Discurso durante a 202ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à condução da política externa brasileira. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (DEM - Democratas/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Críticas à condução da política externa brasileira. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2008 - Página 42361
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, CAPACIDADE, BRASIL, LIDERANÇA, AMERICA DO SUL.
  • QUESTIONAMENTO, EXCESSO, SOLIDARIEDADE, TOLERANCIA, GOVERNO BRASILEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, BOLIVIA, EQUADOR, URUGUAI, ESPECIFICAÇÃO, CRIAÇÃO, TARIFA DAS ALFANDEGAS, IMPEDIMENTO, ENTRADA, PRODUTO NACIONAL, QUEBRA, CONTRATO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), POSSIBILIDADE, REDUÇÃO, FORNECIMENTO, GAS NATURAL, EXPULSÃO, EMPRESA DE ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, DESRESPEITO, SEGURANÇA, BRASILEIROS, VITIMA, AMEAÇA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
  • REPUDIO, CONDUTA, GOVERNO BRASILEIRO, PREJUIZO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, AMEAÇA, INTERESSE NACIONAL.
  • REGISTRO, REUNIÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO AMAZONAS (AM), PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, EQUADOR, BOLIVIA, APRESENTAÇÃO, PLANO, CONSTRUÇÃO, TRANSPORTE INTERMODAL, ALTERNATIVA, ACESSO, CANAL, LIGAÇÃO, OCEANO, OBJETIVO, REDUÇÃO, DISTANCIA, BRASIL, OCEANO PACIFICO, CRITICA, AUSENCIA, IMPLEMENTAÇÃO, DIVERSIDADE, PROJETO.
  • EXPECTATIVA, ALTERAÇÃO, POLITICA EXTERNA, REDUÇÃO, PRIORIDADE, INTEGRAÇÃO, AMERICA DO SUL, MOTIVO, CRISE, MERCADO INTERNACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. DEMÓSTENES TORRES (DEM - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diz a máxima: “Nunca fale depois de um grande orador.” Vou me arriscar.

           “A Vila não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também.” - Noel Rosa.

           Observado a distância, o Brasil parece mesmo ter enorme potencial de exercer a liderança da América do Sul. O País possui o maior território, a maior população, tem de longe a economia mais pujante e industrializada, e hoje é o destino preponderante dos investimentos externos no subcontinente. Caso se concretize o novo Plano Nacional de Defesa, em pouco tempo consolidará o maior poder militar da região, além de ostentar a democracia mais sólida. Do ponto de vista político, o Brasil tem um peso extraordinário na mediação dos conflitos locais e até se tornou o único intermediário confiável dos Estados Unidos para aplacar os arroubos populistas dos autocratas de opereta que operam na América Latina.

           Desde que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder, essa liderança tem sido administrada com extrema indulgência, a ponto de se configurar em algo paternal. Em vez de exercer influência geopolítica coerente com os interesses estratégicos do Brasil, a condução da política externa Sul-Sul deixa de lado o pragmatismo para expor a candura e a generosidade. O Brasil se tornou aquele paizão tolerante que assimila as indisposições e os caprichos dos países vizinhos com incomensurável resignação, mesmo quando as atitudes irresponsáveis ameaçam o interesse nacional, ferem a segurança jurídica dos contratos firmados e põem em risco a integridade dos brasileiros que lá habitam. Trata-se de uma posição de total pusilanimidade, algo absolutamente incompatível com a postura natural de liderança pretendida.

           Os países vizinhos nos agridem e, em vez de reagir com o peso do poder nacional, o Brasil se amofina, cede e ainda oferece benefícios extras de troco. Ou seja: pode cutucar que o leão é manso. Quantas vezes a problemática Argentina não ergueu barreiras alfandegárias contra os produtos brasileiros, justamente em relação ao seu maior parceiro em um Mercosul - cuja razão de existir deveria ser, ou não, o livre-comércio? Em todas as ocasiões, nós nos comportamos com uma condescendência indecente e ainda oferecemos suprimento de energia para cobrir o déficit da Argentina durante o inverno, mesmo quando o nosso próprio sistema gerador trabalha no limite da capacidade.

           Veja o caso da Bolívia, Sr. Presidente: sob pretexto de defender as suas reservas de gás natural, quebrou os contratos firmados com a Petrobras, ocupou ativos da empresa brasileira com força militar, com bastante freqüência ameaça diminuir o fornecimento do insumo e, mesmo assim, o governo brasileiro reage com inexplicável mansuetude. Aliás, argumenta que a Bolívia tem razão de assim proceder por ser o país mais pobre da América Latina e merecer a nossa irrestrita comiseração. Eu sou observador dos mandamentos da doutrina cristã, mas não posso admitir tamanha fraqueza de caráter, mesmo porque os princípios religiosos não devem reger as relações internacionais de natureza meramente comercial.

           Pergunto, Srªs e Srs. Senadores, quem ora pelas milhares de famílias brasileiras que trabalham duro e sustentam praticamente 40% do agronegócio boliviano e se encontram sob sistemática insegurança jurídica sobre as suas propriedades? Trata-se de uma gente que só pretende trabalhar e produzir, responde pela segunda pauta de exportação boliviana, mas que vive à mercê da incerteza.

           Recentemente, foi a vez de o Equador ameaçar os interesses brasileiros. O Presidente Rafael Correa, proxeneta da doutrina bolivariana, foi acometido de histeria nacionalista e expulsou a empreiteira Odebrecht do país. Ato contínuo, ameaçou também defenestrar a estatal Furnas e até banir do país a Petrobras, para, depois, conseguir generosa alteração dos termos contratuais com a petrolífera brasileira. No meio da crise criada por Correa, foi anunciado que o Equador daria calote no empréstimo concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, cuja conta já alcançou US$460 milhões, para a construção da usina hidrelétrica em litígio. Foi mais um que gritou e levou.

           Agora, Sr. Presidente, é a vez do Paraguai. Primeiro, o Presidente Fernando Lugo foi eleito com um discurso francamente antibrasileiro. Isso seria apenas um assunto da democracia paraguaia, caso a sustentação política de Lugo não estivesse condicionada aos ganhos que pretende obter com a revisão do tratado sobre a Usina Hidrelétrica de Itaipu. “Vamos negociar sobre tudo o que for possível, porque queremos ajudar o Paraguai”, disse Lula, advertindo que há limites a um eventual reajuste das tarifas pagas pelo Brasil. Já os paraguaios consideram o Tratado de Itaipu - vejam que inominável estultice - uma herança maldita da ditadura que vigorou em ambos os países. É sabido que o Brasil aceitou integrar grupo de trabalho para discutir a alteração contratual com o Paraguai e que têm ocorrido reuniões nesse sentido. Aparentemente, Sr. Presidente, o objetivo brasileiro é protelar a decisão, mesmo porque o contrato só vence em 2023.

           Agora, a se considerar o estoque de bondade que o Governo brasileiro tem para oferecer aos irmãos da América do Sul, pode ser certo que mais um prejuízo será contabilizado na política externa do Governo Lula.

           Outro foco latente de crise dos interesses nacionais no Paraguai diz respeito também à segurança jurídica e pessoal dos 300 mil brasileiros que lá trabalham e são responsáveis por aproximadamente 60% da soja produzida naquele país.

           Os chamados brasiguaios estão sob sistemática ameaça dos sem-terra do Paraguai, um grupo bandoleiro - à semelhança do que temos aqui - apoiador de Lugo, que, entre outras excentricidades, é contra a agricultura mecanizada e está utilizando os produtores rurais brasileiros como expediente de manobra para fazer reforma agrária a bordunadas. O Itamaraty, na semana passada, expediu nota de preocupação e obteve garantia do Governo paraguaio sobre a integridade dos brasileiros, o que não é de grande significado, considerando-se que a primazia da lei e a da ordem não é uma instituição que caracteriza o Paraguai. Anteontem, em Washington, após discursar na Organização dos Estados Americanos, o Presidente Fernando Lugo reiterou a garantia aos brasileiros e negou que haja sentimento de xenofobia em relação aos brasiguaios. O fato é que, do mais otimista trabalhador rural brasileiro ao mais experiente diplomata do Itamaraty, ninguém deposita a mínima confiança nas cautelas apresentadas por Lugo, pela simples razão de que o Presidente paraguaio não tem o controle da situação.

           Srªs e Srs. Senadores, ao mesmo tempo em que o Brasil não reage à altura do interesse nacional às agressões dos países vizinhos, ele acena politicamente para cimentar uma improvável integração do subcontinente com obras faraônicas, como se fosse o empreendedor de um PAC cucarracho.

Naturalmente, são iniciativas meramente retóricas para adornar as inúmeras cúpulas regionais, mas chamam a atenção pela grandiosidade da quimera. Há um mês, por exemplo, o Presidente Lula se reuniu em Manaus com o celerado Presidente Chávez e os assemelhados Rafael Correa e Evo Morales para anunciar um ambicioso plano visando à construção de um eixo multimodal de transporte entre os portos de Manta, no Equador, e o da capital amazonense como alternativa ao Canal do Panamá. O objetivo é abreviar o acesso do Brasil ao Oceano Pacífico por intermédio de um colosso de logística fluvial, marítima e aeroviária.

Aliás, não é a primeira vez que a ligação interoceânica foi anunciada. Em 2006, o Presidente Lula inaugurou uma ponte no Acre com a promessa de que a obra selaria o compromisso de construção de uma rodovia que ligaria o Nordeste brasileiro ao Sul do Peru para unir os Oceanos Atlântico e Pacífico em um corredor rodoviário único e exemplar de exportação. Quem não se lembra do gasoduto do Sul, outra obra da megalomania bolivariana que Chávez abandonou e que levaria o gás natural da Venezuela à Argentina, com extensão de oito mil quilômetros? E o tal Banco do Sul, que o Brasil teve de engolir para ficar bem na fotografia com Hugo Chávez e que daria segurança financeira ao subcontinente contra a presença maligna do FMI e do Banco Mundial? Neste momento de crise financeira internacional nenhuma palavra foi dita sobre a sólida instituição que já tem a sede definida em Caracas. Tem até o Parlamento da América do Sul, Sr. Presidente, veja que espetáculo, cuja formação está bisonhamente se desenvolvendo para que logo seja instalado em Cochabamba. Para não mencionar a generosidade da diplomacia brasileira de criar a Universidade Federal de Integração Latino-Americana, destinada a conceder 50% das vagas para os estudantes dos países amigos. É muita bobagem para caber em um único continente.

Sr. Presidente, eis o quadro patético da política externa brasileira dedicada aos países vizinhos. Tratada como está, deixa a sensação nítida de inversão de papéis. De um lado, os primos pobres, como gosta de mencionar o presidente Lula, nos consideram sublocatários do imperialismo ianque, espécie de sopa Campbell com letrinhas em português. Já o Brasil, em vez de retribuir as agressões com o arrojo de um líder emergente, curva a coluna dorsal sempre que solicitado, como que movido por sentimento de culpa.

Espero que a crise financeira mundial possa promover uma guinada de procedimentos depois de ficar comprovada que grande balela é a integração da América do Sul, e que isso irá se resumir em um salve-se quem puder.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2008 - Página 42361