Discurso durante a 203ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Indignação diante da contestação, junto ao Supremo Tribunal Federal, da constitucionalidade da lei que estabelece piso salarial para professores.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • Indignação diante da contestação, junto ao Supremo Tribunal Federal, da constitucionalidade da lei que estabelece piso salarial para professores.
Aparteantes
Geraldo Mesquita Júnior, Paulo Duque, Paulo Paim, Rosalba Ciarlini.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2008 - Página 43759
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, DEMORA, ESTADO, PROCESSO, ATENDIMENTO, INTERESSE PUBLICO, REPUDIO, INICIATIVA, GOVERNADOR, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DO PARANA (PR), AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, LEGISLAÇÃO, PISO SALARIAL, AMBITO NACIONAL, PROFESSOR, PROTESTO, TRAIÇÃO, DATA, AÇÃO JUDICIAL, POSTERIORIDADE, ELEIÇÃO MUNICIPAL, OBJETIVO, MANIPULAÇÃO, ELEITOR, DESRESPEITO, DECISÃO, CONGRESSO NACIONAL, SANÇÃO PRESIDENCIAL.
  • COMENTARIO, HISTORIA, DEMORA, TRAMITAÇÃO, MATERIA.
  • QUESTIONAMENTO, POLITICO, DESVALORIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, COMENTARIO, APOIO, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, JUSTIFICAÇÃO, ORADOR, PISO SALARIAL, PERCENTAGEM, CARGA HORARIA, AULA, GARANTIA, EFICIENCIA, PLANEJAMENTO, ORGANIZAÇÃO.
  • DENUNCIA, PRIVILEGIO, CLASSE SOCIAL, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, RESERVA, MERCADO DE TRABALHO.
  • DEFESA, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, GARANTIA, RECURSOS, IGUALDADE, QUALIDADE, ENSINO, MUNICIPIO.
  • CONCLAMAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, POLITICO, ENTIDADES SINDICAIS, DEFESA, LEGISLAÇÃO, PISO SALARIAL, PROFESSOR, SUGESTÃO, PEDIDO, IMPEACHMENT, GOVERNADOR, ANUNCIO, FORMAÇÃO, GRUPO PARLAMENTAR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o Senador Geraldo Mesquita mostrou, no momento do seu discurso, a maneira tímida como o Brasil caminha para servir aos brasileiros: lentamente. O melhor exemplo é a abolição da escravatura. Foram séculos de escravidão, depois, foram décadas entre a gente tomar a decisão de proibir o tráfico, por influência dos ingleses, até chegar à abolição. Quarenta anos.

Outra vez, a gente mostra a maneira como o Brasil gosta de avançar devagar.

Depois de uma longa luta para que tivéssemos o piso nacional salarial dos professores, uma luta de décadas, depois de este Senado conseguir tomar a iniciativa, aprová-lo e enviá-lo à Câmara, que fez a discussão e o aprovou, do Presidente Lula, que teve a sensibilidade e a firmeza de sancioná-lo, depois de tudo isso, antes de ontem, Senador Mão Santa, um grupo de cinco governadores deu entrada em um pedido de inconstitucionalidade à criação de um piso de R$950,00 para os professores. Esses governadores ganham 15 vezes o piso, os juízes que vão julgá-lo devem ganhar 30 vezes o piso, e os governadores fazem isso. E fazem isso dois dias depois das eleições municipais, traindo os eleitores, porque não falaram antes nisso, porque sabiam dos votos que iam perder.

Você, que está-me ouvindo, teria votado em um candidato apresentado pelo Governador de Santa Catarina, pelo Governador do Mato Grosso, pela Governadora do Rio Grande do Sul, pelo Governador do Ceará se esses governadores tivessem-lhe dito que eram contra o piso salarial e que consideravam isso inconstitucional? Não. Seguraram - tudo pronto - para dar entrada no dia seguinte à eleição municipal.

Senador Mão Santa, essa, para mim, é uma das maiores vergonhas deste momento da História brasileira.

É preciso lembrar que o piso salarial é uma idéia antiga e que esteve nas discussões dos Constituintes. O velho João Calmon apresentou a idéia de criar uma carreira nacional - não só um piso, mas uma carreira -, Senador Geraldo Mesquita.

Quando a subcomissão dele apresentou o trabalho, o Senador Bernardo Cabral, na hora de fazer a consolidação, rebaixou da carreira nacional para o piso salarial. O Relator Bernardo Cabral manteve, no documento da Constituição nova, a idéia de um piso nacional de professores. Quando chega naquele tal de Centrão, passam-se a rever as coisas e sumiu a idéia do piso salarial dos professores, diluiu-se na idéia dos pisos das categorias, e diversas conseguiram. Por que professor não conseguiu até este ano e, neste ano em que consegue, a gente vê governadores pedindo a inconstitucionalidade? Segundo foi divulgado por assessores desses governadores, há uma lista de outros que não assinaram mas que apóiam, entre eles, o Governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal, e o Governador José Serra, de São Paulo.

Eu não posso acreditar que um político brasileiro queira ser Presidente da República considerando inconstitucional um piso salarial de professor! Eu não posso imaginar que ele se apresente ao eleitorado dizendo: “Sou candidato a Presidente para que não haja piso salarial de professor.” Eu não posso acreditar que ele tenha essa coragem, mas é isso que estão dizendo, que ele é um dos que apóiam, embora não tenha assinado, o que é suspeito: por que não assinou se apóia a inconstitucionalidade?

Creio que temos de tomar algumas medidas aqui, no Senado. Nós não podemos deixar que um projeto que saiu daqui possa ter esse destino trágico de morrer na inconstitucionalidade. Além de ser prova de que não somos sérios e aprovamos projetos inconstitucionais, é uma inconseqüência imaginar que é inconstitucional só quando é para o professor. Porque, no Brasil, existe uma coisa chamada - e o Senador Paulo Paim sabe mais do que todos - salário mínimo. E se a gente dissesse que o salário mínimo nacional é inconstitucional? Haveria uma revolução neste País com todos os trabalhadores na rua. Se é possível ter um salário mínimo adotado nacionalmente, e todos os Estados e Municípios se submetem, por que não pode haver um piso salarial dos professores? Por quê? Não resiste à análise. Por que a gente tem pisos de categorias diferentes - engenheiros, economistas? Por que o SUS tem uma consulta que é padrão no Brasil inteiro, e a gente não pode ter um piso salarial para os professores? Algo está errado! E o que está errado só pode ser explicado....

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Professor Cristovam Buarque, desculpe-me interrompê-lo, mas quero informar-lhe que o Presidente Castelo Branco adotou o piso da enfermeira em seis salários mínimos. Eu era médico-residente, ouvi elas falarem, e não havia salário mínimo para médico. Então, em alguns passos, os militares foram melhores do que os homens de hoje.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Os enfermeiros?

E foi aceito, e funciona, e é constitucional, e os Estados têm de pagar e também os Municípios. O Município paga salário mínimo aos seus trabalhadores, por que não se pode pagar um salário mínimo de uma categoria chamada professor? Só há uma explicação.

A explicação é a aversão às crianças, a aversão ao futuro do País, o desprezo à educação, porque, se fosse para outras coisas, cederia.

Todos esses Governadores estão aqui, de pires na mão, pedindo dinheiro do PAC, federal. Por que eles não vêm pedir dinheiro ao Governo Federal para cumprir a lei, do Governo Federal, de pagar o salário mínimo? Venham que a gente apóia essa luta. Mostrem, em suas contas, que reduziu o salário do Governador por causa da crise financeira e que agora não têm como aumentar o salário do professor. Aí a gente diz: “Governador, nós estamos ao seu lado. Vamos brigar por mais dinheiro.”

O Governo Federal, a partir do próximo ano, terá R$2 bilhões a mais de recursos para a educação, graças ao fim da DRU - aprovada também neste Senado, em conseqüência da lei de origem da Senadora Ideli Salvatti, e resultado de uma disputa aqui dentro na hora de votar a tal da CPMF. Dois bilhões a mais. Dá para cumprir. Além disso, são poucos os Estados que não pagam isso. E o que é surpreendente é que isso está saindo de Estados riquíssimos, e não dos Estados pobres. O Estado de Pernambuco, hoje, cumpre toda a lei do piso salarial, tanto no que se refere ao valor do salário tanto ao que se refere à jornada em sala de aula corresponder apenas a 66% do tempo da jornada de trabalho, que é o que eles dizem que mais os preocupa. Porque eles querem oito horas/aula do professor dando aula. Não existe isso, Senador Geraldo! Professor que dá oito horas de aula por dia, só dá, no máximo, na segunda-feira. 

Na terça, já não é aula; na quarta é outra coisa; na quinta é uma maratona, é uma disputa física do professor consigo próprio e não o exercício da transmissão do conhecimento. Não existe oito horas de aula por dia! É uma mentira. Tinha de fechar essas escolas, ou mudar o nome delas para outra coisa que não fosse escola.

A Lei do Piso, e aí fico à vontade para defender, porque não saiu do Senado esse artigo, que é da Deputada Fátima Bezerra, diz que o piso é de R$950,00, mas a jornada tem de ser de 40 horas de trabalho, mas apenas dois terços disso em sala de aula. Não coloquei esse artigo, mas hoje eu o defendo com o mesmo vigor com que defendo o piso salarial, do ponto de vista financeiro. Até porque o ponto de vista financeiro tem de estar relacionado à eficiência. Não conheço jogador de futebol que ganhe o salário para jogar oito horas por dia. Não conheço. O jogador joga uma vez, duas, por semana: 90 minutos. O resto é treinamento. Professor tem de treinar; professor treina estudando, treina se preparando. E professor trabalha acompanhando os alunos, no diálogo com os que estão mais atrasados, dando reforço àqueles que não conseguem aprender plenamente, preparando suas aulas, organizando a escola. Isso é trabalho! E a escola, sem esse trabalho complementar, não merece o nome de escola: é uma pista de maratona vocal, não é uma escola.

Pois bem, estamos vendo que, hoje, há uma luta contra o piso. É uma traição e um descompromisso. É uma traição à Pátria! Eu não digo uma traição aos professores, porque eles nunca foram a favor deles, então não os estão traindo. Sempre foram contra os professores, portanto, não os estão traindo. É uma traição à Nação brasileira e um desprezo às nossas crianças. Nós não podemos ficar calados diante disso. Eu não vim aqui apenas denunciar; vim aqui fazer uma convocação.

A Srª Rosalba Ciarlini (DEM - RN) - Senador Cristovam, ...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Mas, antes disso, passo a palavra, com muito prazer, aos dois pedidos de aparte. Primeiro, ao Senador Paim que, há algum tempo, está pedindo o aparte.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam, primeiro, quero dizer que V. Exª, como ninguém, tem toda autoridade para vir à tribuna do Senado e fazer essa cobrança dura, firme, justa e com os argumentos que V. Exª muito bem demonstra agora, como demonstrou nas Comissões quando do respectivo debate. Quero dizer da minha tristeza. Eu lamento que a Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, meu querido Estado - eu nunca trouxe debate das divergências estaduais ao plenário do Senado, mas neste momento tenho que falar da minha tristeza -, que sempre teve todos os seus pleitos defendidos aqui e no Congresso - os três Senadores sempre defenderam seus pleitos. Não teve um que não fosse defendido, inclusive o empréstimo de US$1,2 bilhão, pelo qual brigamos até com o PSDB em certos momentos, aqui, devido a uma obstrução indevida, mas enfim, construímos o entendimento e o projeto foi aprovado, porque o prazo estava no limite -, que a Governadora do Rio Grande do Sul entre no Supremo Tribunal Federal, encabeçando, com ação que pretende derrubar o humilde piso dos servidores. Isso é inaceitável! Ficam aqui meus protestos. Acompanho V. Exª. Faremos tudo o que for necessário. Mas lamento que, quando todos falam - e a palavra é sua, e todos repetem - que a verdadeira revolução passa pela educação, seja uma enorme contradição. Todos repetem a frase que V. Exª muito bem cunhou, tirando o direito do professor de ter sequer um piso mínimo para sobreviver e dar um ensino de qualidade, dentro do possível e das limitações, às nossas crianças. Por isso, meu aparte é de total solidariedade a V. Exª e de muito tristeza de que tenha sido a Governadora do meu Estado que fez esse encaminhamento junto ao Supremo Tribunal Federal. Conte comigo, a qualquer momento, para travar essa boa luta, esse bom debate em defesa dos professores.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - E o fez no dia seguinte às eleições municipais.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Pior ainda!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Não pode ter sido por coincidência.

Ouço o aparte da Senadora Rosalba Ciarlini.

A Srª Rosalba Ciarlini (DEM - RN) - Senador Cristovam, gostaria também de trazer a minha total solidariedade e apoio a V. Exª que, mais uma vez, assoma à tribuna para defender algo de que o Brasil mais precisa. Todos sabemos que este País não será forte se não tiver uma educação de qualidade. E educação de qualidade precisa de professores que tenham condições para o trabalho. E essas condições para o trabalho passam por uma remuneração digna. A luta foi tão grande e tão bonita: esta Casa unida, por unanimidade, aprovou o Piso Nacional dos Professores. Aprovamos melhores condições de trabalho, para que os professores tivessem um pouco mais de tempo para se prepararem para repassar aos nossos filhos, aos nossos netos, à nossa juventude ensinamentos tão importantes. Que este País possa dizer que está na luta para se tornar um País de paz, porque a paz se faz pelo caminho da educação. O sucesso de um País se faz pelos caminhos da educação. São as suas palavras repetidas aqui tantas vezes e que o Senador Paim tão bem aqui relembrou: a revolução boa pela educação. Eu gostaria também de dizer que fico indignada, revoltada com isso. Tenho certeza que nenhum cidadão deste País aceitará que façam isso com algo tão importante e que sempre dissemos, quando nós aprovamos, que ainda não é o suficiente, mas é um passo importante para dar mais dignidade, mais incentivo, mais apoio aos professores brasileiros. Eu quero dizer que o que tinha que ser feito não é nenhuma ação tentando derrubar algo que realmente vem para ajudar os Governos, ajudar o País. Ficarei mais indignada ainda se a nossa Governadora, que é uma professora, a Prof. Wilma de Faria, também estiver acatando, estiver aprovando uma ação que vem contra todos os professores. O que teriam que fazer, sim, era adequar seus orçamentos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Isso, Senadora.

A Srª Rosalba Ciarlini (DEM - RN) - O senhor foi Governador e eu fui Prefeita. Têm que se elencar prioridades. Reduzir no custeio, reduzir em outras despesas que não são tão importantes, tão urgentes, tão necessárias, mas que se encontre a forma de cumprir a vontade dos brasileiros expressa por esta Casa, pelo Congresso Nacional, que representa todo o Brasil. Quero aqui também, Senador Cristovam, aproveitando essas palavras de V. Exª, dirigir-me ao Senador Mão Santa, que preside, que falou do piso nacional criado por Castello Branco para as enfermeiras. Nós também, médicos, tivemos no passado um piso salarial. Tudo isso acabou. E está aí o resultado. O que é mais importante para um país? Saúde e educação. Esses, sim, são os pilares que fazem com que uma nação seja cada vez mais forte, mais desenvolvida e o seu povo, mais feliz. São as duas áreas que nós sentimos que estão, a cada dia, sendo esquecidas. Mas, graças a sua luta, à luta do Senador Cristovam com a educação, aqui nós vamos continuar insistindo e persistindo e vamos, Senador, unidos, conseguir vencer esta batalha. Se Deus quiser.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu agradeço, Senadora. Eu quero deixar claro que eu já enfrentei movimentos de professores quando eu era Governador além do que era possível. Enfrentei-os, até porque eu disse, no começo do meu governo: “No meu governo, professor não vai precisar fazer greve para ter aumento de salário quando houver dinheiro; e não adianta fazer greve quando não tiver dinheiro”. E dei aumentos muito grandes logo no começo. Depois, não deu mais. E houve uma greve longa, sem aumento de salário. Não tenho nenhum constrangimento disso. Agora, o que a gente está propondo? Primeiro, piso de R$950,00. Aqui no Distrito Federal o salário já é R$4 mil em média. Segundo: uma lei do Governo Federal, que está disposto a colocar recursos. Terceiro: o que eles não querem é reduzir a carga de aula dos professores. E isso é um crime contra a educação. Isso é mentir ao povo brasileiro. Isso é dizer que tem escola numa coisa que não é escola. Isso é dizer que tem educação numa coisa que não é educação. E a pior coisa é a mentira como eles estão tratando o problema da educação. Essa lei tem um mérito imenso; desmascarar aqueles que dizem que são a favor da educação, mas não são na prática.

Não faz muito tempo, uma pessoa me disse durante a campanha presidencial: “Essa sua bandeira não pega, porque não tem inimigos”. Descobrimos os inimigos, Senador Geraldo. Os inimigos estão camuflados. Na hora em que a educação for igualmente boa para pobres e ricos, as classes médias e altas vão perder a reserva de mercado que têm para os empregos das profissões superiores. Nessa hora, haverá resistência. Hoje, ela é disfarçada sob a forma de falta de recursos. Amanhã, ela será explícita sob a idéia clara de que os privilegiados não querem abrir mão do privilégio de terem uma escola privada, particular, paga com o dinheiro, em parte do Imposto de Renda, para que os seus filhos tenham uma reserva de mercado.

A gente sabe que o vestibular é uma coisa democrática do ponto de vista de escolher os melhores entre os que fazem o vestibular. Mas não é democrática por que impede os outros de fazerem o vestibular. Na verdade, compra-se um tíquete para entrar no concurso de vestibular no Brasil. É o tíquete da mensalidade de escola ao longo de anos. Entram os que pagam. Depois dos que entram para fazer o concurso, podemos dizer que entram os melhores, mas antes excluímos. Imagine se, na Seleção Brasileira de Futebol, escolhêssemos os melhores, mas só os melhores de 18%, que é aquele número que equivale aos que terminam um bom ensino médio neste País.

Estamos conseguindo com isso - e isso é bom - duas coisas. Uma, desmascarar aqueles que se dizem a favor da educação, mentindo. E, segundo, estamos chegando à conclusão de que, de fato, se realmente eles não têm dinheiro, apesar de serem Estados ricos, vamos ter que federalizar a educação de base no Brasil.

Eu sou municipalista, Senador Geraldo Mesquita, do ponto de vista da gerência. Aliás, eu sou mais radical. Eu acho que não precisa nem o Prefeito para se administrar uma escola, a própria escola é capaz de se administrar bem. Agora os recursos, os salários, as condições, as regras, o dinheiro, isso tem que ser federal, porque enquanto for municipal, os Municípios ricos podem ter boas escolas e os Municípios pobres não podem não ter. E muda de um prefeito para outro; um que fez boas escolas, faz ruins escolas, más escolas.

         Nós temos que federalizar a educação de base. E esses Governadores ao dizerem que eles, os mais ricos, não têm dinheiro, estão querendo justificar a tal da federalização que eu tanto defendo, mas além disso estão tirando a máscara. Eles não gostam de educação. Eles têm aversão à criança, eles não consideram que o futuro do País está na educação das crianças de hoje. Por isso, eu quero convocar esta Nação a não deixar que passe essa tentativa, que é tão grave quanto aquela tentativa que fizeram em 1888, para não deixar que passasse a Lei Áurea, porque a gente esquece, mas está lá nos livros de história quem tentou impedir.

E esses Governadores vão ficar na história. Daqui a cinqüenta anos, vão ler que eles tentaram impedir que o professor ganhasse R$950,00 de piso salarial.

Eu passo a palavra ao Senador Geraldo Mesquita.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - AC) - Professor Cristovam Buarque, ora Senador, eu confesso que não tinha conhecimento de que os Governadores ingressaram no Supremo com uma Adin contra o piso salarial. Quando V. Exª começou a falar sobre isso, a minha expectativa era de que o senhor falasse que eles estavam discutindo o tema sob a perspectiva de que o piso era muito baixo e precisaria aumentar. Juro para V. Exª. Quando V. Exª começou, pensei: os Governadores querem um piso maior. E quando V. Exª revelou a verdade dos fatos, fiquei estarrecido, confesso. Senador Buarque, olhe, além de representar falta de respeito enorme às crianças e aos estudantes deste País, além de representar falta de respeito enorme aos professores e às professoras deste País, isso representa também falta de respeito enorme ao próprio Congresso Nacional. Essa matéria tramitou durante muito tempo no Congresso Nacional. Esses Governadores tiveram a oportunidade de sensibilizar suas bancadas, de travar um diálogo com o próprio Congresso Nacional, colocar suas razões. Não sei se o fizeram. Se não o fizeram, perderam a grande oportunidade. Mas, se o fizeram e foram derrotados, cabia-lhes, em respeito ao Congresso Nacional, que representa o povo brasileiro, submeter-se a essa decisão. Como diz a Senadora Rosalba, adequar seus orçamentos à nova realidade, e não promover um ato tão bárbaro como esse. V. Exª tem razão. Daqui a 50 anos, o povo brasileiro vai lembrar dessa mancha que alguns Governadores deste País deixaram ao ingressaram no Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade na tentativa de derrubar aquilo que ainda não é nem o que almejamos - é uma coisa ainda tímida -, mas que já foi uma conquista: o piso salarial nacional para os professores deste País. Portanto, Senador, alguma coisa temos que fazer. Não adianta trazermos esta matéria ao plenário e a coisa ficar por isso mesmo. Precisamos nos mobilizar contra isso. Faço inclusive um apelo à população desses Estados, cujos Governadores subscreveram matéria tão odienta como essa, no sentido de começarem a colher assinaturas para pedir o impeachment desses Governadores. Senador Buarque, não pode haver nada mais indigno do que um Governador eleito pelo voto popular, como V. Exª lembrou, dois dias depois das eleições, ir ao Supremo Tribunal Federal pedir a derrubada de um piso salarial de professores. Se outra razão não há para que se peça o impeachment de uma pessoa dessas, não sei mais que razão podemos argüir. Portanto, daqui faço um apelo à população desses Estados: que se organizem, que se mobilizem no sentido de coletar assinaturas para protocolar o pedido de impeachment desses governadores, pois é o mínimo que eles merecem, além da nossa indignação. É o mínimo que eles merecem. Precisamos bater nessa tecla e estabelecer comunicação com as populações desses Estados para que isso venha a ser efetivado. Além da necessidade de termos de conversar com os Ministros do Supremo Tribunal Federal - aí nós vamos ter que conversar - e mostrar a eles o absurdo que é uma questão como essa, para que essa Adin, se recebida formalmente, seja absolutamente rejeitada, Senador Buarque, para que não paire - e aí a mancha se estenderia - sobre o País inteiro, uma mancha horrível, e para que essa mancha não prospere, não se espalhe. Porque, depois, lá fora e aqui dentro também, será o País inteiro que estará envolvido em uma questão como essa. Se o Supremo aceita e julga procedente essa ação, é o País que aparecerá como tendo promovido uma das coisas mais bárbaras que poderemos ter na história deste País, ou seja, a tentativa de sufocar uma conquista legítima dos professores, dos alunos, do povo brasileiro, por melhores condições remuneratórias dos professores. Estou aqui solidário com V. Exª e me coloco à sua disposição para imaginarmos uma forma de combater um ato tão odiento como esse.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador, até porque o senhor trouxe uma idéia que não estava na minha lista, mas que apóio, e coloco hoje em primeiro lugar.

Repito à população dos Estados para fazerem aquilo que o senhor está sugerindo: um abaixo-assinado pedindo o impeachment. Os Estados são: Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Ceará e Rio Grande do Sul. Creio que sua proposta pode ser a primeira de uma guerra que temos que fazer. É o mesmo que se, 120 anos atrás, alguns Estados dissessem: “Não vai ter a abolição da escravatura”, como tentaram. Tentaram deixar que fosse voluntário de um Estado para outro. Tentaram dizer que era inconstitucional o Parlamento da Monarquia influir nas Províncias. É a mesma coisa. Porque dar escola é a maneira de libertar, de abolir plenamente uma pessoa.

         Mas há outras coisas também que queremos fazer. Por exemplo, Senador, hoje pela manhã, já falei com o Presidente da Comissão de Educação na Câmara dos Deputados, Deputado João Matos. Propus a ele que fizéssemos uma reunião na quarta-feira próxima para criar a Frente Parlamentar em Defesa da Lei do Piso. E digo da Lei do Piso e não do piso porque é preciso defender o piso no seu valor financeiro, e essa grande conquista das crianças, de que o professor vai dar de aula mesmo dois terços apenas do seu tempo de trabalho.

Além disso, vou fazer uma carta a cada um dos Constituintes para saber se eles dão o direito de que os nomes deles sejam usados para acobertar a tentativa de impedir que a educação dê um salto. Porque estão dizendo que é a Constituição que não permite. Será que os Constituintes, todos aqueles - e muitos estão vivos ainda -, vão aceitar colocar sobre os ombros, do trabalho deles, a responsabilidade desse ato dos Governadores? Temos que ligar para eles.

Depois disso, falei também com os dirigentes da Confederação Nacional dos Trabalhadores. São cinco Estados que propõem, mas se a Adin for aceita, todos os Estados vão ser penalizados, não apenas esses cinco. Portanto, é preciso que haja uma mobilização nacional. Depois, é preciso que conversemos, Senador Duque, com o Presidente Garibaldi e com o Presidente Chinaglia, porque, como o senhor mesmo disse, Senador Geraldo, houve um desrespeito ao Congresso.

Será que eles pelo menos consultaram o Senador Garibaldi e o Deputado Chinaglia? Será que consultaram? Se estão tomando uma decisão contra o Congresso, contra o Parlamento, contra uma lei que nós aprovamos e, como bem disse o senhor, depois de cinco anos de discussões, aprovada por todos os Partidos e sancionada pelo Presidente da República, será que eles fizeram isso? E aqui tem Deputados da base de apoio do Governo, Governadores do PMDB e um Governador do PSB. E, aliás, é uma boa pergunta: por que um partido que se diz socialista tenta fazer inconstitucional o salário digno dos professores, condições dignas na sala de aula? E para contrapor isso, quero dizer que outro Governador socialista - Eduardo Campos, de Pernambuco - já está cumprindo integralmente a lei. Adiantou-se inclusive no tempo, porque a lei é para ser feita em três etapas. A cada ano, aumenta um pouco o salário. A cada ano, diminui um pouco a carga em sala de aula. Tudo isso foi pensado, discutido. Um Governador do PSB já implanta antes dos outros; outro Governador do PSB tenta não implantar.

A outra luta é nesta Casa. Nós, Senadores, e a Câmara dos Deputados, o maior número possível de nós fazermos parte dessa bancada em defesa da lei do piso salarial, assim como eu proporia - se fosse 120 anos atrás - uma bancada em defesa da lei áurea. Que o maior número possível de nós entre nisso. Aqueles que são dos partidos desses Governadores podem escolher dois caminhos: entrar para se contrapor a seus Governadores ou para convencê-los, mas que não fiquem de fora. E com aqueles que não são, que têm convicção clara, vamos nos reunir, vamos lutar. Nós fizemos um esforço enorme para aprovar essa lei. Todos os partidos. Todos os Parlamentares desses partidos dos Governadores votaram a favor. O próprio Presidente da Comissão de Educação é do Partido do Governador do seu Estado, que assina o pedido de Adin. É o Senador João Matos. Mas está totalmente envolvido na idéia de que tem que defender o projeto, que passou pelas mãos dele, que deve muito a ele na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.

Nós estamos convocando todos para uma guerra, para uma guerra em defesa do mínimo, que é o salário mínimo do professor; em defesa do mínimo, que é o máximo de horas de aula que o professor dá por dia. Essa é uma guerra que não temos o direito de perder e, ainda menos, não temos o direito de nos omitir fugindo dela.

Estou aqui fazendo o meu primeiro discurso sobre isso, porque foi ontem que tomamos conhecimento. Mas, Senador Mão Santa, a partir de hoje, vou dedicar meu tempo nesta Casa sobretudo a esta luta: salvar a Lei do Piso, que nós todos, Senadores e Deputados, que o Governo Federal, pelo Presidente Lula, fizemos alguns meses atrás.

Era isso, Sr. Presidente. E convoco o senhor também, com a sua vibração, para que faça parte dessa guerra e que comunique ao Senador Garibaldi que vamos, sim, cobrar do Presidente do Senado a mais firme defesa possível de uma lei que saiu desta Casa.

O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - V. Exª me permite um aparte, Senador Cristovam Buarque?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Concedo um aparte ao Senador Paulo Duque.

O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª hoje, oficialmente, acaba de deflagrar uma guerra santa em defesa dos professores do Brasil inteiro - não só do Distrito Federal: do Brasil inteiro! E o professorado do Rio de Janeiro sempre foi combatente, sempre foi aguerrido, sempre foi o grande sacrificado da classe. São 780 favelas; há muitas e muitas escolas nas favelas, no tiroteio. Algumas delas já foram vítimas, sem contar toda a parte teórica que V. Exª acaba de expor. É a voz que é sacrificada; é o horário, que é sacrificado; é a família do professor, que é permanentemente sacrificada. E, no momento em que surge a primeira oportunidade na República de dar uma compensação correta e justa a essa classe que nós todos respeitamos, vem aí meia dúzia de burocratas, nem sei quais são esses Governadores, tentando destruir uma conquista de muitos e muitos anos, uma conquista que foi uma luta permanente. E aparece V. Exª, que começa uma guerra santa. Quero anunciar aqui, com o testemunho do meu Presidente Francisco de Assis, que subscrevo logo esse manifesto que V. Exª está fazendo. E peço licença para subscrever todas as suas palavras nesta manhã radiosa. Peço licença para subscrevê-las. Quero teoricamente subscrever o seu discurso sábio, oportuno e, sobretudo, autêntico. Dessa tribuna, o Deputado Antônio Carlos, em 1821, falou: “Até os reis têm que me ouvir”. E não serão os cinco Governadores, que estão para terminar o seu mandato daqui a pouco, que vão destruir a luta, a guerra santa que V. Exª deflagra hoje. Eu assino, estou na sua bancada, conte comigo, não há condição de recuar para quem entrar nisso. Pode contar comigo, e meus parabéns. Vamos juntos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, muito obrigado. Hoje, quando eu distribuir esse discurso, como sempre faço, vou colocar que ele foi subscrito pelo senhor também. Vou colocar isso, porque isso o engrandece, dá um tamanho muito maior ao discurso.


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