Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso dos vinte anos da promulgação da Constituição de 1988.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ELEIÇÕES. MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Registro do transcurso dos vinte anos da promulgação da Constituição de 1988.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/2008 - Página 38924
Assunto
Outros > HOMENAGEM. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ELEIÇÕES. MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SIMULTANEIDADE, EFICACIA, ELEIÇÃO MUNICIPAL, VALORIZAÇÃO, DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, GARANTIA, SEGURANÇA, ELEIÇÕES.
  • ANUNCIO, COMEMORAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REALIZAÇÃO, EXPOSIÇÃO, DOCUMENTO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE.
  • COMENTARIO, SIMULTANEIDADE, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, DECLARAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, DIREITOS HUMANOS, CONTRIBUIÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMPARAÇÃO, ANTERIORIDADE, LEGISLAÇÃO, ANALISE, CONDUTA, MEMBROS, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, BUSCA, GARANTIA, AUSENCIA, AUTORITARISMO.
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, ANALISE, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ATUALIDADE, BUSCA, LIBERDADE, GARANTIA, DIREITOS, CIDADÃO, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, CODIGO CIVIL, MINISTERIO PUBLICO, DEFENSORIA PUBLICA, AUMENTO, ATIVIDADE, SOCIEDADE CIVIL, REFORÇO, JUDICIARIO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, RELEVANCIA, APROVAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, UTILIZAÇÃO, PARTE, EMBRIÃO, VALOR TERAPEUTICO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, PENSÃO ESPECIAL, UNIÃO, HOMOSSEXUAL.
  • REGISTRO, OPINIÃO, CIENTISTA POLITICO, SUPERIORIDADE, NUMERO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, FIXAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, GASTOS PUBLICOS, SAUDE, EDUCAÇÃO, AMPLIAÇÃO, DIREITOS SOCIAIS, GARANTIA, CIDADANIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMA POLITICA, REFORÇO, LEGISLATIVO, REDUÇÃO, ATIVIDADE, NATUREZA POLITICA, JUDICIARIO.
  • SOLIDARIEDADE, ALOIZIO MERCADANTE, SENADOR, DEFESA, IMPORTANCIA, DIALOGO, SOLUÇÃO, GREVE, POLICIAL CIVIL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SAUDAÇÃO, POLICIAL, PRESENÇA, PLENARIO, RESPEITO, DIREITO DE GREVE.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, Srªs e Srs. Senadores, quero saudar, como muitos Senadores têm feito nestes últimos dias, o aniversário de 20 anos da Constituição Cidadã, promulgada pelo Deputado Ulysses Guimarães, saudoso, que tão fortemente dignificou o povo brasileiro e o Congresso Nacional.

            Registro que, justamente em cinco de outubro, domingo passado, quando se completaram os vinte anos de promulgação da Constituição, o Brasil viveu um momento excepcional de tranqüilidade. Ainda hoje falei com o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo; acompanhei, nestes últimos dias, as entrevistas do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral; e é importante registrar como as eleições no Brasil se deram com grande tranqüilidade, sem quaisquer incidentes maiores. Inclusive, as Forças Armadas, o próprio Exército foi chamado para estar presente, sobretudo ali nos morros do Estado e da cidade do Rio de Janeiro, onde se previa que poderiam ocorrer problemas maiores, ou em alguns lugares do Estado de São Paulo - em Paulínia, por exemplo, havia certas ameaças -, mas se tomaram as medidas preventivas e tudo se deu com maior tranqüilidade.

            Então, que bom que o Brasil está vivendo um momento tão formidável de exercício da democracia. Isso tem muito a ver com a Promulgação da Constituição de 1988, cuja Assembléia Nacional Constituinte fora presidida por Ulysses Guimarães, quando era Presidente da República o atualmente Senador José Sarney.

            Comemoram-se também em 2008, em 10 de dezembro, os 60 Anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Todos esses fatos contribuíram para o excesso de preocupação democrática constante em nossa Carta Magna.

            A importância dessa data levou a Câmara dos Deputados e o Senado Federal a iniciarem uma série de ações para o lançamento das comemorações dos 20 anos da Constituição Cidadã, dando início a eventos, publicações e outras ações que começaram em 4 de outubro de 2007 e se estenderão por todo o ano de 2008, envolvendo parlamentares, cientistas políticos, historiadores, educadores, partidos políticos e a sociedade em geral. Inclusive, houve a inauguração, hoje, aqui no Salão Negro da Câmara dos Deputados, da exposição sobre a Constituinte.

Mais do que uma aula de direito, o estudo da nossa Constituição é um mergulho na história política recente do nosso País, para que as atuais e futuras gerações tenham uma memória completa dos fatos que marcaram sua elaboração.

            Antecedida pelas Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969, a Carta Magna de 1988 é o documento mais recente entre aqueles que compõem a história constitucional do Brasil. Tem dado contribuição de extraordinária relevância para a democratização da sociedade brasileira, para a correção de injustiças tradicionais e para a efetivação dos Direitos Humanos.

            Ela é produto das crenças e da conjuntura de seu tempo. Concebida após 21 anos sob uma ditadura militar (1964-1985) e a Campanha das Diretas Já (1984), foi escrita por um Congresso que ainda tinha na lembrança a sombra do autoritarismo. Por isso, seu texto procura garantir para o futuro aquilo que faltara no passado.

            Há pouco mais de vinte anos, o Brasil saía de um período de regime militar, com economia fechada, mergulhado em inflação e desigualdade social. Hoje um novo cenário se forma, com um Presidente que detém a maior popularidade de toda a história do País, defende a liberdade civil, os direitos e as garantias fundamentais, com uma peculiar preocupação no combate às desigualdades sociais.

            O próprio Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que participou como constituinte da Assembléia Nacional Constituinte - assinou, porém, votou contra -, ainda nesses dias de comemoração fez declarações dizendo o quanto essa Constituição representou um avanço notável e o quanto hoje estamos vivendo um momento extremamente saudável para todos os cidadãos brasileiros.

            Muitos foram os desafios enfrentados na Assembléia Constituinte. Era um tempo em que as disputas ideológicas se faziam muito presentes no Congresso Nacional, com grandes líderes políticos, intelectuais e representantes de classe. Lá estavam Ulysses Guimarães, Mário Covas, Michel Temer, Jarbas Passarinho, Fernando Henrique Cardoso, o hoje Presidente Lula, Roberto Campos, Nelson Carneiro, Bernardo Cabral, Afonso Arinos, José Serra, Roberto Freire e os jovens Nelson Jobim, Luís Eduardo Magalhães, Plínio de Arruda Sampaio, além de tantos outros que trabalharam arduamente na construção de um texto democrático para ser entregue aos nossos filhos e netos.

            Ulysses dividiu a Constituinte em 24 subcomissões, que depois se fundiriam em oito comissões temáticas, até chegar ao crivo de uma Comissão de Sistematização, cujo organizador foi o Deputado Bernardo Cabral. O texto da Constituição, que tinha em seu original 245 artigos e 70 disposições transitórias, já sofreu 62 emendas.

            A Carta de 1988 tem propiciado o mais longo período de estabilidade institucional da história republicana do País, ultrapassando crises decorrentes de impeachment presidencial; Comissões Parlamentares de Inquérito que apuraram escândalos orçamentários; renúncia e cassação de Parlamentares. Isso só foi possível graças a uma mudança de paradigma ocorrida ao longo do século XX.

            O grande mérito da nossa Carta Magna foi eleger como prioridade a preocupação com o cidadão à frente do Estado, o que inclusive levou à elaboração de um novo Código Civil em 2003, que colocava a preocupação com o homem à frente da preocupação com o capital. Em seu livro “Cidadania no Brasil - o Longo Caminho”, o historiador José Murilo de Carvalho demonstra como a noção de cidadania sempre esteve no fim da fila das questões importantes do País. Durante o período colonial e o imperial (1500 a 1889), os escravos nem eram considerados pessoas - quanto mais cidadãos. Agora, felizmente, vivemos outra realidade!

            Além da garantia de direitos inéditos, o legislador constituinte aumentou o número de atores institucionais, criando novos mecanismos de acesso aos direitos sociais. O Ministério Público tem se revelado um importante agente na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, e a Defensoria Pública é uma grande aliada das populações carentes. Por outro lado, a sociedade civil também aumentou o seu papel e as suas atividades em prol da defesa dos direitos dos cidadãos.

            Quero assinalar, inclusive, que a Constituição brasileira assegura o direito de greve. Ainda que haja preocupações com respeito ao direito de greve para os serviços essenciais importantes para a sociedade civil, como a própria questão da segurança, assegura-se hoje que existe esse direito de greve.

            Quero ressaltar, no que diz respeito à greve dos membros da Polícia Civil, dos delegados, que foi objeto de pronunciamento do Senador Aloizio Mercadante na tarde de hoje, que, ainda há pouco, depois de conversar com os delegados que aqui se encontram, conversei com o Secretário de Gestão do Governo do Estado de São Paulo, do Governador José Serra, Sidney Beraldo, que muito gentilmente atendeu meu telefonema e, diante da suspensão do movimento de greve, informou que o diálogo está retomado, que está recebendo, nesta tarde, a contra-proposta que os Delegados da Polícia Civil estão formulando ao Governo e que essa proposição está sendo estudada com atenção. Espero que, em breve, possa haver um entendimento.

            Quero cumprimentar os delegados que hoje se encontram presentes a nossa sessão, dizendo-lhes o quanto é importante para a população de São Paulo que possa haver o melhor entendimento entre o Governo do Governador José Serra, o Secretário Ronaldo Marzagão, o Secretário Sydney Beraldo e o Secretário de Governo Aloysio Nunes, com quem também conversei sobre esse tema.

            A nossa Constituição possibilitou a elaboração de projetos de lei por iniciativa popular, e os cidadãos agora também podem participar de conselhos responsáveis por políticas públicas. Novas entidades sociais são legitimadas para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade ou constitucionalidade, ação de descumprimento de preceito fundamental ou de outros instrumentos jurídicos como ações civis públicas.

            Nesse novo cenário, o Poder Judiciário foi fortalecido a partir da Constituição de 88 e, com isso, cresceu a presença do Judiciário na vida cotidiana, decidindo sobre temas importantes como: liberação de pesquisas com células-tronco retiradas de embriões; aposentadorias decorrentes de uniões homoafetivas e demarcação de terras indígenas.

            Não há dúvida de que a Constituição está a serviço dos interesses de todo o povo, ainda em processo de aprendizagem para o amplo uso de seus direitos. Ainda são caminhos novos, mas sua consciência e disposição de lutar por eles pelas vias jurídicas cresce a cada dia. Por isso, é fundamental que tanto a União como os Estados melhor aparelhem e remunerem os defensores públicos.

            De acordo com um estudo feito pelos cientistas políticos Roberto Bastos Arantes e Cláudio Couto, professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, a Constituição de 1988 é a que possui o maior número de dispositivos que determinam políticas públicas em toda a história: 496. “Ela desce ao detalhe de dizer não só o que o governo tem de fazer, mas como tem de fazer”, afirma Arantes. Chega inclusive a determinar o tamanho da parcela fixa do orçamento que o governo tem de gastar em educação e saúde.

            Apesar de todas as novidades, a cidadania plena por meio de um ensino de qualidade e de uma renda básica destinada a todos os cidadãos ainda está por acontecer de fato. O acesso universal à educação foi conquistado, mas o ensino público gratuito de boa qualidade - que traz a verdadeira cidadania - ainda é um ideal a ser alcançado.

            Além dos gastos obrigatórios com saúde e educação, a Constituição de 88, sob o pretexto de garantir a cidadania plena, criou mais direitos sociais típicos de países de primeiro mundo, como se observa na leitura de seu art. 7º. Com isso, os direitos sociais foram colocados no mesmo nível da organização do Estado.

            A nossa Carta Magna possibilitou o direito à aposentadoria de trabalhadores rurais que nunca contribuíram para a Previdência Social, além de garantir um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuírem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei, lançando bases para a redução da pobreza.

            Nas constituições anteriores, os direitos fundamentais eram referidos muito sucintamente e sempre ficavam à espera de normas regulamentadoras para poderem ser exercidos, conforme afirma em suas entrevistas o Professor Dalmo de Abreu Dallari, da USP. Era necessário ir ao Judiciário para defendê-los ou cobrar sua efetivação.

            Sr. Presidente, eu vou requerer seja transcrito o restante de meu pronunciamento, porque, na verdade, eu pude ler a sua metade aproximadamente. Peço que o restante seja transcrito, para respeitar os demais oradores.

            Em minha conclusão, como abri meu pronunciamento falando dessas eleições, que tiveram um caráter muito especial de exercício da civilidade, da democracia, dos direitos à cidadania, quero assinalar que o Partido dos Trabalhadores, ao eleger, nestas eleições, 548 Prefeitos, correspondendo a um aumento de 33,33%, teve o maior crescimento relativo sim. Cumprimento o PMDB, que teve a maior força: 1.194 - também teve um crescimento de 12,70%. Mas foi um avanço muito grande para o PT ter eleito um número tão significativo de Prefeitos, 548, e 4.169 Vereadores em todo o Brasil.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY.

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O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia cinco de outubro, a Constituição Federal de 1988 - CF/88, chamada “Cidadã” pelo então Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, completou 20 anos de sua promulgação. À época era Presidente da República o hoje Senador José Sarney.

Comemora-se também em 2008 os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Todos esses fatos contribuíram para o excesso de preocupação democrática constante em nossa Carta Magna.

A importância dessa data levou a Câmara dos Deputados e o Senado Federal a iniciarem uma série de ações para o lançamento das comemorações dos 20 anos da Constituição Cidadã, dando início a eventos, publicações e outras ações que começaram em quatro de outubro de 2007 e se estenderão por todo o ano de 2008, envolvendo parlamentares, cientistas políticos, historiadores, educadores, partidos políticos e a sociedade em geral.

Mais do que uma aula de direito, o estudo da nossa Constituição é um mergulho na história política recente de nosso país para que as atuais e futuras gerações tenham uma memória completa dos fatos que marcaram sua elaboração.

Antecedida pelas Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969, a Carta Magna de 1988 é o documento mais recente entre aqueles que compõem a história constitucional do Brasil. Tem dado contribuição de extraordinária relevância para a democratização da sociedade brasileira, para a correção de injustiças tradicionais e para a efetivação dos Direitos Humanos.

Ela é produto das crenças e da conjuntura de seu tempo. Concebida após 21 anos sob uma ditadura militar (1964-1985) e a Campanha das Diretas Já (1984), foi escrita por um Congresso que ainda tinha na lembrança a sombra do autoritarismo. Por isso, seu texto procura garantir para o futuro aquilo que faltara no passado.

Há pouco mais de vinte anos o Brasil saía de um período de regime militar, com economia fechada, mergulhado em inflação e desigualdade social. Hoje um novo cenário se forma, com um Presidente que detém a maior popularidade de toda a história do país, defende a liberdade civil, os direitos e as garantias fundamentais, com uma peculiar preocupação no combate às desigualdades sociais.

Muitos foram os desafios enfrentados na Assembléia Constituinte. Era um tempo em que as disputas ideológicas se faziam muito presentes no Congresso Nacional, com grandes líderes políticos, intelectuais e representantes de classe. Lá estavam Ulysses Guimarães, Mário Covas, Michel Temer, Jarbas Passarinho, Fernando Henrique Cardoso, o hoje Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Campos, Nelson Carneiro, Bernardo Cabral, Afonso Arinos, José Serra, Roberto Freire e os jovens Nelson Jobim e Luis Eduardo Magalhães, além de tanto outros que trabalharam arduamente na construção de um texto democrático para ser entregue aos nossos filhos e netos.

Ulysses dividiu a Constituinte em 24 subcomissões, que depois se fundiriam em oito comissões temáticas, até chegar ao crivo de uma Comissão de Sistematização, cujo organizador for o deputado Bernardo Cabral. O texto original da CF/88 que tinha em seu original 245 artigos e 70 disposições transitórias já sofreu 62 emendas.

A Carta de 1988 tem propiciado o mais longo período de estabilidade institucional da história republicana do país, ultrapassando crises decorrentes de impeachment presidencial; Comissões Parlamentares de Inquéritos que apuraram escândalos orçamentários; renúncia e cassação de parlamentares. só foi possível graças a uma mudança de paradigma ocorrida ao longo do século XX.

O grande mérito da nossa Carta Magna foi eleger como prioridade a preocupação com o cidadão à frente do Estado o que, inclusive, levou à elaboração de um novo Código Civil em 2003 que colocava a preocupação com o homem à frente da preocupação com o capital. Em seu livro Cidadania no Brasil - o Longo Caminho, o historiador José Murilo Carvalho demonstra como a noção de cidadania sempre esteve no fim da fila das questões importantes do país. Durante o período colonial e o imperial (1500 a 1889), os escravos nem eram considerados pessoas - quanto mais cidadãos. Felizmente agora vivemos outra realidade!

Além da garantia de direitos inéditos, o legislador Constituinte aumentou o número de atores institucionais, criando novos mecanismos de acessos aos direitos sociais. O Ministério Público tem se revelado um importante agente na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos e a Defensoria Pública é uma grande aliada das populações carentes. Por outro lado, a sociedade civil também aumentou o seu papel e as suas atividades em prol da defesa dos direitos dos cidadãos.

A nossa Constituição possibilitou a elaboração de projetos de lei por iniciativa popular e os cidadãos, agora, também podem participar de conselhos responsáveis por políticas públicas. Novas entidades sociais são legitimadas para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade ou constitucionalidade, ação de descumprimento de preceito fundamental ou de outros instrumentos jurídicos como ações civis públicas.

Nesse novo cenário, o Poder Judiciário foi fortalecido a partir da CF/88 e, com isso, cresceu a presença do Judiciário na vida cotidiana, decidindo sobre temas importantes como: liberação de pesquisas com células-tronco retiradas de embriões; aposentadorias decorrentes de uniões homo afetivas e demarcação de terras indígenas.

Não há dúvida de que a Constituição está a serviço dos interesses de todo o povo, ainda em processo de aprendizagem para o amplo uso de seus direitos. Ainda são caminhos novos, mas sua consciência e disposição de lutar por eles pelas vias jurídicas cresce a cada dia. Por isso, é fundamental que tanto a União como os estados melhor aparelhem e remunerem os Defensores Públicos.

De acordo com um estudo feito pelos cientistas políticos Roberto Bastos Arantes e Cláudio Couto, professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, a Constituição de 1988 é a que possui o maior número de dispositivos que determinam políticas públicas em toda a história: 496. “Ela desce ao detalhe de dizer não só o que o governo tem de fazer, mas como tem de fazer”, afirma Arantes. Chega inclusive a determinar o tamanho da parcela fixa do orçamento que o governo tem de gastar em educação e saúde.

Apesar de todas as novidades introduzidas na CF/88, a cidadania plena por meio de um ensino de qualidade e de uma renda básica destinada a todos os cidadãos ainda é uma utopia. O acesso universal à educação foi conquistado, mas o ensino público gratuito de boa qualidade - que traz a verdadeira cidadania - ainda é um ideal a ser alcançado.

Além dos gastos obrigatórios com saúde e educação, a CF/88 sob o pretexto de garantir a cidadania plena, criou mais direitos sociais típicos de países de primeiro mundo, como se observa na leitura de seu art. 7º. Com isso, os direitos sociais foram colocados no mesmo nível da organização do Estado.

A nossa Carta Magna possibilitou o direito à aposentadoria de trabalhadores rurais que nunca contribuíram para a Previdência Social, além de garantir um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuírem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei, lançando bases para a redução da pobreza.

Assegurou ainda a igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aos brasileiros (homens e mulheres em direitos e obrigações) e estrangeiros residentes no País; a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; o direito à imagem, à liberdade de pensamento, à associação e de religião; a vedação à tortura e ao racismo e ao julgamento por tribunal de exceção; e, o sigilo à intimidade, à vida privada e à honra.

“A Constituição de 1988 pode ser considerada uma mãe dos programas sociais”, conforme menciona o cientista político Sérgio Praça, organizador do livro recém-lançado Vinte Anos de Constituição. Em razão disso, é significativo que duas décadas depois, o programa social de maior sucesso seja o Bolsa-Família, que proporciona recursos a famílias pobres para manter os filhos na escola, a fim de corrigir uma secular desigualdade social. Direitos que não tínhamos durante 500 anos temos há 20: isso representou um grande avanço na história do Brasil.

Nas Constituições anteriores os direitos fundamentais eram referidos muito sucintamente e sempre ficavam à espera de normas regulamentadoras para poderem ser exercidos, conforme afirma em suas entrevistas o Professor Dalmo de Abreu Dallari, da Universidade de São Paulo. Era necessário ir ao Judiciário para defendê-los ou cobrar sua efetivação.

Atualmente, a nossa Constituição desce a pormenores que dispensam a lei ordinária regulamentadora e isso é muito importante! Além de consagrar os direitos constantes dos Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Políticos também o dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Constituição prevê instrumentos para a cobrança desses direitos e também para que as pessoas mais pobres possam ir ao Judiciário.

Embora seja “acusada” de pródiga ao relacionar tantos direitos sociais e normas trabalhistas, algumas ainda não alcançadas nos dias de hoje, como “a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa”, que aguarda uma lei complementar, ou mesmo a regulamentação do direito de greve para os servidores públicos, esse nível de detalhamento permitiu que diversas conquistas buscadas pelos grupos envolvidos, hoje alcançadas, não fossem retardadas por uma falta de previsão constitucional.

Somente após a CF/88 emergiram diversas disposições legais prevendo as mais diferentes ações afirmativas para a presença dos afro-descendentes nas universidades ou das pessoas com deficiência ou aprendizes em postos de trabalho, previstas na legislação infraconstitucional. Elas foram possibilitadas por meio de uma interpretação da preocupação do Constituinte com a dignidade das pessoas e cidadania como fundamento do Estado democrático de direito em que vivemos, onde a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e onde a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação sejam objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Inúmeros foram os avanços alcançados pela nossa Constituição de 1988. Entretanto, seu texto analítico permitiu que a vida brasileira se judicializasse, sobretudo nos últimos anos. Por possuir cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados que contêm termos ou expressões de textura aberta, ela trouxe espaço para interpretação constitucional. Ao lidar com locuções como ordem pública, interesse social e boa fé, dentre outras, o intérprete precisa fazer a valoração de fatores objetivos e subjetivos presentes na realidade fática, de modo a definir o sentido e alcance da norma.

Nossa Constituição, como as que lhe são contemporâneas, formam documentos dialéticos, que consagram bens jurídicos que se contrapõem. Há choques potenciais entre a proteção do desenvolvimento e a proteção ambiental, entre a livre-iniciativa e a proteção do consumidor. No plano dos direitos fundamentais, a liberdade religiosa de um indivíduo pode se conflitar com a de outro, o direito à privacidade e à liberdade de expressão vivem em tensão contínua, a liberdade de reunião de alguns pode interferir com o direito de ir e vir dos demais. Essa colisão leva à necessidade de ponderação, por meio de concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível cada um dos interesses em disputa ou, no limite, procederá a escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional.

Na medida em que o assunto está na Constituição, ele sai da esfera política de deliberação e se torna matéria de interpretação judicial, contribuindo para que o Judiciário tenha um papel mais ativo na vida do país, especialmente em questões não atendidas pelo Congresso Nacional e que gozam de certo clamor social.

Nesse aspecto, é importante que nós do Legislativo façamos uma reflexão sobre o nosso real papel na garantia da efetividade das políticas públicas e direitos sociais, assegurando dessa forma a harmonia entre os poderes.

Como bem lembra o jurista e professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Konder Comparato, embora a CF/88 tenha trazido “avanços inegáveis”, sobretudo no que se refere ao meio ambiente, à saúde, à educação e aos direitos dos povos indígenas, “não podemos achar que a Constituição trouxe solução satisfatória para todas essas áreas, pois, na maioria delas, o País ainda precisa avançar, especialmente na ordem econômica e tributária”.

A nova Carta Magna também instituiu princípios jurídicos questionáveis, sobretudo no capítulo sobre a ordem econômica, com a excessiva abertura ao capital externo e o quase nivelamento das empresas nacionais com as companhias estrangeiras. Se por um lado facilitou a inserção do Brasil no mercado internacional, por outro criou riscos para as empresas nacionais, que ficaram desprotegidas e sem meios de concorrer em condições de igualdade com as multinacionais.

É importante também darmos especial destaque a uma reforma tributária capaz de reduzir as desigualdades sociais e regionais e garantir o desenvolvimento nacional, objetivos tão caros para a República Federativa do Brasil.

Em que pese todos esses avanços, é urgente uma reforma política que eleve a importância do Legislativo e corrija distorções, como os partidos formados para a venda de tempo na televisão, e incentive a valorização programática, fidelidade partidária e financiamento público de campanha, colocando a democracia em novo patamar.

Não há democracia sem um Legislativo forte e atuante! Por isso, é importante nos recolocarmos no centro da política. Para tanto, é urgente uma reforma, aumentando a representatividade do Parlamento.

Todos os principais ramos do direito infraconstitucional tiveram aspectos seus, de maior ou menor relevância, tratados na Constituição. Assim se passa com o direito administrativo, civil, penal, do trabalho, processual civil e penal, financeiro e orçamentário, tributário e internacional. Há ainda um título dedicado à ordem econômica, no qual se incluem normas sobre política urbana, agrícola e sistema financeiro, bem como à saúde.

Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si - com a sua ordem, unidade e harmonia - mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Esse fenômeno, identificado como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados.

Sendo assim Senhores, apesar de muito termos a comemorar pelos 20 anos da promulgação da nossa Carta Magna, é importante que reflitamos sobre as urgentes reformas tributárias e políticas. Essa última representará um freio na politização do judiciário e no fortalecimento do poder legislativo brasileiro.

Obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/2008 - Página 38924