Discurso durante a 187ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Saudação à passagem do Dia Mundial da Saúde Mental, celebrado na data de hoje, destacando os avanços das políticas públicas da área no Brasil e a busca por uma melhor qualidade de vida aos portadores de transtornos mentais.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SAUDE.:
  • Saudação à passagem do Dia Mundial da Saúde Mental, celebrado na data de hoje, destacando os avanços das políticas públicas da área no Brasil e a busca por uma melhor qualidade de vida aos portadores de transtornos mentais.
Aparteantes
Adelmir Santana.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2008 - Página 39427
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, SAUDE MENTAL, ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), RENOVAÇÃO, METODO, TRATAMENTO MEDICO, PACIENTE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, APROXIMAÇÃO, FAMILIA, SOCIEDADE, REDUÇÃO, INTERNAÇÃO COLETIVA, CUMPRIMENTO, ENTENDIMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, COMPARAÇÃO, ANTERIORIDADE, PERIODO, ISOLAMENTO, DOENTE.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, REFORMULAÇÃO, TRATAMENTO, SAUDE MENTAL, BRASIL, ATUAÇÃO, CENTRO DE SAUDE, AMBULATORIO, APOIO, DOENTE, APRESENTAÇÃO, DADOS, MELHORIA, ATENDIMENTO, SETOR, REDUÇÃO, INTERNAMENTO, INFERIORIDADE, GASTOS PUBLICOS.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, DOENÇA MENTAL, ESPECIFICAÇÃO, FAMILIA, PACIENTE, COMUNIDADE, COMENTARIO, DEBATE, ASSUNTO, DIVERSIDADE, JORNAL, PERIODICO, NECESSIDADE, EXTINÇÃO, INTERNAÇÃO COLETIVA, ADVERTENCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MANICOMIO JUDICIARIO.
  • IMPORTANCIA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, FAMILIA, OBSERVAÇÃO, ALTERAÇÃO, CONDUTA, CIDADÃO, INTERFERENCIA, IMPEDIMENTO, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, OCORRENCIA, CRIME, ESCLARECIMENTOS, PERCENTAGEM, NUMERO, DOENÇA MENTAL, UTILIZAÇÃO, BEBIDA ALCOOLICA, DROGA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, EMPRESA, CONTRATAÇÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, ESPECIFICAÇÃO, DOENÇA MENTAL, CRITICA, CONDUTA, ENTIDADE, RECUSA, CONTRATADO.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje é o Dia Mundial da Saúde Mental.

E o Brasil está fortemente vinculado a esse tema porque tem na política de saúde mental do Ministério da Saúde uma das fortes diretrizes do Governo Presidente Lula.

Esse era um assunto fechado, porque trazia triste memória à sociedade brasileira sobre sua evolução histórica, sobre a forma como os loucos eram tratados ao longo dos tempos. Mas hoje temos um modelo de gestão em saúde mental no Brasil vinculado a uma prática internacional sanitária que diz respeito a um processo progressivo de desospitalização, de buscar a restituição da dignidade do doente mental, de procurar integrá-lo ao cotidiano da sociedade, envolvê-lo no ambiente familiar, com o ambiente comunitário, com a atividade profissional como um todo.

Temos uma situação marcada por tragédias, por tristezas, por acidentes emocionais, que envolvem a política de saúde mental no Brasil e temos os avanços ocorridos. Hoje, o Governo brasileiro, por meio da Lei Paulo Delgado, que é a lei da reforma psiquiátrica no Brasil, que assegura um processo de desospitalização, traz novas referências e novas práticas na relação com os doentes mentais.

Temos os CAPS - Centro de Apoio Psicossocial, que são unidades de atendimento ambulatorial comunitário para vítimas de saúde mental, que não falam da internação desses pacientes, mas em cuidados ambulatoriais. E temos um processo de redução dos leitos psiquiátricos no Brasil, que chegou a ter mais de 80 mil leitos hospitalares. Em 2002, havia 50 mil leitos hospitalares para doentes psiquiátricos; e, hoje, são 37 mil. A tendência da psiquiatria moderna é o fim, o extermínio dos leitos psiquiátricos específicos, comunidades hospitalares isoladas. O que se quer é a integração do doente psiquiátrico em relação às demais patologias, porque ninguém tem medo, na história brasileira, de se relacionar com um doente da diabetes, com uma vítima de hipertensão arterial, com uma vítima do câncer, com uma vítima de uma doença reumática, de uma doença tireodiana, mas todos tratam como uma necessária condução ao isolamento a pessoa vítima da doença mental. É como se o problema não fosse da família, não fosse da sociedade, não fosse sequer do Governo e fosse um problema do médico. Foi esse o conceito histórico e a interpretação sobre como envolver e como procurar tratar o doente mental em nosso País. E isso mudou, graças a Deus; hoje, as mudanças refletem uma visão de modernidade, de contemporaneidade e a busca de uma nova forma de interpretar e conviver com o doente mental.

Foucault diz que a loucura nada mais é do que “a força viva e secreta da razão”. E o doente mental, até o século XIX, era vítima dos mais perigosos ambientes de segregação, quando ele era colocado em naus que eram levadas para lugares distantes e recebidos, muitas vezes, a pauladas, a torturas pelas comunidades que entendiam que eram pessoas indesejadas. Foram os loucos e os leprosos tratados dessa maneira ao longo da História, e isso chegou até o século XIX. A lepra chegou a evoluir com esse tipo de ambientação de preconceito até o próprio século XX.

Temos uma situação de mudança muito forte. Os números falam em fortíssimos avanços no Brasil. Em 2003, o Brasil tinha quinhentos centros de apoio psicossocial, ou seja, avançamos, de 2003 para 2008, para 1.291 unidades dos chamados CAPS.

Os leitos hospitalares eram 51.000, em 2002 - psiquiátricos, comunidades fechadas em si -, caíram para 37.728, mostrando que há um processo de integração dentro dos hospitais gerais.

Os gastos com os doentes psiquiátricos também mudaram muito. Nós tivemos, desde a Lei nº 10.216/2001, avanços na ordem de R$7 milhões, que eram gastos com os CAPs, em 2002, para R$168.155.000,00 no ano de 2006, com avanços fortes. Ainda no ano de 2008, já passamos de 1.400 unidades de centro de apoio psicossociais. E, no ano, em relação ao Programa de Volta para Casa, em que o Governo Federal, em parceria com as unidades regionais, transfere recursos mensais para os doentes mentais, o custo aumentou para uma ajuda de R$320,00 para aquela família que se encoraja a trazer o doente da unidade psiquiátrica de isolamento para o seio familiar e passa a incorporar ajuda com esse paciente. Então, mais um avanço a favor da humanização dos cuidados com os doentes mentais.

O percentual de gastos do Programa de Saúde Mental é outro item muito encorajador e muito animador para nós. Tínhamos 75,24% dos gastos com hospitais psiquiátricos no ano de 2002 e eles foram reduzidos para 36,6%. E os gastos extra-hospitalares, com doentes mentais, que eram de 24,76%, em 2002, evoluíram para 63,35% no ano de 2007. Isso quando se fala apenas no ano de 2007.

Então, isso reflete uma mudança profunda de mentalidade de gestão, uma nova forma de o governo se sentir responsável por esse problema. Nós temos, no meio disso, o preconceito, o problema conceitual e o problema das barreiras familiares. Poucas, Sr. Presidente, são as famílias, neste País, que têm coragem de dizer que têm um doente mental no seu seio familiar, que não têm vergonha de tê-lo no seu ambiente familiar, de levá-lo ao hospital para tratamento.

O caminho do preconceito começa em casa, chega à unidade hospitalar, à unidade ambulatorial. Poucos são aqueles portadores de transtornos mentais que têm coragem de se sentir livres para informar que têm um acompanhamento psicológico, um acompanhamento psiquiátrico, tudo em razão de um fortíssimo estigma, de um fortíssimo preconceito, como se fosse algo que contamina, algo ruim para a vida em comunidade. Isso reflete uma situação de distanciamento forte entre o valor do calor humano, da solidariedade, do afeto, da confiança, do otimismo, do carinho do Estado com a vida em comunidade, com a vida familiar, em relação a uma doença que acompanha a humanidade em todos os seus tempos.

Senador Adelmir Santana, quando se vê uma tela pintada por um louco, muitas vezes, todos elogiam, dizendo: “Que coisa genial!” Quando vêem uma manifestação de teatro de alguém que tem traços de loucura, todos dizem: “Que coisa genial!”. Mas quando alguém está com um comportamento atípico no seio familiar, todos querem esconder aquilo como se não fosse algo absolutamente natural, que precisasse apenas da solidariedade e da boa condução para a pessoa se restabelecer. É como se a loucura fosse um estigma determinado a acompanhar a pessoa, não entendendo que ela pode se recuperar, pode ter uma boa convivência, pode ter uma extraordinária qualidade de vida, uma vida feliz junto com a sua comunidade.

Em regra, os transtornos mentais permitem a recuperação para uma qualidade de vida.

Concedo um aparte, com muito prazer, a V. Exª, que sei fará também uma forte manifestação sobre este tema no dia de hoje.

O Sr. Adelmir Santana (DEM - DF) - Senador Tião Viana, quero me associar às suas palavras, V. Exª já tinha até comentado aqui que faríamos um pronunciamento nessa mesma direção. Exatamente não sou um especialista na matéria, até porque não faço o exercício da Medicina, entretanto, me assustei recentemente ao ver uma pesquisa do Ministério da Saúde que revela que 21% da população brasileira têm, de uma forma ou de outra, problemas mentais. Estamos falando de 38 milhões de brasileiros. Então V. Exª traz hoje, quando se comemora o Dia Mundial da Saúde Mental, um assunto de relevância. Quero me associar às palavras de V. Exª, dizendo, como leigo que sou na matéria, da minha preocupação estatística e sabendo o que isso representa efetivamente para as famílias. A dificuldade da convivência, a fórmula do Estado brasileiro melhorou, é verdade, V. Exª fez referências às melhorias, mas ainda temos muitas coisas a reparar nessa matéria. É triste quando temos que enfrentar essas dificuldades, que muitas vezes são levadas até pelo alcoolismo, por outros vícios, drogas, e a gente percebe os transtornos que esse tipo de doença provoca. Poderia ser uma doença como a hipertensão ou uma outra doença qualquer, ninguém está livre desse tipo de enfermidade. Então quero louvar a atitude de V. Exª em lembrar essas dificuldades, em fazer referência a esse tipo de patologia que aflige, portanto, 21% da população brasileira. E certamente isso atinge muito mais, porque quem tem esse tipo de doente na família sabe o quanto isso perturba, envolve todos os entes familiares. Associo-me ao pronunciamento de V. Exª. Farei uma referência à situação, não com a categoria e a qualidade que é feita por V. Exª, que é médico, além de Senador e conhece bem a matéria e a sua casuística.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço muito a V. Exª, Senador Adelmir, que irá fazer uma manifestação também na mesma direção. Hoje é o Dia Mundial da Saúde Mental, Senador Mão Santa. Temos vários profissionais da saúde refletindo esse tema nos jornais brasileiros, desde a Folha de S.Paulo a outros jornais. O Senado também presta sua homenagem, a dívida que existe das sociedades com os portadores dos transtornos mentais.

Entendo que o caminho seja longo, é uma longa caminhada para que alcancemos um patamar de ruptura com o preconceito. Preconceito não se rompe da noite para o dia, não se rompe em um ano nem em uma década, mas é preciso caminhar para olhar de maneira diferente o portador do transtorno mental na nossa sociedade.

Acredito que o caminho mais importante seja romper as unidades de isolamento. Quando nos transferimos à problemática da saúde mental nos presídios brasileiros, o quadro é muito mais assustador. Assim também quando se visita os manicômios judiciais, o que foi uma tragédia ao longo da história, já condenados. Transferiu-se para o albergue, para as casas de apoio ao doente mental junto ao sistema prisional brasileiro. Não temos a presença efetiva e qualificada do Estado brasileiro nessa hora. Mistura-se efetivamente o doente mental, que é inimputável, não tem noção que tenha feito algo errado, e às vezes praticou crimes violentos. Isso vem desde Pierre Rivière, no século XIX, 1835, quando mata a mãe e o irmão porque dizia que assim estaria libertando o pai e depois é condenado à pena capital. Pela primeira vez, os médicos entendem que ele era inimputável, que ele não tinha noção do crime que estaria sendo praticado e garante-se com isso uma prisão perpétua a ele. Trinta e cinco anos após, sem tratamento, ele é levado ao suicídio. E ocorre com Febrônio, índio do Brasil, nas primeiras décadas do século passado, julgado em 1920, quando também tem envolvimentos sexuais com um rapaz por razões, em sua mente, religiosas e de outra natureza. Ele é julgado também inimputável pela Sociedade Médica Brasileira. A justiça o reconhece assim, mas ele é levado à prisão permanente e morre dentro dos presídios brasileiros, também sem tratamento.

Outros casos paradoxais nós temos, como no meu Estado, quando uma família foi levada, por um segmento religioso pentecostal, ao assassinato de várias pessoas. As razões envolviam uma seita fundamentalista que se confundia com a própria formação pentecostal. Como não era justa a forma que estavam tratando, levou, portanto, ao assassinato coletivo. Não morrem os que correm daquele ambiente. É levada à condenação, depois é solta, e não se sabe se tem ou não seguimento psicossocial para essa família que praticou um crime por razões, sem dúvida alguma, de transtorno mental.

Então, esse problema ocorre em todo o País, ocorre em todas as localidades e ocorre mundo afora. Assim, a dívida está envolvida em todos nós.

Penso que a melhor maneira de a sociedade tratar o transtorno mental seria ela perceber com naturalidade o caminho da ajuda para quem fosse vítima e tirar o medo da busca de ajuda tanto da vítima, como da família e da comunidade. De outra forma, o que vamos ter como respostas a essa omissão do Estado, a essa omissão da sociedade e da família? Vamos ter crimes violentos, porque, muitas vezes, a família percebe a anormalidade no seu ambiente, mas não intervém; a comunidade percebe, mas não intervém favoravelmente, em solidariedade; e aí vem as tragédias, com jovens matando pessoas nos cinemas e em outros lugares.

Então, as razões éticas da sociedade não devem ter o reconhecimento do transtorno mental como impedimento à busca do afeto, à busca da proteção e do tratamento das vítimas dessa entidade nosológica, de cuja importância V. Exª, como médico, sabe tanto quanto eu. Como disse o Senador Adelmir Santana, até 21% das pessoas que fazem parte de uma sociedade são portadoras, em regra, de transtornos mentais. Isso se dá no envolvimento com a droga, com o alcoolismo e até nas manifestações orgânicas em si envolvendo a doença mental.

Então, era isso que eu queria dividir com o Plenário do Senado e com a sociedade brasileira, na busca de uma melhor resposta às vítimas de transtornos mentais em nosso País, em nossa vida em comunidade. Sou autor de um projeto de lei que cobra cotas para pessoas portadoras de deficiências, envolvendo aí, inclusive, os portadores de transtornos mentais. As empresas se recusam a acolher vítimas de transtornos mentais como empregados, sendo que estes podem ter um acompanhamento e ter qualidade de vida, e preferem que o caso seja levado pela Delegacia do Trabalho a um juízo para julgamento, que acaba com a condenação a uma pena alternativa, como, por exemplo, o pagamento de dez sacolões, o que é muito mais barato, Senador Paim - V. Exª que é um pregador dessa área -, do que assegurar emprego para uma pessoa portadora de necessidade especial.

Então, era isso que eu tinha a dizer no dia de hoje, que é um dia especial para a saúde mental no Brasil. Que não sejamos capazes de entender como correta uma ruptura imediata de fechar as unidades de tratamento de transtorno mental, mas que encaremos com naturalidade a progressividade para acolhê-los no seio da sociedade, sem medo, mas com coragem, apoio técnico, médico e de saúde mental, para a melhor qualidade de vida dessas pessoas e das famílias afetadas.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2008 - Página 39427