Discurso durante a 210ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato sobre viagem feita por S.Exa. à terra indígena do povo waimiri-atroari, localizada nos Estados do Amazonas de Roraima.

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Relato sobre viagem feita por S.Exa. à terra indígena do povo waimiri-atroari, localizada nos Estados do Amazonas de Roraima.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/2008 - Página 44889
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, VISITA, RESERVA INDIGENA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), ESTADO DE RORAIMA (RR), COMENTARIO, HISTORIA, PERSEGUIÇÃO, GRUPO INDIGENA, LUTA, MANUTENÇÃO, POPULAÇÃO, TRADIÇÃO, OCORRENCIA, MOVIMENTAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, DEFESA, TERRAS, PERIODO, REGIME MILITAR, COMBATE, CONSTRUÇÃO, RODOVIA, USINA HIDROELETRICA, EXPLORAÇÃO, CASSITERITA, IMPLANTAÇÃO, PROJETO, AGRICULTURA, PROVOCAÇÃO, CONFLITO, REDUÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • COMENTARIO, DIALOGO, LIDER, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), VITIMA, DISCRIMINAÇÃO, NECESSIDADE, IGUALDADE, PROTEÇÃO, DIVERSIDADE, CULTURA, INDIO.
  • CRITICA, PROCESSO, JUSTIÇA FEDERAL, QUESTIONAMENTO, SELEÇÃO, TRAFEGO, RODOVIA, RESERVA INDIGENA, JUSTIFICAÇÃO, ORADOR, DEFESA, DOMINIO, AREA, PREVENÇÃO, CRIME, PROTEÇÃO, FAUNA, FLORESTA.
  • REGISTRO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, GRUPO INDIGENA, AUXILIO, CENTRAIS ELETRICAS BRASILEIRAS S/A (ELETROBRAS), FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), CRESCIMENTO DEMOGRAFICO, AMPLIAÇÃO, ALFABETIZAÇÃO, SAUDE, IMPORTANCIA, LUTA, SENADO, MANUTENÇÃO, DIREITOS, INDIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Presidente Augusto Botelho, meu colega de Partido, relato, neste momento, da tribuna do Senado, a viagem que fiz à terra indígena do povo waimiri-atroari. Esse território indígena está justamente localizado nas terras dos nossos Estados: Amazonas e Roraima.

V. Exªs têm conhecimento da luta dos povos indígenas pelo direito à vida, à terra e à cidadania. Essa luta é diária desde 1500. Essa luta é desigual desde 1500.

O Brasil que se fez, o Brasil de hoje subtraiu vidas e terras indígenas, negou e continua negando cidadania às etnias que resistiram e sobreviveram no decorrer destes 508 anos. Esse é um pedaço da História do Brasil que jamais deveríamos esquecer. Essa história nos coloca cara a cara com uma realidade que, se fosse escondida debaixo de um tapete, tornaria o passado da Nação uma farsa, uma crueldade com a consciência de cada um de nós. Prefiro a dor de encarar os fatos históricos a ter a consciência turvada por relatos distorcidos ou negligenciados. Por isso, oriento o meu desejo de construir dias melhores para o meu País, sempre com os olhos no retrovisor da história para corrigir os erros do passado em vez de repeti-los ou escondê-los.

Quis a história que, neste fim de semana, eu, já Senador da República, estivesse entre os índios waimiri-atroari, etnia que permaneceu, até bem pouco tempo, na lista das ameaçadas de desaparecimento. Nas décadas de 1970 e 1980, combati, nas ruas de Manaus e do Brasil, juntamente com centenas de brasileiros, as idéias e os projetos do Poder Público e da iniciativa privada que reduziriam a população waimiri-atroari de mais de 1,5 mil índios para apenas 374 habitantes. Tudo isso em menos de 15 anos. Tudo isso em menos de 15 anos!

A maioria dos índios morreu em massacres deliberados. Não seria exagero afirmar, diante dos fatos, que o Estado brasileiro, sob o tacão da ditadura militar e de setores da iniciativa privada, havia decidido pelo extermínio dessa etnia.

Refiro-me à construção da BR-174, que ligou Manaus, no Amazonas, a Boa Vista, em Roraima; à construção da hidrelétrica de Balbina, e à exploração da cassiterita da mina de Pitinga pela empresa Paranapanema. Os três megaempreendimentos se interligavam nos aspectos econômicos e políticos da época.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, isso é emblemático. Vejam que o povo waimiri-atroari está localizado ali entre Roraima e Amazonas, e esses três grandes projetos passaram por cima das suas terras, rasgando a história. É preciso que possamos ter o olhar desse povo. E foi irreversível.

E ainda há Presidente Figueiredo, uma cidade do Amazonas hoje com uma população significativa. E não é só a cidade, mas o que lá existe, os grandes projetos agropecuários, enfim.

Os três foram implantados em terras habitadas pelos índios waimiri-atroari. A inundação da floresta, para movimentar as turbinas da hidrelétrica, a derrubada da floresta e a escavação das terras para a retirada da cassiterita, encolheram as terras das duas etnias. Evidentemente que eles haveriam de resistir a essas agressões. E, como nos tempos da velha colonização, foram julgados e condenados ao extermínio.

No sábado, conversei longamente com os líderes waimiri-atroari. Foi esclarecedor ouvir a versão deles sobre episódios controversos dos períodos de confronto direto. Reforcei minha convicção de que o conflito é fruto da intolerância e da incompreensão que se instalam entre idéias, modos de ver e de pensar antagônicos.

Os índios são vítimas desse mal que contamina os regimes de exceção e até os democráticos. Desse mal que contagia, de igual modo, setores decisivos da sociedade civil em todos os tempos. Trata-se da intolerância com as minorias de um modo geral. Trata-se da negação à possibilidade da unidade na diversidade.

Precisamos mudar esse quadro. Precisamos ouvir com mais atenção os clamores que vêm das minorias, como o apelo dos índios pela demarcação e garantia das suas terras.

Srªs Senadoras, Srs. Senadores, os waimiri-atroari são brasileiros felizes e desejosos da paz permanente. Mas estão conscientes, também, de que a felicidade e a paz dependem da compreensão de que eles têm o direito de viver com dignidade, conforme a organização social e espiritual herdada dos seus ancestrais. Esse é crucial, uma vez que os índios se sentem, continuamente, sob a ameaça de invasão e perda do controle das suas terras.

Agora mesmo, estão sendo analisados na Justiça Federal procedimentos que questionam a suspensão do tráfego seletivo de veículos. Não é a proibição, Senador Jefferson Praia. Os veículos passam a noite lá, e eu passei uma noite para presenciar isso. Por isso que digo que há uma suspensão de tráfego seletivo. Nesse trecho, das 18 às 6 horas, podem passar ônibus de passageiros, caminhões com carga perecível e veículos transportando enfermos. O tráfego é fechado apenas a caminhões com carga não perecível e veículos de passeio, que podem voltar a circular normalmente a partir das 6 horas da manhã.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador João Pedro, quando V. Exª puder me conceder um aparte, eu gostaria muito.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Agora, está concedido o aparte a V. Exª, Senador.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador João Pedro, os índios waimiri-atroari têm muito em comum com os nossos dois Estados, como V. Exª colocou; uma parte da reserva está no Estado de V. Exª, outra parte está no nosso Estado. E essa reserva já está demarcada. Inclusive, acho que, se V. Exª conversou bem com os índios, V. Exª deve ter ouvido o relato sobre a morte do Padre Calleri, que, a mando da Igreja Católica, foi lá justamente, como se diz, para contatar, civilizar e catequizar os índios waimiri-atroari. O Padre Calleri foi morto pelos índios waimiri-atroari. Outra coisa que eu gostaria de saber se eles lhe falaram foi sobre uma ONG que atuou lá durante muitos anos - nem sei se ela continua atuando - e que recebia da Eletronorte e de outros órgãos, inclusive internacionais, dinheiro muito alto para aplicar para os índios. Pode ser que eles não tenham aplicado. Aliás, isso é costume dessas ONGs que se dizem indigenistas. Depois, Senador João Pedro, acho que V. Exª tem razão quando diz que devemos proteger os nossos índios. É verdade! Mas não concordo, como alguém que não está preso a nenhum tipo de ideologia, mas que é um humanista - sou médico -, que seja bom ajudar os índios dessa forma, segregando-os, separando-os, criando apartheid. Não entendo que isso seja bom para eles. Pelo que sei dos índios com quem converso - é verdade que não tenho contato com os waimiri-atroari, mas tenho com os índios todos do meu Estado -, eles não querem segregação. Depois, V. Exª falou numa suspensão de tráfego seletivo. Em que lei se baseia isso, Senador João Pedro? Não existe nenhuma lei. Isso é inconstitucional. Lá há uma rodovia federal que corta uma reserva indígena e que tem reserva de domínio da rodovia federal. O que existe lá é uma afronta à legislação. Na verdade, o tráfego à noite não causaria dano aos índios. No entanto, faz-se esse tráfego seletivo. Sabem como é seletivo, Senador João Pedro? Será que lhe falaram que cobram pedágio seletivo também?

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Não cobram, não é verdade.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Cobram, é verdade.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Não cobram, não existe isso.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Conheço inúmeros caminhoneiros e donos de ônibus que pagam.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Não cobram.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Então, vamos fazer uma investigação sobre isso e ouvir...

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Eu estive lá.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Não, mas o senhor ouviu só os índios. Vamos ouvir as pessoas que pagam.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Eu já ouvi V. Exª; fui agora ouvir os índios.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Mas V. Exª só ouviu um lado; V. Exª tem que ouvir os dois lados. É preciso ouvir os dois lados. Ou será que, no caso, as pessoas que V. Exª ouviu, só posseiros e índios, são colegas de Deus?

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Senador, quero dizer, primeiro, que não estou discutindo as ONGs. Não estou discutindo a ONG; estou fazendo uma defesa aqui do povo waimiri-atroari. Esta é a primeira questão.

         Segundo, quem inaugurou esse procedimento da corrente na estrada foi o Exército. O Exército fez a estrada e o que restou para os waimiri-atroari foi esse trecho entre Roraima e Amazonas. Então, quando o Exército colocou a corrente na estrada, ninguém reclamou. É seletivo. Penso que os waimiri-atroari estão cobertos de razão, porque aquela é uma defesa deles no dia-a-dia. Aquele é um ponto de floresta densa. Só neste ano morreram 420 animais ali. Os Waimiri-Atroari contam, são organizados. Creio que V. Exª poderia fazer-lhes uma visita. V. Exª representa o Estado, é um Senador da República.

O meu discurso é para olharmos de forma diferente um povo diferente. É o Estado brasileiro que tem de proteger essa minoria em discussão. Falarei, em seguida, no pronunciamento que procurei escrever, para não ser injusto, sobre as pessoas que lá estão trabalhando.

Lá existem duas associações, Senador Augusto Botelho. Uma é a dos índios Waimiri-Atroari, e a outra é a dos servidores da área de saúde, técnicos agrícolas, motoristas, administradores, médicos, odontólogos. Esse é o grupo que lá está trabalhando de forma exemplar.

Prossigo, Sr. Presidente.

O fechamento desse trecho da BR-174 ocorre desde a época em que a rodovia era controlada pelos militares. Nem políticos nem empresários reclamaram da medida baixada e executada pelos quartéis. O recurso somente agora, a meu ver, não se sustenta porque os motivos apresentados por seus patrocinadores são estapafúrdios e só podem ser creditados à implicância dos que agem sistematicamente contra os direitos dos índios.

Os Waimiri-Atroari têm direito à tranqüilidade noturna.

Os Waimiri-Atroari têm o direito de se prevenir contra ações ilícitas, como o roubo de madeiras, de material biogenético e o abate de animais.

Os Waimiri-Atroari têm o direito de proteger os animais dos atropelamentos noturnos.

Acabei de dizer que 442 animais foram atropelados nesses 125 quilômetros de rodovia dentro da reserva, só este ano. Imaginem se esse tráfego fosse também noturno!

Os Waimiri-Atroari, afinal, têm o direito de zelar pela proteção da casa deles, que é a floresta. É da floresta e da relação com ela que esse povo obtém o alimento físico e espiritual para sobreviver com dignidade.

A atitude dos índios deveria sensibilizar todos aqueles que também lutam contra a destruição do planeta.

Srªs Senadoras, Srs. Senadores, trago a esta tribuna o apelo dos Waimiri-Atroari para que esta Casa se una aos que lutam para que não se permita mais um ato de injustiça contra eles.

Atos movidos pela implicância e pelo preconceito devem ser impedidos de prosseguir. Concretizá-los seria um ataque contra a felicidade de crianças, jovens e adultos que escaparam da lista de extinção. Aliás, os Waimiri-Atroari são o exemplo dos que conseguem superar os conflitos e as tensões com altivez. Há 20 anos, Sr. Presidente, eles mantêm o programa Waimiri-Atroari, por convênio entre a Eletronorte e a Funai, que tem ações voltadas à melhoria da qualidade de vida nas aldeias. Os resultados do programa são invejáveis: crescimento populacional de 6,9% ao ano; 43% da população alfabetizada e o restante em processo de alfabetização na língua própria da etnia; controle vacinal completo; índices mínimos de cárie; índice zero de alcoolismo, tabagismo e tantos outros índices sociais.

A felicidade desses brasileiros dos rios e das florestas é resultado da qualidade de vida que eles conquistaram na adversidade, com inteligência e paciência, para a formação das alianças duradouras.

É essa perseverança que levará os Waimiri-Atroari a vencer a implicância, o preconceito e a injustiça praticados pelos que vivem no entorno das suas reservas ou dos que dela fazem uso econômico e social através da rodovia BR-174. A ninguém é dado o direito do roubo da conquista do bem-estar, muito menos quando esse bem-estar é resultado da reconquista da felicidade.

Srªs e Srs. Senadores, os Waimiri-Atroari são povos renascidos. E esse fato deve ser creditado à convicção dos seus líderes de que o melhor caminho para suas aldeias é o indicado pelos seus ancestrais, que é o respeito ao ritmo do pulsar da natureza.

Por fim, quero agradecer ao meu amigo de muitos anos José Porfírio de Carvalho, indigenista que trabalha há 40 anos com os Waimiri-Atroari; a Mário Parywe, grande líder Waimiri-Atroari da Aldeia Xeri; e aos líderes Wamé, da Aldeia Iawara; Sawa, da Aldeia Mynawa; Arakaxi, da Aldeia Paryry; Kyrixiri, da Aldeia Alalau; Ate, da Aldeia Xará; e Sanapyty, da Aldeia Maikon.

Agradeço também aos 1287 Waimiri-Atroari que receberam a mim, aos meus assessores e a equipe que me acompanhou com um belíssimo ritual de celebração da amizade...

(Interrupção do som.)

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Já encerro, Sr. Presidente.

Por fim, eu quero chamar a atenção de todos os Senadores e de todas as Senadoras, porque o gesto de compreender o clamor dos povos indígenas não é simples, mas nós, que temos a incumbência de construir políticas públicas, precisamos olhar o grito dos povos indígenas com muita solidariedade, com um patamar elevado e compromisso de respeitar as minorias, os povos que construíram e que continuam construindo esta grande Nação que é o nosso Brasil.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/2008 - Página 44889