Pronunciamento de Papaléo Paes em 07/10/2008
Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Recordações sobre o ambiente político do Brasil, na década de 1980, e homenagem aos que contribuíram para que se tornasse realidade a Constituição da República de 1988.
- Autor
- Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
- Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL.:
- Recordações sobre o ambiente político do Brasil, na década de 1980, e homenagem aos que contribuíram para que se tornasse realidade a Constituição da República de 1988.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/10/2008 - Página 39089
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM. CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, ANIVERSARIO, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REGISTRO, LUTA, POPULAÇÃO, BUSCA, LIBERDADE, IMPORTANCIA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, DERRUBADA, REGIME MILITAR, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA, BRASIL.
- COMPARAÇÃO, DIVERSIDADE, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REGISTRO, MODERNIZAÇÃO, ELABORAÇÃO, MATERIA CONSTITUCIONAL, ATUALIDADE, DEFESA, JUSTIÇA SOCIAL, EFETIVAÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.
- DETALHAMENTO, OBJETIVO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REGISTRO, PIONEIRO, GARANTIA, LIBERDADE, FILIAÇÃO PARTIDARIA, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, AUTONOMIA FINANCEIRA, JUDICIARIO, REFORÇO, REESTRUTURAÇÃO, COMPETENCIA, MINISTERIO PUBLICO, CRIAÇÃO, ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU), SEPARAÇÃO, TRABALHO, DEFESA, INTERESSE, SOCIEDADE, ESTADO, VINCULAÇÃO, PARCELA, RECEITA TRIBUTARIA, AREA, EDUCAÇÃO, SAUDE, RECONHECIMENTO, CAPACIDADE, NATUREZA JURIDICA, INDIO, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, COMUNIDADE INDIGENA, PREVISÃO, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, REFORMA AGRARIA.
- REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ULYSSES GUIMARÃES, EX PRESIDENTE, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, AFFONSO ARINOS, MARIO COVAS, EX SENADOR, JOSE SARNEY, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROCESSO, CRIAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REITERAÇÃO, IMPORTANCIA, DOCUMENTO, HISTORIA, BRASIL.
O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o povo brasileiro celebra o vigésimo aniversário de sua Carta Política. Se situássemos esse evento no contexto de algumas outras nações, cujas Constituições contam, às vezes, centenas de anos, poderia parecer uma data de pouca expressão. Uma análise mais detida, contudo - reportando-nos à nossa própria história constitucional, à conjuntura na qual foi gestada a Carta de 1988, ao espírito que anima esse documento extraordinário -, revelará que os brasileiros têm muito que comemorar.
Ao recordarmos o ambiente político do Brasil da década de 80, vem-nos à mente o excepcional vigor que, àquela época, demonstravam os movimentos sociais deste País. Toda aquela efervescência propiciou um amplo processo de reformas democráticas, de conteúdo muitíssimo mais rico do que aquele que poderia ser expresso em meras mudanças institucionais de inspiração liberal.
A luta do povo brasileiro pela liberdade, ao longo daquele período, teve vários momentos marcantes, a exemplo da campanha das “Diretas Já” e, ainda antes disso, da conquista da Anistia. A Assembléia Nacional Constituinte, reunida nos anos de 1987 e 1988, foi, contudo, o episódio crucial de todo aquele processo. Isso porque os lutadores deste País perceberam nela a oportunidade para buscar a consolidação de uma democracia de conteúdo social. Focando seus esforços no processo constituinte, todos os militantes progressistas do Brasil trataram de assegurar que a redação da nova Carta não servisse apenas à reorganização institucional de um regime liberal.
A Constituição de 1988 constituiu-se, de fato, no instrumento mais privilegiado daquela belíssima luta democrática. É exatamente porque o princípio popular teve um tão relevante papel na sua elaboração que ela reflete com tanta clareza os ideais de justiça social. Da mesma forma, não é por outro motivo que ela é constantemente combatida pelas chamadas classes superiores da nossa sociedade, sabedoras de que sua eficaz aplicação implicará a perda de seus privilégios em benefício da população excluída.
Nossa atual Carta Política assume decididamente a condição de instrumento de realização dos direitos fundamentais do homem. Embora tenha sofrido, no processo de sua elaboração, alguma influência das Constituições portuguesa e espanhola, ela traz as inconfundíveis marcas de ter sido gerada a partir dos verdadeiros anseios do nosso povo. É por isso que não se tornou, tal como ocorreu com outras Constituições de nossa História, mera constituição emprestada ou outorgada. Não possui o ranço de constituição meramente copiada de modelos estrangeiros, como tinham as Cartas de 1891 e 1934. Não foi embasada em ideologia correspondente aos interesses de outros povos, tal como foi o caso da doutrina de segurança nacional, princípio basilar das Constituições de 1967 - 1969.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em comparação com nossas Constituições anteriores, é incontornável a constatação de que a Carta de 1988 muda o eixo do constitucionalismo brasileiro, com inovações de relevante importância, voltadas para a realização de uma democracia preocupada com o destino do povo. Sua nítida marca popular é seu grande diferencial com relação ao constitucionalismo pátrio até então existente, um constitucionalismo que fora sempre dominado por uma elite intelectual completamente alheia às aspirações e à mentalidade de nosso povo.
Transcorridos 20 anos de sua promulgação, ninguém poderia negar que ela vem tendo sucesso na construção de um equilíbrio político que nenhuma outra de nossas Constituições tinha possibilitado. Esta República nunca antes tinha vivido vinte anos de pacífico funcionamento democrático. Ao contrário, viveu sempre uma rotina de sobressaltos constitucionais, alguns de desenlace trágico.
Sob a égide da Constituição de 1988, temos, pela primeira vez em nossa história, a percepção de que a democracia política se vai consolidando, embora a promessa de democracia social nela contida ainda não tenha sido cumprida. Quanto a esta última, contudo, é preciso compreender que a democracia social não brota diretamente da Constituição. A Lei Maior oferece o instrumental necessário à sua realização por meio de políticas públicas, e, sob esse ponto de vista, a Carta de 1988 cumpre plenamente o seu papel. Nela estão presentes os pressupostos da efetivação da democracia social, a começar pela própria democracia política. Afinal, é evidente que, sem esta última, fica de todo inviabilizada a consecução da democracia social.
Os elementos mais importantes a constituir a idéia fundante de nosso texto constitucional estão claramente indicados já em seu preâmbulo, que declara ter o povo brasileiro, por intermédio de seus representantes, buscado instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
Mas se quisermos buscar a idéia síntese da concepção básica da Constituição, a qual deve ser usada para orientar a compreensão de todas as suas partes e normas, iremos encontrá-la nos princípios fundamentais do respeito à dignidade da pessoa humana e da cidadania - constantes no art. 1º -, bem como nos objetivos fundamentais, constantes no art. 3º, especialmente aquele de constituir uma sociedade livre, justa e solidária.
Na busca do sentido da nossa Constituição, o método de interpretação a ser usado deve ser aquele que se orienta pelos valores que a informam, pois o sistema de valores por ela incorporado é essencial à convivência democrática que informa todo o ordenamento jurídico. Todas as normas e princípios constantes do texto constitucional são suscetíveis de serem interpretados em função dos valores que neles se encarnam. Isso porque todas as normas e princípios constitucionais têm uma única direção, que é a de garantir o primado da dignidade da pessoa humana. E esse, por seu turno, resume todas as manifestações dos direitos humanos. A Constituição, ao reconhecer a existência e a eminência da dignidade da pessoa humana, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, declarando-a, inclusive, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao compararmos nossa atual Constituição com as anteriores, é gritante seu caráter profundamente inovador e democrático. Ao alentado elenco de “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” constante do art. 5º, segue-se a importantíssima norma inscrita no §1º do mesmo artigo, dispositivo inédito em relação às Cartas anteriores. Lá está contida a revolucionária declaração de auto-aplicabilidade das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, na disposição de que eles “têm aplicação imediata”.
Após um período de nossa história em que todas as liberdades políticas foram sistematicamente vilipendiadas, a ordem constitucional inaugurada em 5 de outubro de 1988 não apenas assegura aos cidadãos brasileiros a plena vigência das liberdades políticas tradicionais, como também lhes garante a participação política em mecanismos decisórios típicos da democracia direta, como o plebiscito e o referendo. Prevê, ademais, a possibilidade de iniciativa popular de proposição legislativa, facultando aos cidadãos a apresentação de projeto de lei ao Congresso Nacional.
Graças à Carta de 1988, ficaram garantidos, pela primeira vez em toda a nossa história, plena liberdade de organização partidária, autonomia administrativa e financeira para o Poder Judiciário e extraordinário fortalecimento do Ministério Público, com significativo redimensionamento de suas atribuições. A criação da Advocacia-Geral da União concretizou a separação entre as tarefas de defesa dos interesses da sociedade e defesa dos interesses do Estado, antes acumuladas pelo Ministério Público. São apenas uns poucos exemplos, entre uma série interminável de disposições de enorme alcance, no sentido do aprofundamento da democracia.
Entre as muitas e expressivas conquistas na área social trazidas pela Constituição democrática de 1988, merecem destaque a vinculação de parcelas da receita tributária às áreas de educação e de saúde, o reconhecimento da capacidade jurídica dos índios e dos direitos das comunidades indígenas, bem como a previsão de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, de imóvel rural que não cumpra sua função social.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta oportunidade em que toda a sociedade brasileira celebra, com justo orgulho, o vigésimo aniversário de sua Constituição Federal, a mais democrática que já tivemos em toda a nossa História, devemos lembrar aquelas figuras que desempenharam papéis de destaque no processo constituinte. É o caso do inesquecível Ulysses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte; de Afonso Arinos de Mello Franco, que presidiu a chamada Comissão de Notáveis, encarregada de elaborar anteprojeto de Constituição e que, depois, durante os trabalhos da Assembléia, foi membro da Comissão de Sistematização Geral; e de Mário Covas, um dos mais combativos membros da Assembléia, permanentemente empenhado em garantir um perfil progressista para a nova Constituição do Brasil.
De modo particular, deve ser destacada a participação naquele momento da História do Brasil do então Presidente da República José Sarney, responsável pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte.
Desejo registrar nos Anais da Casa minha mais sincera homenagem a todos aqueles que contribuíram para que se tornasse realidade este documento de importância ímpar na História do Brasil: a Constituição da República de 1988. Em primeiríssimo lugar, minhas felicitações dirigem-se ao povo brasileiro, que soube conquistar, com muita bravura e determinação, para si e para seus filhos, uma nova ordem constitucional, fundada nos princípios do respeito à dignidade da pessoa humana e da cidadania, e tendo por objetivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.