Discurso durante a 205ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aviltamento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ante ao posicionamento da Advocacia Geral da União (AGU) de defender pessoas como o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que responde por abusos durante a ditadura militar. (como Líder)

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Aviltamento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ante ao posicionamento da Advocacia Geral da União (AGU) de defender pessoas como o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que responde por abusos durante a ditadura militar. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2008 - Página 44161
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REPUDIO, DESRESPEITO, BRASIL, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, REGISTRO, COMISSÃO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), CONVOCAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, ESCLARECIMENTOS, LEI DE ANISTIA, EXTENSÃO, CRIME, TORTURA, QUESTIONAMENTO, INTERPRETAÇÃO, ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU).
  • PROTESTO, ATUAÇÃO, ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU), DEFESA, CORONEL, EXERCITO, AUTOR, TORTURA, DITADURA, REGIME MILITAR, DESRESPEITO, TRATADO, CONVENÇÃO INTERNACIONAL.
  • ANUNCIO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, CONVITE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), SECRETARIA ESPECIAL, SETOR, ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU), PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEBATE, PUNIÇÃO, CRIME, TORTURA, EXPECTATIVA, ORADOR, JUSTIÇA, APOIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, DELEGAÇÃO, PREFEITO, VEREADOR, CANDIDATO ELEITO, MUNICIPIO, FLORESTA DO ARAGUAIA (PA), ESTADO DO PARA (PA), BUSCA, AUXILIO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, REIVINDICAÇÃO, AGENCIA, BANCO DO BRASIL, TELEFONIA, SERVIÇO MOVEL CELULAR, ELOGIO, PRODUÇÃO, ABACAXI.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim; Srªs e Srs. Senadores, no próximo mês de dezembro, estaremos comemorando os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O que me traz à tribuna, no dia de hoje, não é a comemoração do aniversário da Declaração dos Direitos Humanos e, sim, seu aviltamento.

O Brasil está sendo convocado pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) a se pronunciar se a “Lei de Anistia”,aprovada em 1979, ainda sob os auspícios da ditadura militar, é extensiva aos que cometeram o crime de tortura. A audiência, provocada pela ONG intitulada Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil), questiona o entendimento dado pela AGU (Advocacia-Geral da União) sobre o perdão a torturadores.

Todos, repito, todos os tratados internacionais definem a tortura como um crime contra a Humanidade, portanto, imprescritível e não passível de anistia. O parecer da Advocacia-Geral da União nos envergonha a todos. Fere não apenas a jurisprudência internacional sobre a questão, mas, fundamentalmente, o nosso espírito de justiça social, e mais aviltante é a posição da AGU de defender pessoas como o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que responde a processo na 23ª Vara Cível de São Paulo por abusos cometidos quando comandou o DOI-Codi paulista entre os anos mais duros do regime militar (de setembro de 1970 a janeiro de 1974).

As denúncias contra esse cidadão, conhecido à época como “Major Tibiriçá”, são inúmeras. Acusado de torturar pessoalmente os presos políticos com requintes de crueldade, o coronel é responsabilizado pela tortura de mais de 502 pessoas e pela morte de, no mínimo, 64.

As acusações contra o coronel não param por aí. Em 1985, em pleno Governo Sarney, Ustra, que ocupava o cargo de adido militar no Uruguai, foi reconhecido pela então Deputada Bete Mendes como a pessoa que a torturou. Lamento, Sr. Presidente, que o ex-Presidente da República e hoje Senador José Sarney, ao lado do ex-Senador Jarbas Passarinho, figurem como testemunhas de defesa de Ustra.

         A TV Senado está em fase de conclusão de um excelente documentário sobre as circunstâncias da morte do ex-Presidente João Goulart. Nele, João Vicente Goulart, filho do ex-Presidente, entrevista o uruguaio Mário Neira Barreiro, suposto assassino de seu pai e integrante do “grupo Gama” do serviço de inteligência do Uruguai. Entre outras coisas, o Sr. Barreiro afirma ter tomado parte em um complô que teria resultado no assassinato, por envenenamento, do ex-Presidente João Goulart em 1976, na Argentina. Esse cidadão descreve detalhes da denominada Operação Escorpião, que, por sua vez, seria subordinada a uma outra, denominada Operação Condor. Em verdade, a Operação Condor foi uma aliança político-militar, montada no início dos anos 70 por vários regimes militares da América do Sul, entre eles, Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, com o objetivo de coordenar a repressão aos que se opunham às ditaduras instaladas nos países do Cone Sul. Cabe frisar que esse período coincide com o período em que Ustra esteve à frente do DOI-Codi em São Paulo, o principal do País.

O jornalista brasileiro Nilson Mariano faz uma estimativa do número de mortos e desaparecidos naquela década: 297 no Uruguai, 366 no Brasil, 2.000 no Paraguai, 3.196 no Chile e 30.000 na Argentina.

Como integrante da Comissão de Direitos Humanos desta Casa Legislativa, não posso deixar de manifestar meu profundo pesar pela postura da AGU.

A Lei de Tortura, de 1997, em seu art. 1º, §6º, afirma que o crime de tortura “é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia”. A Constituição Brasileira estabelece no art. 5º, inciso XLIII, que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura”. Além disso, o Brasil firmou e ratificou, em 1989, a Convenção Contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Essa convenção define tortura como crime e afirma que “em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais, como instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, como justificação para a tortura”.

Comparar os atos praticados por grupos militantes na luta contra a ditadura com a ação estatal perpetrada por uma instituição militar durante um regime de exceção é uma tese que não encontra fundamento na realidade. Não há amparo legal nem moral para essa atrocidade cometida pela AGU.

Conversando, há pouco, com o Senador Paulo Paim, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, obtive a informação de que, amanhã, ele apresentará um requerimento, no âmbito daquela Comissão, convidando para participar de audiência pública o Ministro da Justiça, Tarso Genro, o Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, o Advogado-Geral da União, José Antônio Dias Toffoli, e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, além de outras entidades e instituições que têm profundo interesse em que essa questão seja passada a limpo.

Não é possível o Brasil continuar se proclamando uma democracia. Sem dúvida, obtivemos avanços consideráveis desde o enfrentamento e o fim da ditadura militar, porém, não podemos aceitar que torturadores de qualquer espécie sejam, de alguma forma, inocentados dos seus crimes ou que, pior, a União Federal mova uma palha sequer para que esses crimes sejam defendidos por envolverem agentes do Estado. Justamente por isso, esses agentes deveriam ser rigorosamente punidos.

Espero que dessa luta resulte a condenação exemplar de todos os criminosos que praticaram crimes de tortura e que eles sejam punidos pela Justiça do nosso País.

Louvo a ação do Ministério Público de São Paulo, que patrocina o processo contra o Coronel Ustra. Esperamos vê-lo no banco dos réus, assim como todos que praticaram crimes contra pessoas, contra lideranças que apenas defendiam o direito de expor suas idéias e que, por isso, pagaram com a prisão, com a tortura, com o exílio e até com a morte.

Portanto, é preciso começar a passar o Brasil a limpo em relação aos crimes de tortura ocorridos durante a ditadura militar. Ainda mais, lutamos, incansavelmente, para que todos os arquivos da ditadura sejam dados ao conhecimento da sociedade. Não podemos, não devemos, de forma alguma, permitir que seja negado a todos o direito à informação sobre os crimes cometidos por agentes do Estado brasileiro durante o regime de exceção, para que se garanta punição àqueles que cometeram e patrocinaram esses crimes.

Esperamos, Sr. Presidente, com toda a certeza, que o Presidente Lula tome uma atitude firme nessa questão, que Sua Excelência fique do lado da verdade e combata, com toda a intransigência, a prática da tortura. O Presidente, inclusive, foi vítima da violência do regime, quando, enquanto líder sindical, defendia os interesses dos metalúrgicos do ABC. Sua Excelência fez várias greves e diversos movimentos defendendo os interesses dos trabalhadores e arcou com a prisão injusta, com base na Lei de Segurança Nacional, porque, naquele momento, defendia os interesses da classe trabalhadora brasileira e defendia o fim do regime militar. Esperamos do Presidente Lula uma atitude muito firme, corajosa e decidida, no sentido de ajudar o Brasil a passar a limpo essa história tão triste, que a todos nós nos envergonha, e nos envergonhará ainda mais se aqueles que praticaram esses crimes continuarem impunes.

Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Senador Magno Malta, Senador Paulo Paim e Senador Jefferson Praia, quero registrar, com muita satisfação, a presença da delegação do Município de Floresta do Araguaia, lá do meu Estado, o Pará, integrada por Vereadores do atual mandato, por Vereadores eleitos, pelo nosso Prefeito e pelo Vice-Prefeito, que muito nos honram com suas presenças. Nesse momento, tal qual fazem dezenas de Prefeitos do nosso País, percorrem os gabinetes das Srªs e dos Srs. Senadores, das Srªs e dos Srs. Deputados em busca de apoio para o desenvolvimento de suas tarefas frente às respectivas municipalidades.

Sr. Presidente, registro, agradeço e louvo a presença da ilustre delegação de um dos Municípios do Pará, Senadores Mão Santa, Paulo Paim, Magno Malta e Jefferson Praia, campeão na produção agrícola de abacaxi, produto do qual sobrevive a maioria das pessoas daquela comunidade.

Sr. Presidente, pasmem V. Exªs - ainda é próprio da nossa realidade no interior do País -, mas naquele Município não existe agência do Banco do Brasil ou de qualquer outro banco, para apoiar o financiamento da agricultura familiar dos produtores daquele Município. Para se chegar ao banco, para falar com o gerente, com os técnicos do banco, os produtores têm de andar por estradas intransitáveis por mais de 100 quilômetros. E mais: ainda estão isolados, por lá não existir telefonia celular.

Portanto, hoje, Sr. Presidente, recebi, dessa delegação, a reivindicação para a instalação de uma agência do Banco do Brasil, requerimento aprovado, por unanimidade, pelos Vereadores da Casa Legislativa de Floresta do Araguaia, bem como a reivindicação para que as operadoras de telefonia celular instalem naquele Município a telefonia celular. Além da dificuldade de deslocamento na busca de recurso para promoverem o desenvolvimento de daquela comunidade, ainda têm de padecer do isolamento da comunicação.

Saúdo, portanto, a presença da ilustre delegação.

Espero que o tema aqui tratado de forma prioritária neste pronunciamento seja objeto de profunda análise do Congresso Nacional, do Senado Federal. Amanhã, na Comissão de Direitos Humanos, esperamos que o País, os nossos Líderes no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, enfim, de todos os Poderes, se somem aos militantes e defensores dos direitos humanos, do grupo de Tortura Nunca Mais, do grupo da Anistia, dos grupos que querem que justiça seja feita, para que possamos nos juntar, utilizando os nossos esforços, para que aquele período tão triste da história do nosso País seja passado a limpo, especialmente com a punição de todos os torturadores.

Há pouco, com os companheiros do Araguaia em meu gabinete, perguntarem-me a respeito de uma fotografia que lá estava de Fidel e de Che, se era o Deputado José Genoíno, do PT. O Deputado Genoíno, único sobrevivente da guerrilha do Araguaia, sofreu também na pele o crime da tortura, como tantos outros, mas sobreviveu naquela região, onde um grupo de idealistas, de homens e mulheres do povo, tentaram, por vias que, talvez - temos hoje a nossa avaliação -, de alguma forma, lutar, para que o Brasil fosse realmente diferente.

Agradeço, Sr. Presidente, o tempo a mim concedido.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2008 - Página 44161