Discurso durante a 219ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Comemoração, hoje, do Dia Nacional da Consciência Negra.

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Comemoração, hoje, do Dia Nacional da Consciência Negra.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2008 - Página 46950
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, DEBATE, HISTORIA, LUTA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, INJUSTIÇA, DESIGUALDADE SOCIAL, REGISTRO, DATA, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ZUMBI, VULTO HISTORICO, SUBSTITUIÇÃO, COMEMORAÇÃO, DIA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, MOTIVO, FALTA, COMPLEMENTAÇÃO, PROCESSO, LIBERDADE, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, ENGAJAMENTO, SUPLANTAÇÃO, MISERIA, VITORIA, INICIO, LEGISLAÇÃO, INCLUSÃO, COMPENSAÇÃO, SAUDAÇÃO, MOVIMENTAÇÃO, ENTIDADE, BRASIL, ESTADO DO AMAZONAS (AM), POPULAÇÃO, QUILOMBOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, ocupo hoje esta tribuna para, antecipadamente, saudar o Dia da Consciência Negra e para fazer algumas reflexões sobre a histórica e contínua luta da população negra brasileira contra o racismo, contra o preconceito e contra a injustiça social.

As datas servem, simbolicamente, para lembrar fatos históricos relacionados aos avanços políticos e sociais. O dia 20 de novembro, data do nascimento de Zumbi dos Palmares, herói e símbolo da resistência negra, representa, para os militantes negros, o fato de que ele permanece vivo, porque a luta dos negros pela liberdade plena ainda não terminou.

Anteriormente, o dia 13 de maio era lembrado para comemorar a abolição da escravatura, mas esse episódio perdeu sentido à compreensão dos próprio negros no contexto político e social em que ele se realizou. O dia 13 de maio se transformou, então, em Dia Nacional de Luta Contra o Racismo, adequando-se à revisão histórica dos fatores que pressionaram a assinatura da Lei Áurea.

O Dia Nacional da Consciência Negra, para mim, expressa a amplitude da luta dos negros. Primeiro, porque Zumbi encarna a resistência dos escravos à condição de “coisas”, de mercadorias a que foram submetidos pelos brancos, seus governos e modos de acumular riquezas. Segundo, porque essa data conduz ao entendimento de que ser negro é uma questão política, e isso reforça as possibilidades de se obter melhores resultados nas táticas de combate ao racismo.

O conceito de consciência nos remete a uma questão fundamental: a de que, nessa luta, mais importante que a cor é saber quem está disposto a lutar contra o racismo e suas conseqüências para os negros e demais minorias.

Trata-se de um avanço no modo de reinterpretar e enfrentar as questões que, desde a escravidão mercantil/colonialista até os dias de hoje, inferiorizaram o negro na sociedade brasileira.

Lembro que o negro, na condição de escravo, não era reconhecido como humano, era uma mercadoria. Logo, era tido, também, como ser destituído de vontade própria e de cultura.

O negro era capturado como força bruta, para se tornar um tipo particular de mercadoria, capaz de acrescentar valor às demais mercadorias em razão da capacidade de transformá-las pelo trabalho humano.

O arcabouço ideológico e de repressão que oprimiu os negros nessa época também tentou camuflar a história da resistência deles à escravidão. Sabe-se hoje, no entanto, que nem os arranjos mais astutos dos escravagistas cessaram os atos individuais ou coletivos dos escravos contra a servidão a que foram submetidos.

Eles nunca aceitaram essa condição, nunca foram dóceis nem passivos a ela, embora a ideologia escravocrata insistisse na versão oposta.

Ao levarmos em consideração esses aspectos, a abolição da escravatura não passou de um ato tardio, assim como a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários, editadas anteriormente. A vontade dos negros sempre foi, afinal, a recuperação da liberdade e da dignidade que deles foram roubadas por certos “agentes civilizatórios”, que nos envergonharão, como seres humanos, para sempre.

Por isso, tais leis, ainda que as consideremos como avanços em comparação com a realidade de cada momento em que foram promulgadas, não resolveram a situação desumana a que foram designados os negros africanos e seus descendentes na sociedade brasileira.

A abolição é exemplo evidente dessa constatação: os libertos tornaram-se, imediatamente, escravos das condições impostas pelas mudanças socioeconômicas do capitalismo. Jogados à própria sorte, os negros passaram a competir no mercado de trabalho entre si e com os trabalhadores brancos europeus, os imigrantes.

Estigmatizados pela inferioridade racial, vulgarizada pela ideologia dominante dos colonizadores e dos colonizados, os negros passaram em sua imensa maioria, à condição de desempregados, de subempregados e de marginalizados.

Da senzala, eles foram jogados para lugares onde as condições de moradia eram subumanas e, por isso, indignas. Ou seja: todos os problemas que caracterizaram o tráfico e o cotidiano nas lavouras e nas minas do Brasil Colônia persistiram no pós-abolição, como a mortalidade infantil e a subnutrição em níveis altíssimos.

Srªs Senadoras, Srs Senadores, essa panorâmica da repugnante história da servidão legal no Brasil, embora devedora de inúmeros outros aspectos relevantes, nos coloca frente a frente com a luta dos negros pela reconquista da liberdade roubada pelo colonizador europeu. Por isso, devemos nos orgulhar dessa luta, porque ela incorpora a persistência dos seres humanos na construção de uma sociedade sem opressores e sem oprimidos.

Os negros não negaram a importância da liberdade como valor intrínseco do ser humano. Eles lutaram por ela em condições absolutamente desumanas e desfavoráveis. Lutaram porque tinham a consciência de que ser negro é uma questão que está muito além da cor da pele.

A condição negra, no passado e no presente, constitui-se em desafio permanente pela formação de uma consciência social que rompa com o racismo, com o preconceito e com a desigualdade social, que, por sinal, não atingem apenas a população afrodescendente, mas as demais minorias étnicas.

Como eu havia dito, as datas marcam avanços políticos e sociais, e o Dia da Consciência Negra é um dos que se dirigem à consolidação da diversidade social como valor positivo da sociedade brasileira.

O pós-abolição da escravatura incorpora novas estratégias de luta dos negros, para atingirem conquistas sufocadas pela reação das elites econômicas e políticas dominantes, ideologicamente comprometidas com o passado colonial e escravista.

Outras explicações teóricas entraram em cena para tentar camuflar o preconceito racial no Brasil. A mais forte delas é a da democracia racial, que dá conta de uma sociedade onde supostamente convivem, em perfeita harmonia, brancos, negros e índios.

Evidentemente que não podemos negar a democracia racial como meta, mas, de igual modo, não podemos avalizá-la enquanto os negros continuarem vítimas da violência social, que exibe sua face mais perversa no desemprego, no subemprego e na marginalização.

A violência social contra as minorias é o resultado, principalmente, da desigualdade na distribuição de renda e condição desigual da competitividade no mercado de trabalho entre ricos e pobres - e os negros compõem a parcela pobre da população brasileira.

Não dá para desconhecer os avanços políticos e sociais, nem dá para não creditar que essas conquistas, como as leis que punem o preconceito racial e as cotas para afrodescendentes nas universidades, se estendam à mobilização e à organização política dos negros desde o pós-abolição. Esse fato, aliás, é mais uma prova de que, em vez de dóceis e passivos, os negros sempre resistiram à servidão e a outras formas de opressão - lembro que a partir da Constituição de 1988 o racismo passou a ser crime inafiançável e imprescritível.

Sr. Presidente, o tempo nos impõe que eu peça que a Mesa considere lido na totalidade o meu pronunciamento.

Quero me incorporar às entidades, lideranças e movimentos.

Lá, na capital do meu Estado, Manaus, o movimento está nas ruas. Quero dizer da minha alegria e quero compartilhá-la ...

(Interpretação do som.)

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - ... com o movimento negro, com lideranças que, no dia de hoje, no Rio de Janeiro, participam do ato de inauguração da estátua do Almirante João Cândido Felisberto. Familiares seus estão no Rio de Janeiro, neste momento, inaugurando a estátua, numa via pública daquela cidade.

Concedo um aparte - e espero que seja rápido - ao meu querido amigo, militante e grande Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador João Pedro, não tenho como não cumprimentá-lo pelo seu pronunciamento. Quero dizer a V. Exª que a estátua que está sendo colocada no Rio de Janeiro, neste momento, do nosso inesquecível João Cândido, que é gaúcho... Eu queria até, nesse dia, fazer um protesto contra a estátua, Senador João Pedro, mas não o farei. Por quê? Porque o Congresso aprovou, antes da estátua, a anistia definitiva ao grande Almirante João Cândido, num projeto da nobre Senadora Maria Silva, que tive a satisfação de ajudar a articular entre Câmara e Senado. Seja bem-vinda a estátua, porque, primeiro, o Congresso Nacional fez sua parte! O Congresso conversou com a Marinha, a CPI foi fundamental, e aprovamos a anistia definitiva. Com isso, houve o reconhecimento do grande Almirante João Cândido. Só não estou no Rio porque tinha que estar aqui, mas fui, inclusive, convidado. Meus cumprimentos ao Ministro Edson Santos e ao Presidente Lula, que vai estar lá. Como é bom ver, primeiro, a ação concreta e, depois, a homenagem! Espero que a gente possa realizar, ainda este ano, sessão de homenagem também a João Cândido e à aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. Parabéns pelo seu pronunciamento! Recebi uma cópia, e esse brilhante pronunciamento vai, com certeza, para a minha página na íntegra.

(Interrupção do som.)

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Agradeço-lhe, Senador Paulo Paim, e concordo com a propositura que V. Exª faz de uma solenidade aqui, nesta Casa.

Recebo esse aparte com muito entusiasmo, principalmente sabendo que V. Exª é um lutador em defesa dos direitos sociais e do movimento negro.

Nesta data, quero prestar homenagem também aos negros que estão lá no Município de Novo Airão, no Amazonas, quilombolas; há quilombolas também no Município de Barreirinha, terra do poeta Thiago de Mello.

Esta é uma data importante para compreendermos a importância da sociedade brasileira ser plural, diversa.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR JOÃO PEDRO

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2008 - Página 46950