Discurso durante a 168ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a intranqüilidade gerada em Mato Grosso do Sul, em decorrência da política indigenista do Governo.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Preocupação com a intranqüilidade gerada em Mato Grosso do Sul, em decorrência da política indigenista do Governo.
Publicação
Publicação no DSF de 10/09/2008 - Página 37237
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, POSIÇÃO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO, ENSINO SUPERIOR, ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), COMPETENCIA, DESENVOLVIMENTO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, BRASIL, INTERNACIONALIZAÇÃO, REGIÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), DIVULGAÇÃO, PROTESTO, INICIATIVA, SINDICATO RURAL, MUNICIPIO, DOURADOS (MS), OPOSIÇÃO, DECISÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), DEMARCAÇÃO, TERRAS, BENEFICIO, COMUNIDADE INDIGENA, DEFESA, PRODUÇÃO, PRODUTOR RURAL.
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, DESEQUILIBRIO, ZONA RURAL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), RESULTADO, INEFICACIA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), EFETIVAÇÃO, POLITICA INDIGENISTA, REGISTRO, MOVIMENTAÇÃO, SEM-TERRA, REGIÃO, BUSCA, OPORTUNIDADE, DESENVOLVIMENTO, TRABALHO, PRODUÇÃO, CRITICA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), AUTORIA, INICIATIVA, LUTA, TERRAS, INCENTIVO, MANIFESTAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA.
  • COMENTARIO, JULGAMENTO, DECISÃO, LIMINAR, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), LEITURA, TEXTO, RELATOR, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), IMPORTANCIA, DOCUMENTO, ESCLARECIMENTOS, DEBATE, SITUAÇÃO, INDIO, BRASIL.
  • NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, RESPONSAVEL, POLITICA INDIGENISTA, ATUALIZAÇÃO, PROBLEMA, DEMARCAÇÃO, TERRAS, REGISTRO, VONTADE, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), DESENVOLVIMENTO, PACTO, SETOR, AGROPECUARIA, BUSCA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POSSIBILIDADE, INCLUSÃO, SOCIEDADE.
  • CONCLAMAÇÃO, ATENÇÃO, SENADOR, NECESSIDADE, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, INDIO, OBJETIVO, PROTEÇÃO, SEGURANÇA, DESENVOLVIMENTO, PROCESSO, INCLUSÃO, SOCIEDADE.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Em primeiro lugar, eu gostaria de associar-me às manifestações da Senadora Ideli Salvatti quanto à avaliação da educação, que tem dado a Santa Catarina um lugar de destaque no cenário nacional. Mas, ao fazê-lo, por questão de justiça, preciso parabenizar a gestão do Ministro Haddad, que, indiscutivelmente, tem sido um dos auxiliares mais competentes do Presidente Lula. Seguramente, a área da educação está em boas mãos, já que se está fazendo uma avaliação, e, quando se avalia a qualidade do ensino, na verdade, está-se avaliando a qualidade do investimento público. E, na área da educação, justiça seja feita, o Presidente Lula tem conseguido resultados auspiciosos para a juventude e para o futuro deste País.

            Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me traz a esta tribuna nesta tarde é outro fato. Fato que não tem a mesma característica dessa manifestação feita pela Senadora Ideli Salvatti. É um fato que está gerando uma intranqüilidade, que está gerando uma ansiedade muito grande num Estado produtor como é Mato Grosso do Sul, que, de repente, se vê ameaçado por uma miopia que toma conta de outra área do Governo, a área que cuida da política indigenista.

            Infelizmente, não temos nada a comemorar com relação à política indigenista, porque a Funai, em vez de cuidar efetivamente daquilo que os índios estão enfrentando de dificuldades, está procurando levar o campo a uma desestabilização que tem ameaçado o sistema produtivo nacional.

            A notícia que quero comentar, Sr. Presidente, foi dada pela imprensa de Mato Grosso do Sul, em particular pela imprensa da Grande Dourados. O jornal O Progresso, que tenho em mãos, em chamada de sua primeira página, desta segunda-feira, traz a seguinte manchete: “Dourados diz não à demarcação”. Diz a chamada: “Cerca de cinco mil pessoas foram às ruas para protestar contra portarias da Funai que ameaçam a propriedade”.

            É o seguinte o texto da matéria:

Mais de cinco mil pessoas participaram do protesto realizado pelo Sindicato Rural de Dourados, na manhã de sábado, e disseram não à demarcação de terra prevista nas Portarias 788, 789, 790, 791, 792 e 793, editadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Foi o maior protesto já realizado no município, com a participação de famílias de produtores rurais, lideranças empresariais, trabalhadores na agroindústria e no comércio, além de entidades representativas de classe. A passeata “contra a demarcação e a favor da produção”, como foi chamado o movimento, partiu da Câmara Municipal e seguiu até a Praça Antônio João. À medida em que a passeata avançava pela Avenida Marcelino Pires, a maioria dos comerciantes abaixava as portas em solidariedade ao protesto dos produtores rurais. Na noite de sexta-feira, a Câmara Municipal realizou uma audiência pública sobre a demarcação de terras e, no final, elaborou a “Carta de Dourados”, marcando posição contra as portarias da Funai.

            Essa notícia é inquietante, Sr. Presidente, porque, a partir do momento em que a Funai anunciou a edição dessas portarias, na verdade, tirou a relativa paz que estava existindo no campo em Mato Grosso do Sul. Digo relativa paz porque o Estado já tem sido objeto de uma grande manifestação, de uma grande movimentação de trabalhadores sem-terra, que buscam oportunidades de um pedaço de chão para trabalhar e para produzir. E isso, quando nasce da vontade dos próprios trabalhadores, da sua organização, da sua iniciativa, obedece a uma lei natural da democracia; porque a democracia é isto mesmo: ela permite e estimula a organização e a busca de melhores dias para todos aqueles que são excluídos e que buscam uma oportunidade de inclusão social.

            No entanto, o que estava acontecendo na questão dos sem-terra é que a iniciativa não era propriamente dos sem-terra, mas do próprio Incra, que estimulava e instigava os trabalhadores a irem para as ruas e para os bloqueios das estradas em vez de buscar uma negociação política em primeiro lugar.

            Entretanto, mal acalmaram essas atividades, porque o Incra do Estado deixou de financiar tais movimentos, que hoje obedecem à iniciativa única e exclusiva dos trabalhadores, começa agora esse movimento para preservar aquilo que é também estimulado por outro órgão, que não é estatal, porque a Funai, de fato e de direito, é uma entidade civil, mas que cumpre a função, outorgada pelo Estado, de tutelar os interesses dos indígenas do nosso País. Assim, a Funai acaba despertando para uma luta - a situação era de relativa tranqüilidade -, estimula a ocupação de áreas produtivas, faz com que investidores e produtores rurais tenham de repensar os seus investimentos e cria uma situação de instabilidade no Estado.

            Há poucos dias, acompanhamos pari passu o rumoroso julgamento da Reserva Raposa Serra do Sol, que não fora concluído. Mas o voto do Relator serviu para aclarar alguns tópicos muito importantes na discussão da questão indígena não só da Raposa Serra do Sol como também de outros Estados, como é o caso de Mato Grosso do Sul.

            Eu gostaria até, Sr. Presidente, de ler um pequeno texto do voto do ilustre Relator, Ministro Ayres Britto, para que os produtores que me ouvem neste instante, pela ondas da TV Senado, tenham um pouco de tranqüilidade com relação à abordagem feita a respeito desse assunto tanto no plano jurídico quanto no plano político, aqui no Senado Federal. E destacarei aqui um trecho muito elucidativo para quem tem interesse na discussão e na compreensão dessa questão indígena.

            O texto do Ministro Ayres Britto merece ser avaliado por outros Estados que enfrentam problemas nessa importante área social do nosso País. E o título do trecho que passo a ler é o seguinte: “O conteúdo positivo do ato de demarcação das terras indígenas”.

            Passo a ler:

Passemos, então, e conforme anunciado, a extrair do próprio corpo normativo da nossa Lei Maior o conteúdo positivo de cada processo demarcatório em concreto.

Fazemo-lo, sob os seguintes marcos regulatórios:

I - o marco temporal da ocupação. Aqui, é preciso ver que a nossa Lei Maior trabalhou com data certa: a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) como insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, ‘dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam’. Terras que tradicionalmente ocupam, atente-se, e não aquelas que venham a ocupar. Tampouco as terras já ocupadas em outras épocas, mas sem continuidade suficiente para alcançar o marco objetivo do dia 5 de outubro de 1988. Marco objetivo que reflete o decidido propósito constitucional de colocar uma pá de cal nas intermináveis discussões sobre qualquer outra referência temporal de ocupação da área indígena. Mesmo que essa referência estivesse grafada em Constituição anterior. É exprimir: a data de verificação do fato em si da ocupação fundiária é o dia 5 de outubro de 1988, e nenhum outro. Com o que se evita, a um só tempo: a) a fraude da subitânea proliferação de aldeias, inclusive mediante o recrutamento de índios de outras regiões do Brasil, quando não de outros países vizinhos, sob o único propósito de artificializar a expansão dos lindes da demarcação; b) a violência da expulsão dos índios para descaracterizar a tradicionalidade da posse das suas terras, à data da vigente Constituição. Numa palavra, o entrar em vigor da nova Lei Fundamental Brasileira é a chapa radiográfica da questão indígena nesse delicado tema da ocupação das terras a demarcar pela União para a posse permanente e usufruto exclusivo dessa ou daquela etnia aborígine. Exclusivo uso e fruição (usufruto é isso, conforme Pontes de Miranda) quanto às ‘riquezas do solo, dos rios e dos lagos’ existentes na área-objeto de precisa demarcação (§ 2º do art. 231), devido a que ‘os recursos minerais, inclusive os do subsolo’, já fazem parte de uma outra categoria de ‘bens da União’”

            Então, Sr. Presidente, o Ministro Relator deixou claro aqui que há um marco regulatório, e, no caso de Mato Grosso do Sul, as reservas indígenas estavam devidamente demarcadas. Cada aldeia sabia, de plano, de fato e de direito quais seriam os limites de sua ocupação.

            De sorte que voltar com um assunto que já está vencido, um assunto que já foi absorvido pela Constituição Federal, só serve mesmo para provocar uma agitação, uma perturbação ao campo e comprometer a produção de Mato Grosso do Sul.

            Para que V. Exª tenha uma idéia, Sr. Presidente, o que está sendo veiculado lá em Mato Grosso do Sul e que a própria Funai se encarrega de difundir é que cerca de um terço do território de Mato Grosso do Sul, de uma área cujas reservas já foram demarcadas, que já estão devidamente administradas nos termos da Constituição de 88, que já foram absorvidas pela Constituição de 88, pela Constituição vigente, essa área é uma das mais ricas. Segundo o que a Funai apregoa, quase um terço dessa área seria suscetível a novos estudos, com a probabilidade de se confiscarem, do sistema produtivo de Mato Grosso do Sul, nada mais nada menos que 10 milhões de hectares de terra; ou, segundo a Funai, não chega a todo esse número, mas seriam mais de três milhões de hectares.

            Portanto, é muito grave a situação. Hoje, os negócios de terra em Mato Grosso do Sul já se arrefeceram, os investidores já estão deixando de fazer seus investimentos, e há um clima de inquietação. O próprio produtor está naquela dúvida se compensa ou não fazer investimentos.

            Para que V. Exªs tenham uma idéia, essa região da Grande Dourados é responsável pela produção de seis milhões de toneladas de grãos. Isso corresponde a mais de 60% da produção de Mato Grosso do Sul.

            Nessa mesma região, Sr. Presidente, a produção do chamado milho safrinha é de 2,8 milhões de toneladas, ou seja, mais de 70% da produção do milho safrinha de todo o Mato Grosso do Sul provém dessa região. Portanto, a região está inquieta. Essa manifestação exprime o clima que existe na Grande Dourados, com toda a razão: nessa mesma região se localizam cerca de 30% das propriedades rurais de Mato Grosso do Sul.

            Por tudo isso, Sr. Presidente, é preciso que aqueles que estão formulando a política indigenista brasileira reflitam sobre as repercussões negativas que isso está trazendo à produção e que deixem, efetivamente, aquela mentalidade que tem pontilhado a política indigenista brasileira. Os antropólogos que são responsáveis pela formulação dessa política, inclusive pelas demarcações das reservas, porque a eles é conferida essa atribuição, é preciso que entendam que, hoje, é inimaginável adotar uma política indigenista que retroaja aos anos de 1500. Quer dizer, o que se busca atualmente é tratar a questão indígena como se vivêssemos atualmente ainda no século XVI. Isso é um absurdo que não se pode imaginar.

            Veja, por exemplo, Sr. Presidente, a grande aspiração de uma grande parte das reservas indígenas de Mato Grosso do Sul é conseguir autorização para celebrar contratos de parceria agropastoris. Essa é uma grande aspiração. Ou seja, o índio está na busca, Senador Valdir Raupp, de renda que lhe propicie melhores condições de vida, que lhe propicie condições de inclusão social, que lhe propicie uma melhor educação para seus filhos, que lhe propicie melhores condições de saúde. E, no entanto, essas questões mais práticas, essas questões mais pontuais, a Funai não enfrenta. Ela entende, ela faz a leitura, Sr. Presidente, como se o índio fosse aquele que foi encontrado aqui em 1500.

            Hoje, em Mato Grosso do Sul, temos as aldeias urbanas. O Governador André Puccinelli, quando exercera a Prefeitura Municipal de Campo Grande, entendendo que a política indigenista tem que operar com o realismo, o que ele fez? Criou a aldeia urbana de Campo Grande. E essa aldeia urbana, hoje, é responsável pela colocação, no mercado consumidor de Campo Grande, de todos os produtos que vêm do campo, que vêm das aldeias.

            Pois bem, essas experiências são olhadas com desdém pela Funai, porque a Funai está parada no tempo e no espaço, lá no ano de 1500.

            Ao fazer este alerta aqui, que é mais um capítulo que se insere nesta grande novela indigenista que está, ao fazer este registro, Sr. Presidente, deste capítulo a mais, desta novela que se trava com relação à política indigenista, quero alertar os colegas que compõem o Senado Federal que, efetivamente, é preciso que esta Casa tome uma posição, uma posição que seja mais realista, que seja mais consentânea com os tempos que vivemos, que leve ao índio, sim, a proteção, que leve ao índio, sim, toda a segurança necessária à sua sobrevida, mas que leve em conta que o índio, o que busca hoje, mais do que nunca, é sua inclusão social. E o maior compromisso que nós temos de assumir é com a inclusão social do índio, é com o seu padrão de vida, é com as suas condições, que precisam melhorar.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/09/2008 - Página 37237