Discurso durante a 186ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcrição nos Anais da mensagem intitulada "Parar a roda bloqueando seus raios".

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcrição nos Anais da mensagem intitulada "Parar a roda bloqueando seus raios".
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2008 - Página 39400
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, MENSAGEM (MSG), DESPEDIDA, BISPO, DIOCESE, MUNICIPIO, SÃO FELIX DO XINGU (PA), ESTADO DO PARA (PA), CONCLAMAÇÃO, ATENÇÃO, SOCIEDADE, PROBLEMA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • IMPORTANCIA, BISPO, ATENÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, POSSEIRO, POPULAÇÃO CARENTE, LUTA, COMBATE, INJUSTIÇA, REGIME MILITAR, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA, CORRUPÇÃO.

            O SR. PEDRO SIMON (PSDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, julgamos ser da maior justiça que esta Casa inscreva em seus Anais a mensagem intitulada “Parar a roda bloqueando seus raios”, em que Dom Pedro Casadáliga, Bispo da Prelazia de São Félix do Xingu, despede-se de “seus irmãos e irmãs”, no momento em que dela se afasta, aos 80 anos de idade.

            A mensagem traduz todo o amor e zelo com os quais o Bispo se dedicou aos índios, posseiros e às pessoas mais humildes da terra que tanto amou e aos quais dedicou os melhores anos de sua vida.

            Dom Pedro foi um dos mais ardorosos combatentes das injustiças devidas à ditadura militar e prosseguiu na sua luta contra o desmatamento da Amazônia, a corrupção e os desmandos de toda ordem.

            Aos 80 anos de idade, com a saúde fragilizada, Dom Pedro vale-se de sua mensagem para advertir a Nação e toda a Terra sobre o mau uso dos seus recursos, em benefício de uns poucos privilegiados, relegando à miséria os menos favorecidos. Assim, transcrevo aqui, ipsis literis, a mensagem:

“PARAR A RODA BLOQUEANDO SEUS RÁIOS”

Estava eu pensando a circular de 2008, quando me invade, como um rio bíblico de leite e mel, uma autêntica enchente de mensagens de solidariedade e carinho por ocasião dos meus 80 anos. Não podendo responder a cada um e a cada uma em particular, inclusive porque o irmão Parkinson tem os seus caprichos, peço a vocês que recebam esta circular como um abraço pessoal, entranhável, de gratidão e de comunhão renovadas.

Estou lendo uma biografia de Dietrich Bonhoeffer, intitulada, muito significativamente, Deveríamos ter gritado. Bonhoeffer, teólogo e pastor luterano, profeta e mártir, foi assassinado pelo nazismo, no dia 9 de abril de 1945, no campo de concentração de Flossenbürg. Ele denunciava a “Graça barata” à qual reduzimos muitas vezes nossa fé cristã. Advertia também que “quem não tenha gritado contra o nazismo não tem direito a cantar gregoriano”. E chegava finalmente, já nas vésperas do seu martírio, a esta conclusão militante: “Tem que se parar a roda bloqueando seus raios”. Não bastava então socorrer pontualmente as vítimas trituradas pelo sistema nazi, que para Bonhoeffer era a roda; e não nos podem bastar hoje o assistencialismo e as reformas-remendo frente a essa roda que para nos é o capitalismo neoliberal com os seus raios do mercado total, do lucro omnímodo, da macro-ditadura econômica e cultural, dos terrorismos do estado, do armamentismo de novo crescente, do fundamentalismo religioso, da devastação ecocida da terra, da água, da floresta e do ar.

Não podemos ficar estupefatos diante da iniqüidade estruturada, aceitando como fatalidade a desigualdade injusta entre pessoas e povos, a existência de um Primeiro Mundo que tem tudo e um Terceiro Mundo que morre de inanição. As estatísticas se multiplicam e vamos conhecendo mais números dramáticos, mais situações infra-humanas. Jean Ziegler, relator das Nações Unidas para a Alimentação, afirma, carregado de experiência, que «a ordem mundial é assassina, pois hoje a fome não é mais uma fatalidade». E afirma também que “destinar milhões de hectares para a produção de bio-carburantes é um crime contra a Humanidade”. O bio-combustível não pode ser um festival de lucros irresponsáveis. A ONU vem alertando que o aquecimento global do planeta avança mais rapidamente do que se pensava e, a menos que se adotem medidas urgentes, provocará a desaparição do 30% das espécies animais e vegetais, milhões de pessoas serão privadas de água e proliferarão as secas, os incêndios, as enchentes. A gente se pergunta angustiado quem irá adotar essas “medidas urgentes”.

O grande capital agrícola, com o agronegócio e cada vez mais o hidronegócio, avança sobre o campo, concentrando terra e renda, expulsando às famílias camponesas e jogando-as errantes, sem terra, acampadas, engrossando as periferias violentas das cidades. Dom Erwin Kräutler, bispo de Xingu e presidente do CIMI, denuncia que «o desenvolvimento na Amazônia tornou-se sinônimo de desmatar, queimar, arrasar, matar». Segundo Roberto Smeraldi, de Amigos da Terra, as políticas contraditórias do Banco Mundial por um lado “prometem salvar as árvores” e por outro lado, “ajudam a derrubar a Amazônia”.

Mas a Utopia continua. Como diria Bloch, somos “criaturas esperançadas” (e esperançadoras). A esperança segue, como uma sede e como um manancial. “Contra toda esperança esperamos”. Da esperança fala, precisamente, a recente encíclica de Bento XVI. (Pena que o Papa, nesta encíclica, não cita nem uma vez o Concílio Vaticano II, que nos deu a Constituição Pastoral Gaudium et Spes - Alegria e Esperança. Seja dito de passagem, o Concílio Vaticano II continua amado, acusado, silenciado, preterido... Quem tem medo do Vaticano II?). Frente ao descrédito da política, em quase todo o mundo, nossa Agenda Latinoamericana 2008 aposta por uma nova política; até “pedimos, sonhando alto, que a política seja um exercício de amor”. Um amor muito realista, militante, que subverta estruturas e instituições reacionárias, construídas com a fome e o sangue das maiorias pobres, ao serviço do condomínio mundial de uma minoria plutocrata.

Por sua parte as entidades e os projetos alternativos reagem tentando criar consciência, provocar uma santa rebeldia. O FSM 2009 vai-se realizar, precisamente, na Amazônia brasileira e terá a Amazônia como um dos seus temas centrais. E o XII Encontro Inter-eclesial das CEBs, em 2009, se celebrará também na Amazônia, em Porto Velho, Rondônia. Nossa militância política e nossa pastoral libertadora devem assumir cada vez mais estes desafios maiores, que ameaçam nosso Planeta. “Escolhemos, pois, a vida”, como reza o lema da Campanha da Fraternidade 2008. O apóstolo Paulo, em sua Carta aos Romanos, nos lembra que “toda a criação geme e está com dores de parto” (Rom.8,22). Os gritos de morte cruzam-se com os gritos de vida, neste parto universal.

É tempo de paradigmas. Creio que hoje se devem citar, como paradigmas maiores e mais urgentes, os direitos humanos básicos, a ecologia, o diálogo inter-cultural e inter-religioso e a convivência plural entre pessoas e povos. Estes quatro paradigmas nos afetam a todos, porque saem ao encontro das convulsões, objetivos e programas que está vivendo a Humanidade maltratada, mas esperançada ainda sempre.

Com tropeços e ambigüidades Nossa América se move para a esquerda; “novos ventos sopram no Continente»; estamos passando «da resistência à ofensiva”. Os povos indígenas de Abya Yala têm saudado com alegria a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que afeta a mais de 370 milhões de pessoas em 70 paises do Mundo; e reivindicarão a execução real dessa Declaração.

Nossa Igreja da América Latina e o Caribe, em Aparecida, se não foi aquele Pentecostes que queríamos sonhar, foi uma profunda experiência de encontro entre bispos e povo; e confirmou os traços mais característicos da Igreja da Libertação: o seguimento de Jesus, a Bíblia na vida, a opção pelos pobres, o testemunho dos mártires, as comunidades, a missão inculturada, o compromisso político.

Irmãos e irmãs, que raios vamos quebrar em nossa vida diária?, como ajudaremos a bloquear a roda fatal?, teremos direito a cantar gregoriano?, saberemos incorporar em nossas vidas esses quatro paradigmas maiores traduzindo-os em prática diária?

Recebam um abraço entranhável na esperança subversiva e na comunhão fraterna do Evangelho do Reino. Vamos sempre para a Vida.

Pedro Casaldáliga

Circular 2008

            Espero que as palavras de Dom Pedro não fiquem apenas registradas nos Anais do Senado Federal, mas que sejam profundamente por nós refletidas.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2008 - Página 39400