Discurso durante a 208ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada por cinco governadores contra o Piso Salarial dos Professores.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. POLITICA SALARIAL.:
  • Comentários sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada por cinco governadores contra o Piso Salarial dos Professores.
Publicação
Publicação no DSF de 08/11/2008 - Página 44383
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • REGISTRO, COMEMORAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ANIVERSARIO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, JUSTIFICAÇÃO, AUSENCIA, ORADOR, PARTICIPAÇÃO, REUNIÃO, COMISSÃO, EDUCAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, TENTATIVA, IMPEDIMENTO, VIOLAÇÃO, MATERIA CONSTITUCIONAL, REPUDIO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INICIATIVA, GOVERNADOR, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESTADO DO PARANA (PR), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), LEGISLAÇÃO, CRIAÇÃO, PISO SALARIAL, PROFESSOR, AMBITO NACIONAL, DEFINIÇÃO, PERCENTAGEM, AULA, JORNADA DE TRABALHO, ALEGAÇÕES, PREJUIZO, AUTONOMIA, ESTADOS.
  • PROTESTO, FALTA, ETICA, GOVERNADOR, COMPARAÇÃO, HISTORIA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, COMENTARIO, EFEITO, ECONOMIA, INFORMAÇÃO, DIFERENÇA, JORNADA DE TRABALHO, CARGA HORARIA, AULA.
  • REGISTRO, LEGISLAÇÃO, PISO SALARIAL, PREVISÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, TRANSFERENCIA, RECURSOS, COMPLEMENTAÇÃO, SALARIO, PROFESSOR, ESTADOS, INCAPACIDADE, PAGAMENTO, MAGISTERIO, DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO ESTADUAL, SOLICITAÇÃO, APOIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, EDUCAÇÃO, CRITICA, FALTA, INTERESSE, AUTORIDADE ESTADUAL, FEDERALIZAÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, APREENSÃO, PERDA, PODER.
  • CONTESTAÇÃO, INCOERENCIA, EMPENHO, FEDERALIZAÇÃO, BANCOS, POSSIBILIDADE, FALENCIA, FALTA, INTERESSE, INVESTIMENTO, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, PAIS, REGISTRO, MEDIDA DE EMERGENCIA, GOVERNO FEDERAL, LIBERAÇÃO, DINHEIRO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, OBJETIVO, CRIAÇÃO, CREDITOS, FINANCIAMENTO, CONSUMO INTERNO, ESPECIFICAÇÃO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA.
  • QUESTIONAMENTO, NECESSIDADE, COMBATE, REDUÇÃO, VENDA, AUTOMOVEL, OMISSÃO, POLITICA, AMPLIAÇÃO, NUMERO, ESPECIALISTA, PRODUÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA, CRITICA, DIFICULDADE, GARANTIA, EQUIDADE, QUALIDADE, ENSINO, CLASSE SOCIAL.
  • CRITICA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, FALTA, COMPROMETIMENTO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, BRASIL, REPUDIO, CONDUTA, GOVERNADOR, TENTATIVA, IMPEDIMENTO, EFETIVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PISO SALARIAL, PROFESSOR.
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO, CLASSE PROFISSIONAL, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESTADO DO PARANA (PR), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), REIVINDICAÇÃO, DIREITOS, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, nesta semana, Senador Geraldo, o senhor, que é da área jurídica, e Senador Adelmir, no mesmo momento aconteceram duas reuniões do Congresso, nesta Casa, que merecem uma análise por que elas duas aconteceram.

A primeira, no plenário da Câmara, com a presença do Presidente da República, para comemorar 20 anos da Constituição. Bela solenidade, à qual não pude ir, porque estava em outra reunião, na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Não para homenagear e comemorar a Constituição nos seus 20 anos, mas para tentar impedir que ela seja vilipendiada, degradada, humilhada por um pedido de inconstitucionalidade da parte de cinco governadores que querem usar a Constituição, Senador Adelmir - vejam que é preciso surpreender-se, pasmem, como se diz -, como a barreira para impedir o pagamento do piso salarial aos professores.

Que Constituição é essa que pode ser usada para impedir que se pague um piso de R$950,00 por mês aos professores? Ou, como eles dizem, que não é tanto isso. É impedir um artigo da lei do piso, que diz que o professor que trabalha oito horas por dia, como todo trabalhador, só precisa dar aulas em seis horas. Vejam bem, o piso - e é preciso explicar isso - tem dois componentes fundamentais: um que diz que nenhum professor ganhará menos que R$950,00 por mês se trabalhar 40 horas por semana; os que trabalharem 20 horas terão metade desse piso. Esse é um artigo que saiu do Senado. Mas, na Câmara, foi acrescentada uma emenda que hoje defendo com o mesmo vigor com que defendo o valor que saiu daqui do Senado: o artigo que foi colocado na Câmara diz que, para oito horas de trabalho, o professor dará seis horas de aula no máximo.

Srs. Senadores, seis horas de aula por dia já é um exagero, não apenas para o professor, mas para o aluno também. Imaginem se nós, Senadores, para dizermos que estamos trabalhando, tivéssemos que falar seis horas por dia aqui nesta tribuna. Imaginem seis horas aqui falando. Não, a nossa carga é muito mais do que oito horas por dia, mas não falando. Professor tem que trabalhar mais de oito horas até, se for preciso, por dia, mas não fazendo de conta que dá aula durante seis horas. Tem que trabalhar dando horas de aulas. Acho que deveriam ser quatro horas de aula por dia; seis horas é ao que chegamos. Nas outras, ele tem que acompanhar os alunos, tem que descansar as cordas vocais. Um professor que dá aulas oito horas por dia, depois de dois dias, não está dando aula: ele está fazendo é uma maratona vocal para ver se os alunos o aplaudem por resistência, não pelo que aprendem.

Pois bem, essa lei, aprovada aqui no Senado, aprovada na Câmara, sancionada pelo Presidente Lula, está hoje sendo contestada por cinco governadores, sob o argumento de que é inconstitucional.

Primeiro, inconstitucional por quê? Segundo, de onde partiu esse desejo deles de declará-la inconstitucional?

Eles dizem que é inconstitucional porque afeta a autonomia dos Estados. Imaginem, Srªs e Srs. Senadores presentes, se, 120 anos atrás, os presidentes de província tivessem alegado autonomia dos Estados para não aceitarem a Lei Áurea, da libertação dos escravos. Poderiam ter feito isso. Que direito uma princesa, no Rio de Janeiro, tinha de dizer que, lá em Pernambuco, em Alagoas, em outros Estados, era proibida a escravidão? Que direito do Parlamento nacional influir nas províncias? Poderiam ter dito.

E vou dizer mais: teríamos o lado ético. Do lado puramente econômico, haveria razões mais fortes para impedir a libertação dos escravos do que para impedir a Lei do Piso. Por uma razão muito simples: de fato, a libertação dos escravos, esse momento nobre da história do Brasil de abolir a escravidão, traria problemas econômicos, sim. Os escravos iriam embora, os senhores iam ter que substituir os escravos por trabalhadores, iam ter que pagar os trabalhadores. Mais grave: não iam encontrar trabalhadores para substituir os escravos. Mesmo assim, nenhum presidente de província pediu a inconstitucionalidade. Assumiram o risco que a ética exigia de haver, se fosse o caso, uma desarticulação de alguns setores da produção agrícola na sua província.

Hoje, na hora de implantar o piso, não vai haver nenhuma desarticulação econômica, nada que ver com a desarticulação econômica que havia, sim, com a libertação dos escravos. O que se pode dizer é que haverá algum desequilíbrio fiscal no Estado. Esse argumento é que eles deveriam usar, e não o da inconstitucionalidade. Deveriam dizer a verdade: “Nós não estamos podendo pagar”, mas não dizerem que é inconstitucional.

Agora, vamos analisar o fato de não poder pagar. De onde vem o aumento de custos? Do valor atual ao de R$950,00, que virá em três anos, e não no dia seguinte à lei! Não foi como a Lei Áurea, pela qual, no dia 14, nenhum escravo precisava ficar na fazenda para trabalhar. Agora é paulatino.

Vamos supor que isso custe caro. Se isso custar caro, significa que esses Estados estão pagando R$100,00 ou R$200,00 por mês a seus professores, porque o professor que já estiver recebendo R$950,00 não vai custar nada. Mais do que isso: no primeiro ano, aquele que estiver recebendo R$600,00 já não custa nada; depois, o que receber R$750,00 já não custa nada; lá no terceiro ano é que vai ser aquele que não receber R$950,00. O governador que alegar que custa caro pagar o piso é governador que está pagando muito pouco, e isso ele deveria dizer. Ele deveria começar, dizendo: “Nós aqui pagamos tão pouco que não podemos pagar o piso”. Eles não dizem isso. É capaz de, nas propagandas deles, dizerem que estão pagando bem, e agora reclamam no Supremo de não pagar o piso porque vai custar muito.

Mas analisemos o outro item: seis horas de aulas por dia. A mesma coisa: o governador que disser que isso vai custar muito é um governador que está exigindo oito horas de trabalho de todos os seus professores. Se ele está exigindo oito horas, ele tem que dizer: “Eu não tenho educação no meu Estado” - porque professor que dá oito horas de aula por dia não está dando aula como deveria.

E eu sei que muitos professores nem gostam de ouvir isso que estou dizendo, porque, com o salário que recebem, são obrigados a dar dez, doze horas de aula por dia, em mais de uma escola. É comum o professor de escola pública municipal dar aula na estadual, o da estadual dar aula na municipal, e o professor das duas dar aula nas escolas particulares. Eles devem estar-se ressentindo, às vezes, com essa insistência em reduzir a jornada de aula.

Também é preciso diferenciar jornada de aula de carga de trabalho. Carga de trabalho: oito horas por dia. Jornada de aula: no máximo seis horas - e já é demais, já não é possível. E não estou olhando do ponto de vista da defesa do professor, mas, sim, do ponto de vista da defesa do meu País, que precisa de uma boa educação para suas crianças. E não há boa educação com professor sobrecarregado.

Portanto, aquele governador que disser que vai custar muito tem que antes pedir desculpas por estar exigindo demais de seus professores, por não estar dando educação a suas crianças, e por pagar muito pouco. E ninguém está dizendo isso.

Vamos supor que ele peça desculpas e diga que não tem condições de pagar. O instrumento seria pedir inconstitucionalidade? Não. O primeiro item de um governador sério que desejar pagar seu piso é analisar quanto custa e tentar tirar de outras rubricas do orçamento. Existem gastos desnecessários por aí afora. Comparem quanto ganham alguns outros setores de trabalhadores do seu Estado, Governador, Governadora! Vejam quanto estão pagando. Vejam onde podem tirar gastos supérfluos, até em seu gabinete, e encontrem dinheiro para pagar!

Vamos supor que não exista. Vamos supor que, para pagar mais, o governador tenha que tirar da saúde - aí acho que não seria correto. Nesse caso, o que um governador sério, o que uma governadora séria e competente têm que fazer?

O que um governador sério e competente tem que fazer é liderar seu povo - o povo do seu Estado, os professores, os pais - e vir a Brasília pedir esse dinheiro ao Governo Federal. E não dar entrada em pedido de inconstitucionalidade.

A Lei do Piso prevê que o Governo Federal transfira recursos para complementar salário dos professores, para atingir o piso, no caso em que o Estado não possa. A partir do próximo ano, o Governo Federal terá dois bilhões a mais, graças ao fim da lei chamada DRU, que roubava, chupava dinheiro da educação. Aqui está a Senadora Ideli, autora da reforma constitucional - e que certamente vai falar logo depois - que acabou com a DRU na educação. Vamos dever a ela dois bilhões de reais a mais por ano já, e vai chegar a sete.

O governador, a governadora que quiser ajudar a educação, que quiser cumprir a sua responsabilidade com o futuro de seu Estado e com o futuro das crianças, e não tiver como pagar o piso, venha até aqui e peça ao Presidente da República.

Vamos supor que o Presidente da República diga que não existe esse dinheiro. Senador Geraldo, o que deve fazer um governador é chegar aqui e dizer: “Presidente, aqui estão as escolas do meu Estado; assuma-as; elas passam a ser federais; o senhor criou o piso, então pague-o”. Nenhum faz isso, porque não querem perder o poder sobre as escolas do seu Estado.

É engraçado, ouve-se hoje que, no Brasil inteiro, estão federalizando os bancos quebrados. Mas ninguém quer federalizar as escolas decaídas. Por que banco é mais importante do que crianças? Onde o futuro depende mais dos bancos do que das crianças? Onde?

Não estou dizendo que banco não é importante, mas, mais do que as crianças, não é. Só se fala em federalizar os bancos. Ninguém fala em federalizar as escolas. Ao contrário. Consideram que a idéia de federalizar a educação de base é um absurdo, é uma idéia esdrúxula, estapafúrdia. Agora, federalizar, estatizando nas mãos do Poder Federal, os bancos derretidos todo mundo aceita.

Eu não sou contra que Estados ajudem a salvar os bancos cujos banqueiros irresponsáveis levaram à falência, porque temos de salvar os correntistas. Prendamos os banqueiros irresponsáveis e salvemos os correntistas. Mas salvemos também as escolas. Derreter banco é tão grave quanto derreter cérebros! Mas cérebro a gente aceita que derretam, porque cérebro se derrete na proporção de número pequeno de horas, de dias, de anos de escolaridade. “Derreter cérebros, sim; derreter bancos, não!”

Então, o governador tinha de usar todos os instrumentos, mas não tinha o direito de usar o instrumento do pedido de inconstitucionalidade, até porque que exemplos estamos dando à juventude brasileira, ao dizer que a nossa Constituição não é capaz de atender às necessidades da educação? E, pior ainda, ela pode ser um instrumento para impedir que se pague ao professor R$950,00 por mês daqui a três anos? O que os jovens vão pensar dessa Constituição que é um instrumento para impedir pagar melhorzinho aos professores? O que os nossos jovens vão pensar dessa Constituição? E outra coisa: quais desses jovens vão pensar em vir cada um deles a ser professor, se sabe que, neste País, pela Constituição, fica proibido de haver um piso salarial minimamente decente?

Na verdade, se essa inconstitucionalidade for concedida, estaremos dando um atestado de indecência à nossa Constituição. Ou seja, vamos fazer com que a decência seja inconstitucional no Brasil.

Foi isso que alguns governadores pediram. Uma governadora e cinco governadores. Isso não cabe num país decente. Veja que eu nem falei em democrático; falei em decente, pura e simplesmente decente. Além disso, não cabe a um país que deseja ter um futuro, porque o futuro começa na escola. O viaduto que leva um país ao futuro é a escola, mas ninguém, ou melhor, poucos aceitam a idéia de que precisam de recursos para a escola.

Vejam, por exemplo: ontem nós vimos o Governo Federal - e, sinceramente, não estou contra isto - com uma medida emergencial na economia. Está jogando quatro bilhões em certos bancos, para que se criem linhas de crédito para financiar o consumo. Ou seja, não podemos deixar que as indústrias automobilísticas diminuam a produção de automóveis; mas podemos deixar - é isso que se está dizendo com o pedido de inconstitucionalidade dos governadores - que as escolas continuem com professores ganhando pouco e trabalhando muito.

Onde a gente vai com essa maneira de pensar o futuro do País? Não se pode reduzir venda de automóveis. Agora, pode-se, sim, deixar baixa a produção de cérebros, a produção de especialistas, a produção da ciência e tecnologia, que é o verdadeiro capital do futuro.

O capital do futuro não vai estar nessas máquinas que fazem os carros; vai estar na inteligência de quem faz as máquinas que fazem os carros. Mas a gente não consegue transmitir essa mensagem à maior parte das lideranças nacionais. Em parte talvez porque existam duas escolas neste País: existe a escola dos eleitores, a escola pública; e existe a escola dos filhos dos eleitos, a escola privada.

E há um projeto aqui em circulação que diz que todo eleito neste País deveria colocar seus filhos na escola pública. Esse eu acho que não vai nem sair do Senado, Senadora Ideli. Vai ser considerado inconstitucional antes. E, mais uma vez, que decência a gente vê numa Constituição que não é capaz de exigir que a escola do eleito seja a mesma escola do eleitor? De exigir que o filho do eleito esteja na mesma escola do filho do seu eleitor?

Nós comemoramos, esta semana, vinte anos da Constituição. E o presente que lhe demos, nós os políticos, por causa desses cinco governadores, foi o de que ela deve ser a barreira para pagar o piso salarial; a barreira para fazer com que a jornada de aula seja menor do que a carga de trabalho. É triste a comemoração de uma Constituição - duas décadas dela - que está servindo contra o País.

A Constituição que é contra o seu país não tem futuro, porque o país não tem futuro. É preciso que a Constituição seja um instrumento de construção do futuro do país. Por isso, devia estar lá, na Constituição, desde o começo, a decência de uma escola de qualidade. João Calmon tentou como Constituinte; tiraram o que ele defendeu. Foi para a sistematização de uma maneira muito mais tímida a proposta de piso salarial; ele queria a carreira nacional. A sistematização não conseguiu nem colocar isso, porque o tal do Centrão, naquela época, não permitiu. E agora chegamos ao cúmulo: no tocante àquilo que a gente não colocou na Constituição, agora usam a Constituição como barreira para que seja colocado por projeto de lei.

Eu quero deixar aqui não apenas este meu protesto, mas eu quero deixar aqui a certeza de que os professores deste País não vão deixar isso passar em branco. Diversas manifestações já estão sendo organizadas no País inteiro, Senador Geraldo, especialmente nos Estados dos governadores que assinaram: o Estado do Ceará, o Estado do Mato Grosso do Sul e três Estados ricos - o Estado de Santa Catarina, o Estado do Paraná e o Estado do Rio Grande do Sul.

Eu imagino que Leonel Brizola, que fez do Estado do Rio Grande do Sul o símbolo da educação, lá onde ele estiver, está pensando hoje: “Do meu Estado, está saindo a liderança para impedir, em nome da Constituição, que os professores ganhem R$950,00 daqui a três anos e fiquem falando seis horas, e não oito horas por dia na sala de aula”. Eu imagino também o que é que ele está esperando de nós: que não aceitemos que isso aconteça; que vamos para as ruas, para exigir que, neste País, a Constituição seja um instrumento da decência, e não um instrumento da indecência, da falta de ética. Ética das prioridades, ética de pôr o futuro como um objetivo do País. Ética de ver as crianças como tendo tantos direitos quanto os adultos que votam. E a criança precisa da escola, onde ela vai formular, construir, desenvolver a sua capacidade para ajudar o Brasil a se construir, com uma Constituição digna e que seja usada com finalidades dignas; e não como estão tentando fazer, transformando-a na Constituição que impede a decência, fazendo com que haja uma inconstitucionalidade da decência neste País, como esses governadores estão tentando.

Ainda há muita oportunidade, muita chance de luta pela frente, e muita esperança de que o Supremo Tribunal Federal vá entender que a Constituição não pode ser um instrumento que barre a decência no Brasil.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/11/2008 - Página 44383