Discurso durante a 177ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre o discurso do Presidente Lula na Assembléia da Organização das Nações Unidas - ONU.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. EDUCAÇÃO.:
  • Comentários sobre o discurso do Presidente Lula na Assembléia da Organização das Nações Unidas - ONU.
Aparteantes
João Pedro.
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/2008 - Página 38063
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), IMPORTANCIA, ORGANISMO INTERNACIONAL, ASSISTENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, MUNDO.
  • COMENTARIO, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NECESSIDADE, CULPABILIDADE, BANQUEIRO, ACUSADO, FALENCIA, BANCOS, IMPORTANCIA, ABERTURA, COMERCIO, INCENTIVO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA, AMPLIAÇÃO, NUMERO, PAIS, PARTICIPANTE, CONSELHO DE SEGURANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ANALISE, CRISE, ALIMENTOS, AUMENTO, PREÇO, PRODUTO EXPORTADO, SUPERIORIDADE, CAPACIDADE, BRASIL, PRODUÇÃO, ALCOOL, POSSIBILIDADE, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, POLITICA ENERGETICA, ESTABELECIMENTO, NORMAS, AREA, CULTIVO, CANA DE AÇUCAR, RESPEITO, TRABALHADOR, DESTINAÇÃO, RECURSOS, DEFESA, ORADOR, UTILIZAÇÃO, LUCRO, PRODUTO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO.
  • SUGESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, POSTERIORIDADE, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PROPOSIÇÃO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, AMBITO INTERNACIONAL, DEBATE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, MUNDO.
  • FRUSTRAÇÃO, FALTA, EMPENHO, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, ANALFABETISMO, BRASIL, REGISTRO, IMPORTANCIA, INCLUSÃO, POPULAÇÃO CARENTE, PROCESSO, MODERNIZAÇÃO, MUNDO, COMENTARIO, POSSIBILIDADE, APROVEITAMENTO, PAIS, CRISE, MERCADO FINANCEIRO, REORGANIZAÇÃO, ECONOMIA, OBJETIVO, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, aproveito para cumprimentar a Bancada inteira do Distrito Federal aqui no Senado, meus colegas Gim Argello e Adelmir Santana.

            Sr. Presidente, hoje pela manhã, tive a oportunidade de assistir ao discurso do Presidente Lula na Assembléia das Nações Unidas. E vim à tribuna para congratular o Presidente pelo discurso e fazer uma sugestão de algo que acredito faltou este ano e que, no próximo ano, quem sabe, ele possa adotar. Ao mesmo tempo, quero fazer uma introdução mostrando como é importante cada vez mais a Organização das Nações Unidas no momento em que ela é cada vez mais frágil. Hoje é uma instituição muito frágil, sobretudo a partir da guerra contra o Iraque, feita pelos Estados Unidos, à revelia de todos os órgãos das Nações Unidas. Como uma grande potência, sozinhos, os Estados Unidos foram em frente e fizeram a guerra. As Nações Unidas ficaram quase que irrelevantes. No entanto, nunca o mundo precisou tanto de uma instituição do porte das Nações Unidas.

            Hoje, não há país que possa dizer que sozinho tenha condições de enfrentar as adversidades e que sozinho seja capaz de levar adiante o seu desenvolvimento.

            O Planeta ficou como um imenso condomínio em que cada país é um apartamento, mas nenhum deles pode viver se os vizinhos tocam fogo em seus móveis ou deixam as torneiras abertas. Todos são contaminados pelo que acontece dentro de cada casa. Houve um tempo em que as epidemias podiam ser impedidas pelas quarentenas. Não há mais como, o mundo se integrou de tal maneira que todos estamos passíveis de sermos contaminados pelas doenças do mundo inteiro. Isso sem falar nas doenças virtuais dos computadores, que se espalham pelo globo inteiro a partir de qualquer jovem que venha a inventar um novo vírus, podendo inviabilizar tudo, desde as viagens de avião, de trem, até o funcionamento dos institutos de pesquisa e das universidades. Ninguém mais está imune ao que acontece nos outros países. Haja vista a crise atual que chega a todo o Planeta.

            É nessa situação que a Organização das Nações Unidas, tão importante, exige uma atenção especial. E o Presidente Lula hoje falou em alguns assuntos que merecem ser elogiados. Falou, por exemplo, da necessidade de os países ricos serem responsabilizados por essa crise. Até pouco tempo atrás, qualquer país que entrava em crise, o Fundo Monetário chegava, colocava seu dedo, suas mãos, suas patas até e obrigava que os países seguissem as normas elaboradas lá em Washington. Agora, são os Estados Unidos que entraram em crise, e a gente não vê o FMI falar, é uma instituição muda, calada, diante da crise que acontece nos Estados Unidos e de lá se espalha para todo o mundo.

            Por isso, é preciso responsabilizar os culpados dessa crise. Não se deve deixar banco quebrar porque, no final, o problema cai nos que têm suas contas naquele banco. Agora, não se pode é salvar o banco e deixar o banqueiro solto. Salva-se o banco com dinheiro público para não prejudicar sobretudo os pequenos correntistas, mas prende-se o banqueiro que foi o culpado. E, em geral, não é o que acontece. Eles antes mandam o dinheiro para fora e ficam soltos, livres, usando o dinheiro que tomaram dos pequenos poupadores, dos pequenos correntistas, e que o governo foi obrigado a auxiliar.

            O Presidente também deixou clara a necessidade de que é preciso uma abertura comercial sobretudo para permitir nos países ricos a importação dos produtos agrícolas. Os americanos e os europeus passaram duas, três décadas defendendo o livre comércio. Quando o livre comércio pôde beneficiar de alguma maneira os países pobres, esses países começam, ou pior, mantêm suas fronteiras fechadas com subsídios elevadíssimos. O etanol pode não ser uma grande saída para o Brasil porque os Estados Unidos vão dar subsídio à produção ineficiente do álcool proveniente do milho. O Presidente Lula foi enfático na defesa do livre comércio como uma forma de permitir que os países emergentes sobretudo disponham de recursos.

            O Presidente Lula também citou, e acho importante lembrar, uma frase do ex-Ministro e grande economista Celso Furtado, em que ele dizia que “é inadmissível que os lucros sejam privatizados e as perdas socializadas.” - que é, Senador João Pedro, o que a gente vê por aí. Toda vez que há uma crise do capital, corre dinheiro público para salvar aquele setor. Agora, toda vez que esse setor ganha dinheiro, os trabalhadores continuam com o seu salário de miséria. Os lucros para uns poucos; as perdas sobre os ombros de todos.

            O Presidente Lula foi muito feliz não apenas ao levantar esse tema, mas ao lembrar essa frase, que ele citou, reconhecendo a paternidade do grande economista Celso Furtado. Por coincidência, ontem, tive a oportunidade de participar, Sr. Presidente, de uma homenagem a Celso Furtado, na cidade de Recife, homenagem promovida pelo Centro Celso Furtado, que é dirigido por sua viúva, Rosa Freire Furtado.

            O Presidente Lula também falou - e devemos lembrar - sobre a necessidade de que o Conselho de Segurança das Nações Unidas seja ampliado. Não é possível que continuemos a ter no Conselho de Segurança o poder de veto de uns poucos países e, ao mesmo tempo, um número restrito de países. O Brasil é um dos candidatos, mas há outros também. E o Brasil defende a ampliação.

            O Presidente Lula, hoje de manhã, teve a felicidade também de deixar, com ênfase, a posição brasileira de que as Nações Unidas venham a cumprir o papel de que o mundo precisa; é preciso que o Conselho de Segurança seja ampliado. É preciso dizer que o Presidente Sarkozy também está favorável a isso, e não só defendeu a ampliação do Conselho de Segurança, como também a ampliação do chamado G8, o grupo dos oito países mais ricos, para incorporar Brasil, Índia, México e outros países do chamado Bloco Emergente.

            O Presidente Lula também falou da crise alimentar. Mais uma vez ele assume a posição de defender aqueles que correm risco de passar fome por causa do aumento dos preços das commodities, em grande parte como resultado da especulação e não só do aumento da demanda. E ele foi claro que é preciso que a produção de álcool não se dê à custa de alimentos.

            O Brasil é um dos poucos países que, dispondo de 80 milhões de hectares agricultáveis, não usados ainda, pode perfeitamente produzir álcool, Sr. Presidente, sem tocar em um hectare de alimentos e em nenhum hectare de floresta.

            É claro que isso não vai acontecer - essa proteção - se deixarmos para o mercado livre o poder de produzir onde quiser. Se deixarmos ao mercado livre produzir onde quiser, vai acontecer com as florestas e com a comida o que agora aconteceu com os recursos financeiros. A irresponsabilidade do mercado levou à catástrofe financeira que o mundo vive hoje.

            A liberdade total de mercado levará a que as plantações de cana entrem por dentro das florestas e substituindo alimentos, se a gente não regulamentar isso. Regulamentar dizendo onde não haverá produção de álcool e onde será permitido fazê-lo.

            O Presidente Lula também falou - eu continuo lembrando - que o etanol pode vir a ser uma saída para a crise energética, mas é preciso que, no caso do Brasil, essa saída esteja subordinada a algumas regras. Primeiro, onde produzir e onde não se tolerará produzir.

            Segundo, como respeitar os trabalhadores locais, porque o Brasil já produziu muita cana, muito ouro, muita borracha na sua região e os trabalhadores não se beneficiaram.

            Terceiro, para onde vão os recursos que virão da exportação do etanol?

            Mais uma vez eu lembro que não nos beneficiamos do ouro, não nos beneficiamos da borracha, não nos beneficiamos do açúcar e nem do café. Quando digo nós, falo do povo brasileiro e sobretudo da nossa população mais pobre. Para onde vai esse dinheiro?

            Daí a idéia de que o lucro que vier desse dinheiro, por intermédio inclusive de um royalty, deve ir para aquela riqueza que se faz permanente, que é a riqueza ‘educação’, que é a riqueza ‘conhecimento’, que é o capital ‘saber’.

            O Presidente Lula também falou - e paro nesse item para entrar no tema seguinte, dentro da mesma idéia das Nações Unidas - que era preciso derrubar os outros muros que o mundo tem, porque o Muro de Berlim foi derrubado, mas outros continuam.

            E ele falou que é preciso começar a derrubar esses outros muros. Eu insisto que o pior de todos os muros que hoje dividem a humanidade é o muro que separa os que têm e os que não têm conhecimento. É o muro que separa os alfabetizados dos analfabetos. É o muro que separa os que têm ciência e tecnologia daqueles que são obrigados a comprar ciência e tecnologia. É o muro daqueles que são incluídos digitalmente e o muro daqueles que são excluídos digitalmente.

            É nesse sentido, Senador João Pedro, que antes de lhe passar o aparte eu quero sugerir ao Presidente Lula para daqui a um ano: que ele proponha a realização de uma cúpula mundial para discutir o problema da educação no mundo inteiro. Obviamente, quando eu falo em educação, eu falo também em ciência e tecnologia e cultura.

            Nós já tivemos cúpula para discutir meio ambiente - duas. Nós já tivemos cúpula para discutir corretamente os problemas das mulheres. Tivemos cúpula para discutir juventude, tivemos diversas cúpulas. Até hoje não tivemos uma para a educação. É surpreendente!

            Desde o começo dos organismos das Nações Unidas e dos organismos financeiros mundiais, em 1945, em Breton Woods, que a gente vem tendo cúpulas e mais cúpulas para a economia. Cúpulas totais com todos os presidentes; cúpulas parciais do G20; mais parciais ainda do G8; cúpulas dos 4, ainda durante a Segunda Guerra Mundial; mas uma cúpula para decidir como erradicar o analfabetismo em todo o mundo a gente não tem. Oitocentos milhões de adultos são analfabetos no mundo, dos quais uma parcela substancial no Brasil.

            Não se fez uma cúpula para descobrir como garantir que os países pobres sejam capazes de pagar bem aos seus professores. Como discutir, como chegar a fazer com que os países pobres tenham professores bem preparados? Como fazer para que as escolas sejam bonitas nos países pobres? Os bancos de todos os países, mesmo os mais pobres, têm agências bonitas e as escolas não.

            Por isso a minha sugestão, pela credibilidade que o Presidente Lula tem hoje no mundo inteiro, com os programas inovadores que há no Brasil, incluindo, para começar, o Programa Bolsa Escola, com as características educacionais que perdeu em grande parte ao se transformar em Bolsa Família, até porque a simples mudança do nome, tirando Escola e colocando Família, já reduziu o impacto dessa renda na consciência da população pobre sobre as vantagens e os benefícios da educação.

            Mas, mesmo assim, um País que tem 10 milhões de famílias recebendo uma renda e que, pelo menos, na lei, está escrito que essa renda é vinculada à freqüência às aulas; um País que tem feito um esforço no sentido - através do Fundef, do Fundeb -, do piso salarial, tem feito exercícios, esforços, ainda que, a meu ver, muito pequenos, mas tem feito esforços no sentido de não esquecer a educação. No que se refere ao analfabetismo é que, lamentavelmente, não temos muito a dizer que temos feito.

            É triste mas, nesses últimos anos, a redução na taxa de analfabetismo foi de 0,2%, uma taxa menor do que a que conseguiu o Paraguai, que conseguiu a Bolívia, que conseguiu o Peru. Analfabetismo esse que não tem como mostrar ao mundo que temos feito um esforço grande. Estamos fazendo um esforço igual ao que fazemos desde Dom Pedro II. Mas, no resto, podemos mostrar alguns esforços, ainda que muito menores do que eu gostaria. De qualquer maneira, a credibilidade do Presidente e de seu Ministro das Relações Exteriores, os programas exemplares - do ponto de vista de exemplo não do ponto de vista da qualidade necessariamente; o tamanho do Brasil, a posição do Brasil entre os dois lados do mundo - nem faz parte daquele Primeiro Mundo, que já saiu da pobreza há décadas, e não está mais naquele mundo que hoje está condenado à pobreza maior.

            O fato de ser um País emergente, um País, inclusive, com uma economia estável, graças a um pacto que já dura 14 anos ... Ninguém escreveu o pacto, mas, desde que Itamar Franco lançou o Plano Real, os dois Presidentes seguintes continuaram com as mesmas bases da política econômica. Houve pequenos ajustes, mas as bases são as mesmas. Então, é um País que hoje tem condições, na voz do Presidente Lula, de apresentar essa proposta da cúpula.

            Lamento que não tenha sido neste ano. A última chance será no próximo, porque, em 2010, quando houver a próxima reunião das Nações Unidas, o Presidente Lula estará praticamente no final do seu mandato e o seu substituto ainda não estará eleito, apesar de faltarem apenas 15 dias para a eleição que definirá o seu substituto. É completamente diferente uma proposta chegar a um grande organismo internacional, como as Nações Unidas, na voz de um Presidente que ainda ficará alguns anos no poder e chegar na voz de um Presidente que está terminando o seu mandato.

            Ninguém vai prestar atenção no discurso do Presidente Bush nesta semana, a não ser por causa da crise grave que os Estados Unidos atravessam para saber o que ele tem a propor conjunturalmente, circunstancialmente, neste momento, mas não para o futuro. Qualquer proposta do Presidente Bush para os próximos dois, três anos cai no ridículo.

            O Presidente Lula, portanto, não fez a proposta neste ano, mas, quem sabe, no próximo ano, ele poderá fazê-la, se outro Chefe de Estado não a fizer antes, porque é possível que, ainda nessa assembléia das Nações Unidas, outros Presidentes façam essa proposta de uma cúpula mundial com todos os Chefes de Estado e Chefes de Governo para discutirem um assunto: como vamos fazer para que, nas próximas décadas, o mundo inteiro dê o salto educacional que é preciso para construir uma sociedade mundial, uma humanidade inteira sem muro que separe os que têm dos que não têm conhecimento.

            É isso que eu queria falar, Sr. Presidente. Mas, antes de concluir, passo a palavra ao Senador João Pedro, que pediu o aparte.

            O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senador Cristovam, antes de analisar a fala do Presidente Lula na ONU no dia de hoje, V. Exª abordou aspectos importantes que têm repercussão em nível internacional. V. Exª estava falando da crise no mercado financeiro dos Estados Unidos. Eu gostaria de acrescentar um aspecto que a mídia pouco fala, apenas para ilustrar o brilhante pronunciamento de V. Exª. É uma situação de milhares famílias norte-americanas que perderam casas e apartamentos. E como a Justiça nesse aspecto nos Estados Unidos é rigorosa, o cidadão que deixou de honrar os seus compromissos sai na hora da casa e do apartamento. A polícia lá está presente para desalojar a família. Essa crise é profunda, e alguns analistas inclusive a comparam com a de 29. Há analistas econômicos que falam que ela se apresenta, no contexto atual, mais séria do que a de 29. Já li sobre isso. Eu gostaria de expor essa situação nos Estados Unidos, porque V. Exª fez uma crítica contundente; e eu concordo com a gestão, com os banqueiros. Então, há toda há toda uma mobilização para salvar o banco, os banqueiros, a instituição financeira, mas a crise se estendeu a milhares de famílias, que perderam suas residências. Gostaria de destacar isso, porque se trata de milhões de seres humanos. Os Estados Unidos, país considerado o arauto do capitalismo, o espelho do capitalismo, vive uma crise tão profunda trazendo transtornos a crianças, a jovens, a mulheres e homens. É muito sério o que aconteceu, e a mobilização do governo - é justamente essa a crítica que V. Exª destacou - é para salvar o banqueiro, a instituição. E deixa de haver uma política, porque não apareceu até agora, para socorrer milhões de americanos, de famílias que perderam as suas residências. Muito obrigado.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu agradeço. Eu quero deixar aqui, Sr. Presidente, que para mim está claro que é preciso salvar os bancos, mas jamais salvar os banqueiros. Os banqueiros que são culpados da falência dos bancos têm que ser presos e perder todos os seus patrimônios.

            Os bancos, onde milhões de pessoas depositam suas contas, é possível que o governo, na medida da disponibilidade de recursos, ajude a salvá-los. A falência de um banco leva crise a milhões de pessoas. Não se pode é salvar o banqueiro, irresponsável seja por omissão, seja por incompetência, ou, o que é muito provável, por roubo do dinheiro que era dos correntistas.

             Eu creio que nos Estados Unidos vão salvar os bancos. Alguns banqueiros vão fugir, como já aconteceu, no passado, nos Estados Unidos. Grandes investidores vão embora para o exterior e ficam nesses países que lhes dão abrigo em troca de dólares.

            O Brasil - voltando à crise - poderá sofrer, mas poderá beneficiar-se.

             Em 1929 houve a grande crise, que não pode ser comparada com a de hoje em tamanho porque essa pode ser maior ou não. Hoje há instrumentos capazes de enfrentar mais bem a crise do que antes, mas em compensação naquela época ela não se espalhava no mundo inteiro. O Brasil, graças a Getúlio Vargas, barrou aquela grande crise e tirou proveito dela; barrou fechando as fronteiras do Brasil e dizendo “já que não temos dólares por causa da crise internacional para importar bens americanos, vamos produzir aqui dentro”. Foi aí que começou a nossa industrialização, graças à crise de 29 nos Estados Unidos. Essa crise que está aí também pode nos trazer benefícios se percebermos que além de enfrentarmos os aspectos conjunturais da crise, com medidas que permitam garantir a estabilidade financeira e monetária, tomarmos medidas para reorientar o futuro do País.

            Volto a insistir: o Brasil precisa fazer sua revolução adiada ao longo de séculos, e essa revolução consiste na incorporação das massas excluídas dos benefícios da modernidade. Aí sim, a gente teria solidez pela quantidade de pessoas. Aí se disse “está melhorando”, mas em uma velocidade muito pequena, não na velocidade revolucionária que a gente precisa que não é em meses - é em anos -, mas não em séculos. Nessa velocidade vamos levar dois séculos para incorporar todos até por que a incorporação pura e simplesmente pela renda é insuficiente.

            Com a Bolsa Família não se pode dizer que a pessoa está incorporada só porque tem 80, 90, 100 reais por mês. Além disso, ela não é sustentável porque o sustento só virá na medida em que essas pessoas forem produtivas, e só serão produtivas com conhecimento, e só terão conhecimento com a educação. Eu não queria cair na mania de falar em educação, mas é impossível, porque é lá que está a saída para os problemas. O Brasil pode aproveitar, sim, essa crise, sofrendo, mas entendendo a necessidade de mudança não apenas nas medidas conjunturais de taxa de juros, de reserva cambial - tudo isso é necessário -, mas também entendendo que está na hora de mudar o rumo, de formular uma economia nova para o Brasil.

            O Brasil, Senador João Pedro, é um país que exporta ecologia em alguns momentos e exporta nada de conhecimento.

            Estamos exportando água, com as frutas do Nordeste que exportamos. Falta água, e a gente, para ganhar dólares, exporta água dentro dos melões, dentro das melancias. Ao mesmo tempo, não há exportação de inteligência no Brasil, que é o que realmente hoje dá valor às coisas, que é onde está o valor agregado. A Embraer é um exemplo para nós, mas se olharmos bem, veremos que o conteúdo de inteligência nos nossos aviões ainda é pequeno. A maior parte dos conteúdos de inteligência é importada; são partes compradas fora: os chip, os programas, os softwares.

            Temos que reorientar nossa economia, e não apenas proteger as nossas finanças. Quanto à proteção das finanças, não estamos tão ruins; mas quanto à reorientação da economia, estamos ainda adiando o que deve ser feito.

            Vim falar, Sr. Presidente, e agradeço-lhe o tempo que me foi dado, para sobretudo parabenizar o Presidente Lula pelo que disse, mas...

            (Interrupção do som)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - .... ao mesmo tempo para dizer que lamento que não tenha aproveitado esse momento para, com a sua credibilidade, lançar ao mundo inteiro um desafio: fazer uma cúpula de todos os Presidentes da República, de todos os Chefes de Estado, para discutirem um tema que não vem sendo discutido em âmbito internacional: a educação dos povos do mundo inteiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/2008 - Página 38063