Discurso durante a 200ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de pronunciamento sobre a grave situação do Presídio de Urso Branco, no Estado de Rondônia.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Registro de pronunciamento sobre a grave situação do Presídio de Urso Branco, no Estado de Rondônia.
Publicação
Publicação no DSF de 29/10/2008 - Página 41520
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PRESIDIO, MUNICIPIO, PORTO VELHO (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO), FALTA, CONTROLE, GOVERNO ESTADUAL, ESPECIFICAÇÃO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, REGISTRO, PEDIDO, AUTORIA, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, INTERVENÇÃO FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, terei de me ausentar, o mais rapidamente possível, e estou inscrita como a vigésima oradora, o que, naturalmente, torna impossível eu poder usar da tribuna nesta tarde de hoje. Mas gostaria de solicitar à Mesa que desse como lido pronunciamento que faço sobre a grave situação que ora passa o Presídio Urso Branco, no Estado de Rondônia. No dia 7 de outubro, houve um pedido de intervenção do Procurador-Geral da República no Estado de Rondônia. No meu entendimento, isso se deu por que o Governo do Estado de Rondônia não sabe o que fazer com o Presídio Urso Branco.

Eu gostaria, Sr. Presidente, de solicitar à Mesa que este meu pronunciamento fosse dado, na íntegra, como lido.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SRª SENADORA FÁTIMA CLEIDE.

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A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por determinação do Presidente do Supremo Tribunal Federal, equipe do Conselho Nacional de Justiça esteve na segunda semana do mês de outubro em Porto Velho, para averiguar a situação na Casa de Detenção José Mário Alves, conhecida por Urso Branco.

A ida de equipe do Conselho Nacional de Justiça é motivada pelo fato de que o Procurador-Geral da República, Antonio Fernando e Silva, solicitou, no dia 7 de outubro, intervenção federal em Rondônia com base no art. 34 da Constituição Federal.

O art. 34 prevê casos excepcionais em que o governo central pode intervir, com autorização da Justiça, em uma unidade da Federação. No caso, o Procurador fundamenta o pedido por ter a convicção de que os direitos da pessoa humana, princípio constitucional assegurado a todos, são violados no Urso Branco há muito tempo. Essa violação pode ensejar intervenção, conforme inciso VII do artigo citado. 

Srªs e Srs. Senadores, tenho certeza de que o Procurador-Geral, Antonio Fernando e Silva, não pediria intervenção não fosse gravíssima a situação dos detentos naquela unidade. Isso porque compartilha, do mesmo modo que eu, do espírito federalista, do respeito à autonomia dos Estados.

Mas existem situações em que não há outra saída. Acho que esta é uma delas. Porque o que a gente está percebendo, em verdade, é que o Governo de Rondônia não sabe o que fazer no Urso Branco.

É verdade que a superlotação é realidade nos presídios do País. A CPI do Sistema Carcerário constatou 1.081 presos para apenas 465 vagas. A superlotação é, portanto, superior a 100%. 

Mas no Urso Branco convivem presos condenados e presos provisórios. O Governador do meu Estado, criticou e condenou a decisão do Procurador-Geral da República Antonio Fernando. Ele simplesmente poderia ter respeitado a decisão e manifestar sua discordância.

Mas todos sabem que não é próprio do Governador respeitar instituições e decisões de pessoas que as representam. 

Como eu havia dito, a clara evidência em relação ao Urso Branco é uma só: o governo de Rondônia não sabe o que fazer naquela unidade prisional. E não adianta dizer que a situação é a mesma dos demais presídios, porque não é.

Em primeiro lugar, não conheço nenhuma outra unidade prisional no Brasil que tenha motivado, por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, OEA, sucessivas reprimendas ao Estado brasileiro por causa de violações aos direitos da pessoa humana.

A primeira reprimenda ocorreu em 2002. Na virada do ano de 2001, o Brasil assistiu estarrecido violenta rebelião - mais uma delas - com saldo de 27 mortos. De lá para cá, muitas outras ocorreram, e o número de mortes atinge quase 100 pessoas. 

Em maio deste ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu a sexta resolução condenatória. Agravada pela constatação da prática de tortura sistemática no Urso Branco. As torturas foram constatadas pela Pastoral Carcerária Nacional, em outubro de 2006.

A CPI do Sistema Carcerário, quando lá esteve este ano, confirmou: vários internos tinha lesões corporais graves. E a questão é fartamente documentada no pedido de intervenção federal. 

No Urso Branco, Srªs e Srs. Senadores, presos são amontoados em celas com insalubridade superior a 40%. O calor é imenso, numa região em que a temperatura chega a 40 graus. Vocês imaginam o que é uma cela dessas, com 26 homens onde cabem seis, sem ventilação, numa temperatura altíssima, e sem água!

Sim, porque a falta de água, ou melhor, a escassez de água continua. E isso era para ter se resolvido desde que foi constituída uma comissão, com representantes do Governo federal e do Estado, tão logo a Corte da OEA emitiu relatório sobre a denúncia recebida, e sugeriu medidas para reverter o quadro de violação naquela unidade. A comissão tinha a tarefa de acompanhar a implementação das medidas.

Já se vão pelo menos seis anos, e a queixa da falta de água continua. Em março deste ano, a CPI do Sistema Carcerário constatou: cada cela com os 26 homens só têm direito a 12 litros de água por dia. Para tomar banho, lavar roupa e beber. No calor de 40 graus! Leio trecho do relatório da CPI:

            A água é colocada em garrafas de dois litros e levada para as celas pela manhã, e lá fica, o dia inteiro, sob o intenso calor. A CPI viu as garrafas e a água que havia dentro era turva, e obviamente, às duas da tarde, horário em que a CPI diligenciava, estava quente, tão quente, que até borbulhava. Quando os 12 litros terminam? Azar. Ficam sem beber. O próximo lote só vem amanhã.

Muitos podem estar se perguntando por que a Senadora Fátima se preocupa com os presos ou estão até apoiando o tratamento oferecido aos detentos pelo Governo do meu Estado. Eu digo a vocês: a Constituição precisa ser respeitada.

Estou aqui em defesa da Constituição. Em defesa de um princípio que vale para todos, independentemente da condição social, de raça, cor, sexo, idade.

Quero deixar claro que isso é muito diferente de condescender com a impunidade. Criminosos têm de pagar por seus crimes. Isso é muito diferente de pactuar com a bandidagem, de pactuar com a corrupção, que livra dos rigores da lei criminosos de colarinho branco. 

Por isso, quero deixar muito claro para os que me assistem pela TV Senado, especialmente o querido povo rondoniense, que não compactuo com a impunidade ao fazer a defesa de um princípio constitucional. 

Tenho certeza de que quem faz pouco caso dos direitos humanos, dos direitos dos presos do Urso Branco mudaria de atitude se passasse apenas uma noite ali. Ainda mais se não fosse preso condenado. Fosse preso provisório, com ampla defesa assegurada em processo inconcluso.

Srªs e Srs. Senadores, o sol e o ar não custam dinheiro. Mas não entram nas celas bolorentas e fétidas do Urso Branco. A CPI verificou a convivência de presos com doenças comuns ou recém-operados junto a presos com doenças contagiosas. Nenhum deles trabalha.

Na reunião com os representantes do CNJ, no dia 13 de outubro, o Presidente da OAB, Hélio Vieira, disse: “As condições sub-humanas em que são recolhidos os presos do chamado Urso Branco atentam contra os mais elementares direitos básicos do cidadão, mesmo que ele tenha cometido um crime”.

O Procurador-Geral da República em Rondônia, Francisco Marinho, disse que a intervenção é necessária e urgente: “O Urso Branco é hoje o retrato da indignidade da pessoa humana. O MP e o TJ têm feito um excelente trabalho para solucionar problemas, mas esbarra no Executivo, que não cumpre seu papel”.

Srªs e Srs. Senadores, isso é a mais absoluta verdade. As torturas, aliás, foram constatadas pela própria sindicância feita pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado. Funcionários estavam envolvidos e a sindicância foi além, apontando que o diretor-geral da unidade e o diretor de segurança “participaram das práticas de tortura”.

O CNJ foi a Rondônia com o objetivo de colher subsídios para embasar o STF na apreciação do pedido de intervenção. Contrárias em sua maioria à intervenção, as autoridades reunidas decidiram que um termo de compromissos seria assinado pelo governador para adotar providências emergenciais no Urso Branco.

A imprensa, por meio dos boletins expedidos pelo Departamento de Comunicação do Governo, noticia que o Governo vai cumprir as medidas. Entretanto, passados 15 dias da reunião em que foram reprisados os mesmos e velhos problemas, a população de Porto Velho não sabe ainda quais são essas medidas.   

Depois, no dia 16 de outubro, o Governo diz que vai decretar estado de emergência para evitar intervenção federal e constituir uma força-tarefa para “resolver a questão prisional na capital”.

No dia 22, o Governador, em Brasília, pede SOS ao Governo Federal e sai de encontro com o Ministro da Justiça, Tarso Genro, dizendo aleivosias, como a de que a União não faz investimentos nos presídios de Rondônia. Uma enorme mentira. 

O fato de os problemas no Urso Branco se arrastaram há quase uma década, com rebeliões, motins, mortes sucessivas e as recentes posições do Governo, relatadas acima, dão bem a idéia de que o Estado não sabe o que fazer no Urso Branco. Quais são as medidas prometidas? Por que o Governador veio em socorro ao Governo Federal?

No meu entender, Srªs e Srs. Senadores, há uma enorme falta de capacidade de organização e gerenciamento da unidade prisional, que é considerada a maior da Região Norte. Troca-se a direção, uma coisa aqui outra ali é feita, mas a verdade é que o executivo não está dando resposta para a insegurança instalada no presídio e que atinge a população como um todo. 

Uma profusão de documentos e relatórios produzidos desde 2002 aponta para a persistente degradação física do presídio, e tratamento indigno dado aos detentos. Que apostam na rebelião para ver se algo muda. 

 Segundo o Procurador-Geral, a Secretaria de Administração Penitenciária de Rondônia ganhou mais recursos em 2007, mas a maior parte do dinheiro foi para despesas ordinárias (custeio) - nada de investimentos na estrutura física do Urso Branco, para tranqüilizar a população de Porto Velho. 

O Governo Federal, ao contrário do que diz o Governador, mandou dinheiro. O juiz Sérgio William, da Vara de Execuções Penais de Rondônia, disse para o repórter Guilherme Balza, do UOL: “Rondônia recebeu um montante alto de recursos do FUNPEN”. Trata-se do Fundo Penitenciário Nacional.

O juiz rebateu declarações mentirosas dadas pelo porta-voz do Governador, que inclusive tripudiou sobre informações contidas nos relatórios da Justiça Global e Comissão Justiça e Paz.  

O Departamento Penitenciário Nacional, DEPEN, confirma: mais de R$30 milhões para melhoria e ampliação do sistema penitenciário até 2007.

Nesse bolo, um convênio para recuperação e ampliação do Urso Branco resultou na liberação de R$1,312 milhão, em 2004, e outros R$5,735 milhões foram para a outra casa de detenção em Porto Velho.  

Sinceramente, acredito que o bom gerenciamento desse dinheiro teria interrompido a barbárie que ano a ano irrompe no Urso Branco, trazendo medo à população. 

Mas existem problemas na contratação e execução das obras com recursos do Governo Federal, e o Governador sabe bem disso. A CGU verificou várias irregularidades, o que atrasa todo o processo de melhoria do sistema penitenciário em Rondônia. 

Por isso, Srªs. e Srs. Senadores, o pedido de intervenção não é injustificado. É mesmo indispensável, e eu espero que o Supremo Tribunal Federal atenda a solicitação do Procurador-Geral.

Esgarça-se sempre mais no Urso Branco o tecido da convivência entre apenados e agentes a serviço da lei, por absoluta inépcia do Estado em adotar medidas necessárias para o cumprimento da Constituição e de princípios acordados em convenções internacionais.

Não se aplaca a violência das rebeliões com mais violência e agressão aos direitos humanos, ainda mais patrocinados pelo próprio Estado-membro da República federativa. 

Vejo isso com muita tristeza. É um péssimo exemplo para a jovem sociedade de Rondônia, para a qual desejamos um Estado que inspire justiça e solidariedade entre todos.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/10/2008 - Página 41520