Discurso durante a 197ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários relativos à política externa brasileira, formulada e implantada pelo Presidente Lula.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO PENAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Comentários relativos à política externa brasileira, formulada e implantada pelo Presidente Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2008 - Página 41282
Assunto
Outros > CODIGO PENAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • DEFESA, ESFORÇO, LEGISLATIVO, ATUALIZAÇÃO, CODIGO PENAL, REGISTRO, DEBATE, ORADOR, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO, SAUDE MENTAL, CRIMINOSO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, RELAÇÕES INTERNACIONAIS, ATUALIDADE, GLOBALIZAÇÃO, MUNDO, REGISTRO, HISTORIA, DIPLOMACIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, JOSE MARIA DA SILVA PARANHOS, EX MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), DEFINIÇÃO, POLITICA, DEFESA, PAZ, COOPERAÇÃO, CRITICA, PERIODO, GUERRA FRIA, DEPENDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • ELOGIO, POLITICA EXTERNA, GOVERNO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, SECRETARIO GERAL, ITAMARATI (MRE), MANUTENÇÃO, INDEPENDENCIA, DEMONSTRAÇÃO, RELEVANCIA, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, POLITICA INTERNACIONAL.
  • ELOGIO, PROVIDENCIA, ITAMARATI (MRE), ACORDO INTERNACIONAL, COMERCIO EXTERIOR, TENTATIVA, PARTICIPAÇÃO, CONSELHO DE SEGURANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), AUXILIO MILITAR, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, APROXIMAÇÃO, AMERICA LATINA, CONTINENTE, AFRICA, VALORIZAÇÃO, COMUNIDADE, PAIS, LINGUA PORTUGUESA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Mão Santa, Senador Mário Couto, eu louvo primeiro a justa sensibilidade, como V. Exª, às palavras fortes do Senador Mário Couto sobre esse crime reiterado, praticado por um cidadão que infelizmente ainda detém a condição de médico, o diploma de médico amparando suas atividades. Acho que isso nos impõe uma reflexão, Senador Mário Couto, sobre a necessária atualização do Código Penal Brasileiro. Há uma dívida do Poder Legislativo em atualizar o Código Penal, e talvez manifestações como essa nos permitam chamar o Parlamento à responsabilidade de uma atualização plena.

É claro que temos que ver essa matéria com todo o cuidado, porque ela envolve o sentimento de justiça exemplar. Nós temos situações as mais delicadas nesse itens. Há poucos dias, eu discutia no Ministério Público Federal sobre saúde mental e alguns itens sobre a condição do inimputável, a condição do criminoso vítima dos transtornos mentais. O Estado brasileiro não se apresenta devidamente nesses casos. Os casos de pedofilia ainda não têm uma definição clara de condução, tanto do Código Penal como médico-psiquiátrico, dentro dos presídios, e nós vivemos esse impasse. Somente uma atualização do Código Penal vai nos permitir dar respostas justas, como V. Exª cobra do Estado brasileiro.

Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, nas atuais circunstâncias históricas, que conferem extrema singularidade ao tempo presente, creio ser incompreensível o desconhecimento acerca da importância das relações internacionais. A interdependência, sobretudo em relação à economia, é certamente a característica mais evidente do mundo contemporâneo. A crise financeira de agora, independentemente da origem, dos fatores que a determinaram ou da dimensão que possa vir a conhecer, apenas reitera a impossibilidade de se viver apartado de uma ordem internacional cada vez mais globalizada.

A partir dessa perspectiva, gostaria de tecer alguns breves comentários relativos à política externa brasileira formulada e implantada pelo Governo do Presidente Lula. Lembro, de início, que nosso País logrou construir uma tradição diplomática digna de respeito, em especial quando recordamos nossa condição periférica, que pouco mais de três séculos de colonização se encarregaram de delimitar. Não obstante, a construção do Estado nacional, de cujo bicentenário nos aproximamos, fez-se acompanhar por tentativas de afirmação no campo internacional, com a inevitável alternância de conquistas e retrocessos.

Logo nos primeiros anos da República, sob a extraordinária liderança do Barão do Rio Branco, o Brasil plantou a semente de uma ação diplomática coerente e assentada em princípios universalmente identificados com a paz e a concórdia entre os povos. A rigor, são os mesmos princípios inscritos na Constituição de 1988, os quais enfatizam o compromisso do País com o pacifismo, a soberania, a autodeterminação dos povos, a cooperação e a repulsa veemente à guerra de conquista.

No passado recente, é possível identificar situações das quais podemos nos orgulhar, ao lado de outras nada louváveis. Assim, é justo deplorar o comportamento diplomático adotado pelo País nas décadas em que a polarização ideológica da Guerra Fria mais se acentuou, a exemplo do atrelamento quase que incondicional às posições adotadas pela potência hegemônica continental - os Estados Unidos da América - ou do apoio irrestrito ao anacrônico colonialismo do Portugal salazarista na África. Mas, também por dever de justiça, há que se realçar o lançamento da Política Externa Independente, no tenso contexto dos primeiros anos da década de 1960, envolvendo os Governos de Jânio Quadros e João Goulart, oportunidade em que o Brasil busca expandir seu campo de atuação internacional, não se sujeitando ao jogo de interesses imposto pelas duas superpotências da época.

Julgo, Sr. Presidente, encontrar-se aí o eixo explicativo da ação internacional do Governo Lula. Com efeito, sob a lúcida condução do Chanceler Celso Amorim, em perfeita sintonia com o Secretário-Geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, os caminhos hoje trilhados pelo País em seus esforços de inserção mundial recuperam da Política Externa Independente a vocação para o estabelecimento de “um ponto de vista internacional do Brasil”, conforme precisa definição do grande San Thiago Dantas. Em outras palavras, uma política externa pensada a partir do Brasil, levando na devida conta os mais elevados interesses nacionais, sem arrogância, mas também sem qualquer rasgo de subalternidade.

Vou além: penso que o Itamaraty de nossos dias se distancia dos procedimentos adotados, em certa medida, nos anos 1990, quando o histórico universalismo de nossa política externa parece ter cedido lugar a uma ingênua tentativa de colocar-se ao abrigo dos grandes centros de poder mundial, quase que à maneira de “relações carnais”, como preconizava um líder sul-americano do mesmo período. Para tanto, a atual diplomacia brasileira parece também se inspirar na ação empreendida dos anos 1970, corretamente identificada como “pragmatismo responsável”.

Observadas as diferenças de contextos históricos obviamente distintos, o Governo Lula extrai da Política Externa Independente e do pragmatismo responsável o que de melhor elas podem oferecer ao País neste alvorecer do século XXI, adaptando esse legado às condições e às circunstâncias do tempo presente. Filosoficamente, a política externa que o Brasil hoje implementa busca demonstrar à comunidade internacional que o País tem o que dizer, sabe fazê-lo e quer ser ouvido.

Isso não é pouco!

São inúmeros os exemplos de situação nos quais a presença brasileira no cenário mundial deixa de ser meramente acessória, destituída de valor ou de importância. Posso citar, entre outros, o esforço despendido pelo País no encaminhamento da Rodada de Doha; os movimentos realizados na direção da conquista de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, consoante as propostas de reorganização da própria instituição; a presença militar no Haiti, em que o gesto louvável de solidariedade humana se junta ao desejo de mostrar independência e capacidade operacional.

Quero, enfim, enfatizar - e elogiar - o que me parece ser o traço inconfundível da política externa do atual Governo. Reporto-me ao aprofundamento dos laços que nos unem aos vizinhos sul-americanos e à retomada de nossa política africana. Nos dois casos, aliás, ao lado dos que compreendem e apóiam o caráter estratégico de nossa busca de alianças no Hemisfério Sul, assistimos a uma saraivada de críticas, quase sempre desprovidas da necessária densidade e marcadas por uma passionalidade ideológica que se imaginava não mais existir.

Tanto em relação à América Latina quanto no que concerne à África, bem como na proposta de constituição do G-20, vê-se o Brasil ensaiando coalizões internacionais que atendem aos interesses nacionais e expressam uma visão arguta e profunda da ordem global contemporânea. No caso do relançamento de nossa política africana, evidenciam-se alguns aspectos essenciais. Valorizar a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a CPLP, não significa tão-somente respeitosa reverência ao nosso passado comum, mas ter a exata compreensão do papel do idioma no intrincado jogo de xadrez internacional. Por conseguinte, defender a presença da língua portuguesa no cenário mundial é decisão estratégica que atrai apoios e confere ao Brasil posição de destaque no universo lusófono.

Ademais, e isso parece ter escapado aos críticos mais apressados, a África é a última fronteira do capitalismo global. Desconhecer essa realidade é perder oportunidades que jamais serão recuperadas. Não por outra razão, europeus, norte-americanos, indianos e chineses, particularmente os chineses, avançam sobre o território africano em busca de negócios cada vez mais lucrativos. Para ficar apenas num exemplo que envolve a lusofonia, chamo atenção para o estreitamento das relações entre China e Moçambique.

Nada, absolutamente nada poderia justificar a omissão brasileira na África.

Por fim, destaco a política latino-americana posta em marcha pelo Governo Lula. Com ela, mais um decisivo passo é dado no sentido de recuperar o universalismo que tradicionalmente, com raras exceções, caracteriza a situação diplomática do Brasil. Mais: ao aprofundar sua ligação com os vizinhos, consciente dos riscos advindos de uma operação complexa e delicada, o Brasil demonstra quão essencial é a vertente regional para a realização de interesses e valores.

Malgrado eventuais variações de humor de alguns dirigentes da região, quando não faltaram, inclusive, gestos razoavelmente teatrais, em momento algum, o Brasil deixou escapar-lhe a prudência e, sobretudo, a serenidade. Mais: está demonstrando a necessária e bem-vinda sensibilidade para entender os esforços de muitos dos seus vizinhos para a superação do atraso, da miséria e da iníqua desigualdade que os acompanham ao longo dos séculos. No campo da integração, procura aprofundar os mecanismos que assegurem vitalidade ao Mercosul, apóia cautelosamente a criação do Banco do Sul e investe na Unasul, cujo primeiro e positivo teste deu-se por ocasião dos recentes episódios na Bolívia.

Ao encerrar, Sr. Presidente, permito-me afirmar que, a despeito da decisão de aproximar-se da América Latina e da África, a política externa brasileira do Governo Lula jamais deixou-se aprisionar por preconceitos e levar-se por absurdos sentimentos anti-americanos. Ao contrário, o volume de comércio do Brasil com os Estados Unidos ampliou-se consideravelmente e estreitaram-se os contatos entre seus altos escalões administrativos, até mesmo envolvendo os respectivos Presidentes. A propósito, destaco a convergência de pontos de vista de ambos os Governos, no que concerne à produção de novas fontes de energia consideradas menos agressivas ao meio-ambiente.

Sem arrogância e sem subserviência, o Governo Lula - inclusive por meio da intervenção direta do Presidente da República, que leva a mensagem do País aos quatro cantos do planeta - escreve uma de suas mais memoráveis páginas de nossa diplomacia. Fazendo uso da reconhecida capacidade intelectual e profissional de nossos diplomatas, cujo centro de formação - o Instituto Rio Branco - é referência internacional, o Brasil vai alargando seus passos de atuação num cenário mundial por demais complexo, difícil e de extrema competitividade.

Também em relação à política externa, nós, os brasileiros, podemos nos orgulhar do que o País está conseguindo edificar!

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Senador Mão Santa.

Muito agradecido a V. Exª pela oportunidade do pronunciamento.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2008 - Página 41282