Discurso durante a 183ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da passagem do vigésimo aniversário da promulgação da Constituição de 1988.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. CONSTITUIÇÃO FEDERAL.:
  • Registro da passagem do vigésimo aniversário da promulgação da Constituição de 1988.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/2008 - Página 38784
Assunto
Outros > HOMENAGEM. CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMENTARIO, HISTORIA, CONSTITUIÇÃO IMPERIAL, PERIODO, REPUBLICA, GOVERNO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, SITUAÇÃO, ATUALIDADE.
  • IMPORTANCIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PARTIDO POLITICO, DEFINIÇÃO, JUDICIARIO, ESPECIFICAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU), DEFENSORIA PUBLICA, COMPARAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO DA UNIÃO, PODER MODERADOR, SEPARAÇÃO, RECURSOS, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, RELEVANCIA, CONSOLIDAÇÃO, FEDERALIZAÇÃO.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, MELHORIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEFESA, REFORMA POLITICA.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Romeu Tuma, Senador Heráclito Fortes, Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Senador Mário Couto, Líder da Minoria, Srªs e Srs. Senadores, venho, hoje, registrar a passagem do 20° aniversário da promulgação da Constituição de 1988.

Gostaria de salientar, inicialmente, que a Constituição, fato pouco percebido pela sociedade brasileira, brotou de um pacto prévio, de um acordo político articulado consensualmente, intitulado Compromisso com a Nação, que foi, eu não tenho dúvida em afirmar, o mais importante pacto de nossa história republicana. Esse entendimento ensejou duas conseqüências: a eleição, através do Colégio Eleitoral, da chapa de Tancredo Neves e José Sarney, de forma pacífica, a passagem do regime autoritário para o chamado Estado democrático de direito.

Lembraria, Sr. Presidente, que o pensador austríaco Friedrich Hayek, no seu livro A Constituição da Liberdade, concebeu, no século passado, dois paradigmas para classificar as constituições contemporâneas: as que estabelecem “normas de conduta” e as que fixam “normas de organização”.

Compartem, de modo geral, ao que os juristas chamam de ‘constituições sintéticas” e “constituições regulamentares”, ou constituições analíticas.

Entre as primeiras está a Carta Imperial de março de 1824, outorgada pelo Imperador Pedro I. Essa Constituição foi produto de prévio projeto, do qual fez parte, como seu principal membro, o Marquês de Caravelas, grande jurista, que permitiu com que todo o período imperial tivéssemos uma só Carta. Não fora a Proclamação da República em 1889, a Constituição de 25 de março de 1824 teria continuado em vigor.

Depois da Carta Imperial de 1824, que era sintética, de poucos dispositivos, tivemos a primeira Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, também brotada de projeto preliminar. Para esse fim, o Presidente provisório, Deodoro da Fonseca, constituiu uma comissão de cinco membros, a chamada Comissão de Petrópolis, que se reunia na cidade serrana fluminense, no mês de dezembro, época de muito calor no Rio de Janeiro. Petrópolis permitia ao grupo desfrutar de clima mais agradável e concluir seu trabalho.

Uma vez encerrado, o projeto foi encaminhado a Deodoro da Fonseca, que, por decreto, designou Rui Barbosa para fazer a revisão final, já que o jurista baiano dominava feitura de textos constitucionais e era um grande legislador.

A Constituição de 1891 tem semelhança com a Constituição de 1824: é, também, sintética. Numa constituição sintética, geralmente se define claramente o que é constitucional e o que não é constitucional.

Na Constituição do Império, transcreve-se, ipsis litteris, em seu artigo 178, texto do livro de Benjamin Constant de Rebecque, Curso de Direito Constitucional, editado em 1815:

“É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos e aos direitos políticos individuais dos cidadãos. Tudo que não é constitucional pode ser alterado sem as formalidades referidas pelas legislaturas ordinárias”.

Sr. Presidente, como eu dizia, da Constituição de 1891, a primeira Carta republicana, se vertebraram não somente a República, mas também a Federação, o presidencialismo e o sistema bicameral. No Estado era unitário, não havia Federação e o papel desenvolvido pelo Senado era outro, que vigorou até a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas teve atuação saliente, pois foi reputada como uma das revoluções renovadoras, inovadoras. Empossado como Presidente provisório, Getúlio Vargas designou uma comissão para elaborar um código eleitoral e, também, criar a Justiça Eleitoral, que não havia no Brasil. Não são todos os países que possuem uma Corte Judiciária só para assuntos eleitorais, como é o caso do Brasil. Então, o Código de 1932 foi um avanço, sob esse aspecto, não somente por criar a Justiça Eleitoral, mas por fazer uma nova lei eleitoral, que assegurou o voto à mulher. Fomos dos primeiros a dar o voto à mulher. É lógico que, no pleito seguinte, se elegeu apenas uma mulher e, posteriormente, não houve representação feminina, a não ser com a Constituição liberal de 1946.

Sr. Presidente, volto ao raciocínio que fazia para dizer que não podemos classificar a Constituição de 1988 como uma Constituição que estabelece normas de organização.

Foi uma constituição analítica, o que se constata facilmente pelo número elevado de dispositivos, não somente constantes do texto permanente, como também das disposições constitucionais e transitórias. É talvez o texto mais constitucional de todas as constituições que o Brasil já conheceu.

E isso traz como decorrência, Sr. Presidente, a necessidade de regulamentar. Uma publicação do Ministério da Justiça editada após a Constituição de 88 chegou a listar 269 dispositivos pendentes de regulamentação. Essa publicação está esgotada, mas tenho um exemplar, e mostra portanto quanto ainda há para se fazer.

Sr. Presidente, feitas essas ressalvas, gostaria de dizer que a Constituição de 1988, que Ulysses Guimarães denominou de Constituição Cidadã, foi a que atendeu às demandas da sociedade sobretudo porque ela se converteu na mais moderna e mais ampla Carta de direitos individuais e coletivos e o mais completo conjunto de direitos sociais que o País conheceu. Os capítulos dos Direitos Políticos e dos Partidos Políticos, por sua vez, constituem inovação a merecer encômios, pois só de maneira indireta os textos constitucionais anteriores tratavam da matéria. Essa conquista representou uma mudança em nosso Direito Constitucional legislado.

Abro um parêntese, Sr. Presidente, para lembrar que o Brasil nisso não foi o pioneiro, porque a Constituição de Weimar, de 1919, a constituição alemã, também teve o cuidado de reconhecer esses direitos políticos, inclusive dos partidos políticos, como também avançou muito no campo dos chamados direitos sociais.

Diria, também, Sr. Presidente, que o Título IV, relativo à Organização dos Poderes, é denso e o mais completo no que diz respeito ao Poder Legislativo, cujas competências foram substancialmente ampliadas. Ressalve-se o alusivo às medidas provisórias que ampliam a nossa insegurança jurídica por não observarem freqüentemente os pressupostos de urgência e relevância.

Com relação ao Poder Judiciário e a especificação das ações essenciais da Justiça, a nossa Constituição também é inovadora ao discriminar as funções do Ministério Público, da Advocacia-Geral da União e da Defensoria Pública. E já que falei no Ministério Público da União e de acordo com leitura que faço do art. 127 da Constituição, poderíamos dizer que o Ministério Público passou a ser um quarto poder. Se na Constituição do Império tivemos o Poder Moderador, que era exercido pelo Imperador, na Constituição de 1988, temos um quarto poder que talvez seja o Ministério Público. E quem compulsa o art. 127, aliás, bastante longo, facilmente concluirá que não temos mais aquela clássica tripartição de poderes, cujo primeiro formulador foi Montesquieu, mas, sim, um sistema que é mais do que tripartição, é uma quadripartição de poderes.

Mas, Sr. Presidente, também se trabalhou muito a discriminação de rendas entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Foi um esforço da  Constituição no sentido de fortalecer a Federação. 

A Federação, se bem que seja uma instituição muito antiga no Brasil (data da Proclamação da República), foi sempre uma aspiração da sociedade brasileira. Mesmo no tempo do Império, muitos que eram monarquistas, como Joaquim Nabuco, defenderam a Federação, ou seja, uma monarquia federativa. Rui Barbosa, que, antes de ser republicano, era sobretudo um defensor da Federação, só se converteu em republicano depois que viu que no modelo imperial, não era possível criar a Federação. A Federação no Brasil ainda sofre de muita debilidade. Em que pesem os avanços da Constituição de 1988, ainda há uma enorme concentração de poderes e de recursos na mão da União, em detrimento dos Estados e sobretudo dos Municípios, principalmente no momento em que se reconheceu que os Municípios devem ser considerados também entes federativos.

Também devo lembrar que a ordem econômica consagrou - e volto à Constituição de 1988 - princípios vitais: a função social da propriedade, as garantias de livre concorrência, a defesa do consumidor e do meio ambiente e o tratamento fiscal simplificado para médias, pequenas e microempresas.

A tutela dos direitos sociais, anote-se, está devidamente resguardada, inclusive pelo princípio de proteção das minorias, como crianças e adolescentes, idosos e índios, e pelo estabelecimento da igualdade étnica. A ampla cobertura da Previdência Social é, indubitavelmente, um dos maiores programas de proteção social e distribuição de renda de todo o mundo.

Todavia, Sr. Presidente, se podemos registrar como extremamente positiva a Constituição de 1988, não podemos deixar de registrar que ela é uma obra ainda não concluída. Precisamos regulamentar muitos de seus dispositivos e também avançar no sentido de fortalecer as instituições que melhorem o nível de governabilidade do País. Para isso, é fundamental fazermos a reforma política, a grande aspiração, acredito, da sociedade brasileira que, infelizmente, ainda não realizamos como acho ser dever do Congresso Nacional. De modo especial, esse é um dever daqueles que reconhecem que a não-realização das chamadas reformas políticas pode redundar num momento de insegurança jurídica que ainda existe, infelizmente, no Brasil e que retarda, conseqüentemente, a melhoria dos níveis de governabilidade em nossa Pátria.

Era o que eu tinha a dizer.

Agradeço a V. Exª pelo tempo que V. Exª me dispôs.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Quero cumprimentar V. Exª pela lembrança, não só por isso, mas pelo trabalho brilhante que vem desenvolvendo à frente da Comissão de Justiça, perseguindo toda essa regulamentação e todos esses fatos que V. Exª relata depois de 20 anos. V. Exª, dentro do aspecto interpretação da Constituição, de toda a história, é o mais brilhante Senador nesta Casa.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/2008 - Página 38784