Discurso durante a 219ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Eleição de um negro para a presidência dos Estados Unidos da América. Transcurso, hoje, do Dia Nacional da Consciência Negra. Incidente de racismo envolvendo o cantor Dudu Nobre e sua esposa. (como Líder)

Autor
Jayme Campos (DEM - Democratas/MT)
Nome completo: Jayme Veríssimo de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Eleição de um negro para a presidência dos Estados Unidos da América. Transcurso, hoje, do Dia Nacional da Consciência Negra. Incidente de racismo envolvendo o cantor Dudu Nobre e sua esposa. (como Líder)
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2008 - Página 46847
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ELEIÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, VITORIA, NEGRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SAUDAÇÃO, HISTORIA, SUPLANTAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DIREITO CIVIL, REGISTRO, BIOGRAFIA, CANDIDATO ELEITO.
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, REPUDIO, OCORRENCIA, CRIME, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, AUTORIA, TRIPULANTE, EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO, VITIMA, ARTISTA, EXPECTATIVA, PUNIÇÃO, REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DESIGUALDADE SOCIAL, AMBITO, RAÇA, ORIGEM, HISTORIA, ESCRAVATURA, DEFESA, POLITICA, INCLUSÃO.

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O SR. JAYME CAMPOS (DEM - MT. Pela Liderança do DEM. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei breve, até porque o Senador Valter, com certeza, fez um discurso maravilhoso. Pretendo que a minha fala seja bem menor que a dele.

Nesses dias de reflexões sobre os destinos da sociedade moderna, com a imprescindível e necessária intervenção do Estado na frágil malha capitalista, fomos lançados às profundezas de nossas próprias consciências quando a mais sólida república ocidental elegeu, pela primeira vez, um presidente negro para dirigir a nação. Obviamente, não pela cor da pele do dignitário, mas pela longa trajetória da sociedade americana até purgar o racismo de suas entranhas.

Trata-se de um evento histórico, não simplesmente pela cristalização dos direitos civis norte-americanos, mas sim pela biografia do Presidente eleito. Egresso de uma minoria racial, filho de um casamento segregado e criado num estado insular como o Havaí, Barack Obama mostrou ao mundo que a força das convicções é mais poderosa que a crueza do preconceito.

Ainda ecoam em nossos corações, como um hino de liberdade, as palavras do pastor Martin Luther King que previam um tempo de igualdade. “Eu tenho um sonho de ver um homem julgado pelo seu caráter e não pela cor de sua pele”, anteviu o ativista. Pois bem, a eleição de Obama equivale à queda do Muro de Berlim na luta contra a segregação racial.

Digo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque além de comemorarmos hoje o Dia Nacional da Consciência Negra, inclusive com um feriado em quinze capitais brasileiras, todos nós fomos surpreendidos nesta semana com a denúncia de um lamentável ato de racismo cometido por tripulantes de uma companhia aérea internacional contra dois artistas brasileiros.

Conforme relatou o cantor Dudu Nobre, ele e sua esposa foram vítimas de insultos, comentários impróprios e até agressões verbais pelo simples fato de serem negros. Chamado de “macaco” e instado a defender a sua honra, o sambista se conteve, enquanto seu produtor musical foi ferido com golpes de objeto cortante pelo comissário de bordo enfurecido. Tais fatos devem ser apurados com rigor pela Polícia Federal por tratar-se de um crime vergonhoso, previsto em nosso Código Penal.

O racismo não é lícito e tampouco moral. Ele é uma nódoa que ainda insiste em manchar nossos ideais democráticos. Ele não é perceptível, mas resiste. Muito já se fez para combatê-lo, mas a luta contra a discriminação racial ainda está por ser vencida.

Caro Senador Paulo Paim, severo militante das causas da igualdade neste Senado, os próprios números do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apontam para mais essa mazela no caráter nacional. Senão vejamos: do total de habitantes do País, 13,4% dos que possuem curso superior são brancos, apenas 4% são negros.

Outro levantamento mostra que, dos 14 milhões de analfabetos da Nação, 9 milhões são negros ou pardos. Ou ainda, que o percentual de brancos entre estudantes de 18 a 24 anos no nível superior é de 58%, enquanto o de alunos negros ou pardos alcança apenas 25% dos indivíduos matriculados.

A realidade ainda é mais dura no mercado de trabalho. Segundo cálculos do IBGE, a diferença nos rendimentos médios percebidos por negros e pardos, em relação aos brancos, chega à casa dos 50%. Esta tendência também se constata nos grupos com escolaridade superior, onde o negro recebe até 40% menos por hora trabalhada.

Para se ter uma idéia desse quadro, Senador Paulo Paim, entre a faixa de renda dos 10% mais pobres da população brasileira, 74% são negros ou pardos, e apenas 12% são brancos.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, essencialmente, esses índices revelam que existe um enorme abismo social no País. E, lógico, pela própria evolução histórica da Nação, os negros ficaram relegados ao lado mais pobre de nossa estrutura econômica. Não pela incapacidade deles próprios, mas pela monumental concentração de riquezas do lado mais rico da comunidade.

Falta, portanto, governo e sociedade nacional construírem pontes estratégicas para que haja uma verdadeira integração racial em nosso País. Não apenas legal ou protocolar, mas uma verdadeira integração que signifique acesso à educação e a condições equivalentes no mercado de trabalho.

Concedo um aparte ao Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Jayme Campos, eu quero cumprimentar V. Exª, com muito carinho e respeito, pelo seu pronunciamento. Senador Jayme Campos, se fosse o Senador Paim, que é o único Senador negro aqui no Senado, na tribuna, quem está em casa ouvindo poderia pensar: “Ah, o Paim, com uma posição sempre tendenciosa para defender a situação da comunidade negra!“ V. Exª, não. V. Exª, como um homem de bem, não faz diferença entre negros e brancos, mas traz a realidade dos fatos e faz um clamor, faz um pedido da tribuna do Senado para que a sociedade olhe com carinho, com respeito e de forma fraternal o que está acontecendo. V. Exª disse que temos de estabelecer pontes. Assim, quero aproveitar este momento em que V. Exª fala, para, mais uma vez, fazer um pedido à Câmara dos Deputados. O Senado aprovou o que chamo de uma ponte, pegando o discurso de V. Exª, que é o Estatuto da Igualdade Racial e Social, que consolida o conjunto das políticas afirmativas. Em outros países, elas foram aprovadas há décadas e até foram revogadas, porque cumpriram seus objetivos. Como disse recentemente Barack Obama, os Estados Unidos já não precisam mais de ações afirmativas. E nós não queremos esperar 48 anos para dizer isso. Por isso, meus cumprimentos a V. Exª. Tenho certeza de que brancos, negros e índios, enfim, todas as etnias - a raça é só uma, é a humana -, com certeza, estão batendo palmas para o discurso de V. Exª, eis que 20 de novembro é o dia de combate aos preconceitos. Parabéns, Senador Jayme Campos.

O SR. JAYME CAMPOS (DEM - MT) - Obrigado, Senador Paulo Paim.

Concedo um aparte ao meu querido Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Jayme Campos, V. Exª aborda um tema muito importante para o Brasil e para o mundo. No início, V. Exª chamou a atenção para a eleição do Presidente Obama, nos Estados Unidos. É bom lembrar que ele é filho de uma mulher branca com um homem negro, sendo, portanto, o que consideramos aqui no Brasil um mulato. Todavia, não foi, como ele mesmo disse, pela cor. Aliás, toda a campanha dele, desde as primárias, não se baseou na questão racial, até porque, como disse o Senador Paim, talvez lá já tenham superado a questão social, embora saibamos que ainda existem guetos fortes. Ele não se valeu disso. Devemos dar oportunidade social e econômica aos negros a fim de que possam ascender às camadas econômica e socialmente mais importantes. Alguém pensa, por exemplo, que há racismo contra o Pelé? Não. E por quê? Porque, socialmente, ele, por uma circunstância, chegou ao topo da pirâmide no Brasil. Então, o importante é que nós todos, independente da cor, pensemos, como foi dito aqui, em uma única raça, que é a raça humana - e, principalmente, nós, brasileiros, que somos frutos de uma miscigenação. Não interessa aqui analisar os 500 para trás, as injustiças cometidas; importa é, daqui para frente, como devemos nos comportar a fim de que possamos nos respeitar como iguais. E iguais em tudo.

O SR. JAYME CAMPOS (DEM - MT) - Agradeço o aparte do Senador Paulo Paim e o do meu valoroso companheiro, Senador Mozarildo Cavalcanti. Muito me honra receber o aparte de V. Exªs.

Como disse Martin Luther King, um homem não pode ser julgado pela cor da pele; e eu acrescentaria, agora, que ele deve ser avaliado pela sua eficiência, seu caráter e sua honradez. Para que esse pensamento se cristalize, é necessário que o poder público crie políticas de inclusão tanto para negros como para qualquer de nossos irmãos em risco social.

Vai chegar o tempo em que o Brasil não será mais uma república multirracial, mas, sim, o país de uma raça apenas: a dos brasileiros.

Tenho a certeza de que esse dia chegará, e certamente veremos um Brasil diferente, sobretudo de mais oportunidades.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, nesta oportunidade.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2008 - Página 46847