Discurso durante a 177ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da visita de S.Exa. a Dom Paulo Evaristo Arns.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. IMPRENSA. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Registro da visita de S.Exa. a Dom Paulo Evaristo Arns.
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/2008 - Página 38083
Assunto
Outros > HOMENAGEM. IMPRENSA. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • COMENTARIO, VISITA, ORADOR, MUNICIPIO, TABOÃO DA SERRA (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AGRADECIMENTO, RECEBIMENTO, LIVRO, BISPO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, MÃE.
  • OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, HELDER CAMARA, BISPO, ANUNCIO, REALIZAÇÃO, COMITE NACIONAL, REFUGIADO, JULGAMENTO, ANISTIA, PASTOR.
  • REGISTRO, CENTENARIO, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (ABI), LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, ELOGIO, LUTA, ORADOR, DEFESA, IMPORTANCIA, RENDA MINIMA, CIDADANIA, BRASIL, SUBSTITUIÇÃO, BOLSA FAMILIA.
  • ANUNCIO, VISITA, ORADOR, MUNICIPIOS, BRASIL, OBJETIVO, RECOMENDAÇÃO, AUTORIDADE MUNICIPAL, ESTABELECIMENTO, COMPROMISSO, IMPLEMENTAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente Epitácio Cafeteira, Senador e Presidente José Sarney, quero, primeiramente, aqui fazer um registro.

            Ontem, por ocasião de uma visita que fiz a Taboão da Serra, resolvi fazer uma visita também a um querido amigo: Dom Paulo Evaristo Arns, que, ao longo de toda a sua vida, contribuiu enormemente para que pudéssemos, neste Brasil, viver em democracia, para que pudessem sempre as autoridades ter muito respeito para com os direitos humanos, para que pudessem todos os governantes estar sempre visando a busca de justiça em nosso País.

            Portanto, eu quero aqui registrar um presente tão bonito que me deu Dom Paulo Evaristo Arns: Da Esperança à Utopia. Testemunho de uma vida. Ele meu deu esse livro justamente no centésimo aniversário de minha mãe, Filomena, já que, amanhã, minha mãe, Filomena, completará 100 anos de idade.

            Quero aqui fazer uma breve homenagem à minha mãe, porque tenho certeza de que todos nós, seis filhos, cinco filhas e todos os netos e bisnetos, que já somam mais de cem, tudo o que de melhor temos, certamente decorre do extraordinário sopro de energia positiva, do exemplo que minha mãe, Filomena Matarazzo Suplicy, e que meu pai, Paulo Cochrane Suplicy, nos deram.

            Meu pai faleceu em 1977, aos 80 anos, e Dom Paulo Evaristo Arns, quando eu entrei na casa dele, me disse: “Você sabe quem o mandou aqui? Foi seu pai. Eu pude perceber isso”.

            Fiquei contente, emocionado ao ver que ele se lembrava tão bem de tudo o que fez meu pai ao longo de sua vida, inclusive junto aos engraxates, aos guardadores de automóvel, à Casa do Pequeno Trabalhador.

            E Dom Paulo Evaristo Arns deu um livro para minha mãe com a seguinte dedicatória: “À Filomena Matarazzo Suplicy, a bênção de D. Paulo Evaristo, Cardeal Arns, pelos seus 100 anos. Muitas felicidades”. Que bom que Dom Paulo Evaristo Arns, hoje com 87 anos, continue sendo esse sopro de energia que nos ilumina. Vou ler com atenção o seu livro: Da Esperança à Utopia - Testemunho de uma vida, da Sextante, que recomendo a todos os brasileiros.

            Gostaria de também registrar em plenário que, no ano em que comemoramos o centenário de Dom Hélder Câmara, considerado um dos cinco mais importantes Bispos do Brasil, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) julgará, nesta próxima quinta-feira, os casos relacionados ao Pastor Fred Morris, grande companheiro de Dom Hélder no combate à desigualdade social. A história da prisão e vida de Fred Morris motivou, inclusive, a idéia de o ator Harrison Ford dirigir um filme sobre a trajetória do Pastor que, acredito, será anistiado nesta próxima quinta-feira, quando o mesmo chegará ao Brasil.

            E quero aqui registrar justamente um texto que me foi enviado pelos representantes da Caravana da Anistia, que realizarão essa Caravana no dia 26 de setembro de 2008, na CNBB, em que Sueli Aparecida Bellato, Vice-Presidente da Comissão de Anistia e membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB, comunica que esse julgamento vai acontecer na próxima quinta-feira. Faço o registro desses documentos bem como o registro relativo ao centenário de Dom Hélder Câmara.

            Presidente Epitácio Cafeteira, neste ano, a Associação Brasileira de Imprensa completou 100 anos e publicou um jornal, em maio deste ano, sobre a festa da democracia e relativamente ao centenário da ABI, comemorado em grande estilo, com o recital da Orquestra Petrobras Sinfônica, sob a regência do Maestro Isaac Karabtchevsky, com show de Paulinho da Viola e com todas as pessoas que colaboraram extraordinariamente para a trajetória da ABI. E foi exatamente no número de maio de 2008 do jornal da ABI que me deparei com um artigo que gostaria de registrar aqui e refletir a respeito.

            Ele se denomina “A Cruzada do Quixote Suplicy”, por Altamir Tojal, jornalista especializado em economia e sócio da ABI.

            Este artigo diz o seguinte:

O Senador Eduardo Suplicy apresentava o documentário sobre sua viagem ao Iraque para divulgar a proposta de renda básica de cidadania. No filme, um ministro iraquiano pergunta se o programa foi adotado no Brasil. Suplicy responde "Ainda não, vai ser implantado em etapas”.

Presente à exibição, outro Senador, Heráclito Fortes, não perdeu a oportunidade da piada: "A primeira etapa foi o cartão corporativo”. A viagem de Suplicy aconteceu em janeiro e a exibição do documentário algumas semanas depois. Estávamos no auge da chamada crise do subprime (os empréstimos imobiliários sem lastro adequado nos Estados Unidos), com as bolsas despencando no mundo todo e o Presidente Bush liberando muitos bilhões de dólares para acalmar os mercados. Aqui, a Bovespa também despencava e o escândalo da hora era o uso abusivo dos cartões corporativos por ministros e funcionários.

O chiste de Fortes pode ir para a conta do sarcasmo instintivo que pode acometer qualquer um. Afinal, a bola estava quicando na frente do gol e o Senador da oposição não ia deixar passar a oportunidade de provocar o colega petista. Mas a verdade é que a cruzada de Suplicy pelo programa de renda básica não é levada a sério nem mesmo por lideranças do PT e do Governo. A imprensa, quando dá espaço ao tema, quase sempre endossa o tom de descrença e de ironia que a idéia evoca, talvez por ignorância ou porque ela ressoe generosidade, esperança e utopia. É disso mesmo que se trata. E ninguém parece a fim de dar trela a essas coisas tão fora de moda. E o Senador Suplicy, embora bem robusto, fica com ares de Dom Quixote quando defende a proposta.

            Quero aqui fazer um parênteses porque sei bem o que significa Don Quixote de La Mancha, no trecho de Cervantes, o extraordinário e maior escritor da Língua espanhola. Eu sei bem que Dom Quixote, em verdade, era uma pessoa que fazia batalhas extraordinárias, entretanto sempre vendo algo que era o imaginário. Por esta razão, acabou lutando por algo impossível de ser alcançado. Era como se fossem fantasmas que estavam a sua frente, mas que ele os via. E batalhava com extremo ardor para conseguir vencer e ultrapassar todos os que estavam na sua frente impedindo-o de alcançar o seu objetivo. No entanto, termina a sua vida doente sem ter propriamente alcançado seus objetivos. Mesmo assim, na imagem das civilizações, Dom Quixote se tornou uma pessoa capaz de sempre lutar, removendo montanhas e alcançando coisas que pareciam ser extremamente difíceis. Nesse sentido, a expressão Dom Quixote tem uma conotação positiva. Sendo assim, quero agradecer a esse jornalista tão sensível, Altamir Tojal, justamente no jornal da Associação Brasileira de Imprensa, que conseguiu detectar e perceber isso.

            E ele prossegue da seguinte maneira:

A renda básica de cidadania, ou renda mínima, ou salário social é um direito que muitas pessoas, em todo o mundo e há muito tempo, propõem não só como remédio para os males da injustiça social, mas também para a mórbida exuberância irracional do sistema econômico global, com sua sucessão de crises e ameaças a tudo e a todos no planeta. Consiste em assegurar a cada pessoa uma renda suficiente para atender às necessidades básicas, de forma incondicional e universal, ou seja, independentemente de idade, sexo, instrução, nível de renda ou de ela estar ou não trabalhando. Isso mesmo: um direito dos pobres e também dos ricos, dos desempregados e dos que trabalham. Esse direito existe há alguns anos no Estado norte-americano do Alasca. E - em formas mais restritas e condicionadas de transferências diretas de renda aos mais pobres - começa a ser posto em prática em muitos países. Aqui, o Bolsa-Família pode ser considerado um embrião de um programa de renda básica, uma etapa importante, que deve transcender interesses de partidos e governos.

A proposta consta - com diferentes formulações e mesmo propósitos contraditórios - tanto de receituários de radicais comunistas como de reformistas liberais. Professor de Economia, o Senador Suplicy reúne, entre os que trouxeram fundamentos para a idéia, um time de pensadores pesos-pesados das mais diferentes tendências, desde Thomas More, Karl Marx, Thomas Paine e Charles Fourier, passando por Stuart Mill e Bertrand Russel, até Paul Samuelson, Milton Friedman, James Tobin e Antonio Negri. Outro que se junta a esses é André Gorz, que, morto no ano passado, tem sido mais comentado no Brasil nas últimas semanas graças à recente edição aqui, este ano, de sua bela Carta a D (Cosac Naify).

Gorz, estudioso das mutações do capitalismo contemporâneo, aproximou os temas da renda básica e das sucessivas crises financeiras globais no livro Misérias do presente, riqueza do possível, publicado na França em 1997 e aqui em 2004 (Annablume). Graças ao fantástico desenvolvimento técnico-científico, se produz atualmente um crescente volume de riquezas com uso decrescente de capital e trabalho. Gorz observa que, em conseqüência, a produção remunera uma quantidade cada vez menor de ativos produtivos e de trabalho. Isso, por um lado, gera mais desemprego e pobreza e, por outro, estimula o capital a se reproduzir sem a mediação do trabalho, em operações nos mercados financeiros e de câmbio ou investindo em países com salários mais baixos. Em outras palavras, quanto mais aumenta a capacidade de produzir e gerar riqueza, menos o capitalismo depende do trabalho e do próprio capital. E a riqueza, representada pelo dinheiro, transforma-se cada vez mais em ameaça e não em solução para os desafios da vida. Esse drama, com vocação de tragédia, decorre da insistência em padrões de distribuição de riqueza funcionais para um sistema produtivo de base industrial e presos ao tempo de trabalho como referencial de valor, no momento em que a reprodução do capital depende mais do conhecimento do que das fábricas. A esse respeito, Gorz cita a terrível profecia do Prêmio Nobel Wassily Leontieff: ‘Quando a criação de riqueza não depender mais do trabalho dos homens, eles morrerão de fome às portas do Paraíso, a menos que se estabeleça uma nova política de renda correspondente à nova situação técnica’.

Portanto, o Senador Suplicy talvez não seja tão quixotesco. Não só porque está na boa companhia de pensadores postos à prova em desafios de verdade, mas também porque gente tida como muito pragmática acaba se vendo forçada a endossar a sua causa, embora a contragosto e de forma furtiva e enviesada. Para amenizar o arrasador efeito econômico sobre a economia norte-americana (e do mundo) que a crise dos empréstimos subprime provocou, o remédio que o Presidente Bush arranjou para acalmar ‘os mercados’ - essa entidade suprema da economia pós-moderna - foi exatamente mandar cheques para as casas de milhões de norte-americanos. Aliás, a mesma receita usada em 2001, na crise das Torres Gêmeas. Do jeito que as crises se tornam freqüentes (já se fala na Bolha Chinesa) pode ser que a prática de mandar cheques para as pessoas também vire rotina e se espalhe pelo mundo.

E o Iraque com isso? Quando o Presidente Bush esteve em Brasília, em 2005, o incansável Suplicy não perdeu a oportunidade de vender seu peixe, citando o exemplo do Alasca. Bush respondeu: ‘No Alasca, eles têm muito petróleo’. E Suplicy insistiu: ‘Mas podemos ter a renda básica a partir de todas as formas de riqueza que são criadas’. E sugeriu que o Iraque - onde o petróleo foi transformado numa peste - seguisse o exemplo do Alasca como forma de chegar à paz. Por que não?

Altamir Tojal, no jornal da ABI.

            Sr. Presidente, gostaria de dizer que, na próxima sexta-feira, completarei mais de 100 cidades visitadas, nestes últimos meses. Em cada uma delas, seja do Estado de São Paulo ou de outro Estado, tenho recomendado a todos os candidatos a prefeito e a prefeita que, nos próximos quatro anos, assumam o compromisso de realizar a transição, passo a passo, do Programa Bolsa-Família, aperfeiçoando-o na direção da renda básica de cidadania. Se foi possível, nos anos de 1994, 1995 e1996, iniciar as experiências do Programa de Renda Mínima associado à educação ou ao Bolsa-Escola, que hoje se tornou Bolsa-Família em todos os Municípios, também será perfeitamente possível a implantação da Renda Básica de Cidadania universal e incondicional a todos os munícipes no Brasil. Portanto, que se inicie de forma local.

            Felizmente, tenho encontrado, sobretudo da população onde tenho falado, praticamente aceitação consensual, unânime para isso, a ponto de os inúmeros candidatos a prefeito e a prefeita estarem dizendo que levarão esse propósito a seu termo.

            Sr. Presidente, anexei aqui uma relação das 103 cidades que visitei neste ano com esse propósito, conversando sobretudo com os candidatos apoiados pelo Partido dos Trabalhadores, mas colocando essa proposta para todos, até porque a Lei nº 10.835, aprovada pelo Congresso Nacional - primeiro, pelo Senado e, depois, pela Câmara dos Deputados -, foi aprovada por todos os partidos políticos nesta Casa.

            Agradeço muito, Senador Epitácio Cafeteira, a colaboração de V. Exª. Inclusive hoje quero agradecer também à Drª Cláudia Lyra, porque vim a Brasília com a expectativa de fazer este pronunciamento. Felizmente, V. Exª e os Senadores que aqui falaram colaboraram para que eu pudesse chegar a tempo, em que pese o ligeiro atraso do avião que me trouxe.

            Muito obrigado, Sr. Presidente Epitácio Cafeteira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/2008 - Página 38083