Discurso durante a 205ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do quadringentésimo aniversário de nascimento do Padre Antônio Vieira.

Autor
Flexa Ribeiro (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando de Souza Flexa Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do quadringentésimo aniversário de nascimento do Padre Antônio Vieira.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2008 - Página 43926
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, ANTONIO VIEIRA, SACERDOTE, IGREJA CATOLICA, ANALISE, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, IMPERIO, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, COLONIZAÇÃO, BRASIL, COMBATE, CORRUPÇÃO, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, INDIO, NEGRO, POPULAÇÃO, ORIGEM, JUDAISMO, VITIMA, PERSEGUIÇÃO, TRIBUNAIS, IGREJA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, OBRA INTELECTUAL.

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O SR. FLEXA RIBEIRO (PSDB - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, um homem é ele mesmo e sua circunstância, disse um filósofo. A grandeza de um homem pode, segundo essa acepção, ser medida pelos desafios que enfrentou, em seu tempo de vida, e pelas repostas que lhes deu. O padre Antônio Vieira, cujo quarto centenário de nascimento estamos a celebrar, nasceu em 1608 e faleceu em 1697, tendo vivido, portanto, praticamente toda a extensão do século XVII. As perguntas que podemos fazer - e tentar responder sucintamente nesta homenagem - são: “que tempo foi esse?” e “que fez o Padre Antônio Vieira, que o tornou personagem imortal de nossa História?”.

Trata-se, o século XVII, de um tempo turbulento na História do Ocidente. Era o tempo do metalismo-mercantilismo, quando a empresa colonial fornecia as bases para o enriquecimento das burras das monarquias européias. Estas competiam pelo controle das terras descobertas nos séculos precedentes e pelo saque de seus produtos. A escravização das populações indígenas era tida como necessária e até como missão civilizatória; a dos negros também começava sua expansão, e o seu comércio e transporte viria a se tornar negócio muito rentável.

Portugal, após a crise dinástica do final dos 1500, havia sido incorporado à Coroa espanhola, fato que tinha repercussão também aqui na colônia brasileira. Foi o momento em que os holandeses vislumbraram a oportunidade de tomar para si parte dos domínios lusos, e ocuparam, sucessivamente, a Bahia e Pernambuco, permanecendo neste último por 24 anos.

As descobertas de terras, o encontro de comunidades humanas vivendo de formas completamente diversas e as novas relações comerciais foram percebidos, pela Igreja Católica, simultaneamente como ocasião de incremento do ecúmeno dos crentes e como ameaça a seu poder sobre as consciências. Sua reação foi criar um tribunal feroz - a Inquisição - para preservar sua autoridade espiritual e temporal sobre as coroas e os povos.

É nesse contexto histórico e político que Vieira vem, menino ainda, residir na Bahia acompanhando seu pai, que recebera um cargo público na administração colonial. Cresceu observando os costumes da terra, principalmente os vícios de uma gente voltada para o enriquecimento rápido pela exploração predatória dos recursos naturais e do trabalho escravo de índios e negros.

Educado pelos jesuítas, logo revelou talento no domínio do latim e da retórica, além do conhecimento das Escrituras. Essas foram as bases para sua crítica da escravidão e sua defesa do conceito da humanidade dos índios e dos negros, pontos que o levariam a entrar em conflito com os interesses dos colonizadores e da Igreja. Também viria a defender a igualdade entre cristãos velhos e novos, bem como o retorno a Portugal dos judeus anteriormente expulsos.

Vieira havia entendido que o caráter de iniciativa e a capacidade econômica do povo hebreu fariam diferença no ambiente comercial competitivo que se formava no mundo. A tomada dessas posições custaria ao padre o seu indiciamento em processo no Santo Ofício. Obrigado, em 1653, a retornar ao Brasil, fixou-se no Maranhão, como superior dos missionários jesuítas. Nesse tempo, seu zelo missionário o levou até o Pará, para avaliar a potencialidade de nossa Província para o seu ministério jesuítico. Para tanto, precisou navegar nas canoas precárias da região, demonstrando a mesma coragem com que havia afrontado os interesses dos poderosos e da Inquisição.

Estava ele em Belém, em 1661, impossibilitado de regressar a São Luís por conta de uma revolta dos colonos contra os jesuítas pela questão da escravidão dos índios, quando uma sedição semelhante eclode na capital paraense. Vieira foi confinado e precisou escapar clandestino em caravela com destino a Lisboa, onde a Inquisição o aprisionou. Libertado por influência do provincial jesuíta, foi enviado a Roma, onde aprendeu italiano e causou forte impressão por suas pregações feitas na língua local.

Mais tarde, já idoso e de volta à Bahia, começou a trabalhar na revisão de seus sermões e de outros escritos para entregá-los à publicação. Buscava também concluir o que seria sua obra magistral, o De regno Christi in terris consummato, ou Clavis prophetarum, de reflexões proféticas, à qual já se dedicava havia décadas. Esses manuscritos, porém, desapareceram após sua morte. Ficaram-nos os Sermões, textos que ainda hoje podemos ler com prazer estético e proveito filosófico e moral.

Os estudiosos que se debruçam sobre o trabalho de Vieira apontam a modernidade de suas idéias. No seu Primeiro Sermão da Terceira Dominga do Advento, por exemplo, demonstra claramente essa postura filosófica, realçando o valor da experiência contra o vazio da especulação filosófica aristotélica dedutiva. E a acusação assentada contra Vieira pelo Santo Ofício não poderia ser mais claro indicativo da modernidade de seu pensamento e atitude arejada contra o obscurantismo: acusavam-no, vejam bem, de “fazer uso de livros proibidos trazidos do estrangeiro”.

O padre Serafim Leite, após estudar, no início do século passado, a obra de Antônio Vieira e sua atuação na política de Portugal e do Brasil, concluiu que Vieira exercera, no Norte do Brasil, no século XVII, um papel semelhante àquele dos primeiros jesuítas - Anchieta e Nóbrega, principalmente - no Centro-Sul, no início da colonização, quanto à defesa dos índios e à crítica de costumes.

A vida atribulada de Vieira é a trajetória de um homem ativo e participante do tempo de transformações em que viveu. Tendo, dentro de suas limitações, combatido o bom combate, seu pensamento e seu exemplo estão vivos, 400 anos após seu nascimento. É das figuras de nossa História que mereceriam ser melhor conhecidas das gerações atuais, sobretudo neste momento em que se encontram em debate políticas em prol dos direitos de minorias e camadas da população excluídas dos direitos da cidadania.

Vieira ainda tem muito a nos ensinar!

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2008 - Página 43926