Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Deficiências da Lei Eleitoral e necessidade de regulamentação do paragrafo nono do artigo 14 da Constituição Federal.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Deficiências da Lei Eleitoral e necessidade de regulamentação do paragrafo nono do artigo 14 da Constituição Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/2008 - Página 37431
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, BRASIL, BUSCA, LIBERDADE, LEGITIMIDADE, VOTO, ELOGIO, EFICACIA, GARANTIA, IGUALDADE, DISPUTA, COMBATE, ABUSO DE PODER, QUESTIONAMENTO, INTERPRETAÇÃO, APLICAÇÃO, LEIS, ATRASO, REGULAMENTAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEFINIÇÃO, INELEGIBILIDADE, EFEITO, INCONSTITUCIONALIDADE, DECISÃO, TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL (TRE), IMPEDIMENTO, CANDIDATURA, REU, CRIME COMUM, IMPROBIDADE, AUSENCIA, TRANSITO EM JULGADO, EXPECTATIVA, PRIORIDADE, INCLUSÃO, REFORMA POLITICA.
  • DENUNCIA, ABUSO, ATUAÇÃO, JUSTIÇA ELEITORAL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), DETALHAMENTO, ILEGALIDADE, RESTRIÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL, PREJUIZO, CANDIDATO, LIBERDADE, ELEITOR.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, EXIGENCIA, URGENCIA, DECISÃO, PROCESSO JUDICIAL, CANDIDATO, SANÇÃO, DEMORA, JUDICIARIO, COMBATE, IMPUNIDADE, IMUNIDADE PARLAMENTAR.
  • COBRANÇA, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), CONSCIENTIZAÇÃO, JUIZ ELEITORAL, FUNÇÃO, MODERAÇÃO.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde cedo apreendi que a eleição é o mais importante acontecimento cívico, é a mais importante festa cívica do regime democrático. Afinal, é nessa disputa que reside a fonte do poder, que se estabelece através do voto livre e soberano de cada eleitor.

            Na trajetória da Legislação Eleitoral Brasileira, é fácil constatar que suas mudanças mais proeminentes foram destinadas a garantir a liberdade do voto. É uma tendência que já se descortinava no velho Código Eleitoral de 1965 e se consolidara na Constituição de 1988.

            No texto das Leis 64/90 e 9.504, a primeira de 1990 e a segunda de 1997, nada sobressai mais do que a busca da legitimidade dos pleitos! As hipóteses de inelegibilidades e as regras das eleições nelas prescritas são verdadeiros escudos para proteger a vontade do eleitor e a lisura dos pleitos.

            Enganam-se aqueles que imaginam serem frouxas as normas da legislação eleitoral brasileira. Instrumentos para garantir a igualdade da disputa existem e são abundantes!

            As normas para conter a influência do poder econômico e político são implacáveis e eficientes. Em muitos casos, a interpretação delas tem sido até exagerada, chegando até a penalizar quem não merecia. Em outros casos, essa mesma interpretação tem dado azo à morosidade judicial, que acaba por beneficiar potentados figurões.

            Há casos de parlamentares que perderam mandato, Sr. Presidente, em razão de infrações de pequena monta. Mas há governadores que, a despeito de terem sido cassados pelos respectivos tribunais, continuam exercendo seus mandatos através de medidas excepcionais.

            O problema maior, portanto, Sr. Presidente, não está na legislação, e sim na aplicação da lei. Todavia, é preciso reconhecer que, apesar da abrangência dessa legislação e de seus avanços mais recentes, a lei eleitoral ainda apresenta deficiências. Uma de suas falhas está na falta de regulamentação do § 9º do art. 14 da Constituição. O referido parágrafo prescreve:

“§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”

            Eis o texto do mandamento constitucional que precisa de regulamentação.

            De fato, a falta de regulamentação desse dispositivo acaba admitindo o registro de candidatos de duvidosa vida pregressa. Muitos deles não poderiam ser admitidos nas administrações federal, estaduais ou municipais. Nem com aprovação em concurso público.

            Certamente foi essa omissão que levou Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais a uma tomada de posição muito firme. Foi deles a sugestão para que se declarem inelegíveis os condenados por crimes comuns ou improbidade administrativa, mesmo sem o trânsito em julgado dos seus respectivos processos.

            Bastaria sentença de primeiro grau ou acórdão nos casos de ação penal originária, mesmo na pendência de recurso.

            Como posicionamento político, Sr. Presidente, é válida e respeitável essa orientação. Todavia, nenhum efeito jurídico pode produzir, uma vez que fere a Constituição e a lei.

            Por força das regras constitucionais e legais que estão em vigor, só o trânsito em julgado da sentença é capaz de gerar essa punição.

            Conseqüentemente, só o Congresso pode criar novas inelegibilidades e só pode fazê-lo por meio de lei complementar.

            Não tenho dúvidas de que a regulamentação do § 9º do art. 14 da Constituição Federal entrará no rol das prioridades do Congresso tão logo passem essas eleições ou no limiar do próximo ano. Mas enquanto não mudarem essas regras, elas precisam ser cumpridas e respeitadas.

            Todavia, quero ater-me a algumas seqüelas que o posicionamento dos desembargadores está produzindo pelo Brasil afora, especialmente em Mato Grosso do Sul.

            Empolgados com as repercussões do discurso ético-eleitoral, muitos promotores e juízes que atuam na primeira instância estão se enveredando por uma perigosa vereda que vem cerceando a própria campanha eleitoral.

            Alguns, por exemplo, vêm proibindo o uso de adesivos nos carros, Sr. Presidente. Em um Município de Mato Grosso do Sul, agentes da Justiça Eleitoral estão abordando motoristas que estacionam seus carros em qualquer via comercial para fazer com que retirem o adesivo: ou o motorista retira a propaganda ou fica proibido de estacionar.

            Em um Município que visitei há poucos dias, Sr. Presidente, a Justiça Eleitoral, segundo relato que ouvi, está interferindo até nos letreiros de comitê de campanha. Tive oportunidade de ver pessoalmente que os coordenadores de campanha foram constrangidos a usar uma só fachada de uma esquina. A outra a Justiça Eleitoral proibiu ao arrepio da lei - é preciso que se diga alto e em bom som.

            Em outra cidade, a Justiça Eleitoral está exigindo registro de todos os cabos eleitorais. No entanto, o mais grave, Sr. Presidente, é que ela entende como cabos eleitorais não só aquelas pessoas contratadas por um comitê, mas qualquer cidadão que coloque um adesivo no seu carro.

            Então, imagine V. Exª: um simples simpatizante tem que ser cadastrado, mesmo que não esteja trabalhando na campanha. Isso é um constrangimento, é um cerceamento do direito de campanha!

            Em um outro Município, Sr. Presidente, uma resolução de uma juíza eleitoral proibiu o uso de alto-falantes com potência superior a 75 decibéis. Ora, como será possível convidar a população para um ato público, se a amplificação autorizada não comporta mais do que um ambiente fechado para 50, 70 pessoas, Sr. Presidente?

            Há Municípios ainda onde qualquer denúncia leviana tem sido suficiente para a Justiça Eleitoral autorizar a busca em prédios públicos.

            Outro abuso que também precisa ser denunciado aconteceu em um Município de pouco mais de 16 mil habitantes na região Nordeste de Mato Grosso do Sul. Nesse Município, a Câmara Municipal aprovou duas moções de pesar, Sr. Presidente: uma pela morte de um ex-Vereador e ex-Prefeito daquela cidade; a outra pela morte de uma senhora conhecida como uma das pioneiras daquele jovem Município.

            Bastou um jornal publicar a notícia desses votos de pesar para que o juiz eleitoral decidisse cassar o registro da candidatura de todos os Vereadores - a Câmara tem nove Vereadores e os nove foram cassados. 

            Foram cassados, porque aprovaram um voto de pesar para duas pessoas queridas que ajudaram a impulsionar o Município e que têm o respeito e acatamento de todos.

            Portanto, Sr. Presidente, no momento em que se cassa o registro dos nove Vereadores está-se cassando de todos os partidos, ou seja, está-se constrangendo, está-se cerceando o direito até de produção dos próprios Vereadores.

            Alegou o magistrado, em sua decisão, que o ato de solidariedade pelos falecimentos foi noticiado como propaganda irregular. Ou seja, o Vereador tem que trabalhar, tem que produzir, mas não pode noticiar o que está fazendo. O episódio chega a ser patético, mas é um fato real que aconteceu em meu Estado.

            Outro caso: um Prefeito que não tinha contra si nenhuma sentença, em nenhuma instância, Sr. Presidente, teve indeferido o pedido de registro de sua candidatura. Para fundamentar o seu ato, a juíza eleitoral invocou até processos em que o Prefeito é autor. Então, estamos vivendo um momento complicado em que até o seu direito de ação está sendo colocado em questão.

            Além de autor, esse Prefeito saiu-se vitorioso em duas instâncias e alcançou o trânsito em julgado. Com tudo isso, ele foi cassado.

            É bem verdade que essas decisões têm sido modificadas pelo Tribunal Regional Eleitoral. A sensatez está prevalecendo nas cortes regionais - e isso precisa ser dito alto e em bom som.

            Embora a Corte estadual tenha restaurado os direitos autoritariamente confiscados, a verdade é que remanesce o dano, o prejuízo que é sofrido por aquele candidato. Afinal, quando o candidato sofre esse tipo de represália, sua imagem sai arranhada. Além disso, subsiste aquela dúvida: será que esse fato é verdadeiro? Será que não é verdadeiro? Será que ele tem a ficha suja? Será que ele não tem a ficha suja? E isso, Sr. Presidente, fatalmente repercute no resultado eleitoral.

            Quando ele sofre um injusto prejuízo, Sr. Presidente, é bem verdade que está legitimado para buscar a justa reparação daquele dano também nos órgãos judiciários. E o caminho dessa reparação é o processo em que o magistrado sai da sua condição de magistrado e entra na condição de réu.

            Cabe aqui uma indagação: ao magistrado será aplicada a mesma regra que pretende se aplicar ao candidato? Se é ficha suja um simples processo movido contra o candidato, o processo movido contra o magistrado também constituirá ficha suja. Da mesma forma que o político processado fica inapto para postular o cargo, o juiz igualmente processado não deveria também ficar inapto para exercer o cargo? Não quero, com esta fala, Sr. Presidente, defender o candidato que tenha maus antecedentes, nem condenar aquele magistrado exigente! Ao contrário, meu entendimento é de que os candidatos de reprovável vida pregressa precisam ser barrados.

            Aliás, estou apresentando projeto de lei, Sr. Presidente, que muda substancialmente a Lei de Inelegibilidades. Pela proposta, a partir do momento em que se dá a escolha daquele candidato, todos os processos a que ele responde ganham celeridade, ganham prioridade, tanto os de improbidade quanto os criminais, todos são submetidos a rapidez. Prevê ainda sanções para qualquer morosidade que venha a interromper sua rapidez e facilitar a vida do candidato supostamente inidôneo.

            Com essa medida, quem quiser...

(Interrupção do som.)

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Peço dois minutinhos. Já termino, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Epitácio Cafeteira. PTB - MA) - V. Exª já falou vinte minutos; eram dez, falou vinte minutos.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Em dois minutos eu concluo, Sr. Presidente.

            Com essa medida, quem quiser se abrigar em um mandato eletivo para se proteger não mais encontrará proteção. Com isso, vamos afastar os maus políticos e observar rigorosamente a lei e o devido processo legal.

            Essa circunstância, todavia, não afasta minha crítica ao magistrado ou ao promotor que vem se colocando acima da lei.

            Além das mudanças na legislação, Sr. Presidente, entretanto, é preciso ficar claro que os tribunais podem exercer - e devem exercer - uma ação pedagógica sobre os magistrados que presidem e sobre os promotores que atuam nos pleitos eleitorais. É preciso conscientizar a todos de que a Justiça Eleitoral precisa ser moderadora e, como tal, afastar quaisquer radicalismos que dificultem a livre e ampla disputa. Afinal de contas, a eleição tem que ser uma festa cívica.

            Está à frente do Tribunal Superior Eleitoral um jurista sereno e, ao mesmo tempo, enérgico, o Ministro Carlos Ayres Brito. Espero que essa Corte passe a conscientizar melhor os juízes da primeira instância a fim de que a festa cívica que deve ser a eleição passe a substituir esse ambiente de medo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/2008 - Página 37431