Discurso durante a 205ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do quadringentésimo aniversário de nascimento do Padre Antônio Vieira.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SENADO.:
  • Comemoração do quadringentésimo aniversário de nascimento do Padre Antônio Vieira.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2008 - Página 43916
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SENADO.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, ANTONIO VIEIRA, SACERDOTE, IGREJA CATOLICA, ESCRITOR, ATUAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, VATICANO, AMBITO, RELIGIÃO, POLITICA, DIREITOS HUMANOS, DIPLOMACIA, COMBATE, INVASÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAISES BAIXOS, REPUDIO, CORRUPÇÃO, ESCRAVATURA.
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, CANDIDATO ELEITO, MUNICIPIO, BOA VISTA DO RAMOS (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srs. Presidentes, Senador Alvaro Dias, que conduzia a sessão até este momento, e, daqui para frente, Senador Marco Maciel, a quem rendo minhas homenagens por ser o primeiro subscritor desta bela iniciativa de homenagem ao Padre Antonio Vieira pelo seu quarto centenário de nascimento; Exmº Sr. Embaixador de Portugal, Francisco Seixas da Costa; Reverendíssimo Sr. Padre Aleixo; Sr. Adriano Jordão, Adido Cultural da Embaixada de Portugal em Brasília; Sr. Professor Henrique Brandão Cavalcanti; Srªs e Srs. Parlamentares; senhoras e senhores presentes a esta sessão solene e muito importante para as reflexões dos brasileiros, registro a presença ilustre de alguém que se interessou pelo tema, Prefeito eleito de Boa Vista do Ramos, pequeno Município do meu Estado, Elmir Lima Mota, Freedom. Ele entendeu que não deveria perder uma sessão de tamanha relevância para que pudéssemos mergulhar nas nossas raízes e delas emergirmos com mais força, para uma atuação feliz em favor do Brasil e dos interesses legítimos do povo brasileiro.

         Foi o Padre Antonio Vieira, cujo quarto centenário de nascimento estamos a comemorar, uma das figuras mais notáveis do mundo português e brasileiro, tendo tido, ao seu tempo, projeção muito além dessas fronteiras, pois atuou em Roma, foi pregador do Papa e também da Rainha Cristina, da Suécia.

Ressalto de sua vasta obra os extraordinários Sermões, que, no entanto, para alguns densos estudiosos, são até a faceta menor desse homem de ação, que foi missionário, pregador, político e diplomata.

Nascido em Vieira de Lisboa, em 6 de fevereiro de 1608, Antonio veio para a Bahia com os pais quando tinha apenas 6 anos. Sua formação se deu no Brasil, no Colégio dos Jesuítas. Com 15 anos de idade, iniciou o noviciado na Companhia de Jesus, pretendendo dedicar-se à doutrinação de um povoado indígena nas proximidades de Salvador. Seus superiores, porém, à vista de sua singular inteligência, orientaram-no para o prosseguimento dos estudos. Estavam certos. Com apenas 18 anos de idade, foi encarregado de redigir, em latim, a Carta Anua da Província do Brasil ao Geral da Companhia de Jesus, em Roma. Um ano depois, regeria a Cátedra de Retórica no Colégio de Olinda.

Em 1640, ainda na Bahia, proferiu o primeiro dos seus famosos Sermões, Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda. Falava aos céus, mas já fazia sua incursão pelo mundo da política e da diplomacia. Foi “o mais veemente e extraordinário sermão jamais ouvido num púlpito cristão” comentou, à época, um sacerdote. Tal foi a admiração por ele causada que, no ano seguinte, indo para Portugal, foi recebido pelo Rei D. João IV, que se quedou impressionado com tanta inteligência e tão notáveis conhecimentos. Toma-o para seu conselheiro, passando a ouvi-lo sobre, praticamente, todas as questões. Vieira passa a ter encontros diários com o Monarca e a assistir a reuniões secretas para tratar dos mais graves assuntos de Estado. Torna-se, em suma, um dos homens mais influentes de Lisboa.

Mal chegado à capital portuguesa, Vieira emprestou conselhos ousados ao Rei, demonstrando não se intimidar com o Poder nem com assuntos espinhosos. Vendo que a perseguição movido aos judeus empobrecia Portugal, propôs não somente a abolição do confisco de bens, quando fossem eles denunciados à Inquisição, como igualmente advogou a favor da liberdade de consciência para os judeus e da admissão de sinagogas públicas. Sugeriu também a criação, principalmente com investimentos dos chamados “cristão novos”, de duas companhias de comércio, uma para o Oriente, outra para o Ocidente, com o objetivo de fortalecer as colônias portuguesas. E engendrou, ainda, uma proposta avançada para o seu tempo: a extinção da diferenciação entre cristãos e cristãos novos.

Avançou, por igual, no temerário terreno da crítica ao próprio Tribunal do Santo Ofício. Apontou diversos inconvenientes da perseguição aos judeus, como a diminuição da população, a pobreza da família dos réus, a pauperização crescente do Reino, esta decorrente da fuga das famílias mais ricas e mais afeitas ao comércio. Atribuiu à Inquisição a causa principal da perda sofrida pela Igreja das almas dos filhos de judeus, que deixavam de ser batizados, e mesmo daquelas de adultos conversos, que, diante do procedimento violento e injusto do Tribunal, voltavam de vez à crença antiga. Lamentou o castigo de réus inocentes, acusados e condenados com base em falsos testemunhos e propósitos mesquinhos. Eis aí atitude corajosa, bem ao seu feitio, mas que lhe custou, mais tarde, como seria de se esperar, um ajuste de contas com a Inquisição.

Menos de um ano depois de sua chegada, Vieira pregou pela primeira vez em Lisboa, impressionando a todos, seja pelo ineditismo dos temas, seja pela clareza e exposição das idéias, seja ainda pelo brilhantismo de sua linguagem. Não fugia das decisões e dos temas controversos. Não era, de jeito algum, um omisso. Declarou ele ser - para o gênio de Vieira - “a omissão um pecado que se faz não fazendo”, ou seja, a omissão seria um pecado que se faz não o praticando. Qualificava os beatos e as beatas de “peste da salvação e das consciências”. Considerava “maior bem e maior serviço de Deus, e maior glória sua, estar ensinando um negrinho da terra, que estar arrebatado no céu”. Para escândalo dos contemporâneos, em certa ocasião, proclamou: “Melhor fora não haver na Igreja Misericórdia, que não haver hospital, porque a imagem de Cristo que está na igreja é imagem morta, que não padece; as imagens de Cristo, que são os pobres, são imagens vivas, que padecem. Se não houver outro modo, converta-se a Igreja em hospital que Cristo será muito contente.”

Teve papel ativo, na época não bem compreendido, por ocasião da ocupação holandesa em Pernambuco. Preocupou-se em salvar a cabeça da monarquia portuguesa, reconhecendo que Portugal não teria como, enfrentando Castela e Holanda, ajudar os brasileiros a expulsar os holandeses, que detinham, então, a maior potência marítima. Achava ele que melhor seria “reservar o que agora queríamos fazer aos holandeses, para tempo mais oportuno, em que não só lhes tornaremos a tomar o que agora lhes restituímos, mas tudo o que injustamente possuem nas nossas conquistas”. E acrescentou: “Desta maneira damos Pernambuco aos holandeses, e não dado, senão vendido pelas conveniências da paz, e não vendido para sempre, senão a retroaberto, para o tornarmos a tomar com a mesma facilidade, quando nos virmos em melhor fortuna, que agora é querer perder isto e o demais”.

Era o político falando, com capacidade de atuar racionalmente, com realismo, sabendo o momento de ceder e o momento de avançar. Bela lição política! O tempo a demonstrou correta. O que foi tomado de Portugal, no Brasil, foi depois retomado quando os próprios brasileiros, sentindo-se fortes o suficiente, expulsaram os holandeses do solo pátrio.

Há outro fato que merece ser destacado na vida de Padre Antônio Vieira, por revelar a acuidade de sua visão política e administrativa. Enxergou na desenfreada busca do ouro, no Brasil, uma desgraça cristã e econômica. Era, para ele, o ouro agindo sobre a economia no sentido contrário ao de fortalecer as suas bases agrárias e duradouras, construídas sobre a regularidade do trabalho. Essa corrida em busca da fortuna rápida tendia, a seu ver, a privilegiar o negócio fortuito, a ambição desmedida e a exploração brutal do escravo, levado à morte pela exaustão.

Depois de haver desempenhado importantes missões diplomáticas na França, Sr. Presidente, em Roma e na Holanda, Vieira foi, em 1653, enviado como missionário ao Maranhão, ao Pará, ao Amazonas e ao Ceará. Voltou a dedicar-se, então, à sua antiga causa: a defesa dos índios. Não obstante ter pacificado tribos indígenas na Ilha de Marajó e ter assegurado aos portugueses a posse do Norte do Brasil, Vieira, em 1661, acabou expulso pelos colonos, que não aceitavam a resistência por ele oposta à escravização e ao extermínio de índios.

De volta a Portugal, dois anos depois, em 1663, e morto o Rei, seu protetor, teve de responder a processo, que durou quatro anos, instaurado pelo Santo Ofício. Foi preso e passou dois anos e três meses confinado, incomunicável, num pequeno cubículo.

Seus ousados e por vezes atrevidos sermões foram meticulosamente esmiuçados, mas não conseguiram apanhá-lo por aí. Afinal, como ninguém, sabia ele usar o texto bíblico com perfeição em suas parábolas. No primeiro de seus sermões, aquele proferido na Bahia, apesar do ímpeto das suas apóstrofes a Deus, severamente advertido do mal que ameaçava a cidade que tem seu nome, tudo estava rigorosamente de acordo com a Bíblia. Os inquisidores não tinham como censurá-lo. Condenado pela defesa que fazia dos judeus, tiraram-lhe o direito de pregar, sentença depois comutada graças à influência da Corte e finalmente anulada, oito anos depois, pelo Papa Clemente X, que retirou Vieira, de vez, da jurisdição dos inquisidores portugueses. Antes, o formidável orador, que se encontrava em Roma desde 1669, já havia assumido o cargo de pregador do Papa e da Rainha Cristina, da Suécia. Ali, também exerceu sua influência em favor dos judeus e da liberdade religiosa, levando o Papa a expedir Breves favoráveis aos judeus de Portugal, os quais, no entanto, deixaram de ser cumpridos.

Revelava forte preocupação com a moralidade na administração pública. Imortal e atual o gênio de Vieira! Quatrocentos anos são passados, contudo, infelizmente continuamos vendo, principalmente e muito tristemente, no Brasil, a rapinagem do dinheiro público, a confusão entre o público e o privado.

Nos conselhos ao rei e em vários de seus sermões, profligou a corrupção com sua habitual energia, como no “Sermão do Bom Ladrão”, proferido em Lisboa.

Na falta de Parlamento e de imprensa, o púlpito sagrado - como nota Eugênio Gomes na apresentação dos Sermões de Vieira, na coleção Nossos Clássicos - “era o único órgão de grande ressonância por onde fazer vibrar ou intimidar as multidões”. E acrescenta: “A verdade é que os melhores sermões de Vieira são justamente aqueles em que o pregador se colocava em posição de combate ou ataque, sobretudo em defesa da liberdade do homem, no infatigável desempenho de uma legítima e abnegada missão cristã. Assim procedeu ao tratar do problema social do negro, desde o começo de suas pregações em público. Embora viesse a transigir com a instituição do trabalho escravo, até porque prevaleceu, na época, o princípio universalmente estabelecido do cativeiro justo, foi seguramente a primeira grande voz a erguer-se, no Brasil, condenando de maneira inapelável, através de memoráveis sermões, o aviltamento da condição humana.”

Ivan Lins, no livro da Coleção Para Conhecer Melhor, assim conclui o prefácio: “Ninguém mais clara e devotadamente do que ele defendeu, em seu século, a dignidade da pessoa humana e se ergueu contra a perseguição religiosa, contra o anti-semitismo, contra a Inquisição, contra os abusos da fidalguia e contra a escravização de africanos e ameríndios. E fê-lo não somente no domínio do pensamento, através da pena e da palavra, mas ainda no da ação, rivalizando, pela dedicação e pelo destemor, com as veneráveis figuras de São Francisco Xavier, Nóbrega e Anchieta.“

Depois de 40 anos de ausência, Vieira tornou à Bahia, em 1681, dedicando-se a preparar a impressão dos doze tomos dos seus Sermões, que se tornariam clássicos do idioma, tendo seu autor merecido de Fernando Pessoa a qualificação de Imperador da Língua Portuguesa. Faleceu, na Bahia, em 1697, aos 89 anos, deixando para sempre, na História do Brasil e de Portugal, um exemplo de dedicação às pessoas, de amor à Justiça, de luta contra as iniqüidades e de defesa da liberdade e da dignidade humana.

Parabenizo, Sr. Presidente, senhoras e senhores presentes, com ênfase, o ilustre e querido Senador e Presidente Marco Maciel. Sua sensibilidade homenageia Vieira. Sua competência política eleva o debate desta Casa. Sua cultura sólida não nos deixa esquecer o grande homem do passado que, de tão atual, deveria estar vivo, pregando entre nós.

Muito obrigado.

Era o que tinha a dizer. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2008 - Página 43916