Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o processo de demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul.

Autor
Marisa Serrano (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Marisa Joaquina Monteiro Serrano
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Reflexão sobre o processo de demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/2008 - Página 37433
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • APREENSÃO, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), INDICAÇÃO, AREA, PROPRIEDADE PRODUTIVA, OBJETIVO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, IMPORTANCIA, PODERES CONSTITUCIONAIS, DEBATE, MATERIA CONSTITUCIONAL, GARANTIA, CONCILIAÇÃO, DIREITOS, PRODUTOR, INDIO, PREVENÇÃO, VIOLENCIA, CONFLITO, PROTESTO, EXCESSO, PODER, PORTARIA.
  • REITERAÇÃO, CRITICA, FALTA, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, ASSINATURA, GOVERNO BRASILEIRO, DECLARAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DIREITOS, INDIO.
  • REGISTRO, HISTORIA, CONCLUSÃO, CAMPANHA DO PARAGUAI, CONCESSÃO, GOVERNO, TITULO, TERRAS, FRONTEIRA, OCUPAÇÃO, COLONO, GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL, INJUSTIÇA, DESCUMPRIMENTO, COMPROMISSO, ATUALIDADE, ALEGAÇÕES, ALTERAÇÃO, ANTROPOLOGIA, POLITICA INDIGENISTA, EXPECTATIVA, VISITA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), PRESIDENTE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), COBRANÇA, ORADOR, POSIÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), PRESIDENTE DA REPUBLICA, PACIFICAÇÃO, PROCESSO.

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente. Obrigada, Senador Suplicy.

            Srªs e Srs. Senadores, quero falar de um tema que está se tornando recorrente nesta Casa. O Senador Valter Pereira tem falado muito, além dos Senadores da região Norte do País, que também têm se pronunciado. Eu quero falar sobre o processo de demarcação das terras indígenas, que está chegando em um momento muito perigoso em Mato Grosso do Sul.

            Há uma intensa mobilização da sociedade produtiva sul-mato-grossense naquelas áreas que serão demarcadas pela Funai e que estão, pelo menos, na iminência de serem desapropriadas. É claro e evidente que, quando a Funai, pelas suas portarias, indica áreas a serem estudadas para demarcação de terras indígenas ou não, traz uma intranqüilidade muito grande não só aos donos da terra, àqueles que lá residem, mas a toda a sociedade sul-mato-grossense.

            Quero dizer também que estamos vivendo - e sabemos disso - um novo momento histórico. Sei que muitos juristas e todos estão pensando na Constituição de 1988. Talvez tenha chegado o momento de discutirmos mais, propormos e aprofundarmos as questões a respeito do famoso art. 231 da Constituição, que fala das terras tradicionalmente ocupadas por índios.

            Tenho acompanhado atentamente o debate sobre a questão indígena no meu Estado. Não é possível enxergá-la sob uma ótica simplista de que o direito dos produtores exclui os direitos dos índios ou que os direitos dos índios se contrapõem aos direitos dos produtores. Pensar assim é fazer jogo de faz-de-conta; é deixar que tudo fique no campo de uma retórica muito bonita, do bem contra o mal, sem propor soluções efetivas para resolver a questão.

            Acredito que tenhamos que ir ao âmago da questão, estabelecer questões a serem resolvidas a curto, a médio e a longo prazo. Não dá, Senador Valter para ficarmos discutindo se a terra é ou não é. E ninguém decide, porque quem tem que decidir não decide.

            Eu quero fazer uma análise mais racional sobre a questão - o problema - das terras indígenas no País, principalmente em Mato Grosso do Sul, de forma que nem os produtores sejam os vilões e nem os índios sejam as vítimas.

            Estamos chegando a esse maniqueísmo, como eu disse, do bem contra o mal. E não é isso. Nós não queremos tirar direito dos índios, como não queremos tirar direitos dos produtores. A situação está mal colocada nessa questão que é tão complexa e tão intrincada, e acredito muito que tenhamos que discuti-la em cima dos preceitos democráticos, daquilo que nós temos na nossa legislação. Mas, às vezes, Senador Valter, faz-se necessário procurar até soluções que não estão colocadas, soluções não usuais, novas soluções para uma velha questão que estamos tendo. E afirmo que é ruim o fato de o Parlamento, o Governo e o Judiciário não encontrarem solução possível, exeqüível e séria para essa questão. É claro e evidente que os produtores rurais e os índios só vão ter uma saída, aquela que estamos ouvindo no Estado, qual seja, partir para a conflagração, partir para soluções radicais ou, pelo menos, ações radicais.

            Se nós não resolvermos a questão, se não dermos um norte - e somos os três: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário -, se nós não acharmos um caminho, estaremos assinando a nossa incompetência e dizendo que nós não temos condições de resolver o problema ou de dar uma luz para as questões indígenas no País. Aí, estaremos deixando os produtores, os donos das terras e os índios à sua própria mercê, dizendo a eles: resolvam como acharem melhor. Então, provavelmente, veremos o sangue correr nas nossas terras. Temo muito que isso aconteça.

            Nesses dias, ocupei esta tribuna para falar a respeito do referendo que o Governo brasileiro fez, em 2007, sobre a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, da ONU. E quero ainda dizer que, pelas confusões que saíram após essa declaração, o Governo talvez não domine inteiramente a questão. Principalmente questões tão delicadas como as indígenas devem ser amplamente debatidas por todos, não só por ONGs, não só pela Funai, que monocraticamente resolve baixar portarias; não só por antropólogos e acadêmicos, que resolvem, à luz de estudos, assumir uma posição definida. Isso tem que ser mais debatido; precisa ser debatido nesta Casa.

            O Brasil assinou, referendou essa Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, da ONU, e nós não a debatemos aqui, que é a Casa do povo, a Casa em que o povo tem que colocar suas idéias, a Casa que tem que reverberar aquilo que a sociedade está pensando, tem que achar ou procurar achar as saídas.

            Propus uma audiência pública para discutir a questão indígena e, até agora, não há condições de a termos aprovada. Recebi a visita de alguns Embaixadores do Itamaraty na semana passada, para explicar a questão da Declaração dos Povos Indígenas, assinada pelo Brasil.

            Não é uma questão a ser discutida só em gabinete. É uma questão a ser discutida, aprofundada por todos os atores, numa audiência pública, por exemplo, que é o foro legítimo utilizado muito nesta Casa, para que possamos ouvir todas as controvérsias e nuanças a respeito dessas questões.

            Quero dizer também que, no final de toda essa questão discutida dos índios em Mato Grosso do Sul, parece que tanto os produtores como os indígenas vão ser vítimas: vítimas de um lado e vítimas do outro. É uma imensa confusão. Há pessoas - acredito - que esperam que quanto pior, melhor; quanto mais confusão, mais midiática se torna a questão. “A imprensa vai gostar disso. Então, vamos fazer uma confusão maior no Estado”. Eu acho que é isso. Eu acho que há pessoas querendo ver brasileiros contra brasileiros, querendo ver produtores, donos de terra contra índios, querendo que o sangue provavelmente escorra entre famílias, e famílias da nossa terra.

            Quero dizer que talvez precisemos remontar-nos a um tempo da época da Guerra do Paraguai, quando houve o conflito chamado Tríplice Aliança. Acabou a Guerra do Paraguai, no final do Século XIX, e a nossa fronteira todinha tinha de ser ocupada. E o que fizeram os governos àquela época?

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS) - Se V.Exª me der mais um tempinho, Sr. Presidente, para terminar o meu raciocínio...

            O que fizeram os governos àquela época? Conclamaram os brasileiros a ocupar a fronteira, venderam as terras, titularam as terras a preços módicos, a preços baixos, para que os brasileiros pudessem ocupar a fronteira e garantir a nossa soberania nacional, logo depois da Guerra do Paraguai. Essas terras foram tituladas, não foram ocupadas aleatoriamente, não foram invadidas. Foram ocupadas por brasileiros que têm títulos delas, pois essas terras foram dadas pelo Governo. Isso não se deu ao arrepio da lei. Os produtores rurais que lá estão - o Senador Valter Pereira e eu estivemos em Fátima do Sul esta semana - não se instalaram ao arrepio da lei.

(Interrupção do som.)

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS) - Eles estão lá em terras tituladas pelos governos de então, que o Brasil tem de honrar, o Governo de hoje tem de honrar. É a mesma coisa de termos assinado um compromisso e depois não o honrarmos, Senador Valter Pereira. Isso é um absurdo!

            Fui buscar na História a formação dessas áreas. E a História brasileira nos diz que todas as áreas dessa região tiveram um incentivo do Governo para serem ocupadas. Portanto, as pessoas que ali estão são de boa-fé, e, sendo assim, não podem ser chamadas nem de invasores nem de desqualificados.

            No final do século XIX e nos primeiros 50 anos do século XX, nós não tínhamos discutido a questão indígena como ela é vista hoje. A visão que os antropólogos e os estudiosos tinham da questão indígena não era a mesma de hoje. Portanto, não se pode pensar que a ocupação da terra há 50, 100, 150 anos teria, naquela época, por parte dos antropólogos, a mesma visão que têm hoje, sobretudo a questão indígena. Não são coisas feitas na mesma época e com a mesma visão.

            Faço essa colocação porque o mundo mudou, o Brasil mudou, as coisas mudaram, mas nós não podemos agora, simplesmente, imputar qualquer coisa a quem tem legitimamente as terras e criarmos esse clima de intranqüilidade e dizer: a partir de agora, a ordem é outra e a visão é outra.

            Acredito que o que o Governo atual está fazendo, o que a Funai está fazendo é criar um clima de intranqüilidade; é dizer que os Governos - e aí eu coloco todos, municipais, os estaduais e o federal - não têm competência, não têm pulso firme, não têm condições de dar o norte, o rumo. Não é possível! Não adianta a Funai ficar tentando demarcar terra indígena por meio de portaria. Eu nunca vi, Senador Maldaner, uma reforma agrária, uma titularidade de terra, uma reorganização agrária no País ser feita por portaria. É o cúmulo da desfaçatez! Isso só existe quando o País perde o rumo.

            O Presidente da Funai marcou uma ida ao meu Estado dias atrás, mas a desmarcou. Houve outro agendamento, mas que também foi desmarcado, e agora está marcado para o próximo dia 15. Espero que, realmente, o Presidente da Funai vá ao Estado, mas sei que, acima do Presidente da Funai, está o Ministro da Justiça, que tem de tomar uma posição e tem de vir à fala. Ele tem de dizer ao povo brasileiro o que o Brasil pensa da questão indígena. Não basta esperar o Supremo resolver o caso da Raposa Serra do Sol. Não bastam falinhas pelos corredores ou entrevistas para a imprensa em qualquer lugar. Isso não é suficiente, não. Tem de ser uma questão muito séria.

(Interrupção do som.)

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS) - Que se determine um horário específico na televisão. O Governo tem de falar. Acima do Ministro da Justiça está o Presidente da República, que tem de dizer o que o País pensa dessa questão.

            Estamos cheios de indefinições e que não dá mais para convivermos com isso.

            É uma questão muito séria.

            Quero terminar com o que disse no começo. Não é que o índio seja a vítima e o produtor rural seja o vilão nem que queiramos tirar o direito dos índios ou o direito dos produtores. Nada disso. Temos de resolver a questão. Não pode haver esse jogo de empurra neste País. Não podemos nem o Governo nem esta Casa - o Legislativo - deixar só para o Judiciário resolver a questão.

            A questão fundiária no País é problema nosso, sim, assim como é problema do Governo. A questão de ter uma política efetiva para os índios brasileiros é de todos nós - não é só da Funai, não. Temos de saber que política indígena o País terá. Quero saber se vamos segregar os índios em locais de onde não podem sair, para morrer de verminose e de todas as doenças possíveis, para não ter atendimento médico nem social suficiente e para não ter educação. Ou queremos ver o índio, que é brasileiro e tem todo o direito, como qualquer brasileiro, galgar todos os degraus das oportunidades que possamos oferecer?

            Portanto, termino a minha fala mostrando a minha indignação com o que está acontecendo no meu Estado, em Mato Grosso do Sul, dizendo que é chegada a hora de o Ministro da Justiça, o Presidente da República e a Funai pacificarem este País. Precisamos disso para que o meu Estado continue a produzir e a ser um dos Estados que mais produzem na Federação, um Estado que é a âncora verde deste País. Queremos que o Mato Grosso do Sul tenha tranqüilidade para continuar produzindo.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/2008 - Página 37433