Discurso durante a 193ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da descentralização no processo de desenvolvimento brasileiro como contribuição para reduzir as desigualdades regionais.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Defesa da descentralização no processo de desenvolvimento brasileiro como contribuição para reduzir as desigualdades regionais.
Aparteantes
Adelmir Santana, Cristovam Buarque, Marisa Serrano.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/2008 - Página 40722
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, DIVULGAÇÃO, LEVANTAMENTO DE DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), IMPORTANCIA, REGIÃO METROPOLITANA, BRASIL, SUPERIORIDADE, INFLUENCIA, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AMBITO NACIONAL, EXCESSO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, REGIÃO SUDESTE, DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, DESIGUALDADE REGIONAL, AMBITO REGIONAL, CAPITAL FEDERAL, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO AMAZONAS (AM), ESTADO DO PARA (PA), ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESTADO DA BAHIA (BA), ESTADO DE GOIAS (GO), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
  • ANALISE, PESQUISA, RELEVANCIA, PRESENÇA, REGIÃO METROPOLITANA, ORGÃO PUBLICO, JUDICIARIO, EXECUTIVO, EDIFICIO SEDE, EMPRESA, ATENDIMENTO, SAUDE, EDUCAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, ACESSO, INTERNET, DEMONSTRAÇÃO, CENTRALIZAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, EXPECTATIVA, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO.
  • COMENTARIO, OPINIÃO, ESPECIALISTA, DIFICULDADE, FEDERALIZAÇÃO, BRASIL, PERIODO, IMPERIO, SUPERIORIDADE, EXTENSÃO, TERRITORIO NACIONAL, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, PROVOCAÇÃO, EXCESSO, DESIGUALDADE REGIONAL, DESIGUALDADE SOCIAL, INFORMAÇÃO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DETERMINAÇÃO, ESTADOS, MUNICIPIOS, PROMOÇÃO, EQUIPARAÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ESCLARECIMENTOS, FALTA, VOTAÇÃO, LEI COMPLEMENTAR, REGULAMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DEFESA, AGILIZAÇÃO, DELIBERAÇÃO, MATERIA.
  • CRITICA, FALTA, POLITICA, GOVERNO FEDERAL, PROMOÇÃO, EQUIPARAÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, VETO (VET), EXECUTIVO, RECRIAÇÃO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZONIA (SUDAM), SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO CENTRO OESTE (SUDECO), DEFESA, IMPORTANCIA, DESCENTRALIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, ELABORAÇÃO, PLANO REGIONAL, COMPARAÇÃO, FEDERALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SUPERIORIDADE, AUTONOMIA, ESTADOS, RELEVANCIA, ATUAÇÃO, SENADO, UNIDADE FEDERAL.
  • COMENTARIO, RELEVANCIA, CRESCIMENTO ECONOMICO, REGIÃO CENTRO OESTE, COMPARAÇÃO, REGIÃO SUDESTE, HISTORIA, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), PERDA, TERRITORIO, MOTIVO, REVOLTA.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Mão Santa, quero agradecer as referências feitas a meu respeito. V. Exª é, como eu, nordestino, e os nordestinos são generosos, como sabemos.

Sr. Presidente, Srª Senadora Marisa Serrano, Sr. Senador Adelmir Santana, Sr. Senador Cristovam Buarque, Sr. Senador Geraldo Mesquita Júnior, Sr. Senador Wellington Salgado de Oliveira, Srªs e Srs. Senadores, nessa semana, os jornais divulgaram trabalho do IBGE, uma instituição de longa história no levantamento dos censos do Brasil. O primeiro censo do Brasil ocorreu ainda no período do Império, em 1872, se não estou equivocado, e ainda a população era muito pequena e rarefeita.

Ao longo de todo o itinerário histórico até os dias de hoje, o IBGE, com este nome a partir da República, continua a fazer não somente os censos, mas também estudos outros muito importantes sobre o perfil demográfico do País, o perfil social, econômico, político, e seus trabalhos, de alguma forma, subsidiam aqueles que atuam em diferentes áreas do conhecimento humano a respeito do Brasil.

O mais recente saiu no início desta semana.

É um levantamento sobre o papel que desempenha a cidade e, de modo especial, a capital dos Estados do Brasil.

Sr. Presidente, eu gostaria de começar com a observação de que a conclusão do estudo feito demonstrou que, não apenas por sua população - isso está publicado em O Estado de S.Paulo -, de quase 20 milhões de habitantes em 2007, o Estado de São Paulo exerce uma influência muito grande sobre outras cidades-regiões, algumas situadas a mais de três mil quilômetros de distância. A região metropolitana de São Paulo é a única grande metrópole nacional, de acordo com o estudo feito do IBGE, que resultou na classificação da cidade de São Paulo como a única metrópole de influência nacional.

Só para dar um exemplo, 1.028 Municípios estão sob influência de São Paulo, abrigando 28% da população brasileira, e são responsáveis por 40,6% do PIB do País. Dado o peso da região metropolitana de São Paulo na economia brasileira, isso mostra como o processo de crescimento do País ainda é muito concentrado.

A seguir, faz-se uma análise da segunda classificação de metrópole nacional.

Nesse caso, está o Rio de Janeiro, com 11,8 milhões de habitantes. A seguir vem Brasília, com 3,2 milhões de habitantes. Essas duas áreas têm um peso bem menor do que o de São Paulo no PIB, que é de 14,4% com relação ao Rio de Janeiro e de 6,9% com relação a Brasília.

O estudo a que me refiro também identifica o que a instituição denominou de “capitais regionais”, que são os setenta centros que se relacionam com as metrópoles, mas influenciam outros aglomerados urbanos classificados pelo IBGE, ainda que em níveis bem inferiores aos que já me referi.

O Brasil tem 5.564 municípios e, desses, 4.473, segundo o IBGE, foram considerados centros locais, cuja atuação não vai além de seus próprios limites, o que significa dizer que, basicamente, há uma grande concentração no País. Isso mostra que precisamos fazer, de forma urgente, uma análise para gerar políticas de desenvolvimento regional.

Existem, no País - e cito, mais uma vez, o IBGE -, doze grandes redes de influência, que interligam até mesmo municípios situados em diferentes estados.

A rede centralizada por São Paulo, por exemplo, também abrange parte de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre.

A Rede Brasília influi no oeste da Bahia, em alguns Municípios de Goiás e noroeste de Minas Gerais. As nove outras redes de influência são centralizadas por Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Goiânia, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre.

O estudo Regiões de Influência das Cidades mostra as redes formadas pelos principais centros urbanos do País, baseado na presença de órgãos do Executivo, do Judiciário, de grandes empresas e de oferta de ensino superior, serviços de saúde e domínios de Internet. Para definir os centros da rede urbana brasileira, buscam-se informações de subordinação administrativa no setor público federal, no caso a gestão federal, e de localização de sedes e filiais de empresas para estabelecer a gestão empresarial.

O que constatamos, Sr. Presidente, é que o processo de desenvolvimento brasileiro está muito centralizado. Isso se estende também às questões que dizem respeito à educação, à saúde, ao acesso à informação via Internet etc.

Sabemos, e aqui é a Casa da Federação, que o Brasil é um Estado federal desde a Constituição de 1891. Portanto, descentralização rima com federação.

A Constituição de 1988 estabeleceu que os Municípios são também entes federativos, não apenas os Estados e o Distrito Federal. Mas o fato é que o Brasil ainda não vive as circunstâncias de um verdadeiro estado federal.

Os especialistas falam sobre os estados federais que surgem de estado unitário, como é o caso do Brasil. No Império era unitário. Os especialistas em direito constitucional e direito internacional público, inclusive Charles Rousseau, dizem que os estados federais vindos de estados unitários nascem com uma debilidade congênita. Isto é, não conseguem realizar ou transformar-se numa verdadeira federação.

Observamos que o Brasil é um país quase continental, como se diz, com uma grande diversidade regional, enormes disparidades econômicas, grandes desigualdades sociais. Daí por que não vejo outro caminho a não ser trabalharmos a descentralização. E antes da descentralização, trabalharmos a questão - também essencial - da formulação de políticas públicas voltadas para um desenvolvimento mais homogêneo do espaço social brasileiro.

A Constituição atual no seu art. 23, Parágrafo Único, diz o seguinte: “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.

Essa lei ainda não foi feita, ou seja, ainda não votamos essa lei complementar à Constituição de 1988. A Carta 1988, por ser muito longa, ainda tem muitos dispositivos carentes de regulamentação. Entre eles, está esse parágrafo único do art. 23. Isso significa dizer que nós estamos vivendo tempos em que não há nenhuma política de desenvolvimento regional. Mesmo porque a recriação da Sudene, da Sudam, da Sudeco ainda não ocorreu, se bem que têm sido aprovados no Senado, como também na Câmara, projetos nesse sentido. Houve vários vetos apostos pelo Chefe do Poder Executivo Federal, que praticamente não permitiram que essas instituições voltem a funcionar na plenitude de suas atribuições. Então, verificamos, infelizmente, é que não há uma política de desenvolvimento regional e o crescimento das desigualdades regionais cada vez maior. Isso é incompatível com o Estado Federal. O exemplo de São Paulo é bem a expressão disso. Felicito o Estado de São Paulo pelo seu crescimento, pelo seu desenvolvimento, mas, ao mesmo tempo em que reconhecemos todos esses seus méritos, não podemos deixar de registrar que praticamente 40%, mais de 1/3, da renda nacional, estão concentrados em São Paulo. Isso, obviamente, em detrimento dos demais estados da Federação e regiões. O Brasil se divide em 5 grandes regiões. A Região Sudeste, inquestionavelmente, lidera todo esse processo que, de alguma forma, penaliza os estados e as regiões que nela se encontram. A Região Sudeste é a mais dinâmica do País, sob o ponto de vista, econômico.. Então, Sr. Presidente, o apelo que gostaria de fazer hoje, é no sentido de que repensemos a questão regional. Ela está esquecida, não está na agenda brasileira. E o processo de crescimento do País, se faz de forma distorcida, por falta de políticas regionais, para o Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Estamos vendo o agravamento do quadro social que não é nada positivo para o País.

A Srª Marisa Serrano (PSDB - MS) - V. Exª me permite um aparte, Senador Marco Maciel?

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Pois não. Ouço, com prazer, a nobre Senadora Marisa Serrano.

A Srª Marisa Serrano (PSDB - MS) - Quero parabenizá-lo também, porque o tema que V. Exª aborda é algo que nos preocupa muito. De fato, São Paulo ainda detém a fatia maior do PIB brasileiro, 26%, e a cidade de São Paulo ainda é a que atrai o maior número de cidades - o meu Centro-Oeste, inclusive, é praticamente todo atraído pela pujança de São Paulo. Preocupam-me muito também as questões regionais. Apesar dessas diferenças regionais, o Centro-Oeste está crescendo muito - foi a Região que mais se desenvolveu nessa última década. Não obstante isso, nota-se que não há uma política efetiva para o desenvolvimento do Centro-Oeste. Principalmente a agricultura e a pecuária é que estão impulsionando o desenvolvimento da Região, além, é claro, do agronegócio. Essa é uma questão que tem que ser discutida. Mas, além dessas, Senador Marco Maciel, outras questões têm nos preocupado muito. Por exemplo, qual a política para a região de fronteira do nosso País? Nesses últimos dias, foi constituída uma subcomissão da região de fronteira, dentro do Mercosul, na nossa Comissão do Mercosul, da qual o Senador Zambiasi é o Presidente, eu sou a Vice-Presidente e o Deputado Russomano é o Relator, para discutir a questão de fronteira. Isso porque não existe uma política, não se sabe qual é a política para o desenvolvimento de uma faixa que é imensa no País e que é tão importante para garantir não só o desenvolvimento do Brasil, mas a tranqüilidade do nosso País em relação aos países vizinhos e também o intercâmbio comercial que queremos com esses países. Portanto, reputo da maior importância o seu pronunciamento. Quero dizer que as políticas regionais têm que ser muito conhecidas e muito tranqüilas em todas as áreas, não só do desenvolvimento econômico, mas do desenvolvimento social, incluindo aí a educação, a saúde e tantas outras. Quero parabenizá-lo pelo pronunciamento e dizer que essa é uma questão que reputo da maior importância, com a qual quero me engajar, inclusive já me engajo porque já participo de todas ações que queiram fazer do País realmente uma Federação. Não aceito política centrais e não aceito federalização de nenhuma questão que diga respeito ao povo brasileiro. Há que se discutir esse pacto federativo que tanto queremos, precisamos remodelá-lo e fazer com o nosso País possa se tornar realmente uma Federação. Meus parabéns pelo pronunciamento.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senadora Marisa Serrano.

Eu gostaria de aproveitar, já que estamos celebrando seus vinte anos, para lembrar que a Constituição de 1988 reconheceu muito os chamados direitos da cidadania. E reforçar a cidadania significa prestigiar as regiões, prestigiar a descentralização. O que estamos vendo é a falta de programas de desenvolvimento regional. O processo de crescimento não tem nenhuma consistência programática, doutrinária e está concorrendo para a ampliação das desigualdades sociais, disparidades econômicas, diversidades regionais.

Quando compulsamos esses dados levantados pelo IBGE, instituição idônea que tem quadros competentes, com uma grande massa de informação sobre o Brasil, ao longo dos tempos, chegamos à conclusão de que realmente nosso processo de crescimento continua centralizador, agravando, conseqüentemente, as desigualdades sociais.

A região que V. Exª, Senadora Marisa Serrano, representa no Senado Federal, o Centro-Oeste, é, em termos relativos, posso estar equivocado, a que mais cresce no País. É lógico que não vou comparar o desenvolvimento do Sudeste, em termos absolutos, com o do Centro-Oeste. Mas, em termos relativos, o Centro-Oeste cresce mais. Isso é muito positivo e importante, como V. Exª salientou, mas, insuficiente. Temos de pensar que o País nessa grande diversidade e, para isso, devemos ter políticas públicas específicas para cada região. Enquanto não fizermos, vamos continuar a observar um processo distorcido do crescimento do País, que se exibe de forma dramática - V. Exª lembrou - no campo social.

Não quis ler aqui os dados, sob o ponto de vista de saúde e educação, para verificar como são bem mais graves, bem mais preocupantes, porque verificamos, por exemplo, que o acesso à saúde é muito mais difícil em certas regiões, a oferta de educação é inferior à qualidade que se observa no Sudeste e assim por diante.

Acho que está na hora de pensarmos essa questão regional. Quando haviam os órgãos de desenvolvimento regionais essa era uma questão presente no debate, mas, com o seu desaparecimento, e depois com os vetos apostos pelo Executivo Federal aos projetos que recriavam a Sudam, a Sudene e a Sudeco, praticamente as políticas regionais deixaram de existir, mesmo porque não existe órgão incumbido da questão.

Cumprimento V. Exª pelas observações feitas e concedo com muito prazer o aparte ao Senador Adelmir Santana, que é de uma região, vamos colocar assim, do Centro-Oeste, porque Brasília hoje é um grande pólo - e isso é reconhecido no trabalho do IBGE. Depois do Rio de Janeiro, Brasília seria o terceiro pólo de influência, cujos efeitos reverberam sobre toda a região, um dado positivo e significativo.

O Sr. Adelmir Santana (DEM - DF) - Quero congratular-me com V. Exª, Senador Marco Maciel, pela análise que faz sobre as questões regionais do País, a centralização de algumas regiões. É exatamente a questão de Brasília se incluir em uma região que hoje se desenvolve que nos preocupa também no que diz respeito à questão social. O tecido social de algumas áreas, mesmo dentro do Distrito Federal, é muito vulnerável. É uma coisa que nos assusta a todos. Apesar de Brasília possuir a maior renda per capita do País, se nos afastarmos alguns quilômetros, mesmo dentro do Distrito Federal, aqui nas proximidades, vamos sentir a vulnerabilidade desse tecido social. É uma região que cresce, com a vinda de pessoas de várias regiões do País, notadamente do Nordeste e da Região Norte, e nos assusta essa vulnerabilidade em razão dessas questões sociais que V. Exª não destacou, mas que são preocupantes, como a questão educacional. Eles vêm em busca de escola, de assistência médica, vão-se fixando por aqui, mas com grande fragilidade. Inclusive, recentemente, um estudo publicado pelo jornal Correio Braziliense mostra algumas cidades-satélites do Distrito Federal cuja renda per capita é baixíssima, contradizendo-se com a renda per capita global, que é a mais alta do País. A Constituição de 1988 inibiu, inclusive, a criação de regiões metropolitanas que envolvessem mais de uma Unidade Federativa. Surgiu uma região chamada Ride, de iniciativa do atual Governador José Roberto Arruda, à época Senador, mas que, na verdade, ainda não disparou e não consegue ocupar espaço de desenvolvimento regional. Está em andamento na Casa uma PEC que procura dar permissão para que se criem regiões metropolitanas envolvendo mais de um Estado, porque a proximidade é muito grande com o Estado de Goiás e de Minas Gerais, e o crescimento populacional é assustador. Há Municípios nas proximidades, de Goiás, que, em dez, quinze anos, passaram de uma população de dez mil habitantes para mais de cem mil habitantes, e com poucos recursos públicos e instalação de equipamentos para atender à população. Isso significa, portanto, que também ali há um tecido social extremamente vulnerável para as questões voltadas para o atendimento da população. Quero me associar a V. Exª ao tratar dessa preocupação, que é de todos nós - a concentração do desenvolvimento regional -, porque temos de buscar mecanismos para a descentralização e a melhora da vida da população de modo geral.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Nobre Senador Adelmir Santana, V. Exª trouxe a debate questões importantes. Em rápidas palavras, vou comentá-las.

V. Exª chamou a atenção para o fato de que Brasília tem hoje a mais alta renda per capita do País, o que é, ao mesmo tempo, um paradoxo, porque as cidades do entorno convivem com índices sociais muito baixos. Mostra, assim, essas contradições em nosso País.

Há seis ou sete anos, li um trabalho sobre o assunto, que constava - não sei se essas informações ainda são válidas - que Brasília tinha mais automóvel do que todo o Uruguai, o que significava dizer que, além da renda per capita ser alta, e em decorrência disso, os moradores de Brasília tinham um número superior per capita de automóveis em relação à aquele País. Não sei se esses dados ainda são atuais.

Por outro lado, verificamos que o entorno de Brasília ainda convive com questões sociais muito graves e reclama - e V. Exª lembrou o projeto do Governador Arruda -providências para que sejam enfrentadas e resolvidas. Não vejo outro caminho a não ser, obviamente, pensar essas políticas de desenvolvimento regional.

Posso estar equivocado, mas o melhor caminho não é fazer o chamado plano nacional. Acho que o plano nacional deve brotar de planos regionais. O IBGE classifica cinco grandes regiões: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte Já se trabalha a possibilidade de uma sexta macrorregião, que seria o Noroeste, é uma fronteira que se desenvolve com muitas potencialidades. Os planos deveriam ser regionais e, depois, compatibilizados num grande plano nacional.

Somente assim poderemos fazer um processo de desenvolvimento integrado e homogêneo em nosso País.

Fala-se muito em federalismo compartilhado. Às vezes, penso que isso é um pleonasmo, porque federalismo significa descentralização, compartilhação, compartilhamento de ações etc. Não conhecemos nada nesse sentido. E até o parágrafo único do art. 23 da Constituição fala em leis complementares, nem coloca no singular, indicando mais de uma lei - setorialmente, sobre questões de educação, saúde etc., ou, regionalmente, a partir dessas grandes regiões que, segundo o IBGE, guardam uma certa consistência e, portanto, são carecedoras de medidas adequadas para que, de fato, este seja o País com o qual sonhamos - e que é um sonho possível.

Sr. Presidente, nobre Senador Mão Santa, o Senado é a Casa da Federação - e a Federação está presente no País desde os seus primórdios. E sempre tenho presente que, no Manifesto da Inconfidência, a primeira frase fala em uma Federação, antes mesmo de falar na República. E os federalistas foram grandes líderes no período da Monarquia. Rui Barbosa mesmo foi federalista antes de ser republicano. Ele queria uma monarquia federalista e viu que, na monarquia, isso não era possível.

            Nabuco, que era monarquista, era federalista também. Então, eu diria que esse foi o sonho de muitos, e muitas revoluções regionais ocorreram no Brasil em função disso. Não quero dar muitos exemplos, mas vimos isso, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e em Pernambuco. O meu Estado foi duramente apenado pela chamada Revolução Pernambucana de 1817, pela Confederação de 1824. Na Revolução de 1817, perdemos o território que hoje constitui o Estado de Alagoas, por uma decisão de Dom João VI, mas, em 1824, perdemos a chamada Comarca de São Francisco.

O Senador Cristovam Buarque, que vem chegando agora, sabe muito bem que a Comarca de São Francisco era um território que se estendia até os limites com Minas Gerais. Cidades como Paracatu, Pirapora integravam essa região, que, de alguma forma, foi retirada de Pernambuco.

Pernambuco, repito, foi duramente punido, não somente com o arcabuzamento de Frei Caneca, com o fuzilamento de outros tantos na revolução pernambucana e, em 1824, na Confederação do Equador. Perdemos, fomos punidos também com prisões, com perda de território. A Comarca de São Francisco é um exemplo disso. Perdemos - há uma certa discrepância de números - algo em torno de 150 mil a 160 mil km² de território. Pernambuco tem hoje 98 mil km².

Com o retorno do território de Fernando de Noronha a Pernambuco, ocorrido com a Constituição de 1988, ampliou-se um pouco o nosso território. Já antes tínhamos perdido o território de Alagoas, que corresponde em torno de 28 mil km², e a Comarca de São Francisco. Não quero relembrar o passado, se bem que isso está presente nas sucessivas constituições de Pernambuco. Sempre se lembra de que temos direito à devolução da Comarca de São Francisco. Mas não vamos olhar o passado.

Quero dizer, com relação ao presente, que precisamos pensar a questão regional. Um País como o nosso não pode ser governado centralizadamente. Se olharmos os grandes países em termos territoriais, como os Estados Unidos - aí eu poderia dar muitos exemplos -, são quase todos países federais.

Havia um grande estrategista americano, George Kennan, agora completando vinte anos do seu falecimento, - posso estar equivocado com relação à data -, que chamava os grandes países de países-baleia, que tinham políticas descentralizadas, distribuídas no espaço territorial, para que pudessem realmente prosperar de forma homogênea.

Aliás, faço uma referência aos Estados Unidos. A Constituição Americana de 1787 está ainda hoje em vigor. A constituinte durou onze anos, se assim posso dizer, de 1776 a 1787, e grande parte do debate foi dedicada à questão federativa.

E nós herdamos muitas instituições do constitucionalismo americano, não somente a idéia da República, mas também da Federação e do Senado como Casa da Federação. O presidencialismo é uma criação norte-americana. A Constituição Americana era tão inovadora que, se não me engano, Tocqueville disse que o Novo Continente estava ensinando ao Velho Continente. Ele quis expressar a Constituição Americana estava dando o exemplo, posteriormente seguido pela Europa. A Europa era basicamente governada por casas monárquicas e a Constituição Americana representava a fórmula republicana, a fórmula bicameral com o Senado representando os diferentes Estados.

A Constituição Americana foi emendada, mas ainda hoje reflete esse espírito. Podemos concluir que os Estados Unidos desenvolveram-se em conseqüência de políticas que foram bem formuladas e executadas.

O texto constitucional, em vigor há mais de duzentos anos, sofreu apenas 26 emendas, o que prova que haverem sido os americanos muito cuidadosos na alteração dos seus dispositivos e reflete também que foi adequadamente pensada e formulada.

Ouço, com satisfação, o nobre Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Marco Maciel, primeiro, obrigado pela aula que nos está dando, não só de algumas coisas da história, como também da concepção do Estado moderno. Só abrindo um parêntese, quero dizer que, se, em vez de a Comarca de São Francisco ser para o sul, ela fosse para o norte, o Adelmir seria pernambucano, porque Nova Iorque estaria dentro de Pernambuco. Estou falando da Nova Iorque onde ele nasceu, não, obviamente, da Nova York de lá. A Nova York de lá, nós, pernambucanos, apenas fundamos, com os judeus que saíram...

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Exatamente, com a expulsão dos holandeses, em função da Restauração Pernambucana, em 1654.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Mas, voltando ao tema, eu estou de acordo com que a gerência do processo público, como do privado, tenha de ser descentralizada. Porém, num país com a desigualdade do Brasil, o federalismo levado às últimas conseqüências condenaria cada Estado a ficar mais ou menos como está: alguns ricos e outros pobres. Mesmo nos Estados Unidos, onde o federalismo foi levado à última instância - cada Estado era quase independente -, até Roosevelt, o sul era um país atrasado. E eles diziam: “nós produzimos algodão, que vai para a Europa, volta o dinheiro para Nova York, onde se produzem os bens que vamos comprar lá”, o que Celso Furtado chamava de triangulação. Em Pernambuco, no Nordeste inteiro, nós exportávamos açúcar. O dólar vinha sob a forma de máquinas para São Paulo, que produzia os bens que nós comprávamos a um preço muito mais alto do que se a gente comprasse diretamente na matriz estrangeira.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - E Celso Furtado - desculpe interrompê-lo - falou muito dessa questão por ocasião do estudo Uma política de Desenvolvimento para o Nordeste, o documento precursor da criação da Sudene.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Exatamente. Ele fez isso. Aliás, o Senador Mão Santa disse que sempre recomenda livros, e eu quero recomendar um: O Último Navio Negreiro da América. Está à venda por aí e mostra como começou a guerra do sul com o norte pela libertação dos escravos. Lá, eles já falam nessa idéia da triangulação. O livro é novo, claro, mas é um livro de história que mostra isso. O que me preocupa? Se não houver uma centralização de metas e recursos, por exemplo, a educação não vai se igualar no Brasil, porque os Estados ricos têm recursos para erradicar o analfabetismo, colocar toda criança na escola. Nós, do Nordeste, precisamos de recursos da Nação brasileira, daí que o Fundef e o Fundeb são bons projetos, embora muito tímidos para o que a gente precisa. Quando eu falo em federalização da educação, insisto sempre: federalização com descentralização gerencial e com liberdade pedagógica. Eu sou contra federalizar o método pedagógico para todo o Brasil, sou contra federalizar o conteúdo, sou contra federalizar a gerência da escola. E, aí, sou até mais radical: eu acho que uma escola pode ser administrada pelos pais e mestres e ainda ser pública. Nem precisa do Governo. Agora, as metas têm de ser federais, nacionais. E os recursos terão que ser nacionais. A distribuição do desenvolvimento e da renda exige que a Federação Brasileira tenha um grau de centralismo no processo de captação e distribuição dos recursos. Não sei se estou sendo suficientemente claro. Se deixarmos cada Estado aos seus próprios recursos, alguns vão continuar pobres para sempre, outros vão continuar ricos para sempre. Por isso, a gente vai ter que combinar, num país desigual como o Brasil, a liberdade dos Estados, dentro de um espírito federativo, com a distribuição nacional dos recursos, dentro de um espírito que chamemos de solidariedade, se quisermos, entre os Estados. Mas a pura e simples solidariedade não vai prevalecer, até porque o poder é exercido mais com base nos Estados ricos. Se olharmos a quantidade de parlamentares, vamos ver: os Estados ricos têm mais parlamentares, porque são Estados com maior população. Proporcionalmente, até têm menos; mas, do ponto de vista absoluto, têm mais. Essa sua reflexão é muito importante. Eu acho que a Constituição falhou em levar adiante com clareza como combinar a liberdade que a federalização deve dar a cada Estado com a unidade que a Federação também poderá levar ao conjunto do País. Esse é um tema que está aberto. Eu próprio, como disse, falo em federalização com descentralização, que seria uma certa contradição, em termos. Então, a gente precisa debater mais, e seu discurso ajuda nessa reflexão. Mas deveríamos, inclusive, pensar onde tocar na Constituição para fazer com que a idéia da federalização não leve à condenação de os Estados pobres continuarem pobres.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Agradeço, nobre Senador Cristovam Buarque, o aparte de V. Exª e as considerações que trouxe à discussão.

Posso estar equivocado, mas talvez um caminho possível via Senado seja o de votarmos, produzirmos projetos de leis complementares, como está previsto no parágrafo único do art. 23 da Constituição, regulamentando essas questões das relações entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, já que a Constituição de 1988 reconheceu os Municípios também como entes federativos, o que ajuda a descentralização. Acho que se, através dessas leis complementares - o texto da Constituição põe no plural -, querendo dizer que se pode pensar em leis sobre temas específicos ou setoriais, como educação, saúde, etc., em função dessa diversidade regional que caracteriza o Brasil. Não pode ser mais adiado. Há cada vez mais uma centralização dos poderes na União em detrimento dos Estados, Distrito Federal e Municípios. A Federação - na minha opinião - está em crise, por conta desse fator central, que é essa concentração de atribuições. A Constituição aponta o caminho para que o País seja de fato uma verdadeira Federação.

A Constituição de 1891 representou essa conquista muito importante. As sucessivas constituições não têm permitido esse fortalecimento da Federação. É o que penso. Muito obrigado a V.Exªs.

Sr. Presidente, nobre Senador Mão Santa, agradeço o tempo que V.Exª me destinou e lamento, não poder ficar para ouvir a Senadora Marisa Serrano, a próxima oradora, em função, de compromisso que possuo, neste momento. Muito obrigado a V.Exª. (Muito bem!)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Queremos cumprimentá-lo e lembrar a V.Exª que, em nome de todos nós, apresente uma manifestação de louvor ao Prefeito de São Paulo e ao ex-Prefeito, porque hoje eles prestam uma homenagem àquela extraordinária mulher, Ruth Cardoso. É um Centro Cultural da Juventude. Acho que V.Exª deveria liderar um grupo de Senadores para nos associarmos a essa homenagem a essa extraordinária mulher, Dona Ruth Cardoso.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Sr. Presidente, concordo com a manifestação de V.Exª . Realmente, acho que Dª Ruth Cardoso deixou um exemplo como esposa, como mulher, como professora, sobretudo, como executora de grandes programas de solidariedade social e ajudou a transformar o País no campo da saúde, da educação e variados campos da atividade humana. Acredito que, essa homenagem que hoje se presta, em São Paulo, tem o reconhecimento de todo o País.

Muito obrigado a V.Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/2008 - Página 40722