Discurso durante a 186ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração, em 4 de outubro, do Dia de São Francisco de Assis.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. HOMENAGEM.:
  • Comemoração, em 4 de outubro, do Dia de São Francisco de Assis.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Jefferson Praia, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2008 - Página 39358
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. HOMENAGEM.
Indexação
  • SUGESTÃO, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), REALIZAÇÃO, REUNIÃO, COMISSÃO EXECUTIVA, POSTERIORIDADE, ELEIÇÃO MUNICIPAL, DEBATE, FUTURO.
  • HOMENAGEM, DIA, SANTO PADROEIRO, PROTEÇÃO, ANIMAL, POPULAÇÃO CARENTE, ELOGIO, INFLUENCIA, HISTORIA, LEGADO, INCENTIVO, SOLIDARIEDADE, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, ORDEM, IGREJA CATOLICA, CONSTRUÇÃO, BRASIL.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, RESUMO, VIDA, SANTO PADROEIRO, REGISTRO, REALIZAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), CERIMONIA RELIGIOSA, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, PARTICIPAÇÃO, ORDEM, INSTITUIÇÃO RELIGIOSA, AMBITO, BRASIL, AMERICA LATINA, ANUNCIO, ENTREGA, CARTA, PRESIDENTE, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, CONCLAMAÇÃO, ESFORÇO, GOVERNANTE.
  • CRITICA, EXCESSO, CREDITOS, SALVAMENTO, BANCOS, FALTA, EMPENHO, AUTORIDADE, LUTA, COMBATE, FOME, MUNDO, EXPECTATIVA, ANALISE, VIDA, SANTO PADROEIRO, INCENTIVO, SENADOR, DESENVOLVIMENTO, PROJETO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO CARENTE, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, REDUÇÃO, POBREZA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não sei o que é mais profundo em V. Exª, se é a competência de político, se é a mão santa de médico ou se é a generosidade de seu coração. Eu lhe agradeço profundamente, Sr. Presidente, mas lhe digo: que bom se o nosso Partido fosse composto de gente como V. Exª! Que bom!

V. Exª diz, e com razão, que o PMDB vem de uma vitória estrondosa e, para muitos, surpreendente.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - São 8.469 vereadores. O mais próximo é o PSDB, com 5.896 vereadores. Um quadro vale por dez mil palavras. Essa informação foi do nosso Líder Wellington Salgado, cuja grandeza o PMDB desbrava lá nas Minas - Minas de Tancredo, de Juscelino Kubitschek. Agora tem lá nosso candidato, não é?

O SR. WELLINGTON SALGADO DE OLIVEIRA (PMDB - MG) - Leonardo Quintão.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Que bom seria se o Partido se reunisse em torno dessa vitória e marcasse, como nós fizemos... E aqui faço uma proposta ao nosso Presidente do Partido, Sr. Presidente, que já fez uma reunião muito importante na Câmara dos Deputados, da qual saiu candidato a Presidente da Câmara: a de que S. Exª faça uma reunião, como fazíamos no passado, depois das eleições, com todo o comando do Partido, para debater e discutir o futuro.

Lembra-se, querido irmão de Santa Catarina, da reunião que fazíamos em Santa Catarina, com Dr. Ulysses, com Tancredo, com Teotônio, para debater a situação? Passada uma eleição, nós nos reuníamos, para fazer a análise do que foi e uma proposta do que era. Acho que o nosso Presidente do Partido faria, realmente, algo de muito positivo, se essa reunião acontecesse. Com toda sinceridade, acho que seria.

Sr. Presidente, em meio ao tumulto que o mundo vive, tomo a liberdade de falar aqui sobre um tema que eu diria ser unanimidade no mundo.

No último dia 4 deste mês, comemoramos o Dia de São Francisco de Assis. Mais do que isso: o universo celebra, neste ano, oito séculos do franciscanismo. Eu digo “universo”, porque este era o mundo de São Francisco: o céu e a terra, a luz e as trevas, os luzeiros, o sol, a lua e as estrelas, os frutos e os animais da terra, as criaturas do mar e as aves do ar, a relva, as ervas que produzem semente, o fruto. O homem, na sua plenitude. O mundo de Francisco tinha, portanto, a imagem e a semelhança de um universo criado por Deus.

Não é por acaso que, numa era de tantos acontecimentos e de tantos personagens construtores da história da humanidade, tenha sido São Francisco escolhido por 13 instituições mundiais, nenhuma religiosa. São Francisco foi escolhido o Homem do Segundo Milênio, pelo que ele foi, pela sua própria história e, principalmente, pelo seu legado - o seu legado semeador de humildade, de solidariedade e de amor ao próximo. Esse legado continua lançando sementes no coração de muitos seres verdadeiramente humanos, para que cultivem, no corpo e na alma de muitos que ainda vivem, ou sobrevivem em condições também verdadeiramente desumanas, os mesmos princípios que nortearam os caminhos de Francisco de Assis.

São muitos os exemplos, porque cada fruto da frondosa árvore do franciscanismo tem o condão de produzir novas sementes - sementes do bem, que continuam a se espalhar, mesmo que em lugares de terras áridas, onde os homens se arvoram em se transformar em novos deuses, criadores de universos de fome, de miséria, de violência, de guerra, de barbárie.

Um dia desses, Sr. Presidente, vi, em um programa de televisão, um belo exemplo de vida de alguém que, para mim, sintetiza os mais sublimes princípios éticos e morais.

Em 1989, o frio castigava São Paulo, cena de miséria na esquina de uma avenida. Não sei se era a São João, não importa. Podia ser uma qualquer, esquecida até mesmo pelos poetas que rondam a cidade. O carro, aquecido, vidros fechados pelo frio e pelo medo.

De repente, um rosto marcado pelo tempo ou pelo descaso. Cabelos longos, barba por fazer, pés descalços, maltrapilho, esfarrapado. Os calos nas mãos estendidas dando o testemunho, rude, mas digno, dos tempos de cidadania. Uma moeda. Uma moeda, um pedaço de pão ou, quem sabe, uma outra mão. “Perdoe-me a pressa, é a alma dos nossos negócios”. “Eu vou indo em busca de um sono tranqüilo”. Mas aquela luz verde, refletida naquele rosto magro e ossudo, mais parecia um sinal de parada obrigatória. O funcionário do Ministério da Agricultura abre as portas do carro, que lhe aquece o corpo, e do coração, que lhe dá calor à alma, e doa ao andarilho o seu sobretudo.

Para o funcionário do Ministério da Agricultura, se era o sobretudo, era porque tudo ele tinha. E porque aquele sobretudo protegeria um “quasenada”. Convidou-o para um chocolate quente, ouviu os seus lamentos, emocionou-se com sua história de vida. Sem o sobretudo e fora do seu carro, não mais sentiu frio. Aqueceu-se, apenas, das chamas do coração.

            Na despedida, Sr. Presidente, ouviu a frase que lhe transformou a vida a partir daquele encontro, quem sabe consigo mesmo: “O senhor é o anjo da noite. O senhor é o anjo da noite.” Em casa, os sonhos lhes trouxeram, de volta, a mesma esquina e o mesmo maltrapilho. As mesmas histórias, a mesma frase, a mesma voz: “O senhor é um anjo da noite” “Um anjo da noite”. “Um anjo da noite”.

            Foi assim o início dos “Anjos da Noite”, voluntários que percorrem aquela e tantas outras esquinas de São Paulo, dividindo a cidadania e fazendo obra espetacular.

            Quantas já foram, desde aquela madrugada fria de 1989, as alegrias somadas, a miséria diminuída e a esperança multiplicada? Hoje, são dezenas, centenas de voluntários, tantos outros Anjos da Noite que distribuem o seu sobretudo, mesmo que esse tudo seja quase nada em termos materiais, desde que as almas de centenas de semelhantes sejam aquecidas no inverno da fome, da miséria e do desdém.

            Quem seria aquele homem maltrapilho que mudou a vida de tanta gente?

            Carros aquecidos, vidros fechados.

            Quem sabe, o mesmo esfarrapado que, um dia, adentrou a loja de “sobretudos” do pai do jovem Francisco de Assis, pedindo uma moeda, um pedaço de pão. Quem sabe, uma outra mão.

            Quem sabe, seja ele o mesmo Cristo, que se corporifica entre nós, através de tantos maltrapilhos e esfarrapados, a nos estender a mão nas esquinas de Assis, ou de São Paulo, ou de qualquer outra cidade, em todos os cantos e recantos deste mundo de Deus?

            Muitas vezes, imagina-se que se pode encontrar Deus, apenas, nas catedrais. Mal se imagina que Ele pode estar, ali, bem ao alcance, mesmo que em um pequeno “telheiro”, como aquele que serviu de abrigo a São Francisco de Assis, a instigar sentimentos quase sempre ao descaso, como os da humanidade, da solidariedade e do amor ao próximo.

            Tudo isso em nome de uma nova religião, difundida, especialmente, nestes tempos de globalização: o consumismo. O culto ao “sobretudo”, em detrimento do “sobrenada”.

            Quantas vezes somos chamamos a “reconstruir a nossa igreja”, assim como a voz que reorientou a vida de São Francisco de Assis, na Igreja de São Damião, e imaginamos como ele, de início, que se trata, apenas, de tijolos, telhas e cimento, quando a argamassa dessa mesma igreja é, na verdade, a mudança de nossos procedimentos, principalmente junto a tantos maltrapilhos e esfarrapados, que batem às nossas portas e tentam ultrapassar os muros de nossa retina?

            Quantos serão os “lobos” que criamos dentro de nós mesmos?

            O funcionário do Ministério da Agricultura e o maltrapilho são personagens atuais. Deus, nem tanto.

            O culto ao ter afasta o ser humano, cada vez mais, da obra divina do ser, criado à Sua imagem e semelhança. É por isso que uma das histórias mais conhecidas de todos os tempos, a da vida e obra de São Francisco de Assis, tem que ser relembrada, principalmente em alguns momentos mais marcantes da história da humanidade. Como os tempos atuais.

            É que a opulência tem ocupado corações e mentes, ao mesmo tempo em que bilhões de maltrapilhos e esfarrapados estendem suas mãos, quase sempre calejadas, nas esquinas do mundo criado por Deus, corporificado, quem sabe, nos esfarrapados das esquinas do nosso desdém.

            Aquele funcionário da nossa história praticou um ato tipicamente franciscano. Ele tinha um sobretudo, quando o mendigo não tinha absolutamente coisa alguma. A sua história é um retrato fiel da vida de São Francisco de Assis.

            Se forem bilhões de maltrapilhas a nos estender as mãos, há também muitos franciscanos que, na maioria das vezes, anonimamente, dividem seus “sobretudos”, não importa se os mais singelos. Singeleza como a que marcou a vida de São Francisco.

            Ele, que nasceu num mundo de catedrais, acatou a missão de reconstruir igrejas. Não a igreja material, como ele percebeu depois, mas a verdadeira igreja missionária que, para ele, deveria unir doutrina e prática religiosa. Amansou o lobo que se encontrava dentro dele próprio. Lobo, como tantos, que uivam neste nosso mundo de barbárie.

            Resolvi trazer para os Anais do Senado Federal um pouco da vida de São Francisco de Assis. Não para que ela dormite, fria, nas prateleiras do Congresso. Não para que ela dormite, fria, na nossa vida parlamentar. Mas, quem sabe, para que ela nos inspire sempre nesta nossa caminhada, que também é de plantio, de colheita e de produção de novas sementes.

            A vida de São Francisco de Assis é uma das mais belas e instigantes passagens da história da humanidade. Humanidade no seu sentido mais amplo, porque a vida deste chamado “homem do segundo milênio” sintetiza todos os sentimentos mais nobres de um ser verdadeiramente humano: a solidariedade, a compaixão, a humildade, a caridade, o amor e a alegria.

            A essência de sua existência foi marcada pelo amor e pela dedicação a tudo e a todos: aos homens, aos animais, às plantas, ao sol, à lua, ao vento, ao fogo, à água. À natureza, enfim.

            São Francisco nasceu na opulência e morreu na mais absoluta miséria. Doou tudo o que tinha e o que poderia ter. Pode-se dizer que há paralelos entre a sua paixão e morte e a do próprio Cristo crucificado.

            Quem sabe não tenha lhe faltado, nem mesmo, as chagas da crucificação.

            Nem mesmo a ressurreição, a cada ato de bondade que caracteriza o “franciscanismo” de todos os tempos, desde a sua existência terrena.

            Certo dia, numa das suas cavalgadas solitárias, Francisco encontrou-se com um leproso, doença que, na época, era considerada a mais temida, a mais discriminatória.

            Num primeiro momento, sentiu horror e aversão, por causa do odor que ele exalava. Mas, logo a seguir, veio-lhe uma espécie de impulso, como se fosse empurrado em direção àquele homem. Deu-lhe dinheiro e beijou-lhe a mão, sentindo uma sensação de felicidade como nunca havia experimentado antes.

            No dia seguinte, movido por uma imensa vontade de ajudar os leprosos, foi ao local onde eles eram mantidos, segregados, na Ordem de São Lázaro. Distribuiu-lhes o que tinha trazido e se colocou à disposição para, a partir dali, cuidar de todos os leprosos. Foram, desta maneira, os lábios cobertos pela lepra os primeiros a chamar Francisco de Santo.

            A sua pregação de humildade e de união entre a palavra e a ação cativou seguidores. Era um tempo em que a Igreja se preocupava muito em possuir bens materiais. Era contrária, portanto, à mensagem de São Francisco.

            A Igreja temia, então, que aquele grupo de homens humildes, sem posses de qualquer natureza, pudesse ser ameaçador às suas pretensões materiais.

            A Igreja ofertava postos de poder na sua hierarquia aos seguidores de Francisco, mas a sua resposta era sempre pronta: “Meus irmãos são chamados menores para que não pensem em tornar-se maiores entre seus semelhantes”. E não aceitava a nomeação para bispo ou coisa parecida.

            Os cardeais procuravam instruir o Papa Inocêncio III a definir regras rígidas para os seguidores de Francisco, inclusive para que eles se ligassem a um outro grupo religioso já existente.

            Mas o Papa também teve um sonho: a basílica parecia tombar, balançando de um lado para o outro. Não caía porque um homem maltrapilho a segurava. Esse mesmo homem, no sonho do Papa, tinha todas as características físicas do miserável São Francisco.

            Esse fato tocou o coração do Pontífice, apesar das insistentes críticas do Conselho de Cardeais. Foi aí que o Cardeal João de São Paulo, que ouvia em silêncio a discussão, disse em tom incisivo:

Se rejeitarmos a petição deste pobre homem como algo de novo e demasiado duro de cumprir, quando tudo quanto ele pede é que a lei de vida do Evangelho seja nele confirmada, tenhamos cautela para não ofender o Evangelho de Cristo.

Pois, se alguém disser que, na observância da perfeição evangélica e do voto de cumpri-la está contida alguma coisa de novo, ou de irracional, ou de impossível cumprimento, estará esse alguém culpado de blasfêmia contra Cristo, o autor do Evangelho.

            Os cardeais perguntavam como Francisco e aqueles miseráveis iam criar uma Ordem onde tinham de ir pelo mundo sem levar suas roupas, nem dinheiro, nem nada. Não deviam possuir absolutamente nada e correr o mundo sem posses materiais. “Mas como? Isso não é possível!”.

            E o Papa ia dizer que não era possível quando o Cardeal João São Paulo, o mais velho, disse: “Cuidado, Papa. Se os senhores aqui tomarem a decisão de que não se pode autorizar a Ordem de São Francisco a ir adiante porque ela diz que seus seguidores irão pelo mundo sem bens materiais, estarão dizendo que Jesus Cristo, quando disse no Evangelho ‘Ide pelo mundo, não levais uma túnica, não levais bens, ide, entrai e abençoai”, os senhores estão dizendo que isso não pode ser, que Jesus pregou o impossível. E foi isso que fez o Papa parar para pensar, parar para refletir e autorizar a Ordem de São Francisco.

            O Papa, ainda com as imagens de seu sonho e com as palavras do Cardeal, afirmou: “Na verdade, esse é o homem graças ao qual a Igreja de Deus será de novo ereta”.

            E, voltando-se para os frades, conclamou: “Ide com o Senhor e à medida que o Senhor vos for inspirando, pregai a todos os homens. Mas, quando Deus onipotente vos houver multiplicado em número, voltai de novo a mim, e eu vos concederei muito mais do que isto agora, confiando-vos mais poderes”.

            O Papa curvou-se, abraçou, beijou e abençoou Francisco de Assis.

            Agora, com as bênçãos do Papa, ele passou a disseminar as suas palavras: “Amai-vos uns aos outros e esquecei-vos de que sois ricos ou pobres, pois um homem é somente aquilo que representa aos olhos de Deus”.

            Mas não eram somente palavras. Francisco e seus seguidores praticavam concretamente o que diziam, num pequeno telheiro, num lugar chamado Rivo Torto.

            Esse mesmo Papa, Inocêncio III, considerado um dos personagens mais poderosos daqueles tempos, embora não se tendo convertido em vida à comunidade franciscana, o fez de uma maneira inusitada.

            Conta a história, meu Presidente, que, em julho de 1216, Francisco soube que o Papa estava à morte. Corria a notícia de que a doença que o consumia era a peste, e todos temiam entrar no quarto do Pontífice.

            Francisco, embora advertido desse fato, o fez. Entrou no quarto, tomou a sua mão e rezou com ele. O Papa morreu em paz, na presença de Francisco.

            À noite, quando levado para uma igreja onde foi velado, os homens encarregados da segurança do velório do Papa continuavam temendo pelo contágio. Isso foi o suficiente para que ocorresse o roubo de todos os pertences do Papa morto, incluindo jóias e até mesmo a sua própria roupa.

            Quando Francisco soube do ocorrido, voltou imediatamente, tirou o seu capote e cobriu carinhosamente o corpo do Papa. Esse fato é considerado pela História o momento de conversão do Papa Inocêncio III à humildade franciscana.

            Nada de mais significativo a acrescentar sobre a vida de São Francisco de Assis. Além do que já foi escrito, são centenas de publicações. Também não há o que mudar na sua vida santificante. Quem sabe nem mesmo o que acrescentar a sua biografia; ao contrário, é a vida dele que tem de mudar a conduta dos homens dos tempos atuais.

            O homem do segundo milênio tem que permanecer imitado, quem sabe ainda com mais devoção neste milênio que se inicia, para que ele continue sendo fonte de inspiração, como o que aconteceu com o funcionário do Ministério da Agricultura.

            Quantos poderão ser ainda os “anjos” neste imenso e mal dividido universo? Quantas vezes Deus necessitará travestir-se em maltrapilhos e esfarrapados para aguçar o espírito franciscano, muitas vezes adormecido, dos seres humanos?

            Quem sabe não seja este o melhor momento para que possamos despertar o “franciscanismo” que existe dentro de nós, principalmente quando se comemoram os 800 anos da obra franciscana?

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é difícil um coração servir de morada para São Francisco de Assis. Basta que ele seja arquitetado pela generosidade, construído pela solidariedade e mobiliado pela humildade. Não há como ficar imune a uma simples leitura da vida desse homem, que foi considerado o homem do segundo milênio.

            Aliás, a vida de São Francisco já provocou, ao longo dos séculos, profundas mudanças no comportamento humano. Foram atribuídas a ele o sermão aos pássaros e o milagre das andorinhas, que produziram transformações nas artes, na literatura, nos sentimentos e no pensamento científico.

            A representação de São Francisco falando ao sol, às nuvens, às flores e aos animais causou uma reconciliação, um resgate do espírito do cristianismo com o amor à natureza.

            São Francisco também suscita o contraditório que está em cada um de nós. Não é por acaso que, na História da Humanidade, é nos tempos da barbárie que floresce com mais viço o chamado espírito franciscano. Quem sabe exatamente o mesmo paradoxo da vida de Francisco: de uma vida mundana, marcada pela opulência, pela luxúria, a uma existência determinada pela pobreza e pela humildade.

            Talvez o momento atual da nossa história seja um dos que mais reclama esse mesmo contraditório da vida de Francisco.

            As guerras, em nome do poder, do dinheiro e do nada, às vezes, paradoxalmente, em nome de Deus; a violência, a fome, a miséria, o desdém, a discriminação, entre outras mazelas, invocam a busca de novos valores e referências, calcados nos sentimentos praticados por Francisco. Talvez, o resgate do verdadeiro conceito de humanidade.

            Mas ele se rebelou contra o discurso vazio, sem a prática correspondente. Ele realizava, efetivamente, a sua pregação. Quem sabe, então, uma vida a ser imitada, com devoção, nos dias atuais.

            Assistimos, hoje, a uma perversa divisão do mundo em duas partes, meu Presidente. Na fronteira, o mercado, a carimbar passaportes e distribuir “vistos de entrada”, simbolizados nos selos das melhores grifes e na vida marcada pela opulência.

            Esse mesmo mundo tem uma nova constituição, chamada globalização, e uma nova religião, o consumismo. Há uma nova pregação, quase fundamentalista, disseminada pela mídia: há que se converter para essa nova religião para se transpor a fronteira da inclusão, delimitada pelo mercado.

            O mundo de hoje preocupa-se, novamente, com a construção não apenas de “igrejinhas”, como a de São Damião, mas de “catedrais” reluzentes e ornamentadas com os mais ricos bens materiais.

            Os sentimentos que marcaram a vida de São Francisco de Assis correm o risco de serem, também novamente, desdenhados e ridicularizados.

            A compaixão, a solidariedade, o amor ao próximo ficam longe do despudor do lucro e do poder a qualquer preço, mesmo que “em nome de Deus”.

            Por exemplo, o “mundo do lucro” tem mais de um trilhão de dólares para socorrer seus “sócios preferenciais”. Ao “mundo da fome”, entretanto, não se quer dedicar menos de 3% desse mesmo valor para duplicar a produção de alimentos em todo o planeta. Os “sócios preferenciais” do mundo do lucro são uns poucos privilegiados. No mundo da fome, já passam de um bilhão de marginalizados.

            Fico imaginando como será esse mesmo mundo nos tempos que estão por vir. Que futuro restará a mais de um bilhão de pessoas que padecem, hoje, da dor da fome e são considerados pesos mortos na contabilidade das preocupações do mundo moderno.

            O homem transformou-se em um na multidão. Isolado, a tecnologia o coloca em contato com o mundo, mas ele vive entre quatro paredes. Perdeu a consciência do coletivo, perdeu o sentimento da compaixão. É um concorrente, no lugar de um semelhante. Os bens materiais lhe dão forma.

            Preocupa-se em ter no lugar do ser.

            Não consegue amansar os lobos que se criam e se desenvolvem dentro de si próprio. Vale-se, cada vez mais, da auto-ajuda, como se problemas e soluções se resumissem na sua própria individualidade.

            Ainda assim, a minha esperança se move inspirada na vida de Francisco de Assis. Eu acho que a humanidade, embora tamanha barbárie, retratada na violência, nas guerras, na fome e na miséria, carrega, em si, no mais interior do seu íntimo, o dom do sentimento de amor.

            Eu ainda acredito nos ideais de Francisco. Acredito que eles não morreram. Eu acredito que serão cada vez mais caudalosos os seus seguidores. O funcionário do Ministério da Agricultura não está só. Cada um de nós tem, no seu mais íntimo, algo de “anjo da noite”.

            Talvez o maltrapilho e esfarrapado, numa esquina qualquer da nossa maior cidade, repleta de luzes, seja a encarnação viva de São Francisco. Ele pode estar reconstruindo uma nova igreja na consciência de cada um de nós.

            Sr. Presidente e Srs. Senadores, nos próximos dias 17, 18 e 19, agora, na semana que vem, como parte das comemorações do oitavo centenário de São Francisco de Assis, haverá, em Brasília, uma grande celebração latino-americana e caribenha. O lema será “Reviver o sonho de Francisco e Clara de Assis no chão da América Latina e do Caribe”.

            Para se ter uma idéia, só no Brasil, estima-se que sejam dois milhões os franciscanos, membros das diversas ordens religiosas. Embora passados tantos anos da travessia terrena de São Francisco, nada mais atual do que as reflexões sobre o seu exemplo.

            Além disso, os franciscanos participaram, diretamente, da construção da nossa história. Por exemplo, Frei Henrique de Coimbra, que rezou a primeira missa em solo brasileiro, em 26 de abril de 1500, era franciscano. Frei Galvão, o nosso primeiro santo, também era franciscano. A Fazenda da Esperança, visitada pelo Papa quando veio ao Brasil, uma referência mundial na recuperação de viciados, é fruto de trabalho franciscano.

            Tenho certeza de que, a cada momento, brotam novas sementes da ação franciscana em todos os cantos e recantos do planeta.

            Nunca é demais relembrar a vida e a obra de Francisco. Por isso, solicito ao Sr. Presidente que autorize transcrever, nos Anais do Senado, uma síntese da trajetória deste santo que, passados oitocentos anos, ainda ilumina o caminho de tantas pessoas.

            Espero que essa transcrição, sob o título de São Francisco de Assis: Uma vida inspiradora não se transforme em letra morta nos Anais do Senado. Afinal, o que desejamos hoje é o que São Francisco pregou, e viveu, há oito séculos: um mundo mais fraterno, mais solidário e, sobretudo, mais humano.

            Que o exemplo de São Francisco nos ilumine, portanto.

            Sr. Presidente, essa reunião dos franciscanos culminará no domingo, dia 19, quando será feita uma caminhada da Igreja Nossa Senhora de Fátima até o palácio sede do Governo, onde o Presidente Lula e o Presidente Garibaldi, Presidente da República e Presidente do Congresso Nacional, receberão uma carta: Carta aos governantes do mundo de hoje. Trata-se de uma reprodução atualizada da carta que São Francisco dirigiu aos governantes daquela época. Oitocentos anos depois, numa atualização para a qual contribuiu o Frei Boff, uma atualização para o mundo de hoje, os franciscanos entregarão no domingo, dia 19, às 10 horas da manhã, ao Presidente Lula e ao Presidente Garibaldi, a versão moderna da carta de São Francisco aos governantes deste mundo.

            O Sr. Jefferson Praia (PDT - AM) - Senador Pedro Simon, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com o maior prazer.

            O Sr. Jefferson Praia (PDT - AM) - Senador Pedro Simon, estou muito feliz com o pronunciamento que tive oportunidade de presenciar neste início de noite aqui no Senado. Estou aqui, V. Exª sabe, porque perdi um amigo, que foi o Senador Jefferson Péres. Nunca me senti feliz por estar hoje aqui, porque tive que perder um amigo para estar aqui. No entanto, não posso deixar de externar hoje as palavras que ouvi de V. Exª quando coloca todos os ensinamentos e os exemplos de São Francisco de Assis. Eu estava aqui refletindo sobre como podemos aproveitar esses ensinamentos e esses exemplos nesta Casa. Pedir para os Senadores doarem seus bens? Não conseguiremos. Mas podemos conseguir, Senador Pedro Simon - talvez tenha sido esse o objetivo de V. Exª ao fazer o pronunciamento de hoje -, que se faça uma reflexão nesta Casa, que decide os rumos dos brasileiros e decide, principalmente, o rumo dos mais pobres.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - É isso!

            O Sr. Jefferson Praia (PDT - AM) - Acredito, Senador Pedro Simon, que, ao legislarmos para os mais pobres, ao fiscalizarmos para os mais pobres, ao trabalharmos um orçamento que vai vir - daqui a alguns dias estaremos decidindo sobre ele - e se voltarmos as nossas decisões para os mais pobres deste País, nós estaremos cumprindo, tenho certeza, uma parte dos ensinamentos de São Francisco de Assis. Portanto, acredito que V. Exª ao nos trazer esse brilhante depoimento sobre a vida de São Francisco e de seus ensinamentos gostaria que fizéssemos essa reflexão. Tenho certeza de que esta Casa refletirá sobre isso, para que possamos voltar as nossas ações para os mais pobres do Brasil, porque somente assim teremos realmente cumprido o nosso papel como seres humanos aqui na terra, que é a de trabalharmos para os outros e não somente para nós mesmos. Muito obrigado pelo aparte.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço-lhe o aparte e digo-lhe que o Senador Jefferson Péres, lá de cima, está orgulhoso dele. Foi um aparte igual ao que ele daria. Eu fico muito feliz de ver a interpretação que V. Exª dá ao meu discurso. É exatamente isso: cada um de nós pode fazer a sua parte. Nesta Casa, podemos realmente, com mais denodo, cumprir a nossa missão, se formos mais rígidos ao olhar as questões, se na hora de distribuir olharmos para os mais humildes, para os mais necessitados. Como é fácil nós aprovamos os créditos destinados aos grandes, destinados aos bancos, destinados às grandes instituições, e como é difícil a gente votar algo destinado aos humildes. V. Exª foi muito feliz. Acho que exatamente esse seria o modo de a gente demonstrar mais dedicação e mais amor ao nosso trabalho.

            Ouço meu querido irmão, gaúcho de Santa Catarina.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Tenho dito, Senador Pedro Simon, em alguns momentos, principalmente no meu Estado, no sul do Brasil, que Cristo disse a Pedro: “Sobre esta pedra, edificarei minha igreja”. Isso está na Bíblia. Eu, várias vezes, usei essa expressão. Nós, do PMDB, temos dito que, para nós, Pedro também é uma rocha e que sobre essa rocha edificaremos nosso Partido. Tenho dito isso em várias ocasiões. Esse Pedro dentro do nosso Partido é Pedro Simon, que é símbolo da resistência. É como o Mão Santa, que, embora seja médico, discute economia; S. Exª entende de economia e tem dado exemplo de que conhece todos os setores, todos os assuntos. Embora seja formado em Medicina, S. Exª trata de todos os temas. Senador Pedro Simon, não havia outra pessoa mais indicada do que V. Exª para falar sobre a obra de São Francisco de Assis, porque V. Exª é devoto dele. Todo mundo sabe disso. Foi muito importante o que V. Exª fez hoje: trazer à tribuna do Senado a história, após oitocentos anos, de São Francisco de Assis, destacando o exemplo que ele deu à humanidade, que ainda hoje é objeto de reflexão. Falam dos anjos da noite. V. Exª tem sido para o nosso Partido, em vários momentos, um anjo da noite. Às vezes, internamente, temos algumas discussões: “Ou é isso, ou é aquilo. Ah! Se não for isso, não vamos apoiar”. Às vezes, a troca faz parte da negociação. Dizem: “Se não for isso, se não for aquilo...”. V. Exª sempre tem sido um anjo da noite para pregar as teses, as bandeiras; tem sido um peregrino do Partido. Sobre essa tese de São Francisco de Assis bem disse o Senador Jefferson Praia. O Papa queria levar a Ordem de São Francisco para o mundo, e os cardeais não queriam dar autorização; houve aquela discussão. Eu diria que, aqui, muitas vezes, existem os cardeais. E tem de haver os que pregam. V. Exª é um dos que pregam: “Vamos sair pelo mundo, vamos sair pelo Brasil e pregar o melhor, pregar o bem, pregar aquilo que é o melhor para a sociedade, para a cidadania”. E V. Exª é um São Francisco de Assis para nós hoje. V. Exª incorpora São Francisco de Assis. V. Exª é, hoje, um peregrino das boas novas, do melhor, das transparências, da moralidade. Não posso dizer, Senador Pedro Simon, que V. Exª é adorado, porque, no Direito Canônico, adorar alguém é sacrilégio, mas V. Exª é venerado por muita gente - em Santa Catarina, nem se fala! É venerado pelos gaúchos, pelos brasileiros. V. Exª é venerado por muita gente. Isso não fere o Direito Canônico. Isso pode ser feito. Eu tinha de dizer isso a V. Exª com muita alegria e com muita satisfação no fim desta sessão, no fim da tarde, já no início da noite, porque V. Exª é um anjo da noite para nós, para o nosso Partido, para o nosso Brasil.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Meu irmão Maldaner, não calcula o bem que me fazem as palavras de V. Exª. Somos irmãos há muito tempo, das horas difíceis e amargas, quando Rio Grande do Sul e Santa Catarina faziam a resistência. Fico muito feliz com as palavras de V. Exª.

            Não nego que tive angústia ao fazer este pronunciamento. Fiquei a me perguntar: será que estou agindo corretamente? Afinal, o Brasil é um País que não tem religião oficial; é um País laico. Será que estou avançando o sinal? Mas não é esse o sentido. Pensei e tomei essa decisão. Não estou falando aqui na Igreja Católica, nem no santo Francisco; estou falando no homem que foi considerado por quatro instituições mundiais o homem do segundo milênio. Estou falando na obra, no estilo, na realização dele. Acho que isso é importante. É muito importante como a gente vê as coisas. Tenho falado várias vezes em Luther king. Tenho falado várias vezes em pessoas extraordinárias que são grandes nomes, independentemente das idéias que eles defendem.

            As palavras de V. Exª me deixam tranqüilo, porque acho que não cometi uma imprudência. Fiz apenas aquilo que minha consciência mandava.

            Concedo um aparte ao querido companheiro Tião Viana.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Pedro Simon, apenas queria registrar também o orgulho que tenho ao vê-lo na tribuna. V. Exª, que é uma referência de vida e uma referência moral da Casa, além de uma referência no campo político e intelectual, aborda um tema de valor humano. A história de Francisco é uma história que envolve, em termos de amor, todos nós. E o conceito de Deus que penso ser o mais atual e universal é sinônimo de amor, e Francisco foi, sobretudo, isso. Francisco foi exemplo de amor junto aos leprosos, junto aos pobres, junto a todos os que necessitavam. Tratou com amor até o irmão Sol, a irmã Lua, a mãe Natureza. Então, V. Exª discorre sobre esse assunto como uma referência para todos que queiram entender melhor o sentido de uma vida de harmonia, de respeito, de fraternidade e de bons valores. O Parlamento precisa de um debate conceitual, de um debate que envolva a espiritualidade. V. Exª traz uma enorme contribuição a esta Casa em termos de conteúdo e de sentimento de vida. Parabéns! Obrigado pelo pronunciamento que faz.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - V. Exª sabe, Senador Tião Viana, o carinho que tenho por V. Exª e o bem que suas palavras fazem, pois vejo que há esse sentimento de que eu, de certa forma, pelo menos não cometi um equívoco ao tratar desse assunto com a seriedade que eu quis tratar. Não falei dele tendo como base a Igreja Católica nem o cristianismo, mas, sim, o humanismo, a fé, o amor que devemos pela humanidade.

            Agradeço-lhe, Sr. Presidente, a tolerância e a gentileza e volto a dizer: tenho o maior orgulho e o maior carinho pela ação e pelo trabalho de V. Exª. Que bom se nosso Partido fosse cheio de mãos santas! Não precisavam ser tão santas, mas, pelo menos, mãos mais abertas ao próximo, como são as de V. Exª.

 

************************************************************************************************

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SENADOR PEDRO SIMON EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

************************************************************************************************

Matéria referida:

“São Francisco de Assis: uma vida inspiradora”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2008 - Página 39358