Discurso durante a 219ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Transcurso, hoje, do Dia Nacional da Consciência Negra.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Transcurso, hoje, do Dia Nacional da Consciência Negra.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2008 - Página 46849
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, PAIS, HOMENAGEM, ZUMBI, VULTO HISTORICO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, CUMPRIMENTO, ENTIDADE, ESTADO DO PARA (PA).
  • ANALISE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS, REGISTRO, OCORRENCIA, CONTESTAÇÃO, POLITICA, COTA, UNIVERSIDADE, FALSIDADE, ALEGAÇÕES, PROTESTO, ORADOR, DESCUMPRIMENTO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, LEGISLAÇÃO, INCLUSÃO, CURRICULO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, OMISSÃO, GOVERNO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, PROGRAMA, PREPARAÇÃO, PROFESSOR, REPUDIO, ATUAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, NEGRO, ESPECIFICAÇÃO, POLICIA.
  • DEFESA, CUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, TITULARIDADE, TERRAS, POPULAÇÃO, ORIGEM, QUILOMBOS, EXPECTATIVA, URGENCIA, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, SUGESTÃO, COMISSÃO, SENADOR, VISITA, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, SOLICITAÇÃO, APOIO, LIDER, AGILIZAÇÃO, MATERIA.
  • REGISTRO, MOBILIZAÇÃO, GRUPO PARLAMENTAR, RECOLHIMENTO, ASSINATURA, POPULAÇÃO, URGENCIA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ERRADICAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, PUNIÇÃO, CRIME.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Augusto Botelho, Srªs e Srs. Senadores, Zumbi dos Palmares vive! O símbolo da resistência negra à escravidão estará reencarnado nas numerosas manifestações políticas públicas organizadas para marcar, em todo o País, o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado neste 20 de novembro. A data é uma conquista do Movimento Negro e uma justíssima e obrigatória homenagem ao herói nacional covardemente assassinado em 1695, durante a destruição do memorável Quilombo dos Palmares, localizado nas terras da Serra da Barriga, no Estado de Alagoas.

Infelizmente, os negros brasileiros continuam discriminados. Na área educacional, a política de cotas para ingresso de negros na universidade é combatida com o falso argumento de que subverte o mérito acadêmico e produz o ódio racial, que pretende negar a desigualdade abissal de acesso à educação entre negros e brancos.

A Lei nº 10.639, de janeiro de 2003, que estabelece a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” na grade curricular, está sendo descumprida pela maioria das escolas, e o próprio Governo Federal se desobriga de fazê-la cumprir, inclusive porque subutiliza a dotação orçamentária do programa denominado Educação para a Diversidade, criado para incentivar ações previstas na própria lei.

O rendimento médio dos homens brancos é quase duas vezes e meia maior que o dos homens negros e quase quatro vezes maior que o das mulheres negras. O desemprego atinge com maior incidência a população negra residente nas regiões metropolitanas. Em média, um em cada quatro brasileiros (25%) não tem acesso a condições adequadas de saneamento, mas essa taxa apresenta significativas variações, se calculada separadamente para a população negra e para a população branca.

Os negros são as maiores vítimas de chacinas e de outras formas de violência urbana, e as crianças negras são as que mais morrem antes de completar um ano de idade. As jovens negras são as maiores vítimas de mortalidade materna, e mortes por doenças curáveis abatem a população negra em proporção muito maior do que a população branca.

Na Universidade de São Paulo (USP), maior universidade brasileira, menos de dez professores são negros entre 5,4 mil professores, e são negros menos de 2% do total de alunos.

Apesar da expressa proibição legal do racismo, há muito tornado crime inafiançável, isso não tem conseguido impedir que as próprias instituições públicas encarregadas de zelar pelos direitos humanos e constitucionais os violem corriqueiramente. Exemplo disso é que a Polícia, a pretexto de combater a criminalidade, reprime de forma escancaradamente violenta os suspeitos de cometerem práticas criminosas apenas por que são negros.

Aproveito para falar também da questão da regularização das áreas remanescentes de quilombos, conquista inscrita na Constituição de 1988 como emblemática medida de reparação da dívida histórica do Estado brasileiro com a população negra. Nossa Carta Magna considera que a titulação é ato elementar de justiça em favor de descendentes de escravos que escaparam do regime de escravidão antes que esta fosse oficialmente abolida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero me congratular com todas as entidades e movimentos negros do País, que, neste dia, nos mais diversos espaços públicos, nos Poderes Legislativos estaduais e municipais, nas praças públicas, nas escolas, nas entidades do movimento negro, realizam um conjunto de eventos para assinalar e comemorar as conquistas e afirmar a luta em defesa da igualdade racial.

Creio que é uma necessidade histórica que o Congresso Nacional aprove, com a maior rapidez, o Estatuto da Igualdade Racial, projeto de autoria do Senador Paulo Paim, para o qual há também outras iniciativas no Senado e na Câmara dos Deputados. Mas é urgente o Estatuto da Igualdade Racial como instrumento fundamental para a implementação das ações afirmativas em defesa da população negra, a discriminada população afrodescendente.

É com muita satisfação que fazemos a cobrança aqui da aprovação imediata desse Estatuto. Um compromisso que o Congresso Nacional, especialmente a Câmara dos Deputados, poderia assumir nesta data histórica, Senador Paim, seria a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, motivo de tão brilhante militância e iniciativa de V. Exª.

É com muita satisfação que concedo o aparte ao Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador José Nery, faço o aparte a V. Exª, com muito orgulho - por ser V. Exª o Senador que é -, nesta data de 20 de novembro, dia nacional de reflexão sobre o preconceito, sobre o racismo, o que, infelizmente, existe. Nós todos sabemos que a raça é uma só, a raça humana, mas, infelizmente, o preconceito faz com que usemos ainda o termo “racismo”, como se existisse mais que uma raça. Quero cumprimentar V. Exª, que é o Presidente e coordenador da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo. V. Exª sabe, tanto quanto eu, que a maioria dos trabalhadores sob o regime de escravidão não é branca. Noventa por cento dos trabalhadores que, no Brasil, ainda estão sob o regime de trabalho escravo - que V. Exª tem combatido com muita competência - são negros. Queria aproveitar este momento para dizer que não entendo por que a Câmara dos Deputados está tendo tanta dificuldade para aprovar o Estatuto da Igualdade Racial. Confesso que estou um pouco chateado, um pouco até magoado. São 120 anos da Abolição da Escravatura, 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 20 anos da Assembléia Nacional Constituinte. O ano de 2008 é o ano em que a maior, queiramos ou não, potência do mundo elege um presidente negro. E a Câmara dos Deputados não consegue aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, que lá está há mais de dez anos. Quando eu estava naquela Casa, deixei lá o Estatuto. Como o Estatuto não foi aprovado, vim para o Senado, apresentei outro, nós o aprovamos por unanimidade e o mandamos para a Câmara, que está com o Estatuto há dois anos e não o vota. Senador Nery, hoje, pela manhã, num programa de rádio - as rádios estão apoiando muito essa causa; permita-me, Senador, fazer aqui uma homenagem a todo o sistema de rádio do Brasil, que está apoiando muito essa luta dos aposentados e também o combate ao preconceito -, cheguei a dizer: “Votem a favor ou contra, mas votem”. Que a Câmara assuma! Se há um setor preconceituoso, assuma seu preconceito, mas vote. O que eu queria é que, ainda este ano, a Câmara votasse o Estatuto da Igualdade Racial, que, na verdade, são as políticas afirmativas que os Estados Unidos votaram ainda na década de 60 e sobre as quais Barack Obama diz: “Não precisamos mais disso, já superamos essa época”. Torço para que não tenhamos de esperar quatro décadas para dizer a mesma coisa. Se dependesse de mim, eu colocaria um artigo no Estatuto: “Esta lei fica revogada daqui a dez anos”. Pronto! Assim, mostraremos que podemos fazer acontecer, ou seja, terminar com esta chaga que é o preconceito. Parabéns a V. Exª! Tenho certeza de que o Presidente vai ser tolerante com V. Exª, porque V. Exª sempre fica dentro do prazo; os apartes, pelo seu prestígio, é que o acabam prejudicando.

(Interrupção do som.)

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim. Faço um apelo ao Sr. Presidente, para que me conceda mais alguns minutos e eu possa concluir meu pronunciamento.

Mas, aproveitando a intervenção do Senador Paulo Paim nesse aparte, digo que uma boa medida, Senador Paim, seria formarmos uma comissão de Senadores, sob a liderança de V. Exª, para visitar o Presidente Arlindo Chinaglia, Presidente da Câmara dos Deputados, e fazer um apelo ao colégio de líderes da Câmara dos Deputados, sobre um projeto dessa magnitude e com essa significação social, política, de garantia e de afirmação de direitos da população negra, da população afrodescendente, para que o Brasil possa concluir o ano de 2008, tendo o Congresso Nacional aprovado o Estatuto, dando demonstração de compromisso com essa causa, no ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos. A aprovação desse projeto poderia ser incluída como parte dessa pauta positiva de direitos humanos que o Congresso, Câmara e Senado, deveria votar de forma decisiva e urgente, para que projetos como o Estatuto da Igualdade Racial não ficassem para o ano que vem. Essa poderia ser uma medida adotada dentro de uma pauta de direitos humanos a ser referenciada pela votação de vários projetos que têm esse conteúdo vinculado à causa dos direitos humanos. É uma proposta que faço, aproveitando o brilhante aparte do Senador Paulo Paim.

Ademais, quero aproveitar a ocasião, Sr. Presidente, para, além de comprometer as entidades nacionais que se dedicam à causa dos negros, à causa da população afrodescendente, particularmente cumprimentar as entidades do Estado do Pará que historicamente lideraram a luta em defesa da igualdade racial, em defesa da população afrodescendente, em especial o Cedenpa, por muitos anos coordenado pela Professora Zélia Amador de Deus, da Universidade Federal do Pará; os integrantes do Círculo Palmarino, de âmbito nacional, mas com presença importante no Estado do Pará; o Movimento Mocambo e o Malungo. São entidades, são instituições que se dedicam à causa do povo negro.

Sr. Presidente, pegando carona na intervenção do Senador Paim, quero lembrar nosso compromisso, a luta pela erradicação do trabalho escravo.

A Frente Nacional de Combate ao Trabalho Escravo lidera o movimento, trabalhando para aprovação da PEC nº 438, no âmbito da Câmara dos Deputados - se não foi este ano, pelo menos que o seja em 2009 -, e, neste momento, realiza uma mobilização nacional que pretende recolher, Senador Augusto Botelho, um milhão de assinaturas da sociedade brasileira em prol da aprovação da PEC que vai expropriar as áreas onde for constatada a prática de trabalho escravo.

Nesse sentido, esta é uma oportunidade para que possamos...

(Interrupção do som.)

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Peço-lhe mais um minuto, Sr. Presidente, para concluir.

Esta é uma oportunidade para solicitar a adesão, a participação e o envolvimento de todas as organizações negras, de todas as organizações da população afrodescendente do nosso País, para que se irmanem nesse mutirão em prol da aprovação da chamada PEC do Trabalho Escravo, bem como das outras iniciativas que visem à erradicação do trabalho escravo no Brasil.

Registro, assim, Sr. Presidente, meu apoio às lutas do Movimento Negro para transformar o Brasil em uma verdadeira democracia social, fundada na igualdade de direitos e de oportunidades para homens e mulheres de todas as raças e etnias. Afinal, passaram-se mais de 120 anos desde a abolição da escravatura do negro no Brasil, e nada justifica que não tenham ainda alcançado a verdadeira liberdade e cidadania.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2008 - Página 46849