Discurso durante a 205ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do quadringentésimo aniversário de nascimento do Padre Antônio Vieira.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do quadringentésimo aniversário de nascimento do Padre Antônio Vieira.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2008 - Página 43922
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, ANTONIO VIEIRA, SACERDOTE, IGREJA CATOLICA, ESCRITOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA, AMBITO, RELIGIÃO, POLITICA, CONCLAMAÇÃO, POLITICO, ATENÇÃO, ATUALIDADE, OBRA INTELECTUAL, DEFESA, ETICA, DIREITOS HUMANOS.
  • COMPARAÇÃO, PROCESSO LEGISLATIVO, PRAZO, CULTIVO, SEMENTE, COLHEITA, SAFRA, FALTA, PREPARO, TERRAS, COMENTARIO, DEMORA, TRAMITAÇÃO, MATERIA, BENEFICIO, MEIO AMBIENTE.

  SENADO FEDERAL SF -

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A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Exmo Sr. Presidente, Senador Marco Maciel, primeiro subscritor do requerimento que deu base a esta sessão solene, quero cumprimentar o Exmo Sr. Embaixador de Portugal, Francisco Seixas da Costa; o Revmo Sr. Padre Aleixo; o Adido Cultural Adriano Jordão; o Padre Ernane, que nos honra com a sua presença; o Sr. Professor Henrique Brandão Cavalcanti, com quem estive nesta semana.

Quero também dizer, Senador Marco Maciel, que a iniciativa de V. Exª foi muito bem acolhida por esta Casa pela memória, que nos faz aqui celebrar, do Padre Antônio Vieira. Além de ser considerado o maior orador da língua portuguesa, ele fincou no Brasil as sólidas raízes do Humanismo.

E, quando se combina a palavra com a ação ou quando somos capazes de fazer com que o verbo seja sempre aquele que antecede a ação, que põe a ação em movimento, mais do que textos bonitos e bem-estruturados, temos exemplos bem-vividos e que, portanto, devem ser, mais do que lembrados, seguidos.

É isto que estamos fazendo aqui: pegando a história de um grande homem e transformando num momento de celebração, para que possamos rememorar o que ele fez por este País, por Portugal e pelo que continua fazendo.

Um dia desses, eu ouvia alguns sermões do Padre Antônio Vieira, incluídos em um CD num trabalho feito creio que pela rádio do Senado. Já ouvi pelo menos três vezes essa seleção de sermões.

V. Exª mencionou o Sermão aos Peixes, que é, talvez, o mais atual de todos. Não tenho dúvidas de que, se colocássemos o Sermão aos Peixes para ser ouvido nesta sessão, todos baixaríamos a cabeça e faríamos uma grande reflexão, porque a metáfora que ele fez com o Sermão de Santo Antônio para os fazendeiros do Maranhão continua sendo válida para os Senadores, os Deputados, os governantes, os fazendeiros, os empresários, os jovens, os homens e as mulheres de hoje.

É incrível como ele sofreu as pressões do seu tempo. E as pressões do seu tempo continuam hoje, só que o sermão do Padre Antônio Vieira continua ecoando de uma outra forma, e espero que continue nos nossos corações.

Fiquei muito tocada ao ler este livro História do Futuro, do Padre Antonio Vieira, organizado pelo Professor José Carlos Brandi, publicado pela Editora da UnB, que é uma peça que devemos ter em casa também, para ler, para consultar, para nosso deleite, porque, além de ser muito bonito, o que ele escreve é muito edificante.

Lembro-me de que, no Sermão aos Peixes, ele dizia que o erro daquelas pessoas, que ele chamava de peixes, era muito grande, porque se tratava de grandes engolindo os pequenos. Ele dizia que, se fosse pelo menos os pequenos comendo os grandes, vá lá, porque seria um grande para milhares de pequenos; mas os grandes alimentarem-se dos pequenos, haja pequenos para encher a barriga dos grandes!

E eu fico imaginando, naquela igreja, aqueles fazendeiros ouvindo aqueles sermões e pensando nas pessoas a quem talvez eles não dessem a justa paga, pensando nos índios que, com certeza, eram aviltados e diminuídos. Devem ter se encolhido na cadeira e pensado que o Padre Vieira não estava falando do sermão de Santo Antônio aos peixes, que, cansado de pregar aos homens, Santo Antônio foi pregar à beira do mar. Dizem que os peixes levantaram meio corpo para ouvir o sermão. Pensaram: ele está pregando para cada um de nós de corpo inteiro e dizendo quais as nossas falhas.

E o importante é que o mesmo sermão que ele fazia na igreja da fazenda, ele o fazia com mais eloqüência e talvez até com mais veemência na corte, porque assim fazem os profetas. Os profetas podem ficar na periferia das cidades, podem ser mandados para os calabouços e podem ficar dentro dos palácios. Ele viveu as três coisas: foi para o calabouço, quando foi exilado, silenciado, pregou dentro dos palácios e pregou no entorno, sobretudo a mensagem de que os nossos índios deveriam ser respeitados, deveriam ser tratados. Eram cinco milhões, quando nós chegamos aqui; hoje, são apenas quinhentos mil. Foi eliminado um milhão a cada século. E, com certeza, a voz, a marca, a inscrição na carne, no corpo e na alma de Padre Antônio Vieira estão presentes nesses quinhentos mil que ainda restam, porque ele foi um homem que colocou o seu conhecimento e a sua sabedoria a serviço das causas da justiça.

Aí, às vezes, a gente lê um texto. Mais do que um religioso, um padre, ele foi também um político, foi um atuante das causas da justiça. Ele não foi mais do que um padre e outras coisas; ele era um padre político, era um padre que lutava pela justiça; um homem que ousou fazer do Evangelho não apenas um espaço de discussão, de oratória, mas de vivência, e colocou essa vivência a serviço das causas daqueles que eram os menos favorecidos.

Mais uma vez, repito, sinto-me muito edificada. Eu tenho uma raiz na igreja católica, vim das comunidades de base; tenho um grande amigo, o Bispo D. Moacir Grechi, e vários amigos padres, da CNBB inclusive; e hoje sou cristã evangélica, mas tenho muito amor e respeito pelos meus irmãos católicos. E nós, os cristãos brasileiros, temos uma grande dívida com os homens que trouxeram essa fé, esses valores até aqui.

No Brasil e em Portugal, podemos citar Vieira; para o mundo inteiro podemos citar Santo Agostinho, podemos citar Duns Scotus, podemos citar vários teólogos e pensadores, homens que deram fundamento à palavra de Deus, atualizando-a, resignificando-a de acordo com o nosso tempo, sem estabelecer nenhum acréscimo, como está dito na própria Palavra: “Ai daquele que estabelecer qualquer acréscimo à palavra de Deus”.

Para nós, os políticos, que muitas vezes tomamos emprestado as palavras dos outros para adaptá-las às circunstâncias, Padre Antonio Vieira certa vez fez um sermão maravilhoso, dizendo que não se deveria pregar usando o alheio, que se deveria pregar usando os conhecimentos, o entendimento da sua própria aljava. Ele fala que Davi não aceitou a armadura de Saul porque não lhe ficaria bem aquela roupa enorme, aquela espada desajeitada. Ele preferiu ir com a sua própria ferramenta, e foi com uma pedra e com uma funda. E foi assim que ele matou o gigante Golias.

Talvez isso nos diga alguma coisa. Muitas vezes queremos imitar a cultura, muitas vezes queremos imitar os modismos de outros povos, de outras nações. Sem nenhum preconceito contra a legítima interação cultural e a possibilidade da troca, mas o que Vieira nos diz é que temos as nossas ferramentas, a nossa linguagem própria, falamos de um lugar específico. E é em nome desse lugar específico que não devemos lançar mão do alheio. Devemos ir para o embate usando as nossas próprias ferramentas.

E ainda nos ensinando até hoje, ele fala, no Sermão, na figura do semeador, dizendo que a semente é jogada em todos os lugares, de todas as formas, e que deve ser jogada assim mesmo a boa palavra e que a boa palavra sempre vai germinar. O problema é que muitas vezes a terra é seca, é pedregosa, está entre espinhos e, em poucos momentos, a semente cai na terra fértil. Mas não é isso que deve nos desestimular a semear. Ele diz que temos que semear em todo tempo e lugar. Não importa, mesmo que a semente depois seja sufocada pelos espinhos, mesmo que não encontre a terra necessária para fincar a raiz, temos que semear.

Talvez aqui seja um lugar para a boa semeadura. Existem bons projetos que são lançados no chão desta Casa e que não conseguem meio centímetro para crescer em cima de suas raízes. Existem projetos que são lançados e que levam 15 anos tentando fundar as raízes, como é o caso da Lei da Mata Atlântica, que levou 15 anos. Se o Padre Antônio Vieira estivesse aqui, ele faria um Sermão aos Peixes, dizendo que, talvez, tenhamos que ter um pouco mais de sentido de urgência em relação a algumas coisas.

A Lei de Resíduos Sólidos está há 24 anos, Senador, tramitando entre estas duas Casas. No entanto, mais de 700 mil pessoas são afetadas só com o mosquito da dengue. E qual é o maior vetor? O maior vetor são os pneus, que não têm uma destinação correta, sem falar em outros mecanismos. E a Lei está há 24 anos tramitando. O que Padre Antônio Vieira diria aqui, no seu Sermão aos Peixes?

Então, coloco-me aqui não no lugar de peixe, porque, às vezes, os peixes são muito grandes, mas coloco-me aqui no lugar de uma pequena piaba, mas que pegou muito bem o Sermão. Acho que nenhum de nós ficaria de cabeça erguida. Nós nos encolheríamos devagarinho, igual àqueles fazendeiros, igualmente a eles. Mas eu esperaria que fizéssemos diferente do que fizeram eles, que, com certeza, foram fuxicar, criar confusão para expulsar o Padre; que o Sermão servisse para que fizéssemos uma confusão interna em nós mesmos, para expulsar de dentro de nós aquilo que o Padre Antônio Vieira mais combatia: a injustiça, a omissão, o descaso com as coisas que são verdadeiramente válidas.

É muito bom, e agradeço a Deus pela escrita, pelas partituras e pela arqueologia, porque é por meio delas que podemos ter no presente o que foi produzido no passado e que podemos lançar para o futuro as sementes que, muitas vezes, são perdidas numa terra árida, pedregosa, cheia de espinho, mas que podem ficar adormecendo e germinar no futuro.

Tenho certeza de que a temática ambiental muitas vezes não encontra o solo fértil para germinar as suas sementes e lançar as suas raízes, mas não tenho dúvidas de que o Padre Antônio Vieira estaria hoje alinhado com essa causa, porque não é verdade dizer que amamos o Criador sem respeitar a sua criação.

Que o Sermão aos Peixes continue nos falando para usar as nossas próprias armas para ir ao embate, como fez Davi com o gigante Golias, não tomando emprestado a armadura de Saul; continue nos ensinando a jogar a semente em todo tempo e lugar; continue nos ensinando, porque esse homem, mais do que falar bonito, fazia bonito as coisas que dizia. Ele vivia aquilo que pregava.

Muito obrigada, Sr. Presidente. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2008 - Página 43922