Discurso durante a 189ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a atual crise financeira mundial. Destaque para a necessidade de se cortar gastos públicos.

Autor
Antonio Carlos Júnior (DEM - Democratas/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL.:
  • Reflexão sobre a atual crise financeira mundial. Destaque para a necessidade de se cortar gastos públicos.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/2008 - Página 39541
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL, PROVOCAÇÃO, FALENCIA, BANCOS, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), BELGICA, ISLANDIA, CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO BRASILEIRO, COMBATE, EFEITO, ECONOMIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, BRASIL, DESVALORIZAÇÃO, MOEDA, AMPLIAÇÃO, ESPECULAÇÃO, REDUÇÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL, CREDITOS, INTERFERENCIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), IMPEDIMENTO, EXCESSO, DOLAR.
  • COMENTARIO, PREJUIZO, AGRICULTURA, INDUSTRIA, REDUÇÃO, FINANCIAMENTO, PRODUÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, DEMANDA, PREÇO, PRODUTO AGRICOLA, VENDA, INDUSTRIA AUTOMOTIVA, EQUIPAMENTOS, RESULTADO, VARIAÇÃO, CAMBIO, RESTRIÇÃO, CREDITOS, REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PREVISÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • COMENTARIO, DECISÃO, GOVERNO BRASILEIRO, COMBATE, EFEITO, CRISE, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL, AMPLIAÇÃO, BANCO DO BRASIL, BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), FINANCIAMENTO AGRICOLA, FINANCIAMENTO, PRODUTO, EXPORTAÇÃO, INTERVENÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), CONTROLE, CAMBIO, REDUÇÃO, DEPOSITO COMPULSORIO, RESTAURAÇÃO, CONFIANÇA, VOLUME, NEGOCIAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, INSUFICIENCIA, ENCAMINHAMENTO, GOVERNO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CONGRESSO NACIONAL, AMPLIAÇÃO, PODER, AUTONOMIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), COMBATE, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, DEFESA, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS.
  • COMENTARIO, PREVISÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), REDUÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ALEMANHA, FRANÇA, REINO UNIDO, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, INICIATIVA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, CONTRIBUIÇÃO, ESTABILIDADE, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

O SR. ANTONIO CARLOS JÚNIOR (DEM - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a crise financeira que se iniciou em Wall Street espalhou-se por todo o mundo e já bate à nossa porta.

Começou com a falência das companhias de hipotecas e liquidou gigantes do sistema financeiro norte-americano como os bancos de investimento Bearn Sterns, Merryl Linch e Lehman Brothers, este com 158 anos de operação, que havia sobrevivido até mesmo à crise dos anos 30. Na Europa, ceifou o grupo belga Fortis, o britânico Bradford & Bingley, ameaçou de falência um país inteiro, a Islândia.

Em todo o mundo, mesmo quem está sobrevivendo neste turbilhão está sangrando.

As perdas no mercado financeiro mundial já superam US$1,3 trilhão, o equivalente ao Produto Interno Bruto do Brasil, da Rússia, ou à soma de todas as riquezas produzidas no continente africano durante um ano.

A crise é grave e produz efeitos na economia real.

Não é apenas quem tem dinheiro no mercado financeiro que está sofrendo.

Há o temor de que a depressão seja ainda pior e resulte no fechamento definitivo de negócios de toda ordem e na extinção de milhares e milhões de postos de trabalho.

O Brasil não escapou da crise, embora algumas autoridades do Poder Executivo teimassem em fingir que nada de muito grave estava acontecendo.

Aqui, até o momento, as conseqüências mais invisíveis da crise foram a contração do crédito e a vertiginosa subida da taxa de câmbio.

Esses dois fatores, contração de crédito e variação cambial, aliados à expectativa de queda na demanda mundial em 2009, já provocam uma revisão de planos de produção em diversos setores.

É fato, Srs. Senadores.

Com a turbulência da última semana, vários negócios encontravam-se paralisados à espera de algum sinal de estabilidade dos mercados, pois a depreciação violenta do câmbio levou à suspensão do fechamento de encomendas e à desconfiança quanto aos novos parâmetros de mercado.

Com relação ao salto em altura experimentado pelo custo do crédito de curto prazo, os empresários já temem a postura de alguns bancos que parecem querer tirar excessiva vantagem da situação.

O componente especulativo no mercado cambial também atinge negativamente os negócios. Embora persistam saldos comerciais positivos, o Banco Central vem intervindo, a meu juízo moderadamente, para evitar excessiva valorização do dólar.

Ainda é difícil prever em que medida a taxa de inflação será afetada pela depreciação do câmbio.

Há quem pense que o câmbio depreciado terá um impacto sobre a inflação num primeiro momento, mas no médio prazo a atividade deprimida deverá trazer a inflação a níveis mais razoáveis.

Sr. Presidente, os reflexos da crise se espalham por todos os setores da economia brasileira. Veja o caso do agronegócio, que depende fortemente da disponibilidade de financiamento, tanto para a produção quanto para a comercialização.

Neste ano, o plantio da próxima safra, iniciado em julho, já foi afetado pela restrição do crédito e pela expectativa de declínio da demanda e dos preços das commodities.

Operações contratadas com grandes bancos internacionais estão suspensas e os produtores pressionam o Governo a garantir mais crédito para a nova safra.

Com a forte oscilação cambial que vem ocorrendo não há ainda como determinar o efeito do câmbio em médio prazo no preço final dos produtos, cuja competitividade aumenta em decorrência da depreciação do real, ao mesmo tempo em que encarece os insumos importados.

Enfim, um clima de incerteza ronda o setor do agronegócio.

Na indústria, arrefece o forte crescimento verificado no primeiro semestre (quando cresceu, em média, 6,8% com relação ao mesmo período do ano anterior).

As empresas se ressentem da incerteza decorrente das oscilações no câmbio e da restrição no crédito, principalmente as que possuem compromissos em moeda estrangeira por conta.

Segundo o jornal Valor Econômico, há expectativas de queda nas vendas de diversos setores, como o automotivo e de equipamento. Algumas empresas de eletroeletrônicos, com alto percentual de componentes importados, teriam, inclusive, cogitado suspender as suas vendas no varejo. Outras empresas estariam planejando a concessão de férias coletivas e a revisão de planos de produção, encomendas e até investimentos programados para 2009.

O enxugamento do crédito, acompanhado no Brasil pela alta dos juros, cria um cenário ainda mais complicado para os negócios.

Enfim, o setor industrial, de uma forma geral, preocupa-se com o declínio anunciado na demanda.

Assim como no agronegócio, um fator crítico, essencial para o seu desempenho será a disponibilidade de financiamento a custos razoáveis - o que, convenhamos, não me parece muito provável nesse cenário.

Sr. Presidente, os reflexos da crise já são sentidos também no mercado de crédito e começam a afetar os negócios. O mercado imobiliário brasileiro, a exemplo do norte-americano e do europeu, já começou a sofrer. A venda de imóveis usados já caiu 20% em relação ao nível anterior à eclosão da crise. As construtoras estão mais cautelosas na concessão de financiamento e, com isso, a cada dia, cobram mais caro pelos imóveis. O mesmo está ocorrendo com o crédito no comércio e nos serviços. Os prazos dos financiamentos de veículos diminuíram. As taxas dobraram. Os juros cobrados nos empréstimos para compra de bens de consumo também estão aumentando. As linhas de crédito consignado, que ficaram tão populares pelo baixo risco, em muitos bancos foram suspensas. Enfim, o dinheiro está mais escasso e, sem ele, a economia fica paralisada.

É certo que o Governo começou a agir. Afinal, a despeito do que afirmou o Presidente Lula, a crise desceu o Atlântico e as autoridades econômicas foram obrigadas a agir.

O Governo, através do Banco do Brasil, direcionou mais R$5 bilhões ao financiamento agrícola. Acho pouco. O BNDES reforçou em R$5 bilhões suas linhas de financiamento de produtos para o exterior. O Banco Central vem promovendo seguidas reduções no depósito compulsório, com a condicionante de que as instituições financeiras comprem créditos umas das outras para tentar restaurar a confiança e o volume de negócios. O Banco também inverteu o sentido de suas operações no mercado de câmbio e voltou a operar com leilões de vendas de dólares e swaps cambiais, para tentar puxar a cotação da moeda americana para baixo. Mesmo assim, o dólar, que há semanas estava na faixa de R$1,50, R$1,60, chegou a bater em incríveis R$2,30, e encontra-se hoje pouco abaixo de R$2,10.

Evitar a disparada do dólar tem custado caro: estimativas do Banco Central falam em queima de US$20 bilhões das reservas cambiais, algo como 10% do máximo acumulado este ano.

Por fim, a crise chegou ao Congresso Nacional. O Presidente da República editou medida provisória que dá poderes e autonomia ao Banco Central para combater a crise. A principal alteração é a permissão para que o Banco compre a carteira de crédito de instituições financeiras em dificuldades, como já estão fazendo autoridades monetárias por todo o resto do mundo.

Medida necessária, mas insuficiente. É preciso mais. Mesmo que a crise arrefeça, a economia mundial a partir de agora crescerá em ritmo significativamente menor.

A evidente diminuição da riqueza das empresas e das pessoas, nas principais economias, provocará, certamente, a queda no consumo e na poupança. Não contaremos, pelo menos nos níveis anteriores, com recursos externos para financiar nosso crescimento. Inverteu-se a posição que tínhamos em 2007, quando nosso saldo em conta corrente era positivo.

Agora, com saldo negativo, precisaremos - e teremos mais dificuldade - obter financiamento para sustentar nosso crescimento. Maior dificuldade de financiamento significa menor crescimento. Menor crescimento trará como conseqüência reflexos negativos nos níveis de arrecadação.

Srs. Senadores, o Fundo Monetário Internacional prevê que a economia mundial crescerá 3%. Prevê que Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido poderão ter taxas de crescimento próximas de zero ou até mesmo negativas em 2009. O FMI estima que os países emergentes devam apresentar um crescimento máximo de 6,1%.

Para o Brasil, o Fundo prevê um crescimento, em 2009, de 3,5%. Eu não seria tão otimista. Esse crescimento será, sem dúvida, menor. De qualquer modo, medidas severas, efetivas e permanentes de contenção dos gastos públicos precisam ser tomadas, pois, do contrário, poderemos comprometer o desempenho econômico do País nos anos próximos.

Senhores, é fato que a estabilidade monetária, a flutuação cambial, a renegociação das dívidas estaduais, aliadas a uma política fiscal responsável, que inclui a obediência a parâmetros como as metas de inflação e de superávit fiscal, são fatores que amortecem hoje o impacto da crise na economia brasileira.

Ressalte-se: boa parte dessa trajetória foi inaugurada no Governo Fernando Henrique Cardoso, destacando-se programas como o Proer e o Proes e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que contribuíram decisivamente para que o sistema financeiro brasileiro não fosse, hoje, tão vulnerável.

Entretanto, esses instrumentos amortecem os impactos da crise, mas também são insuficientes.

Para 2009, além de reestimar receitas, acima de qualquer outra medida de ordem fiscal, o Governo precisa cortar gastos. Cortar seletivamente, mas cortar fundo. Preservar investimentos e inversões sociais, mas ser rigoroso nos cortes.

Como disse, o ciclo de disponibilidade de poupança externa encerrou-se. Pertence ao passado. O momento pede que a política monetária vise, fundamentalmente, ao aumento da liquidez e, por isso, a determinação do patamar adequado da Selic me parece o maior desafio no curto prazo.

Penso que a manutenção da atual taxa básica de juros, ou até mesmo uma ligeira redução, talvez fosse uma medida eficaz para melhorar a liquidez e o crédito.

Concluindo, Sr. Presidente, precisamos ter em mente que esta crise trará mudanças profundas e permanentes nas relações econômicas internas e externas.

Mais do que nunca, é inadiável se cortar gastos públicos, pois a manutenção de investimentos que dinamizem os setores mais atingidos dependerá, cada vez mais, da capacidade que o País tiver de gerar poupança interna. E a poupança interna vem das famílias e do Governo. As famílias, claro, durante crises, naturalmente poupam o que podem, mas o Governo tem que tomar posições imediatas a fim de cortar gastos e gerar poupança.

Por fim, devo registrar que, finalmente, o Governo parece ter deixado de lado, mesmo que a contragosto, o otimismo irresponsável e as declarações populistas e emocionais.

Em momentos de crise, as medidas concretas são essenciais, mas também o comportamento das autoridades é importante. Suas manifestações não podem soar contraditórias, dissociadas da realidade; do contrário, apenas ensejarão desmentidos e instigarão um clima de insegurança que confunde o cidadão e amedronta as empresas e os mercados.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/2008 - Página 39541