Discurso durante a 168ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão acerca do escândalo dos grampos ilegais.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexão acerca do escândalo dos grampos ilegais.
Publicação
Publicação no DSF de 10/09/2008 - Página 37375
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ILEGALIDADE, OCORRENCIA, ESCUTA TELEFONICA, ATUALIDADE, SEMELHANÇA, PROBLEMA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, TELEFONIA.
  • COMENTARIO, DESCOBERTA, ESCUTA TELEFONICA, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, PRISÃO, BANQUEIRO, CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), LIBERAÇÃO, ACUSADO, CORRUPÇÃO.
  • DEFESA, INADMISSIBILIDADE, ESCUTA TELEFONICA, INSTITUIÇÃO PUBLICA, PREJUIZO, ESTADO DE DIREITO, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, SOLICITAÇÃO, URGENCIA, PROVIDENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, ELOGIO, AFASTAMENTO, ACUSADO, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), NECESSIDADE, INVESTIGAÇÃO, BUSCA, RESPONSAVEL, MOTIVO, DELITO.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, ORADOR, RELATOR, PROJETO, COMISSÃO MISTA, CONGRESSO NACIONAL, RESPONSAVEL, CONTROLE EXTERNO, ATIVIDADE, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), PROPOSIÇÃO, OBRIGATORIEDADE, REGISTRO, EQUIPAMENTOS, ESCUTA TELEFONICA, IMPEDIMENTO, PARTICULAR, AQUISIÇÃO, INSTRUMENTO, CONTINUAÇÃO, SITUAÇÃO, AMEAÇA, DEMOCRACIA, PAIS.
  • INFORMAÇÃO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, COMISSÃO MISTA, BUSCA, RESPONSAVEL, CRIME, COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, CONVOCAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA DEFESA, DEPOIMENTO, ESCLARECIMENTOS, PROBLEMA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, INVESTIGAÇÃO, POSSIBILIDADE, EXISTENCIA, ESCUTA TELEFONICA, SENADO, SOLICITAÇÃO, APOIO, POLICIA FEDERAL, EXECUÇÃO, TRABALHO, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, GARIBALDI ALVES FILHO, PRESIDENTE, SENADOR, REALIZAÇÃO, PERICIA.
  • REPUDIO, POSSIBILIDADE, UTILIZAÇÃO, ILEGALIDADE, ESCUTA TELEFONICA, AUTORIDADE, OBSTACULO, TRABALHO, POLICIA FEDERAL, APURAÇÃO, CRIME, BANQUEIRO, ACUSADO, CORRUPÇÃO.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Romeu Tuma, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, inicio meu pronunciamento acerca do escândalo dos grampos ilegais citando o sociólogo Léo Lince: “Quando o poder público se deixa dominar pela ideologia privatista, a sociedade passa a funcionar como um aglomerado de hordas. Guerra de todos contra todos, insegurança generalizada”. É sob essa ótica que quero discutir o assunto.

Todos nós sabemos que, com os recursos da moderna tecnologia, qualquer araponga pode grampear sem autorização judicial. Tanto os que brigam entre si, protegidos pelo manto do aparato estatal, quanto os chamados empreendedores da iniciativa privada. Um bom exemplo são os donos das empresas telefônicas, que usam sua posição privilegiada no reforço do interesse próprio. Quero lembrar a todos que, no início do projeto de privatização da telefonia, vivenciamos o caso dos famosos grampos da Telebrás. Até o Presidente da época, Fernando Henrique Cardoso, foi grampeado.

Recentemente, o assunto veio à tona. Foi justamente no momento em que a Polícia Federal deflagrou a operação Satiagraha e prendeu o banqueiro Daniel Dantas. 

Infelizmente, o Ministro Presidente do STF, Gilmar Mendes, passando por cima das provas coletadas pela PF e pelas instâncias jurídicas, determinou, por duas vezes, a soltura do todo-poderoso e bem articulado Dantas. Foi nesse momento que apareceram as primeiras denúncias de que integrantes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), teriam participado da operação ilegalmente. Agora, a Revista Veja trouxe reportagem, denunciando que o Ministro Gilmar Mendes, Presidente do STF, e o Senador Demóstenes Torres tiveram um telefonema grampeado, o qual foi devidamente transcrito nas páginas da revista.

É totalmente inadmissível que agentes públicos façam ações criminosas e promovam escutas, autorizadas por seus superiores ou não, a mando de particulares poderosos ou não. Isso atenta contra o Estado de direito e ataca as liberdades individuais. Isso exige, Sr. Presidente, providências urgentes.

Vejo como positivo o afastamento da cúpula da Abin, mas isso não é suficiente. Em primeiro lugar, é necessária uma criteriosa investigação acerca da denúncia, verificando a veracidade da mesma, identificando os responsáveis e as motivações do delito. Em segundo lugar, é necessário que o Poder Público ofereça garantias de que as agências de inteligência funcionarão conforme reza nossa Constituição. Sem um Poder Público controlado democraticamente pela cidadania e capaz de se sobrepor aos pontos fortes do poder privado, a República tende a se decompor por falência múltipla dos órgãos. Em terceiro lugar, é necessário sermos rigorosos nas punições das escutas privadas, mudando a legislação, para que a punição seja mais forte, desestimulando não só os agentes públicos, mas também os arapongas privados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é comum o anúncio nos jornais dos serviços de detetives particulares, e não há na legislação brasileira nenhuma regulamentação para esse tipo de atividade. São escutas ilegais feitas de forma absurdamente criminosa.

Então, a questão não está afeita apenas aos agentes do Estado, que, eventualmente, exorbitam nas suas atribuições, nas suas obrigações, mas é necessário também regular, de uma vez por todas, a escuta legal e a adoção de mecanismos de controle pelo Estado.

Sou Relator de um projeto da reunião secreta da Comissão Mista do Congresso encarregada do controle externo das atividades de inteligência. O projeto trata da obrigatoriedade do registro dos equipamentos comprados em qualquer empresa que forneça...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - É projeto de minha autoria...

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - É projeto da autoria de V. Exª...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - E o Senador Aldemir é o Relator e já está em comissão para votação.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Exato. O projeto de V. Exª está para ser votado. Inclusive, provavelmente observando o mérito do projeto apresentado por V. Exª, quem sabe eu poderia apresentar uma sugestão: uma emenda que determine quem pode, quem deve adquirir esse tipo de equipamento.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Desculpe-me, mas fui Relator da matéria. Só a Polícia Judiciária e a Polícia Federal podem grampear. Portanto, só eles podem adquirir o produto.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Exato, mas não há, na lei...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Temos que punir quem vende para terceiros e quem faz uso do produto sem estar devidamente legalizado.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Mas a questão também é de outra natureza...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) -... importações ilegais...

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - ... no sentido da proibição de que particulares possam adquirir livremente esses equipamentos sem nenhum controle, Senador Wellington Salgado.

A questão não está restrita apenas aos agentes do Estado, que podem, desviando-se das suas obrigações, das suas funções, fazer escutas ilegais. Essa é uma questão. A outra é a escuta ilegal patrocinada por particulares, às vezes cidadãos, individualmente, às vezes até empresas, que, portanto, merecem a adoção de mecanismos bastante rígidos para se pôr termo a essa bisbilhotagem desenfreada, criminosa, que virou prática comum no nosso País.

A continuidade dessas práticas ilegais ameaça as conquistas democráticas adquiridas de forma tão difícil, com muita luta, com muita mobilização social.

Sr. Presidente, desde o início da tarde está sendo realizada uma reunião da Comissão Mista do Congresso Nacional responsável pelo acompanhamento e fiscalização externa das atividades de inteligência, que é composta por membros da Comissão de Relações Exteriores do Senado e da Câmara, pelos Líderes da Maioria e da Minoria. Neste momento, S. Exªs dão continuidade à reunião secreta, numa sala de reuniões daqui, do Senado Federal, em que procuram identificar responsabilidades por esses crimes que têm sido amplamente denunciados.

Não seria correto dizer que houve efetivamente deliberação e ação institucional da Abin para promoção desse tipo de grampo, até porque isso não faz parte das suas atribuições. Mas, eventualmente, o que deve ter ocorrido é a contratação de agentes para prestação de um serviço ilegal, que tem o repúdio de toda a consciência democrática do nosso País.

V. Exª esteve presente na reunião, para a qual, com certeza, ainda devemos retornar, porque ela continuará até o esgotamento pelo menos do diálogo que estamos tendo com o Diretor-Geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa; com o Dr. Paulo Lacerda, Diretor afastado da Abin, bem como com o General Armando Félix, Ministro do Gabinete de Assuntos Institucionais da Presidência da República.

Esperamos que desse esclarecimento e desse debate...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Aliás, o Senador Heráclito fez um requerimento, convocando mais quatro diretores da Abin, de vários segmentos, para deporem hoje.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Exato.

Também apresentei requerimento, que deve ser votado ainda durante a reunião secreta da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, para que seja convocado o comparecimento à Comissão do Exmº Sr. Ministro da Defesa, Nelson Jobim, tendo em vista a afirmação feita por S. Exª, nos jornais, de que a compra de equipamentos de escuta para a Polícia Federal, para o Exército e para outros órgãos, feita pela Abin, com a finalidade de rastreamento, também teria a função...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Se V. Exª me permitir, ele usou da palavra durante entrevista na televisão.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Exatamente.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - O que requeri hoje, se V. Exª me permitir,...

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Pois não, Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - ... é que a Comissão faça uma diligência in loco com peritos, para saber. Não precisa fazer acareação, se o Dr. Paulo diz que não tem e ele diz que tem, mas verificar in loco se o equipamento é útil também para grampear telefone ou é só para rastreamento.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Exato. Esse esclarecimento haverá de ser feito, tendo em vista haver uma enorme contradição entre as afirmações do Ministro da Defesa e as afirmações do diretor afastado da Agência Brasileira de Inteligência. Esses fatos, evidentemente, precisam ser esclarecidos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como esses fatos têm atingido diretamente o Senado, na medida em que a imprensa tem relacionado um número de Senadores que teriam sido ilegalmente grampeados, é muito importante que seja feita uma investigação também aqui, na Casa, garantindo a cada Senador e a cada Senadora que seus telefones não serão alvo de escutas ilegais.

À tarde, durante a reunião dos Líderes, oficiei ao Presidente Garibaldi Alves um pedido para que seja feita uma perícia externa da Polícia Federal, complementar ao serviço já realizado pela Polícia Legislativa, que afirma não haver detectado indício de que os grampos tenham sido feitos no Senado. Porém, esse levantamento foi feito apenas nos gabinetes dos Senadores que foram relacionados nas reportagens, que teriam sido vítimas de grampos ilegais. E a nossa solicitação ao Presidente Garibaldi Alves é no sentido de que essa investigação e essa perícia sejam realizadas em todos os gabinetes, de modo que nenhum Senador ou Senadora venha ou continue a conviver com esse clima de insegurança, de escutas ilegais, que, infelizmente, tem prosperado em nosso País.

Esperamos que o Presidente Garibaldi Alves, que tem sido muito rápido na tomada de decisões quando estão em jogo temas e questões relacionados com a Casa e com as prerrogativas dos Srs. Senadores, prerrogativas do Senado e do Congresso Nacional, de forma urgente, determine a realização dessa perícia externa, complementar ao trabalho já realizado pela Polícia Legislativa do Senado Federal.

Quero registrar que o repúdio à possível ação criminosa de se grampearem autoridades não deve servir, de maneira alguma, para dificultar o valioso trabalho desenvolvido pela Polícia Federal na apuração dos delitos cometidos pelo Sr. Daniel Dantas e seus amigos, bem como em quaisquer outras operações a cargo da Polícia Federal.

Caso não façamos essa separação, estaremos fornecendo munição valiosa para a defesa desses senhores, que tentam desqualificar a validade das provas levantadas pela Polícia Federal. Seria um desserviço ao País e um reforço, mesmo que involuntário, ao sentimento de impunidade tão presente entre os brasileiros.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/09/2008 - Página 37375