Discurso durante a 214ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Leitura da Carta de Salvador, do Professor Dr. Raimundo Paraná, alertando sobre a gravidade da doença Hepatite Delta.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Leitura da Carta de Salvador, do Professor Dr. Raimundo Paraná, alertando sobre a gravidade da doença Hepatite Delta.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2008 - Página 45696
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • LEITURA, CARTA, PROFESSOR UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA), MEDICO, ESPECIALISTA, DOENÇA GRAVE, ENDEMIA, REGIÃO AMAZONICA, AFRICA, ORIENTE MEDIO, LESTE EUROPEU, COBRANÇA, REGULAMENTAÇÃO, TRATAMENTO, BRASIL, DENUNCIA, NEGLIGENCIA, INDUSTRIA FARMACEUTICA, PESQUISA, MEDICAMENTOS, MOTIVO, AUSENCIA, INCIDENCIA, PRIMEIRO MUNDO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO ACRE (AC), JUSTIFICAÇÃO, NECESSIDADE, PROVIDENCIA, UNIFORMIDADE, CONDUTA, EXPECTATIVA, PRIORIDADE, MINISTERIO DA SAUDE (MS), INCLUSÃO, DIRETRIZ.
  • COMENTARIO, TESE, CURSO DE DOUTORADO, ORADOR, CONCLUSÃO, NECESSIDADE, ATENÇÃO, DOENÇA TROPICAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eminente Senador Marco Maciel, Srs. Senadores, tenho em mão uma carta intitulada Carta de Salvador, de um dos mais renomados hepatologistas do mundo, Professor Dr. Raimundo Paraná, professor livre-docente em hepatologia pela Universidade Federal da Bahia, mestre e doutor em Medicina e especialista em Gastroenterologia, que diz respeito a uma das doenças chamadas doenças negligenciadas do planeta.

Talvez eu tenha sido o único Parlamentar a tratar dessa matéria ao longo de toda a história do Senado. Com isso já demonstro que não é uma doença tratada no quotidiano da sociedade, como a dengue, a tuberculose e outras doenças. Trata-se exatamente a hepatite delta, também chamada febre negra de Lábrea, que desde 1927 tem registro de ocorrência.

A doença afeta de maneira endêmica a Amazônia Ocidental brasileira. Afeta hoje, de maneira endêmica, países como a Turquia, a Romênia, a Bulgária e a Rússia. Era restrita, por uma concepção de controle nos países desenvolvidos, à Amazônia Ocidental, à África, ao Oriente Médio e a algumas regiões Bálcãs, tendo descrições fortes no sul da Itália também. Hoje está reconhecida como uma doença presente, devido aos processos migratórios, a essas regiões européias, como me referi há pouco.

Então, essa carta retrata a necessidade de regulamentação de um tratamento no Brasil, por ser uma área de maior expressão, talvez, em número de casos, do planeta, e que não ocorreu até hoje.

A doença foi motivo também da minha tese de doutorado pela Universidade de Brasília em doenças tropicais. Acho mais do que justa essa homenagem que faço a essa chamada Carta de Salvador, de autoria do ilustre Professor Livre-Docente Raimundo Paraná.

Diz ele o seguinte:

A hepatite delta é um caso único entre as viroses humanas, pois é um vírus parasita de outro. O delta só infecta pacientes que já são infectados pelo vírus da hepatite B.

No Brasil ela está quase restrita à Amazônia Ocidental, principalmente nas comunidades do alto Purus, Vale do Javari, do Juruá, do Madeira. Alcança intensamente Rondônia e todo o Acre, porém também é endêmica do Purus e em várias localidades do Estado do Amazonas. Outros focos têm sido descrito em Mato Grosso e no Pará.

A hepatite delta, doença grave que infecta crianças e adolescentes, piora a evolução da hepatite B pré-existente, reduz sobremaneira a sobrevida dos pacientes e parece ser mais causadora de câncer de fígado nas pessoas que são vítimas da sua ocorrência.

A Europa e os Estados Unidos deixaram de se preocupar temporariamente com a hepatite delta, pois a mesma foi considerada sob controle no mundo desenvolvido. Por sua vez, a indústria também se desinteressou, daí esta ser das mais negligenciadas doenças do mundo. Ficou restrita à Amazônia, à África e a alguns bolsões do Bálcãs e do Oriente Médio.

Agora, a Europa volta a se preocupar, pois a integração do Leste Europeu à União Européia descortinou uma realidade pouco conhecida. Turquia, Romênia, Bulgária, Hungria e Rússia têm áreas endêmicas para a hepatite delta. Os imigrantes trouxeram o vírus delta de volta para a Europa. Agora creio que teremos investimentos, visto que os ricos retomaram a preocupação, mas dificilmente estes investimentos chegarão ao Brasil.

Esta doença está restrita à Amazônia Ocidental. Portanto é uma doença em expansão, mas numa região de difícil logística para ensaios terapêuticos internacionais.

Ademais, o nosso vírus Delta, assim como o vírus B, nesta região são únicos no mundo. Aqui temos genótipos virais (F do Vírus B e III do Delta) jamais descritos em outros países. Nossa doença parece ser mais agressiva e causa surtos de hepatite fulminante.

O Estado do Acre - meu Estado - demonstra sua preocupação com esta doença há uma década. Em cooperação com a UFBA e o Instituto de Pesquisa Médica da França - e é bom que se diga, com a Universidade de Brasília -, avançou no conhecimento virológico das cepas virais que circulam na região. Implementou programas de assistência médica especializada e colocou para o mundo a importância do tema, através da publicação de um estudo populacional (Viana - que sou eu, Sr. Presidente - e cols. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 2006).

Todos os anos a Funasa reporta morte de Índios e Ribeirinhos por surtos de hepatite fulminante B e D.

Digo - diz a carta - ser esta uma doença grave, talvez, a mais negligenciada no Brasil. Observem que as nossas portarias de hepatite do Ministério da Saúde, até hoje, não possuíam um único parágrafo sobre esta doença. Isso é fruto do desconhecimento que temos sobre o assunto, mesmo na classe médica. Em cada centro das regiões endêmicas, a condução dos casos se faz de forma diferente.

O cenário é triste, mas pode mudar com um pouco de vontade política e de esforço conjunto. Já temos a Biologia Molecular para Delta em Porto Velho (CEMETRON) - por meio do Centro de Medicina Tropical de Rondônia - para, pelo menos, HDV-RNA qualitativo. Colegas da Amazônia estão em Lyon - na França - para desenvolver o teste quantitativo e a genotipagem, mas precisamos avançar na capacitação e uniformização de condutas do pessoal da linha de frente dos ambulatórios de referência da Amazônia.

A Secretaria de Vigilância à Saúde do Ministério da Saúde, esta semana, deu um passo importante no sentido de resgatar esta dívida para com os povos amazônicos que sofrem com esta doença. Sensível aos apelos dos médicos da região, da tribuna do Congresso Nacional e de poucos, mas combativos pesquisadores preocupados com o tema, a Hepatite Delta foi incluída nas discussões das diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde. Após a SVS - do Ministério da Saúde, tão bem conduzida pelo Dr. Gerson Penna - espera-se similar importância ao tema dispensada pelo DECIT (Departamento de Ciência e Tecnologia do MS) e pela CITEC (Câmara de Incorporação de Novas Tecnologias do MS).

Que o trâmite seja rápido nestes setores para fazer frente à rapidez da evolução desta doença nos milhares de amazônidas infectados.

            Sr. Presidente, trago, portanto, esta homenagem ao combate a uma das doenças negligenciadas mais relevantes do mundo, pela sua ocorrência em número de casos e pela desconsideração dos países ricos. O Brasil dá um passo à frente do mundo inteiro quando uniformiza um plano terapêutico específico para os portadores da doença. Minha tese de doutorado pôde identificar que ela é mais comum em populações de índios do que em não-índios, e que está mais presente naqueles que vivem na floresta amazônica do que nos que vivem nas cidades amazônicas.

A chegada dos índios àquela região da Amazônia ocidental remonta a 2.200 anos. Segundo estudos cerâmicos antropológicos, há um processo migratório indígena que vem da região mais oeste para a região mais leste da Amazônia ocidental. A doença parece seguir esse curso de transferência junto com as populações indígenas, e hoje ocupa, de modo mais intenso, a região ocidental da Amazônia, como eu disse, algumas localidades de Mato Grosso, do Amazonas, do Pará e também regiões da África, dos Balcãs e do Oriente Médio.

Com a retomada de consideração da doença como endemia nos países do Leste Europeu, espero que haja a devida consideração para com a medida adotada pelo Ministério da Saúde.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2008 - Página 45696