Discurso durante a 217ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise sobre a crise econômica global.

Autor
Romeu Tuma (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Análise sobre a crise econômica global.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2008 - Página 46759
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, OCORRENCIA, VARIAÇÃO, REDUÇÃO, BOLSA DE VALORES, PAIS INDUSTRIALIZADO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, MOBILIZAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, TENTATIVA, MELHORIA, ECONOMIA, INVESTIMENTO, PROGRAMA, CAPITALIZAÇÃO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, SEMELHANÇA, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), REGISTRO, PREVISÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), CRESCIMENTO ECONOMICO, LIQUIDEZ, CREDITOS, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ALEMANHA, FRANÇA, INGLATERRA.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), MELHORIA, BALANÇA COMERCIAL, FAVORECIMENTO, CRESCIMENTO ECONOMICO, AUMENTO, PREÇO, PRODUTO IN NATURA, CRESCIMENTO, AGRICULTURA, INDUSTRIA, PROTEÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, EFEITO, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, REDUÇÃO, CREDITOS, LIQUIDEZ, BALANÇA COMERCIAL, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), PRODUÇÃO AGRICOLA, VALORIZAÇÃO, DOLAR, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, EXPORTAÇÃO.
  • REGISTRO, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO (MAPA), POSSIBILIDADE, MANUTENÇÃO, CREDITO AGRICOLA, CRISE, ECONOMIA, COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), OCORRENCIA, VALORIZAÇÃO, DOLAR, EFEITO, PREÇO, ALIMENTOS.
  • COMENTARIO, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), MELHORIA, POLITICA MONETARIA, AMPLIAÇÃO, CONTROLE, JUROS, TENTATIVA, REDUÇÃO, EFEITO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL.
  • ELOGIO, INTERVENÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), MELHORIA, ECONOMIA NACIONAL, LIBERAÇÃO, EMPRESTIMO COMPULSORIO, CONTROLE, INFLAÇÃO, JUROS, DESVALORIZAÇÃO, MOEDA, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ROMEU TUMA (PTB - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, pelo visto, a crise econômico-financeira que assola o planeta ainda será motivo de muita polêmica por motivos óbvios. As cifras astronômicas nela envolvidas refletem o tamanho das conturbações de mercado agora presentes em muito países. Oxalá, não venham a martirizar os brasileiros.

Apesar de todas as medidas de emergência coordenadas pelos bancos centrais dos Estados Unidos e Europa, nunca dantes assinaladas na História, a turbulência teima em permanecer nos mercados mundiais, em meio à crescente desconfiança dos investidores. Estes continuam cépticos, à margem das gigantescas injeções de recursos para resgatar títulos “podres” de grandes instituições financeiras e bancos norte-americanos e europeus. Da mesma forma, as reduções das taxas de juros com o objetivo de aumentar a liquidez do setor financeiro parecem não ter surtido o efeito desejado.

As bolsas de valores daqueles países e dos emergentes mantêm-se em constante e alarmante oscilação, com tendência negativa, indicando a inocuidade de tais medidas para produzir o aguardado choque de expectativa positiva. Em conseqüência, bancos centrais estrangeiros, capitaneados pelo BC do Reino Unido, acabaram por investir diretamente na recapitalização de grandes e médios bancos, ao invés de continuar adquirindo carteiras de instituições em situação de risco. Curvaram-se a algo que lembra a época do nosso Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro (PROER), que tanto criticaram no passado.

Em um só pregão de outubro último - a quinta-feira, dia 9 - a média do índice Dow Jones, da Bolsa de Nova Iorque, fechou a menos de 9.000 pontos, nível inatingido desde 2003 e que anulou quase todos os ganhos do ciclo de alta precedente. A queda de 7,33% nesse dia - a maior desde 1987 -, acumulou perda de quase 40% a partir do recorde de um ano atrás. Mantém o temor de um “crash da bolsa”, a exemplo do ocorrido em 1987, quando houve queda de 20% em um único dia, e o de 1929, com declínios de 12,8% e 11,7% em dias consecutivos.

Devido ao comportamento similar das bolsas européias, estima-se que os mercados acionários mundiais nesses países tenham perdido cerca de US$6 trilhões, na semana entre 6 e 10 de outubro. Mas, se alguém perdeu, alguém ganhou. A dinheirama não foi incinerada, nem se evaporou. Mudou de mãos, isto sim. E ai de quem a perdeu!

Tamanha crise de confiança não advém de alguma depreciação monetária, como sói acontecer durante os processos inflacionários. Resulta do mais antigo erro econômico que se possa cometer, isto é, querer dar o passo maior do que a perna e estatelar-se fragorosamente, seja como credor, seja como tomador. Agora, quem abusou do crédito, sem ter como pagar, continuará infenso ao compromisso e talvez até já pense: que se dane o credor! E quem alimentou a ciranda financeira com empréstimos sabidamente irrecuperáveis apenas viu seu dinheiro e sua credibilidade desaparecerem.

Portanto, a atual catástrofe econômica é conseqüente à mais pura ganância de quem financiou sonhos populares que se sabiam irrealizáveis, a não ser mediante um crédito insolúvel. Isto acabou evidenciando a fragilidade de uma sistemática financeira contaminada de repente com total descrédito, na hora do pagar para ver. Uma sistemática “alicerçada” em trocas quiméricas de ‘bits’ e ‘bytes’, não de moedas lastreadas em riqueza sólida ou patrimônio real. O sistema equiparou-se, assim, a imenso “estelionato” legalizado e aplicado às avessas por senhores de castelos de fumaça virtuais. Iria reverter contra os próprios aplicadores. O resto é conseqüência, como está à mostra.

Os mercados asiáticos e latino-americanos também sofreram com a volatilidade dos capitais, porém, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a América Latina apresenta a menor instabilidade dentro da crise mundial. Naturalmente, devido às próprias dimensões econômicas, o Brasil foi na região o país que apresentou a maior queda no mercado acionário: uma perda de 33,03%, entre 1º de agosto e 9 de outubro últimos. Seguiram-no o Peru (32,18%), Argentina (27,85%), Chile (25,23%) e México (23,3%). A Venezuela, onde o câmbio tem controle estatal, registrou queda de 6,86%. Prevê-se, no entanto, que a economia venezuelana enfrentará sérias dificuldades, se os preços do petróleo continuarem em baixa, pois 75% de suas receitas orçamentárias provêm da exportação dessa “commodity”.

Uma leitura dos jornais mostra claramente que sequer as autoridades, assim como os analistas especializados, arriscam-se a uma previsão afirmativa de quando se atingirá o fundo do poço. O economista Nouriel Roubini que, há cerca de dois anos, ante o ceticismo dos ouvintes, já previra uma crise de grandes dimensões, acredita no risco de um colapso financeiro sistêmico, que poderá levar o mundo a severa depressão.

Todavia, ao mesmo tempo, um antigo investidor de Wall Street chama a atenção para a diferença entre a atual crise e a de 1929. Ressalta que, à época, o Tesouro norte-americano fez questão de não intervir, ao passo que, no momento, os governos estão mais preparados e têm-se mobilizado para evitar o colapso. Assim, demonstram acreditar em uma atuação coordenada para gerar mais confiança e estar em condições de prover recursos para apoiar as instituições mais afetadas. Uma prova são os gastos já realizados pelos tesouros desses países, assim como as medidas adotadas no âmbito do G-8 e do G-20.

De qualquer forma, imagina-se por consenso que as medidas não surtirão efeito imediato e que será difícil acalmar o nervosismo dos mercados. Por isso, somente quando a turbulência amainar, terão início os ajustes e será possível dimensionar as mudanças resultantes. Tem-se como única certeza que algumas dessas mudanças serão duradouras. Presume-se, em primeiro lugar, que a economia mundial crescerá em ritmo muito mais lento, devido à diminuição da riqueza das empresas e das pessoas nas principais economias. Isso provocará queda de consumo e poupança, depreciação de preços, redução na atividade industrial e desemprego.

O FMI acaba de divulgar essa estimativa assustadora. Prevê que a economia mundial crescerá apenas 3%, contra os 5,1% e 5,0% registrados em 2006 e 2007. Segundo os técnicos do Fundo, os EUA, Alemanha, França, Reino Unido e outros países da Europa poderão ter taxas de crescimento próximas de zero ou negativas em 2009. Admitem para o conjunto dos emergentes um crescimento ainda robusto, de 6,1%, influenciado principalmente pela China, que deverá crescer 9,3%. Para a América Latina, sua previsão é de 3,2%, inferior aos 3,5% que estariam reservados ao Brasil segundo estudo anterior.

No cenário catastrófico desenhado pelo FMI, a farta liquidez dos últimos anos desaparece e a escassez de crédito pressiona os juros, arrastando o mundo para a recessão. A fase de demanda superaquecida dos últimos anos chega ao fim e uma parte do fôlego, que o crescimento chinês havia injetado na economia mundial, fica arrefecida. A queda na demanda por matérias primas, já em curso, será acentuada. O crédito ficará restrito, dificultando o comércio internacional. Outra afirmação é a de que um dos principais aspectos do novo cenário consistirá em profunda revisão dos parâmetros financeiros nacionais e na regulamentação dos fluxos de capitais.

Entretanto, a economia brasileira encontra-se em condição muito mais favorável para enfrentar uma crise desse porte do que na década passada. Vários desequilíbrios foram equacionados desde então, a exemplo da inflação galopante, da dívida pública crescente, do baixo nível das reservas e da taxa de câmbio administrada. A estabilidade monetária, a flutuação cambial, a renegociação das dívidas estaduais, acompanhados de uma política fiscal responsável, que inclui a obediência a parâmetros como as metas de inflação e de superávit fiscal, são fatores que amortecem hoje o impacto da crise na economia brasileira.

Destaco a importância dos bem sucedidos programas de saneamento do sistema bancário nacional, executados no governo anterior, como o PROER e o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (PROES). Aliados à Lei de Responsabilidade Fiscal, foram fundamentais para tornar o sistema financeiro brasileiro menos vulnerável a uma crise de liquidez.

No setor externo, o País fortaleceu sua balança comercial, favorecida pelo crescimento da economia mundial, o aumento nos preços das “commodities" e a pujança no crédito para o setor exportador. Assim, os saldos comerciais positivos, embora tenham declinado ultimamente em decorrência do aumento das importações, contribuíram decisivamente para reduzir o déficit em transações correntes. Acertadamente, o governo acumulou reservas internacionais que hoje se situam em cerca de US$206 bilhões e, além disso, negociou sua dívida externa, tornando-se credor externo nessa moeda.

O quadro brasileiro de forte crescimento atingiu 5,4% em 2007 e está estimado em 5,2% neste ano. Acompanhado de estabilidade econômica, tem atraído considerável aporte de investimento direto estrangeiro, que acumula US$ 32,7 bilhões nos últimos doze meses até agosto.

Nesse período, o Brasil conseguiu também importante redução no risco-país, culminando com a obtenção do chamado “investment grade”, por duas agências de avaliação de risco. Aliás, embora não se deva negar importância a esse tipo de avaliação, sempre é bom lembrar a necessidade de cautela, pois a atual crise se incumbiu de desacreditá-lo. As agências conferiam excelentes classificações para instituições que se revelaram insolventes e produziram o caos econômico internacional.

Outra característica positiva da economia brasileira foi o crescimento do agronegócio e da produção industrial, com aumento do emprego e forte participação do mercado consumidor interno. No entanto, apesar das afirmações governamentais em contrário, não há como estar “vacinado” para uma crise das atuais dimensões em um mundo globalizado. Segundo recente artigo acadêmico, que analisou a experiência de 181 países desde 1980, todos os emergentes em que se observa forte entrada de investimento direto estrangeiro têm aumentada de 25 a 30 % a chance de uma crise de crédito ou de câmbio causada pela volatilidade dos capitais.

Os autores daquele artigo acrescentam que a atual crise já demonstra os riscos da recente “bonança” de crédito: os fluxos de capitais para os países emergentes, que atingiram o recorde de US$1 trilhão, em 2007, devem decrescer, já em 2008, para cerca de US$800 bilhões, com forte impacto nessas economias. Isso ocorre também porque, nos últimos anos, tais capitais constituem basicamente crédito corporativo, com repercussão direta na produção e no consumo. A conclusão óbvia é a de que um país, ao se beneficiar do capital internacional mais barato, deve estar preparado para a possibilidade de sua saída em momentos de mudança nas condições dos mercados mundiais.

Uma mostra do grau de volatilidade desses capitais, principalmente no atual cenário de baixa regulamentação, reflete-se nos dados do setor externo brasileiro, divulgados em 23 de setembro pelo Banco Central5, mostrando saída expressiva de capitais. Em agosto, os investimentos estrangeiros em carteira registraram saldo líquido de US$747 milhões, comparativamente a US$4,2 bilhões no mês anterior. Já refletindo a crise de liquidez internacional, os investimentos líquidos referentes a ações negociadas no país foram negativos em US$1,6 bilhão, assim como os títulos de renda fixa, que apresentaram queda expressiva nas captações líquidas, declinando de US$4,2 bilhões, em julho, para US$1,3 bilhão em agosto.

Portanto, até o momento, podem-se considerar como as principais conseqüências da crise financeira para o mercado nacional a contração do crédito e a vertiginosa alta da taxa de câmbio. Ao mesmo tempo, prevê-se que a queda nos preços das “commodities” e na demanda externa pelas matérias-primas exportadas pelo Brasil contribuirá para a diminuição dos saldos comerciais brasileiros. Uma estimativa é de que esse saldo passe de US$ 27,6 bilhões em 2008 para US$8,4 bilhões em 2009. Esses fatores já provocam a revisão de planos de produção em diversos setores, embora ainda prevaleçam incertezas quanto ao resultado final das atuais oscilações nos mercados.

Com a recente turbulência no mercado, vários negócios foram paralisados à espera de algum sinal de estabilidade. A depreciação violenta do câmbio, com queda acumulada de 48,2%, entre 1º de agosto e 10 de outubro, afetará bruscamente empresas importadoras e já levou à suspensão do fechamento de encomendas, em face da incerteza quanto aos novos parâmetros de mercado6. Com relação ao salto no custo do crédito de curto prazo, os empresários alertam sobre a postura dos bancos que pretendem tirar excessiva vantagem da situação.

O componente especulativo no mercado cambial, acentuando as oscilações, também atinge negativamente os negócios. Embora persistam fluxos positivos na balança comercial, o Banco Central tem intervindo moderadamente para evitar excessiva valorização do dólar. Nesse momento, é difícil prever, por exemplo, em que medida a taxa de inflação, em queda por quatro meses consecutivos, será afetada pela depreciação do câmbio. Considerando que o IPCA atingiu 0,26%, em setembro, seu menor valor em um ano, não há ainda como avaliar qual será o comportamento dos preços em face da pressão inflacionária do câmbio.

Em matéria da Folha de S.Paulo, a análise de especialistas é a de que o câmbio elevado terá impacto inflacionário num primeiro momento. Mas, a médio prazo, a retração no nível de atividade deve trazer a inflação a níveis mais razoáveis. A alta de juros no Brasil e a crise mundial vão conter a demanda e evitar grandes reajustes de preço: o peso da depreciação cambial sobre a inflação dependerá também do intervalo em que o câmbio ficará pressionado, combinado com a queda no consumo.

Como na maioria dos setores, o agronegócio brasileiro depende fortemente da disponibilidade de financiamento, tanto para a produção como para a comercialização. Neste ano, o plantio da próxima safra, iniciado em julho, foi afetado pela restrição de crédito e pela expectativa de declínio da demanda e dos preços das “commodities”, registrando-se um recuo de 2,4% nas principais lavouras do país, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Entretanto, ela estima que a safra a ser colhida será apenas ligeiramente inferior ou superior à do ciclo anterior. Ou seja, estará entre 142 milhões de toneladas (1,2% de queda) e 144,5 milhões (aumento de 0,5%). Para a soja, que tem liquidez superior às demais culturas, prevê-se aumento da área plantada, levando a incremento de 2% na produção. O arroz e o feijão, empurrados pelos aumentos de preços em 2008, devem ter sua oferta aumentada ao contrário do milho, que deve recuar em torno de 4,5% a 6%.

Tendo em vista que operações contratadas com grandes bancos internacionais foram suspensas pela falta de liquidez no sistema, conforme a imprensa noticiou, os produtores têm pressionado o governo para a adoção de medidas consideradas fundamentais para garantir mais crédito à nova safra. Pretendem a prorrogação das parcelas de dívidas recém negociadas com vencimento em 2008, a liberação de recursos para bancos e tradings, com o risco assumido pelo Tesouro Nacional e a realização de leilões de prêmios para escoamento da soja.

O Ministro da Agricultura aparenta tranqüilidade. Afirmou que o governo estuda a liberação de mais R$3,5 bilhões a R$5 bilhões em recursos de depósitos compulsórios para atender aos bancos privados. Considera que “não deve faltar crédito, porque o governo tem como suprir”, que a demanda mundial vai se manter, mesmo crescendo menos, e que a última “commodity” a sofrer restrições será alguma agrícola. Sobre o crédito para comercializar a safra, o Ministro acredita que há tempo para encontrar soluções, conforme publicou o jornal Valor Econômico.

Por outro lado, a Coordenadora do Índice de Preços do IBGE afirmou que a alta do dólar sempre se reflete nos índices de preços e afeta, em primeiro lugar, os alimentos. Somente em setembro, o câmbio se valorizou em 17%, enquanto o índice médio dos preços das “commodities” caiu 6%. Com a forte oscilação verificada no início de outubro, não há ainda como determinar o efeito do câmbio a médio prazo no preço final dos produtos, cuja competitividade aumenta em decorrência da depreciação do real, ao mesmo tempo em que encarece os insumos importados.

Conforme já assinalei, a queda na atividade econômica mundial afetará o consumo e a importação de bens por outros países, com conseqüências para as economias fortemente exportadoras como a China. Também no Brasil, espera-se o impacto negativo no setor exportador, embora possa ser parcialmente compensado pelo câmbio mais favorável.

Na indústria, o forte crescimento verificado no primeiro semestre, (em média 6,8% com relação ao mesmo período do ano anterior), já começava a desacelerar em agosto, com incremento de apenas 2% comparado ao mesmo mês de 2007. As empresas se ressentem da incerteza decorrente das oscilações no câmbio e da restrição no crédito, principalmente as que possuem compromissos em moeda estrangeira.

Em diversos setores, como o automotivo e o de equipamentos, são revistas as expectativas de vendas. Em particular, alguns fabricantes de eletro-eletrônicos, com alto percentual de componentes importados, suspenderam temporariamente suas vendas no varejo. No geral, diversas empresas cogitam conceder férias coletivas ampliadas, ainda este ano, e já revêem planos de produção, encomendas e até investimentos programados para 2009.

O enxugamento do crédito para capital de giro, acompanhado no Brasil pela alta dos juros, cria um cenário ainda mais complicado para o setor industrial. A esse respeito, vale citar o comentário sucinto do vice-presidente da Samsung, ao ser perguntado sobre as possíveis repercussões da crise: “O efeito direto de uma crise como essa no consumidor, principalmente nas classes C e D, é medido pelo custo do crédito”.

No que tange à exportação de produtos siderúrgicos, uma das “commodities” mais importantes para o Brasil, as expectativas puderam ser atualizadas no Encontro Anual da Associação Mundial de Aço, realizado recentemente em Washington, quando se divulgou a estimativa de redução no ritmo de crescimento da demanda, de 4% a 4,5%, comparado a 8,8% em 2006, e 6,6%, em 2007. No encontro, considerou-se que os países emergentes permanecerão mais fortes nesse mercado, e as empresas brasileiras presentes afirmaram que esse patamar é ainda bastante promissor para suas vendas.

Com relação ao setor exportador, além da preocupação com o declínio da demanda e dos preços, um fator essencial será a disponibilidade de recursos para seu financiamento, a custos razoáveis. Embora não tenha sido possível obter ainda dados específicos para o Setor de Serviços, pode-se prever uma melhoria de competitividade dos produtos brasileiros em decorrência do câmbio, embora sua demanda possa ser atingida também pela crise mundial.

Em períodos de turbulência como o atual, é impossível prever a dimensão dos ajustes da economia mundial e, a médio prazo, das variáveis que afetarão diretamente a economia brasileira, como o câmbio, os preços das “commodities”, a liquidez internacional e as taxas de juros de mercado. Cabe ao governo acompanhar de perto sua evolução e avaliar a necessidade de intervir e mitigar efeitos indesejados, como ocorreu na semana passada com o câmbio.

Com relação ao Setor Financeiro, um dos mais afetados pela crise e mais cruciais para o seu desenrolar, o Banco Central tem atuado desde os primeiros sinais de retração no crédito. Não obstante o discurso do governo no sentido de negar os reflexos da crise sobre a economia brasileira, a autoridade monetária vem adotando uma série de medidas que visam minimizar seus impactos sobre o setor produtivo e acalmar o mercado. Entre elas, cita-se a implementação de um programa de liberação integral dos recolhimentos compulsórios sobre depósitos a prazo, sobre os depósitos interfinanceiros e sobre a exigibilidade adicional de depósitos à vista e a prazo, que inclui a redução de 8% para 5% nas alíquotas usadas para o cálculo da exigibilidade adicional sobre esses depósitos.

Foi também editada a Medida Provisória (MP) nº 435, de 2008, que autoriza o Banco Central a emitir títulos diretamente para abastecer sua carteira, de modo a assegurar o volume de títulos suficiente para gerir adequadamente a política monetária. A MP acaba de ser aprovada na Câmara dos Deputados, e deverá ser submetida em breve ao Senado Federal.

Por meio da Medida Provisória nº 442, de 2008, aprovada na Câmara dos Deputados em 28 de setembro, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central ganharam maior flexibilidade no emprego dos instrumentos disponíveis para efetuar o controle da oferta de moeda e da taxa de juros, além de prover liquidez em moeda estrangeira às instituições financeiras bancárias nacionais, diante dos recentes choques de liquidez no cenário internacional.

Em seguida, com outra mudança no compulsório, o Banco Central proporcionou injeção de liquidez de aproximadamente R$23,2 bilhões no mercado, e, como ressaltei anteriormente, com margem confortável de reservas, o Banco tem também efetuado leilões de venda de dólares para frear a depreciação do real. Calcula-se que, desde o início de outubro, tenham sido liberados cerca de R$150 bilhões por meio de alterações no compulsório bancário.

Foi ainda editada a Medida Provisória nº 443, de 2008, que autoriza o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a constituir subsidiárias, controladas e integrais, e a adquirirem participações em instituições financeiras. E igualmente a criação de subsidiária integral da Caixa Econômica para atuar como banco de investimento, por meio de participações em empresas, esta última declaradamente com o principal objetivo de capitalizar o setor de construção civil.

Apesar de todas essas medidas, o Presidente do Banco Central tem declarado que o Sistema Financeiro enfrenta problemas de liquidez, mas não de insolvência. Em momentos de crise, não apenas as medidas concretas e tempestivas são essenciais, mas também a postura das autoridades em suas manifestações, que não devem soar contraditórias com a realidade, propiciando desmentidos e instigando o clima de boataria que confunde as empresas e os mercados.

Na política monetária a ser seguida, o aumento da liquidez e a determinação do patamar adequado para a SELIC são nossos maiores desafios a curto prazo. O diretor-adjunto do Departamento de Pesquisa do FMI, Charles Collins, declarou acreditar que o Brasil poderá baixar confortavelmente sua taxa de juros para melhorar o crédito, sem que isso provoque tendência inflacionária.

Outro importante instrumento do governo é a política fiscal, que deverá balizar-se pela necessidade de manter o equilíbrio nos principais parâmetros e ajustar-se às eventuais necessidades de curto prazo da economia nacional. Em relação à proposta orçamentária encaminhada ao Congresso em agosto de 2008, terão que ser revistas as taxas de crescimento do PIB, prevista em 4,5%, e o câmbio, estimado, em média, em R$1,71. A reestimativa de receita, se ocorrer contração, poderá levar à necessidade de cortes de gastos de custeio, em franca expansão nos últimos anos. Nesse momento, será preciso que as autoridades tenham em mente os efeitos da crise no setor produtivo e a necessidade de manter os investimentos para dinamizar os setores mais atingidos.

Como se viu, o setor agrícola e principalmente o agronegócio voltado para a exportação já contam com a prorrogação do prazo para o pagamento renegociado recentemente. Políticas públicas voltadas à manutenção do emprego terão de ser adotadas ou intensificadas, uma vez que se prevê, a partir do primeiro trimestre de 2009, queda no ritmo de criação de vagas em diversos setores. Segundo avaliam sindicalistas, na comparação com os 2 milhões de vagas criadas em 2008, deve haver redução no intervalo entre 300 a 500 mil postos, em 2009.

O primeiro reflexo da crise para a população brasileira foi, contraditoriamente, positivo, pois se refletiu na queda dos preços dos alimentos. Em conseqüência dessa queda, resultado do declínio na demanda mundial por alimentos e do aperto monetário praticado pelo Banco Central a partir de abril, foi controlada a tendência de alta da inflação no país, prevendo-se hoje que não ultrapassará o teto da meta anual de 6,5%.

Por outro lado, a mesma política de elevação dos juros aliada à saída de capitais reduziu o crédito disponível para as pessoas. Dessa forma, os juros dos crediários e dos empréstimos bancários para a pessoa física, que já vinham em alta, atingiram em setembro o patamar médio de 6,5%, retornando aos níveis praticados em janeiro de 2007.

Esse retrocesso afeta não só diretamente a população, principalmente a de menor renda, mas também, ao atingir o nível de atividade econômica, poderá refletir- se indiretamente na disponibilidade de emprego a médio prazo.

Finalmente, a baixa de liquidez e as perdas nos mercados financeiros representam queda na riqueza das pessoas e também repercutirão no seu nível de consumo. Esse fator já tem freado a compra de automóveis e de alguns bens duráveis. Outro setor que no último ano esteve super aquecido e já apresenta sinais de esfriamento é o da construção civil, em primeiro lugar, pela alta dos preços das matérias primas e, agora, com a alta no custo do crédito.

Considerando o momento de incerteza e desconfiança nos mercados, não se pode prever com segurança o resultado final das variáveis que influenciarão, em médio prazo, a economia brasileira. Uma certeza é a queda do PIB mundial e a redução das taxas de crescimento das economias mais desenvolvidas e das emergentes, estas com menor impacto. A estimativa do FMI é que, em média, o grupo mais desenvolvido cresça 0,5% em 2009, com possibilidade de declínio em algumas economias.

Hoje, também não é possível definir o nível final de ajuste nos principais parâmetros da economia brasileira. Com as reservas atuais e a prevalência de saldo positivo na balança comercial, espera-se que a excessiva apreciação do câmbio retroceda a patamares mais próximos da taxa prevista originalmente de R$1,71. No mercado, hoje, a previsão oscila em torno de R$2,10, no fechamento de 2008.

A intervenção do Banco Central até o momento tem sido bem recebida no sentido de liberar recursos do compulsório para restaurar o volume de crédito e evitar maior retração das empresas. No entanto, como as medidas adotadas pelo Banco Central não têm surtido o efeito desejado, a exemplo do resto do mundo, este é um momento em que se espera uma postura de antecipação e atuação da autoridade monetária.

No Brasil, em face das manifestações de empresas de que o crédito permanece travado, paralisando negócios, e de que os bancos tentam aumentar exageradamente o custo do crédito, cabe ao Banco Central importante papel de analisar de perto o mercado e, eventualmente, impor sanções aos que estejam contribuindo para o chamado “empoçamento” do crédito.

A notícia de que as prerrogativas disponibilizadas pela MP nº 442, de 2008, não foram utilizadas até o momento pode não ser tão boa notícia e significar que o excesso de incerteza e aversão ao risco tem inibido a circulação do crédito, com prejuízo ainda maior para o conjunto da economia.

Finalmente, será fundamental que o governo preserve as metas de equilíbrio fiscal, assegurando a confiança dos investidores, e dê prioridade à manutenção dos investimentos programados, resguardando as expectativas do setor produtivo.

A meu ver, vivemos um daqueles ciclos históricos de transformações destinadas a remodelar a face da Terra. Tudo o que vem à luz neste mundo está fadado a crescer, envelhecer e transformar-se. Talvez resida aí, agora, a grande oportunidade de o Brasil atingir um nível de importância global condizente com sua enorme energia, suas riquezas e a maravilhosa índole do seu povo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, encerro a minha fala com um agradecimento à Consultoria Legislativa do Senado da República, dirigindo-me especialmente à Drª Cristina Thedim Brandt pelo apoio que dela recebi na realização deste trabalho.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2008 - Página 46759