Pronunciamento de Alvaro Dias em 10/11/2008
Discurso durante a 209ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Reflexão sobre o transcurso dos 20 anos da Assembléia Nacional Constituinte.
- Autor
- Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
- Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
PODERES CONSTITUCIONAIS.:
- Reflexão sobre o transcurso dos 20 anos da Assembléia Nacional Constituinte.
- Aparteantes
- Mozarildo Cavalcanti.
- Publicação
- Publicação no DSF de 11/11/2008 - Página 44688
- Assunto
- Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS.
- Indexação
-
- REGISTRO, ANIVERSARIO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SEMANA, NATUREZA JURIDICA, FACULDADE, DIREITO, MUNICIPIO, OURINHOS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CORNELIO PROCOPIO (PR), ESTADO DO PARANA (PR), VALORIZAÇÃO, REDEMOCRATIZAÇÃO, PAIS.
- REGISTRO, FRUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO, PERDA, ETICA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, GRAVIDADE, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, DESCUMPRIMENTO, EXPECTATIVA, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
- ANALISE, EXECUTIVO, DOMINIO, LEGISLATIVO, REPUDIO, CORRUPÇÃO, MESADA, TROCA, FAVORECIMENTO, CARGO PUBLICO, CRESCIMENTO, BUROCRACIA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), USURPAÇÃO, FUNÇÃO LEGISLATIVA.
- COMENTARIO, SOLENIDADE, CONGRESSO NACIONAL, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EMPENHO, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EPOCA, MANDATO, DEPUTADO FEDERAL, OPOSIÇÃO, TEXTO, ELOGIO, PRONUNCIAMENTO, PRESIDENTE, SENADO, COMBATE, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
- RECONHECIMENTO, EMPENHO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GARANTIA, LIBERDADE, DIREITOS, CONCLAMAÇÃO, CUMPRIMENTO, DIRETRIZ, IMPORTANCIA, APERFEIÇOAMENTO.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, sempre generoso. O Senador Arthur Virgílio o conhece muito bem, e certamente nós desejamos, Senador Mão Santa, tê-lo de volta aqui a partir de 2011 também, já que, sei, V. Exª disputará a reeleição para o Senado Federal. O nosso desejo é que V. Exª retorne com o brilho e a generosidade de sempre.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Eu podia também ser um Obama aqui: vindo lá de um Estado pequeno, um fenômeno.
O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que ainda é a oportunidade para falarmos sobre os 20 anos da Assembléia Nacional Constituinte. Na semana passada, o Congresso Nacional comemorou esse evento, e diversas semanas jurídicas se realizaram em várias faculdades de Direito do País.
Eu tive a oportunidade de participar de dois eventos dessa natureza: um na cidade de Ourinhos, no Estado de São Paulo, e outro na cidade de Cornélio Procópio, no Paraná.
É uma comemoração que se justifica, porque, no dia 5 de outubro de 1988, a Nação ouviu, emocionada, a voz de Ulysses Guimarães promulgando a Constituição cidadã. Ulysses afirmou: “É o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude a fazer com que seja cumprida.”
Marcava essa solenidade o reencontro do Brasil com as liberdades democráticas. Concluía-se o período de transição. O País mudava. Uma nova Constituição, porque, até aquele momento, o texto constitucional sofrera inúmeras alterações oriundas da prepotência e do autoritarismo e, com isso, deformava o perfil jurídico da Nação brasileira.
Essa Constituição, Sr. Presidente, despertou esperanças no nosso povo, que aguardava soluções no novo Estado democrático de direito, com governos honestos que respeitassem os compromissos com a ética, a moralidade, e a eficiência, com o Poder Legislativo liberto do jugo do Poder Executivo, a que ficou submetido durante 25 anos do regime militar, com a subtração total das suas prerrogativas fundamentais, amesquinhado e humilhado.
E o que se viu depois de vinte anos? O que se vê, Sr. Presidente, depois de vinte anos, é muita decepção, porque a ética, Senador Mozarildo Cavalcanti, foi prática abolida nas administrações da União, dos Estados e dos Municípios.
A corrupção campeou, nos últimos anos, como nunca na história do Brasil. Hoje, aqui desta tribuna, ouviram-se inúmeros fatos que comprovam essa assertiva. As denúncias repercutiram na imprensa nacional de forma densa, como jamais ocorrera. Viram-se grandes escândalos de corrupção - mensalão, sanguessugas, cartões corporativos -, corrupção consentida, assimilada, com a proclamação da impunidade que a estimula, tornando governantes cúmplices delas e outros dela beneficiários, numa relação de promiscuidade incomum entre o poder público e o setor privado, uma relação de promiscuidade que se repete entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Não era isso que o povo brasileiro esperava depois da promulgação da Constituição Cidadã.
De outro lado, o Legislativo subjugado entre tantas emendas oferecidas ao texto constitucional, a maior parte delas com o objetivo de o Executivo dominar o Legislativo. Se antes, no período autoritário, o Executivo dominava com a força, com a cassação de mandatos, o Executivo atual domina o Legislativo com outros instrumentos; da mesma forma, instrumentos condenáveis: o balcão de negócios estabelecendo como premissa o toma-lá-dá-cá; o mensalão; a relação de promiscuidade; a cooptação da maioria congressual através de métodos espúrios; o fisiologismo; a nomeação para a direção de estatais; o crescimento da máquina pública com um número exorbitante de ministérios, de secretarias, coordenadorias, diretorias, cargos comissionados preenchidos pelos partidos aliados, que dão sustentação ao Governo e admitem a subtração de prerrogativas deste Poder em nome das vantagens pessoais auferidas, nesse sistema de promiscuidade que estabeleceu uma relação indesejável do ponto de vista do interesse público.
O Legislativo, portanto, continuou subjugado. A Constituição não o libertou das garras do Poder Executivo. Especialmente através de um instrumento apropriado para o regime parlamentarista, a medida provisória, o Poder Executivo se transforma no maior legislador, e cabe a nós, parlamentares, a condição de simples homologadores da vontade superior de quem governa o País.
Essa é a realidade. Não sei por que essa realidade não ficou exposta na solenidade que comemorou os vinte anos da Constituição.
O Presidente Garibaldi, ao final, com irreverência, bom humor e ironia, ousou e criticou o Chefe do Poder Executivo em sua presença.
Constrangimento houve, até porque o Presidente Lula foi um crítico contundente, radical do texto constitucional elaborado e promulgado em 5 de outubro de 1988.
O Senador Mozarildo Cavalcanti leu, desta tribuna, trechos do discurso do então Deputado Luiz Inácio Lula da Silva. O PT não queria subscrever o texto constitucional, dividiu-se. Nós percebemos, na solenidade em que esteve presente o Presidente Lula e em que foi orador, além dele, o Presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, um inevitável constrangimento em razão desses precedentes históricos sobejamente conhecidos de todos nós. Mas a contradição se fez presente quando o Presidente da República enalteceu a Constituinte, proclamou seus méritos e louvou o texto constitucional. É claro: a metamorfose se operou mais uma vez.
O que importa é que todos reconheçamos os méritos da nova Constituição, mas saibamos também combater o descumprimento de seus objetivos e defender uma postura nova, que possa brotar daqui, do Poder Legislativo, a fim de que o discurso de Ulysses Guimarães e, sobretudo, o seu idealismo possam ser revividos em momentos de transformação do comportamento de todos aqueles que se submetem, em que pese o fato de a Constituição nos oferecer as possibilidades de agirmos com independência e autonomia.
Vou conceder ao Senador Mozarildo Cavalcanti o aparte que solicita, para depois prosseguir positivamente, dissertando sobre as mudanças reais, efetivas ocorridas depois da nova Constituição, sobre o que ela nos ofereceu de bom, sobre o que ela pôde promover de transformação na face social do Brasil.
Concedo a V. Exª, antes de prosseguir, o aparte que solicita, Senador Mozarildo.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Alvaro Dias, como V. Exª falou, na semana passada, não resisti a fazer um pronunciamento sobre o tema. Como Constituinte que fui, sempre analisei a Constituição que derivou do processo constituinte como uma Constituição possível. Era compreensível que esta Constituição fosse longa, que tivesse detalhes que poderiam estar numa lei complementar e numa lei ordinária, porque ela representava ali o desaguadouro de todo o anseio de uma população que estava, há mais de 20 anos, com os seus direitos mínimos constrangidos, abolidos. Então, esta Constituição foi a possível e a melhor que se escreveu. Mas não pude realmente resistir, Senador Mão Santa, ao sofisma do Presidente Lula - e eu li o pronunciamento dele aqui, como V. Exª frisou -, que, no dia 22 de setembro, como porta-voz do PT, que tinha 16 Deputados, avisou que o PT votaria contra o texto, mas assinaria o documento apenas para formalizar que esteve presente. Ora, o PT - e especificamente o Deputado constituinte Lula - foi radicalmente contra a Constituição. E disse, inclusive, que a Constituição era fruto de ações dos grupos conservadores e reacionários que estavam encastelados no Palácio do Planalto. Quem era o Presidente, Senador Alvaro Dias? Era o nosso Presidente Sarney, atualmente Senador, o homem que mais dá suporte e governabilidade ao Governo Lula, que o ofendeu dessa forma. Mais ainda: ele disse posteriormente num discurso em Rondônia - já não era mais constituinte - que, com a experiência que passou na Câmara dos Deputados, o que ele percebia é que havia uma pequena quantidade de Parlamentares que de fato se preocupavam com o País; mas a grande maioria - cerca de 300 - era de picaretas que só se preocupavam com as suas questões pessoais. Então, quando recebi o convite para receber essa medalha, considerei, realmente, não uma metamorfose, mas uma verdadeira hipocrisia e uma incoerência, e não fui recebê-la. Mandaram-na para mim, eu a guardei e vou guardá-la, porque tenho a consciência tranqüila de que a mereço, pelo trabalho que fiz. Agora, esta Constituição que o PT e especialmente o Presidente Lula rejeitou permitiu a sua eleição e a sua reeleição para Presidente da República; tem permitido que ele use de maneira até abusiva e inconstitucional as medidas provisórias para governar, como se fosse um absoluto rei do Brasil. E tem permitido, lamentavelmente, por não estar amarrado - e aí é uma falha - o orçamento impositivo, que ele utilize e aprofunde o que ele condenou no passado, a barganha feita com as emendas parlamentares para submeter os Parlamentares da Câmara e muitos do Senado à sua vontade. Então, lamento muito que um Presidente que nunca deu valor à atual Constituição - está no discurso dele e ele não vai poder mudar isso; essa metamorfose, ele não vai poder fazer -, que a condenou naquela época, agora, ele a tenha transformado num instrumento para servir a interesses menores do que os interesses da Nação. Muito obrigado.
O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Mozarildo. V. Exª, como constituinte, tem autoridade política para abordar essa questão com muita lucidez, e o tem feito desta tribuna, como fez agora, nesse aparte.
Ainda volto à questão do Legislativo e Executivo, porque, sem dúvida, essa estratégia de dominação sobre o Legislativo da parte do Executivo é que compromete os objetivos que poderíamos alcançar aqui. A medida provisória é o grande obstáculo, e o Presidente Garibaldi fez muito bem ao destacar em seu discurso de encerramento daquela solenidade. A Constituinte caminhava para o sistema parlamentarista e foi buscar no parlamentarismo italiano um instrumento próprio daquele sistema. No entanto, ao final, caminhamos para o presidencialismo e mantivemos a ferramenta própria para o parlamentarismo, conferindo, dessa forma, poder exorbitante ao Executivo e dominação absoluta sobre as iniciativas legislativas nesta e na outra Casa do Congresso Nacional.
É urgente, portanto, alterar esse mecanismo. A legislação, a Constituição tem de ser alterada para libertar os legislativos dessas amarras, para que possamos produzir mais e oferecer respostas mais ágeis e imediatas às demandas sociais. É uma razão fundamental do desgaste que sofre esta instituição parlamentar.
Mas, antes de concluir, peço ao Senador Mão Santa um pouco de sua generosidade para que eu possa também abordar aqui as questões positivas, as mudanças efetivas que a nova Constituição proporcionou que acontecessem no Brasil nestes últimos 20 anos.
Esta Constituição proclamou as liberdades públicas e individuais com muita competência. A liberdade de informação e de expressão consagrou direitos humanos, direitos sociais e direitos trabalhistas com muita competência, conferiu a liberdade de iniciativa econômica e financeira como instrumento motivador do desenvolvimento econômico do Brasil.
Houve uma mudança radical na face social da Nação, em razão do texto constitucional promulgado por Ulysses Guimarães no dia 5 de outubro de 1998. É inegável. Essas conquistas ocorreram e são irreversíveis. Evidentemente, elas não são suficientes, porque devemos ainda, na legislação complementar, a regulamentação que se faz necessária.
Em alguns casos, o texto constitucional novo é acompanhado de um texto ordinário ou complementar velho.
(Interrupção do som.)
O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Peço um pouquinho mais, Senador Mão Santa. V. Exª está muito econômico no dia de hoje. Um minuto é insuficiente. Obrigado. Pretendo concluir com esses cinco minutos.
O Congresso Nacional deve alterações essenciais na legislação, na reforma política. Já me referi à questão das medidas provisórias. A reforma política, que amplio fazendo chegar ao Legislativo, com alterações que devem ser promovidas, reformando radicalmente o processo legislativo. Há questões importantes, além da medida provisória, como o Orçamento, a LDO. Há atribuições do Poder Legislativo que precisam ser focadas com mais eficiência. O processo legislativo precisa ser mais ágil, econômico e enxuto, menor e mais valorizado, substituindo quantidade por qualidade.
Devemos ao País a reforma tributária. Se o texto constitucional conferiu à livre iniciativa econômica e à livre iniciativa financeira instrumentos promotores do desenvolvimento econômico do País, é preciso que a reforma tributária complemente a instrumentalização da economia, para que o País cresça mais, distribua melhor a riqueza.
A política tributária deve ser instrumento promotor do desenvolvimento econômico e da justiça social, com uma melhor distribuição de renda entre todos os brasileiros. São reformas inadiáveis, que estamos postergando há muito tempo. Debatemos a reforma política há mais de dez anos; a reforma tributária, da mesma forma.
Há quem diga que a reforma política há de interessar aos políticos e não ao povo brasileiro. Digo que é exatamente o oposto. Se a reforma política interessasse realmente aos políticos, ela já teria ocorrido. Na verdade, ela interessa à população. Se ela tivesse acontecido antes das demais reformas, certamente elas ocorreriam com maior rapidez e resultado. Se tivéssemos realizado uma reforma política conferindo ao País um modelo político compatível com a realidade que vivemos, certamente os índices de corrupção teriam sido reduzidos nos últimos anos. Portanto, a reforma política interessa mais à sociedade brasileira do que exclusivamente aos políticos. Interessa aos políticos bem-intencionados certamente, Senador Paulo Paim, não interessa a todos os políticos. E, por isso, ela deve ter origem num grande debate, num debate que envolva não apenas o corporativismo das duas Casas do Congresso Nacional, mas que envolva a sociedade através dos seus instrumentos de representação. E certamente o País será outro. Se essas reformas se efetivarem, se retirarmos as algemas que prendem o Legislativo ao Executivo, submetendo-nos a essa condição humilhante que persiste mesmo com a nova Constituição e se conseguirmos efetivar as reformas reclamadas pela sociedade brasileira, certamente a Constituição cidadã de Ulysses Guimarães será comemorada, porque ela foi o ponto de partida para as mudanças efetivas que ocorreram no País nos últimos anos.
Portanto, quero concluir sobretudo destacando a Constituição cidadã como a principal responsável pelo ambiente de liberdade que respiramos no Brasil nos últimos anos.
A liberdade de imprensa possibilitou que a imprensa brasileira realizasse nos últimos anos um eficiente trabalho de investigação jornalística, colocando à luz o mal para que ele possa ser investigado em profundidade, combatido, julgado e condenado. Isso devemos à Constituição cidadã de Ulysses Guimarães, porque a liberdade de imprensa é a expressão de todas as liberdades. Thomas Jefferson dizia:
“Entre um governo sem imprensa e uma imprensa sem governo, eu prefiro a última hipótese, exatamente para valorizar a liberdade de expressão como a força motriz de todas as liberdades públicas e individuais”.
Muito obrigado, Senador Mão Santa, pelo tempo.
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