Discurso durante a 215ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem aos chamados "brasileiros do Acre", pelo transcurso da data em que se celebra a assinatura do Tratado de Petrópolis, quando o Acre passou a ser incorporado definitivamente ao Estado brasileiro.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem aos chamados "brasileiros do Acre", pelo transcurso da data em que se celebra a assinatura do Tratado de Petrópolis, quando o Acre passou a ser incorporado definitivamente ao Estado brasileiro.
Aparteantes
João Pedro, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2008 - Página 45775
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, TRATADO, INCORPORAÇÃO, REGIÃO, ESTADO DO ACRE (AC), TERRITORIO NACIONAL, COMENTARIO, HISTORIA, MOVIMENTAÇÃO, TENTATIVA, PARTICIPAÇÃO, TERRITORIOS FEDERAIS, BRASIL, INDEPENDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, MOTIVO, SUPERIORIDADE, POPULAÇÃO, BRASILEIROS, AREA, REGISTRO, IMPORTANCIA, VULTO HISTORICO.
  • COMENTARIO, PROGRESSO, ESTADO DO ACRE (AC), TRANSFORMAÇÃO, TERRITORIO FEDERAL DO ACRE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, DEFESA, PUBLICAÇÃO, TRADUÇÃO, OBRA INTELECTUAL, HISTORIA, REGIÃO.

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O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Papaléo, Srªs e Srs. Senadores, eu trago nesse tempo destinado a comunicação inadiável uma homenagem aos chamados “brasileiros do Acre”, porque hoje é um dia especial para o nosso Estado. É feriado lá, o que ocorre desde 1903, quando tivemos a definição do Tratado de Petrópolis, o reconhecimento de um acordo entre o governo brasileiro e o governo da Bolívia. É a definição de fronteiras na nossa chamada “galha oeste”, quando o Estado do Acre passou a ser definitivamente incorporado ao Estado brasileiro.

Hoje, temos ali centenas de milhares de cidadãos brasileiros que vivem no Acre, como eu e que têm muito orgulho, dessa formação histórica que vivemos e dessa data que nos traz uma lembrança muito forte sobre a determinação de um povo que, por quatro vezes, manifestou-se em rebelião civil forte a favor da sua integração ao território nacional.

Tivemos em 1898 a primeira manifestação forte, conduzida por José Carvalho, contra um grupo de militares bolivianos que ocupavam aquele espaço geográfico da Amazônia, onde hoje é o Estado do Acre.

Tivemos a retomada, porque o governo brasileiro não acolhia em hipótese alguma o reconhecimento daquela área de floresta Amazônica como anexada ao Brasil - e deveria ser. Tivemos a retomada pelo Governo boliviano, por uma rejeição do Governo brasileiro de então, por aquele tipo de movimento de integração nacional que ocorria. Tivemos depois a fantástica história de Luis Gálvez, que se afirmou como alguém que se insurgiu, também apoiado por brasileiros nordestinos, definindo a territorialidade do Acre como parte do Brasil, mas a rejeição reiterada do Governo brasileiro a Luis Gálvez também. E após alguns meses de afirmação de um modelo de independência, uma vez que o Brasil não nos queria então na condição de um Estado independente conduzido por Gálvez, que é uma das mais belas páginas da formação histórica no Brasil, tivemos um golpe em cima de Gálvez causado por Souza Braga se afirmando essa como a terceira insurreição conduzida por aquele ambiente de indefinição de fronteiras, quando ele golpeia Gálvez, o destitui e fica também algumas poucas semanas, a exemplo do que havia sido José Carvalho. E, mais adiante, temos, em 1902, no dia 6 de agosto, a insurreição muito bem comandada e como marco dos estudiosos da memória da formação de fronteira no Brasil por um gaúcho, chamado José Plácido de Castro, que, aos 27 anos, dirige mais de trinta mil cidadãos, migrantes nordestinos, para a Amazônia que, em um processo de rebelião contra o domínio boliviano, afirmando recursos diplomáticos como uti possidetis, o status quo e tentando romper com o Tratado de Santo Ildefonso e Tratado de Madri, que vigoravam antes de uma definição em relação à propriedade por parte do governo boliviano daquele território.

O fato é que nós vivemos em um território neutro por muitos anos. Muitas lutas, muitas rebeliões, muita vontade cívica de incorporação da unidade territorial brasileira, e isso vem acompanhado de um belíssimo movimento migratório do Brasil, uma migração interna, quando, a partir de 1877, nós temos a forte seca nordestina, levando a migração do povo nordestino fugindo daquela seca em busca daquelas águas amazônicas, e tinha ali o despertar de uma nova fonte econômica importante para o Brasil que seria a produção da borracha.

Um livro que tenho e que peço que regimentalmente seja incorporado nos Anais da Casa, que é uma homenagem ao Tratado de Petrópolis, porque ele antecedeu uma belíssima história de insurreição no Brasil é chamado La Estrella Solitaria, de Alfonso Domingo, um espanhol que ganhou inclusive o 7º prêmio de novela da cidade de Salamanca como uma novela literária exemplar.

Estou tentando que este livro seja traduzido para a língua portuguesa e possa ser lançado, em nome do Senado Federal no meu Estado, juntamente com a vinda daquele escritor espanhol que incorpora o mais belo livro de memória histórica romanceada sobre a nossa formação. Temos mais de 120 escritos sobre aquele momento da formação histórica da região Amazônica e definição de fronteira e Alfonso Domingo conta muito bem a história de Gálvez, que morre aos 71 anos em Madri, tendo resistido como pôde àquilo que ele julgava ser o primeiro grande movimento de internacionalização da Amazônia na criação de um território neutro que pudesse atender aos interesses econômicos de companhias americanas, inglesas, alemães e francesas que queriam, a exemplo das colônias africanas que se formavam à época, um território neutro, comprado do governo boliviano, para interesses maiores, já que a borracha emergia como uma grande fonte de libertação e afirmação da economia num período de ascensão e afirmação da revolução industrial.

Então, Leandro Tocantins coloca muito bem porque é uma querela permanente na história da nossa região se havia ou não legitimidade do Governo brasileiro de recorrer indiretamente, através daqueles que participavam das insurreições, na anexação daquele território para o Brasil. Leandro Tocantins, um dos melhores escritores da formação histórica amazônica, no caso do Estado do Acre, reproduz muito bem esse momento. Ele chega a afirmar, Sr. Presidente, que, na verdade, a Bolívia teve a sua independência a partir de 1825, e a elite política dominante corria atrás para ser afirmar num território inóspito, com 800 mil quilômetros quadrados. Era a maior dificuldade para se afirmar no poder ali, e migrava nas chamadas presenças de poder político e itinerante para os diversos ambientes do território boliviano.

         Apontando essa querela dos historiadores e de muitos pensadores sobre a legitimidade ou não do Brasil em recorrer à Bolívia, ele diz:

O que fez o representante do Brasil, Duarte da Ponte Ribeiro, lamentar, em 1836, o incômodo de sua missão sobre lombo de burro, seguindo o Governo ali e acolá [ - veja V. Exª, sobre o lombo de burro -], por caminhos agrestes que, no dizer do diplomata, na estação chuvosa, tornavam-se intransitáveis, em razão de serem pelas quebradas dos Andes que, nessas épocas, são outros tantos rios.

Então, não era o único fato de luta de independência a anexação territorial ao Brasil. Nós tivemos em Mato Grosso, também no ano seguinte a 1825, o Governador da província de Mato Grosso, chamado Carvalho Melo, endereçando um convite aos governadores das províncias bolivianas de Chiquitos, Santa Cruz de la Sierra e Moxos, para que pudessem se unir territorialmente ao território brasileiro.

Nós temos, depois, uma forte e grande querela envolvendo a definição do Acre após a quarta insurreição, dirigida por Plácido de Castro, quando Joaquim Assis Brasil, o diplomata brasileiro com a maior orientação sobre o processo de formação histórica e definição de fronteira que estava nos Estados Unidos, orientou o Barão do Rio Branco, nosso Juca Paranhos, sobre a superação do impasse. Havia trinta mil brasileiros, pelo menos, ocupando aquela região, e ele insistiu na opção de incorporação daquele território à nação brasileira.

Então, o Barão do Rio Branco se reúne com os ministros bolivianos, por meio das figuras de Fernando Guachalla e Cláudio Pinilla, para fazer o acordo que redunda no Tratado de Petrópolis, no dia 17 de novembro de 1903. Portanto, um jovem gaúcho, com 27 anos, dirige um fantástico processo de insurreição e libertação de um domínio que era rejeitado pelos que ali ocupavam, que migraram da seca.

E não foi fácil o processo migratório: a cada 40 migrantes, 16 morriam no primeiro ano de febre amarela, de béri-béri, de malária e de outras doenças que afetavam fortemente aquele povo migrante em busca do ouro negro e da borracha.

Livros como o de Alfonso Domingo apontam fatos fantásticos. Diz ele que a árvore que chorava, que, em suas lágrimas, corria o leite branco que gerava a borracha, pedia, em troca, a vida dos migrantes que ali ocupavam aquele território, fossem os índios, fossem os nordestinos, fossem os que ali chegassem.

Dos que participaram das insurreições e dominaram e dirigiram aquele processo, dois foram combalidos imediatamente, que foi Souza Braga e José Carvalho, em razão do béri-béri e da malária, e deslocaram os doentes para outras regiões em busca de socorro. Gálvez, não; Gálvez faz um processo fantástico de presença na Europa, na Espanha, em Cuba, na Argentina; depois, em 1935, morre, aos 71 anos, com toda a memória da tentativa de afirmar uma utopia no coração da América do Sul, que seria a criação de um Estado independente, em razão da rejeição do Governo brasileiro.

Então, o Barão do Rio Branco fez aquilo que o próprio Governo brasileiro, por meio de sua diplomacia, com Prudente de Morais, depois com Afonso Pena, não acreditava adequado: reconhecer como legítimo o direito daqueles brasileiros na incorporação ao nosso território por parte de 30 mil pessoas que lutavam por ocupar aquela região, já que não havia vocação dos altiplanos do povo boliviano de ocupar uma planície tão inóspita a seus hábitos, a sua maneira de viver e entender estrategicamente o que aquilo significava naquele momento da história.

Então, foi uma história marcada por pendências ainda de entendimento, dúvidas dos seus historiadores na sua interpretação. O próprio governo boliviano disse que não havia nos arquivos daquele governo qualquer tipo de reconhecimento ao Tratado de Santo Ildefonso que afirmasse a presença boliviana como dominante à época. Depois, eles se refizeram do descuido que tiveram e afirmaram que o Acre seria território boliviano, sim, mas a presença, a ocupação brasileira nos recursos de rebelião - não de tratados, mas do uti possidetis do status quo -, afirmou o princípio de incorporação ao Brasil, graças ao Tratado de Petrópolis, tão bem dirigido pelo Barão do Rio Branco e por Assis Brasil.

Então, é uma história muito bonita, de um povo que afirma um propósito de engrandecimento dos seus indicadores de vida, da qualidade de vida como um todo.

E eu, olhando o tempo passar, vendo o ano de 2008, Sr. Presidente, fico muito orgulhoso de ver no horizonte da política do meu Estado a certeza de que poderemos estar, nos próximos anos, entre os primeiros Estados do Brasil em termos de qualidade de vida. Ou seja, ousamos hoje afirmar que, em poucos anos, estaremos disputando os primeiros lugares em qualidade de vida no Brasil, porque um dia alguém ousou por nós, em sacrifício de milhares de vidas humanas, afirmar aquela parte da Amazônia como integrada ao território brasileiro.

Encerro nas palavras do Senador Mão Santa e do Senador João Pedro.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Tião Viana, eu só fui uma vez ao seu Estado do Acre, à capital Rio Branco, mas eu fiquei orgulhoso de ser brasileiro. Ali se vê a grandeza dessa unidade, dessa imensidão territorial, mas ali tem um sentimento de grandeza que teve o Símon Bolívar, teve esse Gálvez. Esse Gálvez foi uma figura extraordinária, que deu um sentimento de liberdade e grandeza. Mas some-se a tudo isso, eu acho que os brasileiros... Deus me propiciou só ir uma vez, mas gostei muito da gente, do povo do Acre e do Governo do irmão de V. Exª. Ele resgatou essa história. Eu mesmo gosto de estudar história universal, história do Brasil. O Governo do irmão de V. Exª fez os museus, um retrato da firmeza dessa grandeza histórica, da grandeza do povo do Acre. Sem dúvida nenhuma, esse Barão do Rio Branco... O homem é o homem e suas circunstâncias. Nós temos até no Piauí uma mágoa com ele, porque rejeitou o poeta piauiense Da Costa e Silva, que era negro, para o Itamaraty - o maior poeta do Piauí. Temos essa frustração, mas nós temos que reconhecer que ele começou no mundo essa fase de não à guerra, paz, diplomacia, e tem muitos méritos, inclusive esse que V. Exª está ressaltando. Mérito mesmo tem o Governo do seu irmão Jorge Viana, que eu vi escrever lá em institutos históricos, museus, essa beleza de história que nos envaidece, essa unidade do Brasil conquistada pela ação do bravo povo do Acre. Digo isso com muito sentimento de grandeza. Nós que somos médicos - eu, que sou cirurgião -, para mostrar essa grandeza, um dos maiores médicos da história do Brasil, Adib Jatene. é acreano. Isso mostra que o valor de tudo é como Sófocles dizia: “Muitas são as maravilhas da natureza” - que lá são grandes, V. Exª reporta - “mas a maior é o homem”. Na medicina, nós sentimos isso. Esse médico vibrante, que avançou a cirurgia cardiovascular, talvez tenha sido o melhor Ministro da Saúde da história do nosso País.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço muito a V. Exª, que é muito querido no meu Estado.

Ouço o Senador João Pedro, já encerrando, Sr. Presidente.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senador Tião Viana, parabéns pelo registro, pela reflexão que V. Exª faz. Início do século XX, eu não tenho nem dúvida. Além do olhar, do compromisso, da justeza como agiu o Itamaraty nessa decisão de Governo, uma discussão internacional, eu só quero acrescentar que, talvez, esse ponto da Amazônia tenha sido a decisão mais emblemática para definir a fronteira, porque toda ela foi discutida, ora com o Peru, ora com a Venezuela, ora com a Colômbia. Mas essa decisão que gerou o Tratado de Petrópolis no início do século XX foi emblemática. Parabéns pelo registro. V. Exª menciona uma obra importante, que retrata esse momento. Há também a obra de um escritor amazonense, Gálvez, Imperador do Acre, de Márcio Souza, que retrata esse momento importante da nossa história. É bom lembrar que foi uma decisão justa por conta, inclusive, dos trabalhadores que ali estavam produzindo já a riqueza do látex, cearenses, amazonenses, paraenses, enfim, era século XX. Quero registrar também, na hora em que V. Exª faz esse registro do Tratado de Petrópolis, o sangue derramado de muitos amazonenses que participaram dessa contenda. Muito obrigado.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço muito a V. Exª.

         Encerro, Sr. Presidente, lembrando isto: houve, sim, no 17 de novembro, uma captulação da diplomacia brasileira, do Governo brasileiro, por meio de uma ousada visão vanguardista do Barão do Rio Branco, Juca Paranhos, ao lado de Assis Brasil.

A síntese dessa homenagem é o nosso brasão histórico, Senador Mão Santa, que tem uma estrela solitária, uma casa de palha, uma árvore, uma tartaruga com apenas uma perna em pé. Muitos historiadores não sabem ainda a definição disso, mas, na verdade, a tradução foi feita por um espanhol chamado Guillermo Uhthoff, que disse que era a revolução dos lentos que estava instalada ali, em que se vinha do primitivismo, mas com um olhar para o futuro através da janela que o século XX nos abria.

Então, a homenagem aos brasileiros do Acre, que se orgulham de ser brasileiros.

 

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DOCUMENTO EM ESPANHOL A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO, AGUARDANDO TRADUÇÃO PARA POSTERIOR PUBLICAÇÃO NA ÍNTEGRA.

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Matéria referida:

“La Estrella Solitaria” VII Premio da Novela Ciudad de Salamanca


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2008 - Página 45775