Discurso durante a 209ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o movimento que pretende rever a Lei da Anistia.

Autor
Efraim Morais (DEM - Democratas/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Considerações sobre o movimento que pretende rever a Lei da Anistia.
Aparteantes
Augusto Botelho, Mozarildo Cavalcanti, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2008 - Página 44676
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, IMPORTANCIA, LEI DE ANISTIA, CRIAÇÃO, REQUISITOS, PAZ, POLITICA NACIONAL, QUESTIONAMENTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CHEFE, CASA CIVIL, TENTATIVA, EXCLUSÃO, PERDÃO, CRIME, TORTURA, CRITICA, CONFLITO, PODER, FORÇAS ARMADAS.
  • COMENTARIO, POSTERIORIDADE, LEGISLAÇÃO, DEFINIÇÃO, CRIME, TORTURA, IMPRESCRITIBILIDADE, REFERENCIA, LEI DE ANISTIA, ILEGALIDADE, RETROATIVIDADE, OBJETIVO, PREJUIZO, APREENSÃO, QUEBRA, PACTO, POLITICA NACIONAL.
  • LEITURA, TRECHO, ENTREVISTA, CIENTISTA POLITICO, DEFESA, LEI DE ANISTIA, COMENTARIO, ORADOR, IGUALDADE, IMPRESCRITIBILIDADE, CRIME, TERRORISMO, QUESTIONAMENTO, MEMBROS, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, QUALIDADE, TERRORISTA, PRESERVAÇÃO, DEMOCRACIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como é do conhecimento desta Casa, há um movimento, que teve origem no Ministério da Justiça e alastrou-se para a Casa Civil e para a Secretaria de Direitos Humanos, no sentido de se rever a Lei de Anistia. Quer o nobre Ministro Tarso Genro que dela sejam excluídos aqueles que praticaram tortura durante o regime militar.

Os argumentos, de ordem humanista, resumem-se a constatar que a tortura é um crime abominável, que não merece perdão.

         Por essa ótica, não há dúvida: a tortura é, de fato, crime abominável, que não merece perdão. E não estamos aqui a condescender com quem o praticou - aviso desde já às Srªs Senadoras e aos Sr. Senadores.

Ocorre, Sr. Presidente, que não se trata apenas disso. Há, acima dessa constatação, algo maior: a Lei de Anistia, sancionada há quase 30 anos, que propiciou a transição pacífica do regime autoritário para a democracia.

Foi graças a ela que, em 1984, foi possível, sem transtornos institucionais, eleger-se um Presidente civil - a chapa Tancredo Neves - José Sarney - e devolver o Brasil ao pleno Estado democrático de Direito. 

Desde então, passamos a viver um ambiente inédito na vida política nacional: a ausência de interferência do poder militar, com a prevalência absoluta do poder civil.

De lá para cá, vivemos algumas crises institucionais graves - entre as quais o impeachment de um Presidente da República e o quase impeachment de outro, sem que nenhuma ordem do dia pontuasse esses momentos.

Tivemos, Sr. Presidente, uma Assembléia Nacional Constituinte, em que o estamento militar se comportou como um dos muitos grupos de pressão da sociedade brasileira, na defesa de seus interesses funcionais. Nada mais, Senador Mão Santa. Em nenhum momento, ousou interferir nos debates, que se circunscreveram ao âmbito dos partidos políticos.

São 25 anos de ausência de interferências militares, o mais longo período de absenteísmo castrense da história republicana brasileira. E é disto que se trata: saber se queremos restabelecer um confronto entre o poder civil e o militar.

Não se trata de avaliar moralmente a situação dos torturadores, até porque todos, sem exceção, já foram submetidos à condenação moral (que lei nenhuma pode impedir) e estão banidos da vida pública. Convém abrir mão dessa conquista e revolver o passado?

É essa avaliação que temos de fazer.

A condenação penal está impedida pela Lei de Anistia. O Ministro da Justiça, Tarso Genro, e a Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, dizem que a tortura é crime imprescritível. Só que a lei que considerou a tortura crime imprescritível é posterior à da Anistia. A de Anistia é de 1979 e aquela, de 1997.

E há um princípio legal segundo o qual uma lei não retroage para prejudicar. Portanto, os dois personagens que ensejaram a presente iniciativa de punir os que torturaram - os coronéis da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Aldir dos Santos Maciel, acusados de comandar células da repressão que praticaram tortura, estão cobertos pela Lei da Anistia. Lamentavelmente, temos de dizer, goste-se ou não disso.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Efraim.

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB) - Darei, em breve, um aparte a V. Exª, Senador Mozarildo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mexer na Lei de Anistia significa quebrar um pacto político que deu certo. Os perseguidores do regime militar que reclamam essa reparação estão hoje no poder e têm as Forças Armadas, seus adversários de então, sob controle.

Mudar esse panorama, em nome do que quer que seja, é, a meu ver, uma temeridade. Inútil, Srs Senadores, inútil temeridade. E invoco aqui o pensamento insuspeito de um ex-exilado, perseguido pelo regime militar de 64, que sustenta o mesmo fundamento. Refiro-me, Senador Mozarildo, ao cientista político, escritor, jornalista e professor Luiz Alberto Moniz Bandeira.

Biógrafo de João Goulart, a quem acompanhou no exílio, e autor de vasta obra no campo da historiografia política - entre os quais, o monumental Formação do Império Americano -, Moniz Bandeira pode ser acusado de qualquer coisa, menos de ser um conservador ou reacionário.

Em entrevista à revista Cult, que está nas bancas, ao ser indagado sobre a circunstância de o Brasil, ao contrário de seus vizinhos sul-americanos, não ter punido os que torturaram, responde o seguinte:

 Não faz sentido não pretender a revisão da Lei de Anistia, reabrir feridas cicatrizadas, depois de quase 30 anos. E não se pode comparar o regime militar no Brasil com o que foi implantado na Argentina e no Chile, onde houve milhares de mortos e desaparecidos. No Brasil, houve torturas, abuso de direitos humanos, mas em escala muito menor que nesses outros países. Claro que não podem ser justificados, mas uma lei de anistia não pode ser parcial. Se houve anistia para os que se rebelaram, empunharam armas contra a ditadura, seqüestraram diplomatas e outros crimes políticos, a lei não pode excluir do benefício os que empreenderam a repressão.

Moniz Bandeira sabe bem do que fala. Acaba de publicar longo estudo sobre os regimes militares da América Latina nas décadas de 60 e 70. Publicou recentemente Fórmula para o Caos - A Derrubada de Salvador Allende.

O Ministro Tarso Genro, que já foi desautorizado pelo Presidente Lula nessa iniciativa, a Ministra Dilma Rousseff e o Ministro Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, deveriam lê-lo, se ainda não o fizeram.

Afinal, alguns deles - como Dilma e Vannuchi - também pegaram em armas para combater o regime, envolvendo-se em ações terroristas. E, segundo o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, também o terrorismo é crime imprescritível.

Srs. Senadores, de acordo com as palavras do Ministro Gilmar Mendes - “mexer com os que torturaram implica mexer com os que pegaram em armas” -, muita gente que hoje ocupa postos de expressão do Governo Lula estaria envolvida. Além dos que já citei, há ainda os Ministros Luiz Dulcci, da Secretaria-Geral da Presidência da República, e Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação.

Argumentar, como fez o Presidente da OAB, Cezar Britto, que guerrilha não é terrorismo é questionável. Não o é quando se trata de enfrentamento armado restrito aos grupos beligerantes. Mas, quando envolve inocentes - e há registro de morte de gente inocente em ações guerrilheiras, além de seqüestros de diplomatas estrangeiros -, o quadro é outro.

Como classificar o uso de bombas em locais públicos, que atingiram e vitimaram terceiros? É terrorismo mesmo. E, portanto, também é crime imprescritível.

Quando se discutia a Lei de Anistia, os militares quiseram excluir de seus benefícios os que praticaram crimes considerados comuns, de olho nos ex-guerrilheiros.

Pois foram exatamente os grupos de esquerda, que agora reclamam a punição dos torturadores, que se opuseram a essa exclusão. A anistia, segundo o lema da campanha que empolgou o Brasil, teria de ser - e acabou sendo - “ampla, geral e irrestrita”, sem qualquer tipo de exclusão.

Daí, Srªs e Srs. Senadores, a menção aos crimes conexos, que a tornou de fato ampla, geral e irrestrita - e esse é o segredo de seu sucesso político, que já dura 30 anos.

Não há dúvida, repito, de que a tortura constitui uma anomalia, que merece condenação moral permanente. Mas fabricar uma crise política, revolvendo o passado, enquanto a conjuntura presente já oferece desafios mais que suficientes, é inaceitável. Anistia é “perpétuo esquecimento”.

Escuto V. Exª, Senador Mozarildo; em seguida, o Senador Augusto Botelho e, depois, o eminente Senador Mão Santa, do Piauí.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Efraim, o pronunciamento de V. Exª é perfeito: aborda todos os ângulos, inclusive e principalmente a condenação que todos nós pregamos da tortura. Aliás, nós dois pertencemos a uma instituição que foi muito torturada no passado pela igreja, pela chamada igreja romana, por meio da Inquisição. Os reis também usaram a tortura a três por dois no passado para combater os seus adversários, principalmente aqueles que iam proclamar as repúblicas. Também não aprovamos a tortura feita por Hitler contra judeus e outros. Então, na verdade, estamos plenamente de acordo com o Ministro Tarso nesta questão: a tortura é condenável sob todos os aspectos, tanto a tortura feita por quem está no poder como a tortura feita por quem está fora do poder. O que o Ministro Tarso Genro está querendo, Senador Efraim, é desviar o foco da sua má gestão à frente do Ministério da Justiça. Ele está sendo um ministro da injustiça. Na verdade, ele não comanda a Polícia Federal, ele não tem controle sobre o que fazem os seus órgãos auxiliares. Ele realmente não faz jus a continuar Ministro. O que ele está querendo, ao desviar o foco para essa questão, é palanque para 2010. Ele foi derrotado no Rio Grande do Sul e em vários outros Estados. Então, ele está querendo palanque, querendo ser notícia, porque não tem como ser notícia de outra forma. Chegou a acusar, por exemplo, o Presidente do Supremo Tribunal Federal de ser simpatizante dos torturadores. A que ponto chegamos! Então, V. Exª repete o que os jornais publicaram: o Presidente Lula desautorizou o Ministro da Justiça e a Ministra da Casa Civil. Mas que Presidente da República é esse que tem um Ministro, ou uma Ministra ou um auxiliar abaixo do Ministro que diz algo com que ele não concorda e fica assim mesmo? Então, realmente, é complicado pensar que estamos numa República que leva a sério o presente e o futuro deste País.

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB) - Agradeço a V. Exª, Senador Mozarildo, pelo aparte ao meu pronunciamento. V. Exª lembra realmente um pouco da história, em que, na realidade, a tese de que anistia é perpétuo esquecimento tem de ser válida também para a anistia que há 30 anos pacificou, com certeza, os Partidos e a classe política deste País, sem nenhuma intervenção desde então dos militares, que se recolheram na sua missão de defender e fazer a segurança deste País.

Senador Augusto Botelho, com muito prazer, escuto V. Exª.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Efraim Morais, V. Exª traz um tema que realmente a gente precisa discutir aqui. Gostaria de deixar bem claro que sou contra qualquer forma de tortura.

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB) - Todos nós, Senador.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Todos nós somos contra a tortura. Também gostaria de deixar bem claro que a anistia de que V. Exª falou - ampla, geral e irrestrita - foi um acordo feito entre os brasileiros há muito tempo. Esse acordo foi feito e tem de ser cumprido. Em vez de a gente estar se preocupando com a tortura, que realmente aconteceu, temos de nos preocupar é com tudo o que acontece agora nos presídios brasileiros. Colocar trinta presos numa cela onde só cabem seis pessoas é uma forma de tortura. E há torturas físicas, violência que ocorrem mesmo com os presos, por afogamento, sacos plásticos. Todo mundo sabe que isso ocorre no Brasil. Nós temos que acabar com isso. Nós temos que mobilizar nosso esforço e recursos para acabar com isso; melhorar as condições dos presídios, educar os nossos policiais para que não façam isso, porque a tortura que é feita contra os pequenos, que não é ideológica, não é política, atinge seres humanos também, e são nossos irmãos brasileiros. Nós temos que trabalhar assim, o Ministério da Justiça tem que focar nesse ponto. E essa discussão poderá ocorrer no futuro, mais à frente, quando tivermos realmente extinguido a tortura. Ninguém extinguiu a tortura ainda no Brasil! Então, acho que V. Exª traz um tema muito oportuno, e parabenizo V. Exª por ter coragem de trazer esse assunto aqui no dia de hoje.

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB) - Eu é que agradeço o aparte de V. Exª, Senador Augusto Botelho. Com certeza, V. Exª lembra, neste momento, a questão dos presídios no nosso País, onde, a cada dia, a cada minuto, as torturas acontecem, as rebeliões.

Enfim, nós temos que pensar não no passado - que o passado tome conta do passado; nós temos que pensar em construir o futuro. E essa é uma preocupação que não é apenas do Governo, mas é também das Oposições e é da sociedade brasileira.

Acho que não adianta trazermos um assunto que em nada vai contribuir neste momento em que se vive a democracia plena no nosso País. Estão aí as eleições que aconteceram, as eleições municipais, nas quais se respeita e se respeitou o voto do cidadão brasileiro, que é soberano. E esse assunto em nada vai contribuir, nem vai construir nada para o nosso País; pelo contrário, neste momento de crise, no momento em que todos nós estamos deixando as nossas ideologias, as nossas posições políticas, estamos todos no mesmo caminho - a Oposição se unindo ao Governo, o Governo entendendo a Oposição -, para que possamos nos unir em nome do Brasil, em nome da proteção do nosso País, para enfrentar essa crise que não é culpa nossa, mas que chega aqui, e chega muito forte, e precisa das cabeças dos homens e das mulheres deste País, principalmente daqueles que têm o poder.

Senador Mão Santa!

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Efraim, V. Exª, como sempre, muito atuante, muito brilhante e muito necessário a este Parlamento e à democracia, vai buscar um tema, ô Papaléo, deveras importante: tem que haver harmonia entre os Poderes. Esse negócio desse aloprado aqui, Vannuchi, e da outra aloprada acolá é um desrespeito à hierarquia, já que o chefe, unidade de comando e direção, foi o Luiz Inácio, que declarou que não é conveniente. Esses dois aloprados, esse casal de aloprados, estão desobedecendo o nosso chefe, o nosso Presidente, o Luiz Inácio. Eu, como Governador de Estado, nunca permiti isso. Essa é a verdade: Estão atirando no chefe de outro Poder, Gilmar Mendes, que é uma benção para o equilíbrio democrático. E V. Exª retrata muito bem o que eu queria dizer. Olha, sou testemunha, estou aqui por mérito, atentai bem. Em 1979, Papaléo, eu era Deputado Estadual, novinho, e marquei uma audiência com Petrônio Portella, no Ministério da Justiça, às 9 horas da manhã. Está aí Antônio Araújo, que é o assessor, testemunha ocular, do Marco Maciel. Ele era assessor de Petrônio Portella. Quando morreu, Marco Maciel, sabido, ele é piauiense de Floriano, um homem cheio de virtudes e direito... Então, marquei uma audiência para dois companheiros médicos, com credenciamento no hospital, às 9 horas da manhã. E o Petrônio estava lá. Efraim, quando ele abriu, ele disse: “Faltaria com o João e não faltaria com você, que é uma das minhas bases”. Eu fiquei perplexo e perguntei: “que João?” Ele disse: “O João Baptista Figueiredo, o Presidente. Eu acabei de tomar café com ele. Vim porque tinha este compromisso”. Prestando contas da votação da anistia. Foram sete votos a diferença. Ele disse: “Foi muito trabalho, foi muita negociação, foi muita coordenação”. Ele que teve a moral de fazer uma reforma do Judiciário, e os canhões, três anos antes, fecharam o Congresso. E ele disse: “Este é o dia mais triste da minha vida”, e Geisel mandou abrir. Então, eu o vi explicando que isso foi muito trabalho, foi muita negociação. E foi muita pureza de Petrônio Portella, um estadista, porque não é qualquer aloprado que pode, não. Então, enterrou, acabou, foi-se a lei. Paz, paz e paz. Francisco, o santo, andava com uma bandeira: “Paz e Bem”. Eu saí da igreja, e o padre disse ontem: “A paz do Senhor vos acompanhe”. Então, nós buscando a paz, e esses aloprados querem desenterrar e trazer... A igreja fez muito, mas, se formos desenterrar as crueldades das inquisições, onde é que nós vamos parar? Tudo isso, e eu ficaria parabenizando V. Exª, e o Parlamento é para isso. Mitterrand disse:“Fortalecer os contrapoderes”... Então, neste momento, V. Exª representa a grandeza de frear o Executivo, para que respeite o Judiciário. E eu diria como o filósofo Ortega y Gasset: “O que vale é o porvir. É o vir a ser.” Então, vamos trabalhar pelo porvir, que leve o povo do Brasil à paz, que só virá da justiça e do trabalho.

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB) - Sr. Presidente, para concluir, agradecendo ao aparte do Senador Mão Santa, incorporando-o na íntegra ao nosso pronunciamento, devo dizer que não há dúvida, repito, de que a tortura constitui uma anomalia, que merece condenação moral permanente. Mas fabricar uma crise política, revolvendo o passado, enquanto a conjuntura presente já oferece desafios mais que suficientes, é inaceitável. Por isso, insisto em dizer que a anistia é perpétuo esquecimento. E é selada quando cessa o conflito e ambas as partes se decidem por reconstruir a vida nacional, de olhos no futuro.

Abstenho-me de citar nomes e posso dizer, Sr. Presidente, antes, que há diversos personagens que participaram do regime militar que hoje são colaboradores do Governo Lula e tiveram importante participação na transição democrática. Abstenho-me de citar nomes porque são conhecidos. Tal aliança indica também a eficácia da anistia, que deixou para trás uma página de turbulência da História do Brasil, para que outras, mais sensatas e construtivas, pudessem ser escritas.

E é disso que precisamos tratar, Srs. Senadores. Vamos deixar o passado no passado e tratar de construir o futuro.

Era o que tinha a dizer. Agradeço, Senador Papaléo Paes, a tolerância de V. Exª.

Muito obrigado.

 

*********************************************************************************SEGUE NA ÍNTEGRA DISCURSO DO SENADOR EFRAIM MORAIS

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O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como é do conhecimento desta Casa, há um movimento, que teve origem no Ministério da Justiça - e alastrou-se para a Casa Civil e a Secretaria de Direitos Humanos --, no sentido de se rever a Lei de Anistia. Quer o ministro Tarso Genro que dela sejam excluídos aqueles que praticaram tortura durante o regime militar.

Os argumentos são de ordem humanista, que se resumem a constatar que a tortura é um crime abominável, que não merece perdão.

Por essa ótica, não há dúvida: a tortura é, de fato, crime abominável, que não merece perdão. E não estamos aqui a condescender com quem o praticou - aviso desde já.

Ocorre que não se trata apenas disso. Há, acima dessa constatação, algo maior: a Lei de Anistia, sancionada há quase 30 anos e que propiciou a transição pacífica do regime autoritário para a democracia.

Foi graças a ela que, em 1984, foi possível, sem transtornos institucionais, eleger-se um presidente civil - a chapa Tancredo Neves - José Sarney - e devolver o Brasil ao pleno Estado democrático de Direito.

Desde então, passamos a viver um ambiente inédito na vida política nacional: a ausência de interferência do poder militar, com a prevalência absoluta do poder civil.

De lá para cá, vivemos algumas crises institucionais graves - entre as quais o impeachment de um presidente da República, Fernando Collor, e o quase impeachment de outro, o presidente Lula -, sem que nenhuma ordem do dia pontuasse esses momentos.

Tivemos uma Assembléia Nacional Constituinte, em que o estamento militar se comportou como um dos muitos grupos de pressão da sociedade brasileira, na defesa de seus interesses funcionais. Nada mais. Em nenhum momento, ousou interferir nos debates, que se circunscreveram ao âmbito dos partidos políticos.

São 25 anos de ausência de interferências militares, o mais longo período de absenteísmo castrense da história republicana brasileira. E é disso que se trata: saber se queremos restabelecer um confronto entre o poder civil e o militar.

Não se trata de avaliar moralmente a situação dos torturadores, até porque todos, sem exceção, já foram submetidos a condenação moral (que lei nenhuma pode impedir) e estão banidos da vida pública. Convém abrir mão dessa conquista e revolver o passado?

É essa avaliação que temos que fazer.

A condenação penal está impedida pela Lei de Anistia. O ministro da Justiça, Tarso Genro, e a chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, dizem que tortura é crime imprescritível. Só que a lei que a considerou tortura crime imprescritível é posterior à de Anistia. A de Anistia é de 1979 e aquela de 1997.

E há um princípio legal segundo o qual uma lei não retroage para prejudicar. Portanto, os dois personagens que ensejaram a presente iniciativa de punir os que torturaram - os coronéis da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, acusados de comandar células da repressão que praticaram tortura - estão cobertos pela Lei de Anistia, goste-se ou não disso.

Mexer na Lei de Anistia significa quebrar um pacto político que deu certo. Os perseguidos do regime militar, que reclamam essa reparação, estão hoje no poder e têm as Forças Armadas, seus adversários de então, sob controle.

Mudar esse panorama, em nome do que quer que seja, é, a meu ver, uma temeridade. Inútil temeridade. E invoco aqui o pensamento insuspeito de um ex-exilado, perseguido pelo regime militar de 64, que sustenta o mesmo fundamento.

Refiro-me ao cientista político, escritor, jornalista e professor Luiz Alberto Moniz Bandeira.

Biógrafo de João Goulart, a quem acompanhou no exílio, e autor de vasta obra no campo da historiografia política - entre as quais o monumental “Formação do Império Americano” -, Moniz Bandeira pode ser acusado de qualquer coisa, menos de ser um conservador ou reacionário.

Em entrevista à revista Cult, que está nas bancas, ao ser indagado sobre a circunstância de o Brasil, ao contrário de seus vizinhos sul-americanos, não ter punido os que torturaram, responde o seguinte (aspas):

“Não faz sentido pretender a revisão da Lei de Anistia, reabrir feridas cicatrizadas, depois de quase 30 anos. E não se pode comparar o regime militar no Brasil com o que foi implantado na Argentina e no Chile, onde houve milhares de mortos e desaparecidos. No Brasil, houve torturas, abuso de direitos humanos, mas em escala muito menor que nesses outros países. Claro que não podem ser justificados, mas uma lei de anistia não pode ser parcial. Se houve anistia para os que se rebelaram, empunharam armas contra a ditadura, seqüestraram diplomatas e outros crimes políticos, a lei não pode excluir do benefício os que empreenderam a repressão.” (fecha aspas)

Moniz Bandeira sabe bem do que fala. Acaba de publicar longo estudo sobre os regimes militares da América Latina, nas décadas de 60 e 70 - “Fórmula para o Caos - A Derrubada de Salvador Allende”.

O Ministro Tarso Genro, que já foi desautorizado pelo presidente Lula nessa iniciativa, a ministra Dilma Roussef e o ministro Vanucchi, da Secretaria de Direitos Humanos, deveriam lê-lo.

Afinal, alguns deles - como Dilma e Vanucchi -também pegaram em armas para combater o regime, envolvendo-se em ações terroristas. E, segundo o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, também o terrorismo é crime imprescritível.

Ou seja, mexer com os que torturaram implica mexer com os que pegaram em armas - o que envolverá gente que hoje ocupa postos de expressão no governo Lula. Além dos que já citei, há ainda os ministros Luiz Dulcci, da Secretaria-Geral da Presidência da República, e Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação.

Argumentar, como o fez o presidente da OAB, Cezar Britto, que guerrilha não é terrorismo, é questionável. Não o é quando se trata de enfrentamento armado restrito aos grupos beligerantes. Mas, quando envolve inocentes - e há diversos registros de mortes de gente inocente, em ações guerrilheiras, além de seqüestros a diplomatas estrangeiros -, o quadro é outro.

Como classificar o uso de bombas em locais públicos, que atingiram e vitimaram terceiros? É terrorismo mesmo. E, portanto, também crime imprescritível.

Quando se discutia a Lei de Anistia, os militares quiseram excluir de seus benefícios os que praticaram crimes considerados comuns, de olho nos ex-guerrilheiros.

Pois foram exatamente os grupos de esquerda, que agora reclamam a punição dos torturadores, que se opuseram a essa exclusão. A anistia, segundo lema da campanha que empolgou o Brasil, teria que ser - e acabou sendo - “ampla, geral e irrestrita”, sem qualquer tipo de exclusão.

Daí a menção aos crimes conexos, que a tornou de fato ampla, geral e irrestrita - e esse é o segredo de seu sucesso político, que já dura 30 anos.

Não há dúvida, repito, de que a tortura constitui uma anomalia, que merece condenação moral permanente. Mas, fabricar uma crise política, revolvendo o passado, enquanto a conjuntura presente já oferece desafios mais que suficientes, é inaceitável. Anistia é “perpétuo esquecimento”.

E é selada quando cessa o conflito e ambas as partes se decidem por reconstruir a vida nacional, de olhos no futuro.

Há diversos personagens que participaram do regime militar que hoje são colaboradores do Governo Lula - e tiveram importante participação na transição democrática.

Abstenho-me de citar nomes, pois são conhecidos. Tal aliança indica também a eficácia da anistia, que deixou para trás uma página de turbulência da história do Brasil para que outras, mais sensatas e construtivas, pudessem ser escritas.

E é disso que precisamos tratar. Vamos deixar o passado no passado e tratar de construir o futuro.

É o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2008 - Página 44676