de polícia Andrea Campagna. O artigo destaca que a natureza destes crimes não é política, mas apenas de direito comum. Ressalta, igualmente, que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não aceitou o pedido de Battisti porque sua fuga da Itália em 1981 foi a razão da sua ausência durante o andamento do processo. Afirma, por último, que este processo, de acordo com o parecer do Procurador-Geral da República, Antonio Fernando de Souza, não foi maculado por nulidade. Todavia, o artigo menciona que Cesare Battisti afirma ser inocente em relação aos crimes, mas não dá maiores detalhes desta declaração. Por quê?

É impossível a uma historiadora que sou e a uma cidadã apegada à verdade e à justiça não reagir perante o erro e a transformação da realidade ainda que involuntárias. Cesare Battisti não cometeu estes quatro crimes. Não participou destes homicídios. Podemos mostrar, por um conjunto surpreendente de elementos autênticos, que essa inocência é verídica. Com base nos fatos, o leitor poderá fazer o seu próprio julgamento sobre a real responsabilidade de Cesare Battisti e, sobretudo, sobre as razões pelas quais foi transformado ontem e ainda hoje num “culpado ideal”.

O que o artigo de Wálter Fanganiello Maierovitch não diz é que Cesare Battisti estava presente, na Itália, durante o andamento de seu primeiro processo (1979-1981), quando foi julgado com outros membros do seu antigo grupo político (PAC, Proletários Armados para o Comunismo). Contudo, o chefe do grupo, Pietro Mutti, ainda não havia sido preso por suas atividades e prosseguia a luta armada.

Battisti entrou no grupo em 1977, onde permaneceu até o outono de 1978, tendo-o deixado, juntamente com outros companheiros, por não concordar com a primeira ação realizada pelo grupo, que resultou no assassinato do guarda Antonio Santoro. Quando este primeiro processo, relativo aos quatro homicídios, foi examinado, Battisti nunca foi acusado de participar, nem pela polícia durante as investigações, nem pelos juízes. Por isso a justiça o condenou, em 1981, a 12 anos e 10 meses de prisão, por “pertencer a grupo armado”, “porte de armas” e “subversão”. Esta sentença corresponde, com efeito, à atuação política de Battisti e não por crime comum. Acrescentamos que, durante a tramitação deste processo, inúmeros réus foram torturados e nenhum sequer, mesmo sob tortura, mencionou o nome de “Battisti”.

Quando Battisti fugiu da prisão italiana, em outubro de 1981, não era, por conseguinte, para “fugir à justiça”, como foi dito [por Fanganiello e por Mino Carta, sem razão,] dado que o seu processo já havia sido concluído. A fuga foi para escapar das terríveis condições da prisão na época. Quando chegou ao México, em 1982, ele ignorou por completo as notícias da época sobre a detenção do chefe do grupo, Pietro Mutti, e a abertura de um segundo processo. Battisti não imaginou que esse passo fosse balançar tanto a sua vida.

Pietro Mutti foi acusado, por dois inquéritos policiais, um do Digos de Milão e outro do CC (Carabinieri) de Udine, de ter disparado contra Antonio Santoro. A esse respeito, foi condenado à prisão perpétua. Por isso, a partir da sua detenção, Pietro Mutti - que foi igualmente torturado - se disse arrependido, assim como o chefe Arrigo Cavallina, o ideólogo do grupo. Numerosos outros membros do PAC também adotaram o estatuto de “arrependido” ou de “dissociado”. Neste segundo processo, de acordo com a nova lei italiana, quando um dos réus adotava o estatuto de “arrependido”, era beneficiado com reduções da pena e até mesmo com a liberdade. Tudo isso em troca das suas denúncias. Um “dissociado”, uma forma mais leve de arrependimento, diminuía igualmente a condenação, mas para isso o acusado teria que dar indícios mais diretos e confirmar as informações.

Para obter a sua liberdade, Pietro Mutti simplesmente acusou Cesare Battisti de ter disparado contra Antonio Santoro, quando na verdade ele próprio é quem atirara, e declarou-se apenas cúmplice. Mutti, todavia, reconheceu que não foi Battisti quem tivera problemas na prisão com o guarda Santoro, mas o próprio chefe, Cavallina, e afirmou: “Foi Cavallina quem primeiro disse o nome de Santoro. Devo dizer que foi Cavallina quem insistiu que o adjudante fosse assassinado”. (Tribunal de Recurso, 16.02.1990.) Para este mesmo assassinato, Pietro Mutti acusou uma mulher, Spina, de cumplicidade (o cúmplice de Pietro Mutti era realmente Migliorati). Posteriormente, Spina foi reconhecida como inocente (10. 1993).

Este é um fato, incontestável, que prova claramente o caráter totalmente mentiroso e enganoso das declarações de Pietro Mutti. Foi assim que ele conseguiu sua absolvição no processo pelo assassinato de Santoro, colocando a culpa toda em Battisti, que foi condenado pesadamente. Pietro Mutti não se limitou a essa acusação. Ele colocou sobre os ombros de Cesare Battisti a culpa pela quase totalidade dos atos do PAC no que se refere aos homicídios e ataques a bancos.

Diante disso, algumas perguntas ficam no ar: por que um único homem teria cometido todos esses atos, quando o grupo contava com 60 membros ativos? E acima de tudo, por que justo um dos mais jovens membros do grupo, um dos últimos a ter ingressado e que nunca fora chefe, foi condenado por todos os crimes?

É importante compreender porque Pietro Mutti acusou, especialmente, o seu antigo camarada Battisti. Recordemos que, com essa atitude, Pietro Mutti seguiu pelo menos uma das “regras” dos grupos armados: acusar os ausentes, que já se sabia em segurança no estrangeiro, a fim de proteger os presentes. Mas esta não é a única razão. Pietro Mutti, com suas acusações, vingou-se porque considerava Cesare Battisti um “duplo traidor”: primeiro porque Battisti tinha pedido a dissolução do grupo e o deixara em 1978; segundo, porque Battisti se recusou a integrar o novo grupo armado de Mutti (os “COLP”) após a sua fuga, para a qual contou com a ajuda de Mutti. Além disso, três motivos levaram Pietro Mutti a acusar Battisti: razões de interesse - obter sua própria liberdade; razões coletivas - proteger certos membros do grupo; e razões pessoais - vingar-se do “traidor”.

Soma-se a isso o fato de que, devido à amplitude e ao número de suas acusações, Pietro Mutti - que a justiça utilizou durante oito anos em outros processos - tornou-se, com Barone, um dos mais famosos arrependidos da época. As suas extravagâncias e contradições eram tantas que o tribunal ameaçou, caso ele continuasse a mentir de forma ineficaz, retirar a sua proteção e colocá-lo na mesma cela com aqueles a quem ele tinha denunciado. Em 1993, a própria Justiça italiana reconheceu as incessantes mentiras e o caráter não confiável de Pietro Mutti: “Este arrependido [Mutti] é um freqüentador assíduo dos jogos de azar entre os seus diferentes cúmplices, quando introduz Battisti na ação à mão armada de Viale Fulvio Testi para salvar Falcone, ou ainda Battisti e Sebastiano Masala em vez de Bitti e Marco Masala ação a mão armada contra armurerie “Tuttosport”, ou, ainda, Lavazza ou Bergamin em vez de Marco Masala em dois assaltos a mão armada em Verone.” (Tribunal de Milão, 31 de março, 1993).

Pietro Mutti cometeu um segundo erro capital quando negou estar presente nos lugares do atentado contra o açougueiro Lino Sabbadin, e acusou Battisti de ter entrado na loja e atirado contra o comerciante. Ao mesmo tempo, Giacomin, o outro chefe do PAC, reconheceu que ele mesmo havia atirado contra Sabbadin. Pietro Mutti foi obrigado então a alterar o seu “testemunho”: admitiu ter entrado na loja com Giacomin. O que dizer então de Battisti? Reconhecer sua ausência era cometer uma mentira desmedida que faria com que ele perdesse a credibilidade dos juízes. Mutti manteve a participação de Battisti no crime, mas como o simples motorista, que ficou no carro, no lado de fora. Foi por isso que Battisti foi condenado como cúmplice deste atentado, e não pelo “tiro”, como escreve Wálter Fanganiello Maierovitch em seu artigo. É importante mencionar que uma testemunha descreveu este cúmplice (o motorista) como um homem de estatura média e com cabelos “castanhos louros” (Tribunal, 02.90). Battisti tem cabelos pretos.

            Sr. Presidente, vou pedir uma ligeira tolerância de mais cinco minutos, porque se trata de uma defesa que precisa ser completa, se me permitem os Srs. Senadores.

Pietro Mutti mentiu três vezes, de maneira incontestável: pelo homicídio de Santoro, acusando Spina em vez de Migliorati, e Battisti em vez dele próprio (de acordo com os inquéritos de polícia), e pelo homicídio de Sabbadin, denunciando Battisti em vez de Giacomin.

Se Mutti mentiu, assim gravemente, no caso destes dois homicídios, enviando, sem escrúpulos, um homem e uma mulher para a prisão perpétua por crimes que eles não cometeram, por que acreditar nele no que se refere aos outros dois atentados?

Cometidos no mesmo dia, o atentados contra Lino Sabaddin e Pierluigi Torregiani estão ligados e foram organizados juntos. Se Battisti não participou no crime contra Sabbadin, como vimos, e que foi cometido anteriormente, porque estaria envolvido no crime contra Torregiani? Mutti não pode acusar Battisti de ser um atirador, porque os quatro homens do comando contra Torregiani já tinham sido identificados: Masala, Grimaldi, Fatone e Memeo, sendo este último o atirador. Mutti então acusou Battisti de ter “organizado” o atentado, mesmo sabendo que já fora confirmado que uma das reuniões de preparação teve lugar na sua própria casa. Além disso, não se poderia acreditar que um jovem membro é que iria organizar um duplo assassinato, com o conhecimento de seu chefe sem que este chefe fosse o primeiro responsável. Recordemos que nesta época, Battisti não era mais membro do PAC, uma vez que ele saíra do grupo há vários meses. Graças a essas delações, colocando a culpa em Cesare Battisti, Pietro Mutti foi absolvido por este assassinato.

A não-participação de Battisti nesta operação é confirmada pela história do quarto e último atentado do PAC, que teve lugar dois meses depois, contra o agente de polícia Andrea Campagna. Quando dos interrogatórios que precederam o primeiro processo de Battisti, os policiais riram dele, imaginando-o como autor deste homicídio, porque, diziam, ele deveria estar calçando sapatos com saltos de pelo menos 16cm de altura. Sobre este detalhe temos apenas a palavra de Cesare Battisti, mas que é confirmada pelos testemunhos que descreveram o agressor como um homem “barbudo com cabelos louros” e “muito alto, cerca 1,90m”, ou seja, 20cm mais alto que Cesare Battisti.

            No entanto, e contra este testemunho visual, Pietro Mutti acusou Cesare Battisti de ter atirado contra Campagna e declarou que o seu cúmplice era Memeo (o atirador contra Torregiani, dois meses antes). Memeo, que se constituiu dissociado e que a esse respeito era obrigado a dar informações, declarou que a arma utilizada no crime contra Torregiani era a mesma que fora utilizada no crime contra Campagna. Com efeito, o exame de balística confirmou esta informação.

            Por outro lado, nota-se que Pasini Gatti foi o primeiro que informou aos investigadores o assassinato de Campagna: e Gatti “indica que é Memeo que lhe falou e que das suas palavras acreditou compreender que era ele mesmo [Memeo] que tinha tirado”. (Tribunal de Milão, 1990).

            No apartamento emprestado, onde Cesare Battisti vivia clandestinamente com outros camaradas desde que deixara o grupo no ano anterior, a polícia apreendeu várias armas. A balística provou que todas eram virgens e que nunca haviam disparado um tiro sequer. Façamos uma pergunta lógica: se Battisti tinha de fato atirado contra Campagna, por que ele iria correr o risco de portar a arma de Memeo (uma arma considerada muito perigosa devido à sua utilização recente no crime contra Torregiani), uma vez que tinha à sua disposição outras armas, no próprio lugar onde ele vivia?

            É necessário acrescentar que nenhuma prova material e muito menos nenhum testemunho visual confirmaram estas acusações sistemáticas de Pietro Mutti. Quanto aos membros do PAC que confirmaram o fato, são todos “arrependidos”, como Cavalina e Masala, ou “dissociados” como Memeo, Barbeta, Tirelli ou Berzacola. Todos eles se beneficiaram com a redução de suas penas em troca das suas declarações. Graças às suas acusações, o chefe Pietro Mutti foi liberado após oito anos de “serviço” junto dos tribunais. Livre, ele deixou a Itália e ninguém sabe onde ele está. Enquanto isso, as conseqüências extremamente graves das suas acusações continuam a ameaçar a vida de Cesare Battisti. O chefe ideológico de Mutti, o arrependido Arrigo Cavalinna, foi condenado apenas a 15 anos de reclusão (16.02.90), uma penalidade evidentemente leve. Cesare Battisti, o jovem homem ausente, foi o único do grupo a ser condenado à prisão perpétua, justo ele que inegavelmente figura neste processo como bode expiatório para os membros mais responsáveis do PAC e para os chefes.

            Sr. Presidente, vou pular o restante, pedindo que seja considerado como lido, e apenas ler os dois parágrafos finais.

Porque reconhecer a inocência de Cesare Battisti seria para aItália um ato com conseqüências políticas muitos graves! Seria, simplesmente, pôr em questão a validade das 4.087 condenações pronunciadas durante os anos de chumbo contra os ativitas da extrema esquerda. O governo italiano estaria reconhecendo a não-confiabilidade dos arrependidos e dissociados, a existência possível dos veredictos injustos, a existência das torturas, dos julgamentos coletivos de grupos de 20 ou mais de 100 pessoas. Com isso, estaria abrindo uma porta a uma escalada de reivindicações de numerosos condenados que exigem uma justiça verdadeira e não essa antiga justiça de exceção aplicada no período de exceção, com leis de exceção. Teria de reabrir centenas de processos.

Isto explicará sem dúvida ao leitor porque, para o governo italiano, Cesare Battisti deve permanecer culpado, e silencioso. Isto é a Razão de Estado, a razão política deste “caso Battisti”, tão imperiosa para um home de direita como Silvio Berlusconi quanto para uma homem de centro-esquerda como Romano Prodi. Pode-se facilmente compreendê-lo, mas a realidade histórica é muito diferente: Cesare Battisti não cometeu os assassinatos pelos quais foi acusado pelo seu chefe, Pietro Mutti, liberado pelos tribunais há 18 anos. Em seu livro Minha fuga sem fim, Battisti assim escreveu: ele “era meu amigo e se tornou meu carrasco”.

Deve-se, pela Razão de Estado, deixar Cesare Battisti ser condenado definitivamente à prisão perpétua?

         Sr. Presidente, peço, inclusive, que sejam também transcritos, assinalados, até para não se dizer que não registrei todos os documentos, com todos os pontos de vista, tanto os artigos mencionados de Wálter Franganiello Maierovitch, como o editorial de Mino Carta e, também, a carta que, posteriormente, Fred Vargas enviou ao próprio Mino Carta, que ele preferiu não publicar.

            Gostaria de dizer que inclusive procurei ter uma impressão pessoal de Cesare Battisti, o visitei na Polícia Federal e na Papuda, e o que ele me disse foi que, de fato, ele pertenceu ao PAC, a este movimento revolucionário, mas que depois que aconteceu o seqüestro e a morte de Aldo Moro, Primeiro-Ministro Presidente da Itália, ele se recusou a participar de qualquer ação armada que pudesse significar a morte e o ferimento de quem quer que seja, e, portanto, ele não mais pertenceu a qualquer grupo armado. Pelo menos esta foi a impressão sincera que tive dele. De tal maneira que eu não sou testemunha dos fatos e aqui registro as ...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ... espero que, com toda isenção, o Conari e o Supremo Tribunal Federal, examinando todos os elementos, cheguem à conclusão - pelo menos com a qual estou de acordo, que, neste caso, cabe, sim, o direito ao asilo, como um direito humanitário.

            Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, agradeço muito a tolerância de V. Exª, bem como a dos Senadores Renan Calheiros e Marco Maciel.

            Insisti em falar para completar os argumentos.

            Muito obrigado.

 

********************************************************************************

(SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY.)

********************************************************************************

 

********************************************************************************

DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

********************************************************************************

Matérias referidas:

- “Na mesma medida” - Wálter Fanganiello Maierovitch;

- “Um noir para o Judiciário” - Wálter Fanganiello Maierovitch.

- Aos criminosos, punição

- “Senhor Editor” (Fred Vargas);

- “Direito ao asilo: direito humanitário” (Jornal do Brasil);


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/2008 - Página 38003