Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de pronunciamento sobre a questão do melhor modelo de exploração do pré-sal pelo Brasil.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Registro de pronunciamento sobre a questão do melhor modelo de exploração do pré-sal pelo Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/2008 - Página 37521
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • REGISTRO, SUPERIORIDADE, DESCOBERTA, JAZIDAS, PETROLEO, LITORAL, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO PARANA (PR), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), IMPORTANCIA, DEBATE, MODELO, EXPLORAÇÃO, DEFESA, PRESIDENTE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, SETOR, OBJETIVO, CONTRATO, PARTILHA, PRODUÇÃO, EXCLUSIVIDADE, RESERVATORIO, SAL, MANUTENÇÃO, ANTERIORIDADE, CONCESSÃO, NECESSIDADE, ATENÇÃO, AREA ESTRATEGICA, BRASIL, GESTÃO, RIQUEZAS, BENEFICIO, INTERESSE NACIONAL, DETALHAMENTO, DIFERENÇA, REGULAMENTAÇÃO, ATUALIDADE, ALTERNATIVA, COMENTARIO, EXPERIENCIA, PAIS ESTRANGEIRO.
  • EXPECTATIVA, ATENÇÃO, GOVERNO, ESCOLHA, SISTEMA, EXPLORAÇÃO, RIQUEZAS, RESGATE, DIVIDA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, para aproveitar este momento em que aguardarmos a formação do quórum para iniciarmos a votação do Parecer nº 924, gostaria de fazer a breve leitura de um pronunciamento, de minha autoria, que eu faria hoje. Como tenho a certeza de que esta sessão vai demorar e como amanhã terei de viajar, neste momento passo à leitura desse pronunciamento a respeito do pré-sal, um assunto atual, que vem sendo motivo de vários discursos e de várias manifestações dos Senadores da República.

            Já faz tempo que se desenvolve um debate em torno do pré-sal, que, isoladamente, significa a maior jazida de petróleo jamais descoberta em todos os tempos, com seus 800km de extensão e baixo risco econômico de exploração. Um dos elementos centrais desse debate, Sr. Presidente, gira justamente em torno de qual modelo deve ser escolhido pelo Governo quando se trata de explorar o petróleo dessa reserva de dimensões colossais no litoral que vai do Espírito Santo até Santa Catarina.

            Evidentemente, estamos diante de uma questão complexa, que envolve vários ângulos; portanto, não vai ser nos limites deste pronunciamento que o assunto será esgotado.

            Evidentemente, não existe decisão oficial do Governo sobre o modelo a ser adotado e, por isso mesmo, todo esse debate positivo será bem-vindo. E é com esse espírito que trazemos aqui a nossa contribuição.

            Como se sabe, há uma certa polarização sobre o modelo para explorar o pré-sal de forma a se gerenciar toda essa riqueza da melhor forma para o País. O Presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, vem defendendo mudanças na Lei do Petróleo, para que a União possa realizar contratos de partilha na produção de óleo desses novos campos. O argumento de Gabrielli é claro e foi por ele emitido aqui na nossa Comissão de Assuntos Econômicos: “Para campos novos com volumes expressivos e com baixíssimo risco exploratório, o melhor é adotar a partilha da produção”. Tais mudanças só valeriam, Sr. Presidente, para as novas descobertas. Os contratos para os campos já conhecidos continuariam vigorando, sendo respeitados.

            Há duas posições perfeitamente claras: a daqueles que defendem a continuidade do atual modelo, o de contrato de concessão, e a daqueles que defendem o processo da partilha como mais viável para a solução da exploração da camada pré-sal.

            Não podemos perder de vista, Sr. Presidente, a nossa questão de fundo. O Brasil, uma vez confirmada a descoberta do pré-sal, passou a ter a possibilidade de dar um salto, a ponto de poder pular do 24º lugar mundial, que atualmente ocupa na produção de óleo, para a primeira fila, para a posição de quarto, quinto ou sexto produtor mundial, a depender dos cálculos das reservas. Basta que se leve em conta que o Brasil tem hoje uma reserva de 14 bilhões de barris e, com a descoberta do pré-sal, ele pode dar um pulo para 100 bilhões de barris - há quem fale em 200 bilhões -, e ficar lado a lado com os países das grandes reservas internacionais.

            É dentro desta perspectiva que assume toda importância a seguinte questão:

            Qual o melhor marco regulatório, do ponto de vista nacional, para a exploração do pré-sal? Qual é a melhor maneira de gerenciar essa riqueza que, por um lado, é enorme e estratégica e, por outro, é não renovável, se esgota? Sabemos que o Brasil adota, atualmente, o modelo das concessões. E sabemos que existem dois grande modelos: o da partilha e o das concessões. O Governo vem adotando, como todos sabemos, o da concessão.

            Comecemos pelo modelo vigente no Brasil: o contrato de concessão. Nesse modelo, configurado pela ANP e pela Petrobras, o Estado concede uma licença ou concessão para que as empresas públicas ou privadas produzam petróleo no subsolo ou abaixo do leito marinho, regiões que, como se sabe, continuam propriedades da União. A concessão tem um prazo determinado e está submetida a regras acordadas entre as partes. O petróleo extraído, por sua vez, é propriedade da empresa estrangeira ou nacional que o extrai do subsolo. A operadora multinacional, por exemplo, paga impostos ao Governo para poder ser detentora da produção física (a grosso modo royalties e participação especial são impostos ou taxas que a operadora paga ao governo). No regime de partilha, como veremos, o Estado é proprietário do óleo produzido.

            Em resumidas palavras, no regime do contrato de concessão, a empresa vai perfurar e operar poços - daí ser chamada de empresa operadora - depois de ganhar o dinheiro de explorar um determinado bloco em leilão. Ela remunera o governo com royalties e aquele tributo conhecido como participação especial, que chega a 40% no caso de campos mais rentáveis, nos contratos brasileiros. Aliás, vale a pena comentar, Sr. Presidente, que o Brasil tem sido bastante generoso com as operadoras, ao ficar com apenas 40% do petróleo produzido por meio dos contratos de concessão. Nos países com grandes reservas e com políticas prudentes de utilização das mesmas, essa participação chega a 85%, ou seja, mais do dobro da brasileira nos contratos de concessão.

            Sr. Presidente, já estou encerrando.

            Temos, por outro lado, outro tipo de contrato ou gestão do petróleo, o de contrato de partilha. Neste, o petróleo é extraído e é propriedade da União. A empresa contratada recebe, em óleo ou moeda, a parte combinada do contrato; no contrato está previsto que o montante do petróleo extraído será dividido entre ela e o governo, naturalmente abatidos os custos de produção. O petróleo que cobre os custos de produção é calculado antes da partilha é o chamado petróleo de custo, abatido antes de se dividir o restante, o chamado petróleo da partilha.

            Evidentemente que, neste caso - do regime de partilha - quanto no anterior, há um elemento que será decisivo: a participação do Estado, a fatia pleiteada e acordada pelo governo na renda-petróleo.

            O modelo de partilha é o mais antigo. E, como foi explicado, não envolve royalties e sim partilha sobre o montante de petróleo produzido. Este modelo vigorava no mundo antes da crise do petróleo e foi por meio dele que começaram as antigas concessões que os países árabes faziam às operadoras ou petroleiras conhecidas como Sete Irmãs.

            Sr. Presidente, não há definição a priori que permita decidir qual é o modelo que é melhor para o País sem se considerar uma outra questão que é anterior a esta e que é determinante e que já mencionamos antes: qual a fatia da renda-petróleo da qual o Estado pretende se apropriar? O Estado pode recorrer a um modelo ou a outro; a uma combinação de modelos, mas precisa ter claro seu objetivo político-social. E aí então buscar o modelo adequado aos seus objetivos.

            O Brasil está se vendo diante dessa questão: tem que decidir de quanto o Estado vai se apropriar do petróleo para usar em seu benefício, como nação soberana, quer se trate de benefício social ou industrial de longo prazo.

            Por isso é importante que se conheça o potencial de cada marco regulatório. Evidentemente há diferenças e procurei destacar algumas. Só para citar mais uma: o modelo de concessão é defendido por alguns, porque traz dinheiro rapidamente; por outro lado, a decisão de como extrair e quando extrair passa para as mãos da empresa que explora.

            Portanto, para finalizar, chamo a atenção para duas coisas.

            Primeiro, temos em nossas mãos quantidade colossal de um recurso não renovável que a natureza - e a competência tecnológica da Petrobras - colocaram sob a nossa responsabilidade. Não podemos queimar esses recursos de qualquer jeito e não podemos deixar de utilizá-lo no resgate da dívida social. Portanto, com o recurso não renovável e colossal em nossas mãos, uma enorme dívida social a resgatar e diante de uma tendência mundial histórica da alta do petróleo, de esgotamento do petróleo, é justo que o governo tenha cautela, que pretenda colocar em discussão o marco regulatório.

            Portanto, Sr. Presidente, não nos esqueçamos de que os próprios Estados Unidos passaram a se apropriar de mais renda-petróleo, recentemente, de 45% passaram a abocanhar 50% e o Estado russo, de 75% passou a reter 85%.

            O meu pronunciamento, Sr. Presidente, pretende trazer elementos para, modestamente, ir aclarando o debate.

            Eu peço a V. Exª, Sr. Presidente, que, na forma regimental, publique integralmente este discurso, que não pude pronunciar na sua totalidade pela exigüidade de tempo.

            Agradeço a V. Exª a sua paciência.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES.

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           O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) -

           Brasil diante da questão do melhor modelo de exploração do Pré-Sal

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já faz tempo que se desenvolve um debate em torno do pré-sal, que isoladamente, significa a maior jazida de petróleo jamais descoberta em todos os tempos, com seus 800 km de extensão e de baixo risco econômico de exploração. Um dos elementos centrais desse debate gira justamente em torno de qual deve ser o modelo escolhido pelo governo quando se trata de explorar o petróleo desta reserva de dimensões colossais no litoral que vai do Rio de Janeiro até Santa Catarina.

           Evidentemente estamos diante de uma questão complexa, que envolve vários ângulos, portanto, não vai ser nos limites deste pronunciamento que o assunto será esgotado. É necessário, dentre outras coisas, examinar o impacto em termos de contas externas, e até das estratégias para alavancar o Brasil no mundo em relação à sua dívida social além de uma série de outros aspectos. Seja qual for o ângulo em que se discuta a questão, há um aspecto que jamais deve ser esquecido: o petróleo é e será cada vez mais estratégico.

           Quanto ao debate do modelo de exploração ele apenas começou. O Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já admite que o debate sobre o novo marco regulatório para o pré-sal vai tomar bem mais tempo e que só vai deslanchar em outubro, embora já esteja lançado na sociedade, na mídia, nas comissões e grupos institucionais em torno da Agência Nacional de Petróleo (ANP), do Ministério das Minas e Energia e na esfera do legislativo e da sociedade civil.

           Evidentemente não existe ainda decisão oficial do governo sobre o modelo a ser adotado e, por isso mesmo, todo debate positivo será bem-vindo. E é com este espírito que trazemos aqui nossa contribuição.

           Como se sabe há uma certa polarização sobre o modelo para explorar o pré-sal, de forma a se gerenciar toda essa riqueza da melhor forma para o País. O presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, vem defendendo mudanças na lei do petróleo, para que a União possa realizar contratos de partilha na produção de óleo desses novos campos. O argumento de Gabrielli é claro e foi por ele emitido aqui na nossa Comissão de Assuntos Econômicos (CAE): “Para campos novos com volumes expressivos e com baixíssimo risco exploratório, o melhor é adotar a partilha de produção”. Tais mudanças só valeriam para as novas descobertas, os contratos para os campos já conhecidos continuariam vigorando, sendo respeitados.

           A oposição vem se pronunciando contra: defende a manutenção do regime de exploração atual, de contrato de concessão. O debate se instalou e é muito importante que se conheça o que pode oferecer um e outro modelo. É certo que a exploração em larga escala do pré-sal só deva ocorrer em quatro ou cinco anos, mas o grande debate do marco regulatório tem que se dar agora para que tudo corra bem e da forma melhor definida nos anos vindouros.

           Não podemos perder de vista, vale repetir, a nossa questão de fundo: o Brasil, uma vez confirmada a descoberta do Pré-Sal, passou a ter a possibilidade de dar um salto,  ponto de poder pular  do vigésimo quarto lugar mundial que atualmente ocupa na produção de óleo para a primeira fila, para a posição de quarto, quinto ou sexto produtor mundial, a depender dos cálculos das reservas. Basta que se leve em conta que Brasil tem hoje uma reserva de 14 bilhões de barris e com a descoberta do Pré-Sal ele pode dar um pulo para 100 bilhões de barris - há quem fale em 200 bilhões - e ficar lado a lado com os países das grandes reservas internacionais.

           Essa é a novidade que transformou o Pré-Sal em um assunto inflamado, candente, determinante em termos estratégicos, numa conjuntura de longa duração onde o petróleo mantém seus preços altos. E especialmente pelo fato de estarmos tratando de uma matéria-prima renovável, que tem um prazo para se esgotar e que converteu-se em um gargalo econômico internacional .

           É dentro desta perspectiva que assume toda importância a seguinte questão: Qual o melhor marco regulatório, do ponto de vista nacional, para a exploração do Pré-Sal? Qual a melhor maneira de gerenciar esta riqueza que, por um lado é enorme e estratégica e por outro é não-renovável, se esgota. Nós sabemos que o Brasil adota, atualmente, o modelo das concessões. E sabemos que existem dois grandes modelos: o de concessão e o de partilha. O governo vem adotando o modelo de concessão.  Vejamos cada um deles.

           Comecemos pelo modelo vigente no Brasil, o contrato de concessão. Neste modelo, configurado pela ANP e pela Petrobrás, o Estado concede uma licença ou concessão para que as empresas - públicas ou privadas - produzam petróleo no sub-solo ou abaixo do leito marinho, regiões que, como se sabe, continuam propriedade da União. A concessão tem um prazo determinado e está submetida a regras acordadas entre as partes. O petróleo extraído, por sua vez, é propriedade da empresa estrangeira ou nacional que o extrai do subsolo. A operadora multinacional, por exemplo, paga impostos ao governo para poder ser detentora da produção física (a grosso modo royalties e participação especial são impostos ou taxas que a operadora paga ao governo). No regime de partilha, como veremos, o Estado é que é o proprietário do óleo produzido.

           Em resumidas palavras, no regime de contrato de concessão, a empresa vai perfurar e operar poços - daí ser chamada de empresa operadora - depois de ganhar o direito de explorar um determinado bloco em leilão. Ela remunera o governo com royalties e aquele tributo conhecido como participação especial, que chega a 40% no caso de campos mais rentáveis, nos contratos brasileiros. Aliás, vale a pena comentar que, neste item o Brasil tem sido, digamos, bastante generoso com as operadoras, ao ficar com apenas 40%. Nos países com grandes reservas e com políticas prudentes de utilização das mesmas, essa participação chega a 85% ou seja, mais do dobro da brasileira nos contratos de concessão.

           É importante que se leve em conta que no regime de concessão, a empresa concessionária está liberada para comercializar a produção. Ela paga suas taxas ao governo para poder explorar as jazidas e decide o resto: ritmo de exploração, como comercializar etc. Atualmente o governo tem uma agência regulatória, a ANP, através da qual empresas como a Petrobrás e outras operadoras (estrangeiras) produzem petróleo sob o regime de concessões. Neste modelo, embora o Estado não tenha custo de produção, em compensação, a empresa que explora o petróleo abate seus custos de exploração e, a partir daí, calcula o montante dos impostos que pagará ao Estado.

           Não se pode esquecer que é por conta desse modelo, que vigora no Brasil, herança da era FHC e da lei do petróleo de 1997, que a maior parte do lucro do petróleo tem ido para as mãos privadas. A maioria das ações da Petrobrás está em mãos privadas (se somarmos as preferenciais e as ordinárias), embora o controle da empresa através da maioria das ações ordinárias ainda seja estatal. De resto, como todos sabem a Petrobrás é uma empresa mista cujo capital é aberto em bolsa internacional. Por conta dessa formatação, a maior parte dos dividendos não vai para o governo.

           Temos por outro lado, o outro tipo de contrato ou gestão do petróleo, o de contrato de partilha. Neste, o petróleo extraído é propriedade da União. A empresa contratada recebe, em óleo ou moeda, a parte combinada no contrato; no contrato está previsto que o montante do petróleo extraído - abatidos os custos de exploração - será dividido entre ela e o governo. O petróleo que cobre os custos de produção e é calculado antes da partilha é o chamado petróleo de custo, abatido antes de se dividir o restante, o chamado petróleo da partilha. Nos países cujo foco econômico é o petróleo, países de grandes reservas, esse modelo costuma ser adotado, além de ser o regime mais antigo. Segundo o presidente da Petrobrás, este é o modelo mais usado no mundo (junto com regimes mistos).

           Evidentemente, tanto neste caso - do regime de partilha - quanto no anterior, há um elemento que será o decisivo: a participação do Estado, a fatia pleiteada e acordada pelo governo na renda-petróleo. Quanto o governo pretende recolher dos lucros do petróleo? Este será o ponto nevrálgico em qualquer regime, ressalvadas as diferenças - que são relevantes - entre os dois regimes aqui citados. O México adota um terceiro regime, que é a terceirização da produção do petróleo - ou prestação de serviços - que na verdade é bastante semelhante à concessão, onde o Estado fica com uma grande fatia e que termina remetendo para o exterior, para o Tesouro norte-americano para ressarcimento de dívidas financeiras.

           Voltando ao nosso tema, dos modelos ou marcos regulatórios do petróleo e, no caso, vejamos uma das diferenças ou vantagens do regime de partilha. No argumento do próprio presidente da Petrobrás, estamos diante do modelo que fornece ao governo mais opções de comandar o setor, de ter política mais efetiva para o petróleo. O contrato de partilha permite ao governo fazer ajuste fino de sua política para o setor, permite determinar o ritmo da exploração das reservas dos novos campos. Este ponto é completamente diferente no regime de concessão, onde o controle do governo sobre o ritmo de produção do petróleo é menor ou quase inexistente.

           O modelo da partilha é o mais antigo. E, como foi explicado, não envolve royalties e sim partilha sobre o montante de petróleo produzido. Este modelo vigorava no mundo antes da crise do petróleo e foi através dele que começaram as antigas concessões que os países árabes faziam às operadoras ou petroleiras conhecidas como Sete Irmãs. Nesse regime nasceram vários países como o Bahrein, Kuwait, Jordânia e Qatar. Neste regime antigo nasceu o Oriente Médio dos grandes Estados petroleiros.

           Como regra, neste regime de partilha, o Estado necessariamente cria uma pequena empresa 100 % estatal - que não vai ocupar-se de furar poços - mas vai gerenciar o montante de barris que receberá da operadora ou das operadoras. Esta empresa estatal vai ao mercado com seu petróleo ou faz qualquer outro uso - de acordo com a política de governo - dos barris que recebe na partilha.

           Tanto concessão quanto partilha constituem regimes que vigoram em vários países, pelo mundo afora. Não existe um critério fixo segundo o qual o país pobre adota um modelo, o país rico adota outro modelo, não há uma regra fixa. Vai depender da política ou da estratégia política adotada por aquele governo. Por exemplo, a Venezuela, o Equador, a Bolívia, na prática, adotam um sistema de partilha assim como a Nigéria. A Noruega e Canadá adotam um sistema de concessão. O Irã inclui concessão embora não seja sistema dominante. Indonésia mistura concessão e partilha. Na África vigora o sistema de partilha.

           Não há definição a priori que permita decidir qual o modelo que é melhor para o país sem se considerar uma outra questão que é anterior a esta e que é a determinante e que já mencionamos antes: qual é a fatia da renda-petróleo da qual o Estado pretende se apropriar? O Estado pode recorrer a um modelo ou a outro, ou a uma combinação de modelos, mas precisa ter claro seu objetivo político-social. E aí então buscar o modelo adequado aos seus objetivos. O Brasil está se vendo diante desta questão: tem que decidir de quanto o Estado vai se apropriar do petróleo para usar em seu benefício, como nação soberana, quer se trate de benefício social ou industrial de longo prazo.

           Por isso é importante que se conheça o potencial de cada marco regulatório. Evidentemente há diferenças e procurei destacar algumas. Só para citar mais uma: o modelo de concessão é defendido por alguns porque traz dinheiro rapidamente; por outro lado, a decisão de como extrair e quando extrair passa para as mãos da empresa que explora.

           Portanto, e para finalizar, chamo a atenção para duas coisas.

           Primeiro, temos, em nossas mãos, uma quantidade colossal de um recurso não-renovável que a natureza - e a competência tecnológica da Petrobrás - colocaram sob nossa responsabilidade. Não podemos queimar esses recursos de qualquer jeito e não podemos - como bem argumenta o presidente Lula - deixar de utilizá-lo no resgate da dívida social. Portanto, com um recurso não-renovável e colossal em mãos, uma enorme dívida social a resgatar e diante de uma tendência mundial e histórica de alta do petróleo, de esgotamento do petróleo, é justo que o governo tenha cautela, que pretenda colocar em discussão o marco regulatório e que pretenda se apropriar de mais renda-petróleo para finalidades nacionais e soberanas.

           Não nos esqueçamos que os próprios Estados Unidos passaram a se apropriar de mais renda-petróleo recentemente, de 45% passaram a abocanhar 50% e o Estado Russo de 75% passou a reter 85%. A Venezuela passou dos 75% para os 90%.  Os governos estão percebendo que a conjuntura - e no caso brasileiro os megacampos de petróleo - permite obter mais recursos públicos, mais divisas e mais petróleo para alavancar projetos de desenvolvimento. Esta é a primeira coisa da qual não podemos nos esquecer neste debate sobre modelos de exploração. E esperamos que o presidente Lula se coloque diante dele com sabedoria.

           A segunda coisa é que o debate deve se dar democraticamente. Como bem nos lembrou outro dia o senador Casildo Maldaner, este “será o primeiro ciclo produtivo no País, baseado em um recurso natural, a ser explorado em regime de democracia plena”; não podemos nos deixar embriagar e cometer erros estratégicos. Temos que examinar a fraqueza e a força de cada modelo, considerando todos os aspectos e não apenas a necessidade da rápida queima ou comercialização das reservas (observem que os norte-americanos preferem comprar petróleo alheio em vez de queimar suas próprias reservas). No caso do Brasil, estamos diante de um prêmio da loteria. Estamos saindo dos 14 bilhões de barris de reservas para algo DEZ vezes maior. Estamos nos alinhando ao clube dos grandes. Portanto, temos que adotar uma grande estratégia, pautada pelo interesse nacional.

           E por fim, alerto que temos também que evitar um outro problema, o da chamada doença holandesa. Voltarei a este tema oportunamente, mas o fato é que países como a Holanda se viram com a chance de encherem seus cofres com divisas do petróleo, encheram seus cofres, mas em seguida se viram com o problema de uma acelerada desindustrialização que foi conseqüência da internalização colossal de divisas que levaram a problemas de câmbio, de moeda forte sem indústria forte. Vamos ter que discutir todas essas questões da forma democrática, da forma tecnicamente mais adequada e com todos os parâmetros na mão.

           Meu pronunciamento - o primeiro de uma série - pretende trazer elementos para, modestamente, ir aclarando o debate. Seja o debate em torno dos modelos regulatórios, seja o debate em torno da nova estatal, da doença holandesa, seja o debate em torno da melhor estratégia econômica e social em função da descoberta destes megacampos.

           Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/2008 - Página 37521