Discurso durante a 219ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Voto de aplauso ao professor e poeta Oliveira Silveira. Satisfação com aprovação na Câmara dos Deputados de projeto que vai garantir a política de quotas nas universidades e escolas técnicas. Cobranças da aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Estatuto da Igualdade Racial.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. EDUCAÇÃO.:
  • Voto de aplauso ao professor e poeta Oliveira Silveira. Satisfação com aprovação na Câmara dos Deputados de projeto que vai garantir a política de quotas nas universidades e escolas técnicas. Cobranças da aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Estatuto da Igualdade Racial.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Mozarildo Cavalcanti, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2008 - Página 46966
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, PROFESSOR, POETA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), INICIATIVA, ESCOLHA, DATA, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ZUMBI, VULTO HISTORICO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, MOBILIZAÇÃO, LUTA, LEITURA, TRECHO, OBRA LITERARIA.
  • SAUDAÇÃO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, GARANTIA, RESERVA, METADE, VAGA, UNIVERSIDADE FEDERAL, ESCOLA TECNICA FEDERAL, ALUNO, ESCOLA PUBLICA, DIVISÃO, PERCENTAGEM, COTA, NEGRO, EXPECTATIVA, DEBATE, SENADO, COMENTARIO, OPINIÃO, CRISTOVAM BUARQUE, SENADOR, OPOSIÇÃO, EMENDA, DEPUTADO FEDERAL.
  • FRUSTRAÇÃO, DEMORA, COBRANÇA, APROVAÇÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, CAMARA DOS DEPUTADOS, COMENTARIO, POSSIBILIDADE, LIMITAÇÃO, PRAZO, VIGENCIA, LEGISLAÇÃO, COMPENSAÇÃO, NEGRO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Jayme Campos, não quis usar o tempo de outros Senadores e agora faço questão de ler a justificativa do voto de aplauso que V. Exª leu e já aprovou e a que deu encaminhamento.

Sr. Presidente, conforme matéria da Radiobrás, assinada pelo jornalista João Carlos Rodrigues, o professor e poeta Oliveira Silveira foi o primeiro brasileiro a sugerir que o dia 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, fosse adotado como dia da celebração da luta da consciência negra, da comunidade negra brasileira.

Em plena ditadura militar, um pequeno grupo de cidadãos negros costumava se reunir no centro da capital de todos os gaúchos, lá na minha querida Porto Alegre. Ali discutiam a situação dos descendentes africanos no Brasil. Nessas conversas, concluíram eles que 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura, assinada pela Princesa Izabel em 1888, não tinha o significado da causa específica do povo negro. Era preciso, então, encontrar uma nova data, para reverenciar a luta da população negra brasileira e enaltecer sua participação na sociedade. Nascia, assim, o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, data de evocar a figura de Zumbi e o Quilombo de Palmares e de discutir a situação do negro no País - e, se depender de mim, o dia de discutir o combate permanente a toda forma de preconceito.

Entre os participantes do grupo, estava o poeta, professor de Português e militante da causa negra Oliveira Silveira. Foi ele que sugeriu que o dia 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, fosse adotado como o dia da celebração da luta da comunidade negra brasileira.

Sete anos depois, o Movimento Negro Unificado oficializou 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. Ex-integrante do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Oliveira Silveira já publicou vários livros. Também é autor do capítulo “20 de novembro, história e conteúdo”, do livro Educação e Ações Afirmativas: entre a Injustiça Simbólica e a Injustiça Social, organizado pelos professores Patronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Ribeiro Silvério, da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo.

Sr. Presidente, há um verso desse poeta, com que ele mesmo afirma ter-se identificado. O que diz o verso?

[...]

encontrei minhas origens

na cor de minha pele

nos lanhos de minha alma

em mim

em minha gente escura

em meus heróis altivos

encontrei

encontrei-as enfim

me encontrei

        Faço esta homenagem, Sr. Presidente, a esse poeta que foi o autor da data de 20 de novembro e que está com idade avançada. E lá, lá no interior de nosso Rio Grande, ele está sabendo - deve estar assistindo à TV Senado - que hoje o Senado da República aprovou um voto de aplauso pela sua iniciativa.

Sr. Presidente, cobro, seguidamente, que a Câmara dos Deputados aprove políticas afirmativas, da mesma forma que o Senado sempre as aprova. Por isso, quero cumprimentar a Câmara, que, nesta tarde - fiquei sabendo, há pouco tempo -, aprovou o PL nº 73, numa fusão de um projeto da Senadora Ideli Salvatti e da Deputada Nice Lobão, do DEM - o projeto original é dela -, que vai garantir a política de quotas nas universidades e também nas escolas técnicas.

Nas universidades federais e nas escolas técnicas, 50% das vagas serão para escolas da iniciativa privada e 50% para escolas públicas. Nesses 50% das escolas públicas, se dará um corte, de acordo com o número de habitante de cada Estado, proporcional à cor da pele (negro, pardo ou índio), da seguinte forma: no Rio Grande do Sul, por exemplo, só tem 13% de negros; pois bem, 13% das vagas da universidade serão destinadas à população negra, dentro do patamar de 50%; os outros 50%, para manter o equilíbrio, pelo projeto, serão para as escolas privadas.

Eu achei o projeto interessante. Sei que, no debate que teremos aqui no Senado, ele poderá até ser aperfeiçoado. Parece-me, por exemplo, que o Senador Cristovam gostaria de dar uma melhorada na redação que vem da Câmara dos Deputados.

O importante para mim é que se construa uma proposta que, efetivamente, garanta direito de oportunidade para todos.

Faço esse registro, ao mesmo tempo em que fica aqui, Senador Cristovam, um pouco de frustração de minha parte, um pouco de mágoa, um pouco, eu diria, de chateação, porque a Câmara havia assumido um compromisso de, neste ano, nos 120 anos da abolição, nos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos 20 anos da Assembléia Nacional Constituinte, aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, que nós aqui já aprovamos. Inclusive a política de cotas está sendo tratada no Projeto de Lei nº73; não está no Estatuto.

Senador Jayme Campos, o que eu gostaria? Simplesmente, que a Câmara aprovasse, com as alterações que ela assim entendesse, e mandasse de volta para nós, e nós aqui aprovaríamos com certeza, ainda este ano, o Estatuto da Igualdade Racial.

O Estatuto da Igualdade Racial é feito de políticas afirmativas que, nos Estados Unidos, foram aprovadas ainda na década de 60. Nós, 48 anos depois, estamos discutindo se vamos aprovar ou não políticas afirmativas.

O apelo que faço à Câmara dos Deputados - que hoje deu um passo à frente - é que aprove, ainda durante o mês de novembro. Tenho certeza de que se a Câmara aprovar o Estatuto, durante o mês de novembro, e remetê-lo para o Senado antes do fim do ano, pela posição dos Senadores, aprovaríamos aqui o Estatuto, que irá à sanção ainda este ano.

Existem dois Senadores, o Senador Mão Santa e o Senador Cristovam, que me pediram um aparte. Vou dar os apartes e, depois, sintetizar o meu pronunciamento do dia 20 de novembro.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Paulo Paim, é necessária essa sua luta e o Dia da Consciência Negra. Pessoalmente, não tenho, mas que existe, existe. Darei um exemplo do Piauí. O nosso poeta maior é Da Costa e Silva. Ele fez um hino: “Piauí, terra querida/ Filha do sol do equador”, “Vendo a Pátria pedir liberdade/ O primeiro que luta é o Piauí.” Amarante é sua cidade. “Se há algum pedaço do céu na terra é Amarante.” Ele é o maior poeta piauiense. Atentai bem, Jayme Campos, como é justa essa luta. São trezentos anos de desigualdade que temos de resgatar. No Piauí, este poeta fez concurso para o Itamaraty, para o Rio Branco, tirou o primeiro lugar. Na entrevista, o Barão do Rio Branco disse que não ia nomeá-lo porque era negro, parecia um macaco - sei que é coisa do passado, mas estou contando o fato. E esse homem intelectual, São Paulo, depressão. Mas a raça é forte, a raça é brava. São os Obamas do mundo, são os Paim, que está aqui liderando esse Brasil, os lanceiros negros, e tal. Mas atentai bem, o filho dele - eu estava, quando governava o Piauí, fazendo um convênio com a Fundação Getulio Vargas para controlar a Universidade do Estado do Piauí, que crescera muito em meu Governo - estava presente, o filho dele. Aí eu perguntei: qual foi a sua vocação para entrar no Itamaraty? Alberto da Costa e Silva, que é da Academia de Letras aí, Presidente, aí ele olhou assim, Jayme Campos, e disse: “Vingança”. Eu tomei um susto: “Vingança”. E aí ele contou esse fato da humilhação do pai dele, que morreu. E disse: “E em nós, piauienses dessa raça negra, a vingança é forte. Eu saí de lá e me aposentei, Governador Mão Santa, mas deixei dois filhos lá”. Então, três a um para a raça negra, que o Piauí dá o exemplo. E eu queria dizer pessoalmente: olha, todos nós estudamos muito. Quer dizer, sou formado em Medicina, tenho pós no campo de cirurgia, depois fiz curso de gestão pública na Fundação Getulio Vargas. Mas de todos os meus professores, vamos ver, eu recordo, assim, os três melhores: um era o professor de português, José Lima e Silva; parecia o Paim, ele gostava muito de dar moral ou ética. E tão grande que eu vou dar um quadro para a visão: eu era Deputado Estadual novo, 1978, chega João Paulo dos Reis Velloso, maior Ministro de Planejamento deste País, a luz da revolução no período. Aí, como é natural, a cidade toda foi buscá-lo. Uma carreata enorme. O Ministro piauiense, filho de carteiro com costureira, Ministro de Planejamento! Paim, nós íamos no carro. Quando eu vi, Jayme Campos, ele disse: “Pára, pára, pára”. Era a casa do Professor Zé Rodrigues, que o tinha orientado e educado. Então, o Ministro sai e deixa todos no sol quente. Ele ia avançar uma ponte no Jandira, que liga o Piauí ao Maranhão, e vai conversar com o professor, esse Zé Rodrigues. Então, Paim, a luta é justa, mas V. Exª avançou muito nesses dias. V. Exª liderou todos nós, o Senado, o Poder Legislativo, para apagarmos a outra escravidão vergonhosa daqueles que já trabalharam, trabalharam, trabalharam muito e o Governo dá calote e não paga as aposentadorias dos velhinhos aposentados! V. Exª enaltece a raça, como Da Costa e Silva, como meu professor Zé Rodrigues e Silva, como Martin Luther King, Paim e, agora, o Obama.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Amanhã, trarei à tribuna dados e números para mostrar que é possível, sim, pagar um salário decente aos aposentados e pensionistas, dentro da integralidade dos seus vencimentos.

Senador Cristovam, por favor.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Paim, fico contente que o senhor tenha trazido o assunto da aprovação hoje, na Câmara, do projeto das cotas. Num primeiro momento, quero dizer que comemorei muito, porque é um projeto que nasceu aqui, da Senadora Ideli Salvatti. Mas eu estou muito preocupado com algumas mudanças que ocorreram...

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Partiu da sua comissão direto para a Câmara.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Isso. Mas estou muito preocupado com algumas emendas que surgiram na Câmara. A idéia inicial era de dar 50% de cotas para a escola pública. O que tem isso de bom? É que prestigia a escola pública. Não se iludam, não vai beneficiar os pobres, porque os pobres no Brasil não terminam a oitava série primária. Vai beneficiar uma classe média mais baixa, que termina o segundo grau no ensino médio. Mas, imediatamente, as classes média alta e alta, percebendo essa vantagem, vão deslocar seus filhos para a escola pública. E aí a escola pública vai melhorar, porque neste País tudo que é das classes média e alta melhora. Essa que é a verdadeira intenção. Agora, ao colocar algumas coisas descaracterizaram o projeto e trouxeram uma ilusão. Por exemplo, a cota, Sr. Presidente, para pessoas de baixa renda é uma ilusão. As pessoas de baixa renda não terminam o segundo grau no País. Então, elas não vão se beneficiar. Agora, o que vai acontecer de ruim? É que se vai passar a idéia de que, a partir de agora, as classes pobres poderão entrar na universidade; logo, não precisam gastar dinheiro nas escolas públicas. Esse é o meu medo. É a velha história do jeitinho para não resolver o problema da maneira mais profunda. A solução definitiva é a escola pública gratuita, de qualidade, para todos neste País: brancos e negros, pobres e ricos; cidades grandes, cidades pequenas; campo e cidade. Só que isso leva muito tempo. Até lá as cotas para negros são absolutamente necessárias por uma questão de dignidade desta Nação. As pessoas pensam sempre que as cotas vão beneficiar o negro que vai ter a vaga. Nada disso! Vai beneficiar o Brasil, porque terá mais negros nas universidades e terá mais negros na elite brasileira. Mudaremos a cor da cara da elite, e com isso o Brasil ficará mais digno. E vamos ter um dia um Obama. Não é cada jovem negro que a gente está beneficiando. É o País que a gente está beneficiando. Mas quando entra para beneficiar, Senador Mão Santa, por questões sociais, nós vamos enganar o povo, porque eles não têm escola boa. Eu acho que isso vai levar a um certo acomodamento na luta para melhorar a escola pública, porque alguns vão dizer: “Agora já tem cota, agora já entram; não é preciso melhorar a escola”. E eles não vão terminar o 2º grau, não vão passar no vestibular. As pessoas pensam que a cota é para abrir as portas da universidade. Não. Continua sendo exigido o vestibular. Quem não passar no vestibular não entra por cotas. A cota é para dar classificação; não é para dar direito de entrar ou não. O direito de entrar é pelo vestibular. Esse é um ponto. O outro ponto que fizeram na Câmara e que é um erro é a idéia de que se vai dispensar o vestibular, e entrarão pelas notas que tiraram na escola do 2º grau. Num país em que as escolas são todas iguais, como a Finlândia, as notas das escolas bastam. Mas, num País com as desigualdades nossas, isso não vai dar certo. Os professores vão dar 10 para todo mundo. O certo seria, como faz a Universidade de Brasília: ela aplica uma prova no Ensino Médio; os alunos fazem uma prova no final do primeiro ano, outra prova no final do segundo, outra prova no final de terceiro e, pela média, entram na Universidade. Mas, como colocaram lá, é a nota da escola. É irreal nota de escola para saber quem é melhor ou quem é pior. Um menino de uma escola como o Colégio Militar, de altíssima qualidade, vai ter nota pior do que outro de uma escola pequenininha cujos professores decidiram dar nota 10 para todos. Aí, você vai colocar esses na universidade, e aqueles ficarão de fora. Vamos ter de corrigir isso quando o projeto chegar ao Senado. Não é acabar com a cota, mas regulamentá-la de tal forma que ela beneficie o sistema inteiro, e não apenas as pessoas. Teremos um bom tempo para discutir isso quando o projeto chegar aqui.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam, V. Exª é o nosso mestre maior no campo da educação, é o nosso guru. Por isso, as suas ponderações, pode ter certeza, nós todos ouvimos. Faremos, com muito carinho, o debate na Comissão de Educação e, se chegarmos à conclusão de acordo com o que V. Exª coloca, não teremos problema algum: só suprimimos as emendas, e o projeto vai para sanção - porque não volta mais para a Câmara - exatamente da forma original, como saiu daqui.

Eu particularmente gostei muito das suas preocupações. V. Exª reafirmou que não é contra - alguém pode entender, por não estar bem avisado, que V. Exª é contra a política. Eu sou testemunha da sua luta para que a gente aprove a política de cotas, mas da forma mais transparente e clara possível, como foi o seu pronunciamento.

Peço que o seu pronunciamento seja incorporado ao meu, para que sirva de eixo de debate deste dia histórico, 20 de novembro. Lamento ainda não termos aprovado as políticas afirmativas.

Ouço o Senador Mozarildo.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Paulo Paim, V. Exª com certeza é o maior defensor, de maneira contínua, dessas causas, principalmente a causa do negro, como evidentemente também de tantas outras causas sociais, como a dos aposentados e dos pensionistas. No que tange, vamos dizer, às etnias formadoras do nosso País, nós realmente precisamos, em vez de ficar revirando o passado e as injustiças que foram feitas, pensar no que faremos daqui para frente.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Olhar para frente.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - E eu tive uma satisfação imensa em estar em uma sessão de homenagem à abolição da escravatura.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Eu estava com V. Exª.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Sentou-se ao meu lado o ator Mílton Gonçalves, que hoje faz um papel importante na novela A Favorita. Conversávamos, quando ele se dirigiu a um outro amigo, também negro, que disse - não sei que assunto abordou: “A nossa saída é a escola, temos de investir na educação”. Eu realmente tenho essa convicção. Fui autor do projeto de lei que criou a Universidade Federal da Roraima, o Centro Federal de Ensino Tecnológico de Roraima. Acredito na educação como a locomotiva de tudo. Tanto é assim, Senador Paulo Paim, para não ser repetitivo, apresentei um projeto em relação aos índios, abrindo cotas para os índios. Ouvi V. Exª colocar uma coisa que acho importantíssima: que seja proporcional...

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Proporcional, por questão de justiça. Se é 1% é 1%; se são 13%, 13%.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - No seu Estado, com certeza, a proporção de índios é muito menor do que no meu.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Com certeza.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - No meu, 30% da população são indígenas. Então, é evidente que essa proporção tenha que ser...eu coloquei uma média nacional, mas eu concordo que é muito melhor essa média estadualizada, porque reflete a realidade de cada Estado. Então, nada mais justo. E apresentei não só a cota para as universidades, mas para o seguimento: a cota para os concursos públicos. Com isso, você garante não só a formação, mas também que o emprego, pelo menos no setor público, esteja garantido pela meritocracia daqueles que usam a cota para entrar. Então, sou favorável e acho que essa posição aperfeiçoa. V. Exª disse antes num aparte que até proporia uma emenda num projeto estabelecendo X anos - não vamos estabelecer se são 10 ou 15 anos -, para que dure a aplicação real ...

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Das políticas afirmativas.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - E tenho certeza de que, se isso for feito, realmente a realidade muda, porque sempre digo que o problema racial está embasado na questão social, e a questão social se resolve pela educação.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito bem, Senador Mozarildo Cavalcanti, que dá o seu depoimento e dá um exemplo. Achei muito interessante o projeto que V. Exª apresenta, da política de cotas para a nação indígena. Muitas pessoas dizem: “Mas o Senador Mozarildo, Paim...” E falo de seu projeto: “Olhe, ele inclusive apresentou um projeto ousado lá para garantir acesso à universidade para a população indígena”. E, no seu caso, V. Exª foi claro, inclusive são 30%. No meu Rio Grande do Sul, a população negra é de 13% e, na Bahia, sabemos que ultrapassa 80%; cada Estado vai viver a sua realidade.

Sr. Presidente, Senador Mão Santa, fiz aqui um longo pronunciamento sobre a situação do negro no Brasil neste 20 de novembro e quero deixar na Mesa, para que V. Exª o considere na íntegra, mas, na verdade, o conjunto do pronunciamento não é diferente daquela visão que os Senadores passaram da tribuna sobre o tema. Todos os Senadores têm uma posição clara, e não falo aqui nada diferente. Por isso, não vou repetir.

A única coisa que falo aqui no meu pronunciamento, de forma incisiva, de uma forma, eu diria, de querer convocar a Câmara dos Deputados, é pela aprovação do Estatuto. Não tem lógica o Estatuto da Igualdade Racial estar há mais de dez anos em debate. Será que vamos ficar outros dez anos esperando a boa vontade, para que os Deputados votem o Estatuto?

Já houve centenas e centenas de reuniões - reuniões nos Estados, reuniões nas Assembléias, reuniões até em Câmara de Vereadores, recentemente em Minas Gerais, audiências públicas aqui no Senado, na Câmara. Quando eu penso que o acordo foi firmado, que houve entendimento, que o Estatuto vai ser votado, aparece: “Ah, mas com a vírgula tal eu não concordo. Então, vamos deixar mais um tempo”.

Olhem o apelo que eu faço para a Câmara, porque tenho plena confiança da forma de atuar de todos os Senadores: aprovem como os senhores acharem melhor. Aprovem ainda no mês de novembro. Remetam aqui para o Senado. Eu tenho certeza de que os Senadores vão olhar, vão manter ou não as alterações, e têm condições de aprovar ainda no mês de dezembro, dentro dos 120 anos da abolição não conclusa, como eu tenho falado rapidamente.

Aprovamos a anistia para o João Cândido. Este ano tem uma simbologia também por ter sido o ano em que, pela primeira vez no mundo, no Planeta, nós temos na maior economia um Presidente negro, que foi nos Estados Unidos da América, Barack Obama. Será que o Brasil não poderia, 48 anos depois, porque lá foi na década de 60, aprovar o Estatuto da Igualdade Racial? Que a Câmara aprove como ela achar melhor e remeta para o Senado. Tenho certeza de que os Senadores assumirão a responsabilidade, como Casa revisora, de aprovar o Estatuto que, no meu entendimento, vai ser a média de pensamento da sociedade.

E aí repito, Senador Mozarildo, aquilo que eu disse, que V. Exª enfatizou: nós até faremos uma emenda, se for possível, com o compromisso de dizer: essa lei será revogada em tal ano. Tenho a certeza de que com o Estatuto aprovado nós não precisaremos esperar quarenta e oito anos para alguém dizer que não precisa mais de ação afirmativa. Na minha avaliação, é como V. Exª disse, no máximo dez, quinze anos. Eu até fico em dez. Com o Estatuto aplicado, em dez anos eu peço a revogação, porque o Brasil não vai mais precisar de ações afirmativas. Mas temos de passar com essa experiência. Então, se alguém tem dúvida, vamos botar esse artigo. Proponho até que a Câmara o acrescente e nos comprometemos aqui de não revogá-lo, porque teremos dez anos de experiência para ver se funcionou ou não.

Senador Mão Santa, solicito a V. Exª, então, que, se puder, considere na íntegra o meu pronunciamento porque, no fundo, todo ele é, não posso negar, uma cobrança para que a Câmara dos Deputados vote o Estatuto que aprovamos aqui desde 2003. Está lá há dois ou três anos e a Câmara não se posiciona nem contra nem a favor. Chego a dizer: votem, Srs. Deputados. É importante que cada um assuma a responsabilidade do seu voto.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

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 O SR. PAULO PAIM (Bloco PT - RS, Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, novembro é o mês da Consciência Negra. Nesse período, brancos, orientais, indígenas e negros fazem uma reflexão acerca de seu papel enquanto seres humanos e cidadãos.

Ao abrir as páginas dos jornais hoje, mais uma vez fiquei indignado com os números dos principais indicadores sociais, sejam nacionais ou internacionais.

No jornal da Câmara dos Deputados observei depoimentos e rostos negros, mas isso é pouco.

É hora de ver a situação dos negros a partir da ótica do Congresso Nacional. Precisamos abrir os arquivos para saber o que estamos fazendo para acabar com as desigualdades étnico-raciais e com o racismo.

Sei que o Senado Federal tem feito o seu papel, mas a Câmara dos Deputados tem que fazer a sua parte. O povo negro não pode esperar mais.

O motivo de empacar as matérias necessárias sempre esbarra em uma desculpa. Espero que não seja maldade ou não sei o que dizer.

A nossa pergunta continua sendo a mesma: por que a Câmara dos Deputados, que tem o dever de representar o povo brasileiro, o qual é também negro, não discute, encaminha e aprova o estatuto? Por que tudo avança, menos o que é para a população negra?

Projetos importantes já foram exaustivamente debatidos. Um exemplo é o PL 73/99 que institui reserva de vagas nas universidades federais para alunos de escolas públicas, negros e indígenas, de acordo com as populações negra e indígena de cada estado.

Esse projeto tramita há quase dez anos e já foi aprovado por unanimidade em todas as Comissões pelas quais passou.

Sr. Presidente, o projeto das cotas está pronto para ser votado no plenário desde 14 de fevereiro de 2006. Ou seja, há dois anos e meio. Hoje prometeram votar. Veremos...

Vez ou outra escutamos que o projeto não foi suficientemente debatido. Algo está errado. Um projeto de 1999 chega ao ano de 2008 sem ser debatido? Será esse mesmo o problema ou o problema está no fato de a matéria estabelecer direitos para os negros?

Aqui no Senado Federal nós aprovamos matéria de igual ter em dez meses!

Será que na Câmara teremos de esperar dez anos para aprovar as cotas?

Enquanto isso, 73 instituições públicas de ensino superior já adotaram algum modelo de ação afirmativa.

Os cotistas e os não cotistas convivem em harmonia. Aqueles que entraram pelo sistema de cotas estão tirando notas iguais ou superiores aos demais e, o mais importante:...

... observa-se o crescente aumento da auto-estima das famílias negras.

Fato que contribui para superar as dificuldades e dar continuidade aos esforços constantes dos desafios da vida e a esperança em dias melhores.

Srªs. e Srs. Senadores, o dia da Consciência Negra é o dia que simboliza a morte do líder negro Zumbi dos Palmares, herói da Pátria assim como Tiradentes.

No entanto, negro. Talvez esse seja o grande problema para não aprovarmos o feriado nacional que propusemos por meio do PLS 302/2004   de nossa autoria.

Segundo a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), 362 municípios já estão à frente do Congresso e instituíram os seus feriados em homenagem ao povo negro e a Zumbi dos Palmares.

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara está prestes a votar o PL 4437/04, de autoria da senadora Serys Slhes0sarenko, que tramita em conjunto com o PL 5352/05 de minha autoria.

Mais uma vez no Senado aprovamos a matéria em menos de um ano, enquanto na Câmara o projeto está caminhando a passos lentos.

Não quero ser acusado de atacar a produtividade da Câmara, estive lá durante quatro mandatos e conheço bem o seu funcionamento.

Por isso, sou obrigado a dizer que a reivindicação da comunidade negra, de implementar o Feriado de 20 de novembro, não nasceu em 2004, mas sim em 87.

Não podemos esquecer que o PL 293/87, da deputada Benedita da Silva, foi arquivado e depois reapresentado pela deputada como PL 987/95.

Em seguida tivemos o PL 1588/99, do deputado Luiz Sergio, que está pronto para ser votado na CCJ da Câmara desde 13 de maio de 2004.

Mas os projetos voltados ao povo negro, que estão na geladeira - para não dizer nos porões da Câmara -, não param por ai.

Integrantes do movimento negro, com a ajuda de brancos, orientais e indígenas solidários à causa produziram o Estatuto da Igualdade Racial.

Ele é um instrumento legislativo que possibilita o surgimento de estruturas de acompanhamento e efetivação de medidas direcionadas para os afro-brasileiros nas mais diversas áreas.

Srªs e Srs. Senadores, o Estatuto da Igualdade Racial foi fruto de muitas discussões e estudos, não é algo imaginário, não o tiramos da cartola como um mágico tira um coelho.

Foram anos de encontros em praticamente todos os estados do Brasil, ouvindo a comunidade negra.

Enquanto deputado federal decidi, no ano de 2000, apresentar o PL 3198 que visa instituir o Estatuto da Igualdade Racial. Eu disse 2000!

A minuta do projeto foi apresentada para que o movimento negro se manifestasse e discutisse amplamente.

No período em que esteve na Câmara foram realizados 23 debates sobre o assunto (9 reuniões ordinárias, 8 seminários, 5 audiências públicas, dentre outras).

Isso foi feito através da criação de uma Comissão Especial destinada a apreciar a proposta.

Ao fim, o deputado Reginaldo Germano apresentou um substitutivo ao projeto, o qual foi aprovado por unanimidade no final de 2002.

Com isso, a matéria foi incluída na ordem do dia para discussão em Plenário.

Eu disse 2002! Faz cinco anos que a matéria está lá, acorrentada na mesa da presidência aguardando para ser votada.

Enquanto isso os negros continuam na base da pirâmide sendo tratados como estatísticas.

Srªs. e Srs Senadores, para garantir a aprovação desse projeto, quando fui eleito senador, reapresentei-o aqui no Senado.

Sob a designação PLS 213/03, a matéria passou por quatro comissões sendo aprovado o substitutivo do senador Rodolpho Tourinho, no dia 25 de novembro de 2005.

A principal modificação feita pela Casa foi a retirada da criação do Fundo de Promoção da Igualdade Racial, o qual havia sido incluído na Câmara.

Criou-se uma polêmica durante a tramitação no Senado devido à inconstitucionalidade de origem.

Para resolver essa questão, retirei o assunto do Estatuto e apresentei a PEC 2/06. Essa PEC institui a criação do Fundo de Promoção da Igualdade Racial.

No período em que a matéria esteve no Senado foram realizadas diversas audiências entre internas e externas no Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia e Minas Gerais.

      O Estatuto da Igualdade Racial foi enviado à Câmara em 29 de novembro de 2005.

Realmente algo estranho acontece na Câmara dos Deputados para que a Casa não delibere em relação a matérias que tratam sobre a questão étnico-racial.

Apenas após três anos, devido a pressão popular foi instituída, dia 10 de março de 2008, a Comissão Especial para debater o tema.

O presidente da Comissão Especial é o deputado Carlos Santana e o relator da matéria o deputado Antonio Roberto.

Quero destacar o empenho e a coragem do deputado relator que realizou audiências, debates e estudos profundos sobre a matéria para, enfim, apresentar o substitutivo que está pronto para ser votado na Comissão Especial.

O texto sendo aprovado retornará ao Senado Federal para revisão final. Aqui com certeza nós aprovaremos!

Nestes oito anos realizamos ricos e intensos debates de Norte a Sul do país.

Poderia passar a tarde toda citando os projetos engavetados, congelados e acorrentados na Câmara. Mas isso deixarei para um livro.

Eu fui constituinte, estou há 20 anos no Congresso Nacional, vi o anseio dos que participaram da elaboração da Constituição Cidadã.

Naquele momento, tanto deputados quanto a população e os movimentos sociais trabalharam em harmonia.

Posso destacar um ponto: a vontade de todos de discutir e votar os projetos. Infelizmente não é isso que estamos vendo na Câmara.

Os nossos companheiros deputados estão utilizando somente 20% do seu potencial.

Sei que 85% dos deputados estão ansiosos para aprovar matérias relevantes para o país, bem como aprovar os projetos direcionados para a comunidade negra.

Mas infelizmente as forças ocultas estão impedindo.

Acho que chegou o momento de realizarmos um ato naquela Casa para ver se as coisas andam.

O que o Congresso Nacional pode dizer para os pais que estão enterrando os seus filhos negros?

O que dizer para os pais que estão vendo os seus filhos crescer sem um referencial de negros na televisão?

O que dizer para os pais que estão vendo os seus filhos fazer a universidade do crime porque não aprovamos as cotas para que eles possam estudar em uma universidade pública?

O que dizer para justificar a diferença salarial que existe entre negros e brancos?

O que dizer para os indígenas, orientais, brancos e negros que querem o fim das desigualdades, mas não vêem uma ação efetiva do Estado?

Eu digo: vocês devem dialogar com os deputados do seu estado e declará-los e pedir a eles que não se omitam e votem a favor do Estatuto da Igualdade Racial.

É hora dos movimentos ocuparem as ruas, as praças, o campo e a Esplanada dos Ministérios.

Estamos falando de 120 anos de ausência de políticas públicas. Chega de ficarmos batendo palmas e nos contentarmos com jornais comemorativos.

É hora de termos direitos! É hora de buscarmos soluções para os indicadores de desigualdade entre brancos e negros.

É hora do Brasil enfrentar o câncer do racismo institucional, para obter a democracia plena.

Srªs. e Srs. Senadores, dezenas de marchas, debates, palestras estão ocorrendo de Norte a Sul do país.

A nossa participação na sociedade deve ser um eterno exercício de compreender o outro, de transpor os nossos desafios individuais para entender que o investimento no coletivo trará resultados para todos. 

Hoje, cada vez mais, estamos confortáveis para buscar soluções econômicas e sociais para os nossos problemas.

Mas em nossos debates não podemos deixar de considerar os indicadores sociais de desigualdade entre negros e brancos.

O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008, coordenado pelo professor Marcelo Paixão, tem por eixo fundamental o tema das desigualdades raciais.

Ele nos mostra que em 2005 a principal causa de mortalidade dos homens brancos (29,3%), mulheres brancas (34,6%) e mulheres negras (33,4%) eram as doenças do aparelho circulatório.

Já entre os homens negros a principal causa de mortalidade eram as causas externas (25%).

Entre 1999 e 2005, o número total de homicídios em todo o país passou de aproximadamente 40,8 mil por ano, para 45,7 mil pessoas por ano.

O número de homicídios de negros cresceu 46,3%, tendo passado de cerca 18,8 mil para aproximadamente 27,5 mil pessoas.

Sr. Presidente, entre 1999 e 2005 morreram, em todo o país, 1.406 pessoas por anemia falciforme. Destas, 62,3% foram pessoas identificadas como negras.

Em todo o Brasil, no ano de 2006, havia 14,4 milhões de pessoas analfabetas na faixa de 15 anos de idade ou mais. Desse total, 4,6 milhões eram brancas (32%) e 9,7 milhões eram negras.

Em 2006, o rendimento médio mensal real do trabalho principal dos homens brancos em todo o país equivalia a R$ 1.164.

Esse valor, no mesmo ano, era 56,3% superior à mesma remuneração obtida pelas mulheres brancas (R$ 744,71); 98,5% superior à auferida pelos homens negros (R$ 586,26) e 200% à recebida pelas mulheres negras.

No ano de 2006, 8% da população branca e 18,8% da população negra encontravam-se abaixo da linha de indigência.

Vale ressaltar que, de 1995 a 2006, a proporção da população brasileira abaixo da linha de indigência veio paulatinamente diminuindo para ambos os contingentes de cor ou raça.

Nesse período, o percentual de indigentes decresceu 3,5 pontos percentuais entre a população branca e 9,5 pontos percentuais entre a negra.

Por fim, no ano de 2005, o IDH dos negros (0, 753) (retirei pretos e pardos, pois o senador não utiliza os termos) era equivalente ao IDH que ficava entre o Irã e o Paraguai, na 95° posição do ranking mundial. Já o IDH dos brancos era de 0, 838.

Srªs. e Srs. Senadores, as desigualdades são reais, a nossa intenção não é confrontar as etnias, culpando os brancos de hoje, pelas desigualdades geradas pelo ontem.

O que é preciso é parar e agir agora com um olhar aglutinador capaz de enfrentar esses problemas. Se não fizermos isso seremos responsáveis pelas desigualdades do amanhã.

O racismo existe e deve ser combatido. Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo mostrou que grande parte dos brasileiros (87%) admite que há discriminação racial no país, mas apenas 4% da população se considera racista.

Nós repudiamos toda e qualquer forma de discriminação racial. Sabemos que os casos de racismo são recorrentes no Brasil o que falta é coragem para denunciar.

Que o exemplo do cantor Dudu Nobre e de sua esposa, a modelo Bombom, seja seguido.

Eles que foram brutalmente discriminados na presença dos filhos em um vôo da American Air Lines esta semana.

Somos solidários e iremos acompanhar o processo aberto pela família.

Nota-se que as autoridades policiais não registram as ocorrências como sendo racismo, mas sim como injúria racial.

Vejam que apenas um terço (32,9%) das ações com acusações de racismo são julgadas procedentes em tribunais de segunda instância do país.

Isso segundo o Relatório Anual das Desigualdades Raciais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) divulgado hoje.

Na primeira instância, a proporção chegou a 49,4% no período analisado - os anos de 2005 e 2006. Ou seja, os réus levam vantagem em relação às vítimas. Quando há recurso e acusações de racismo são julgadas por desembargadores.

Srªs. e Senhores, é importante compreendermos e aprofundarmos o nosso entendimento para enfrentarmos a discriminação racial e as desigualdades étnico-raciais existentes no mundo.

Aqui no Brasil não é diferente. O entender a história de exploração da mão-de-obra escrava por mais de 350 anos é parar para pensar se qualquer um de nós aceitaria trabalhar durante um, dois, três, até dez anos sem receber um centavo.

Com certeza recorreríamos à justiça. Sem falar das violências física e psíquica que resultaram desse processo de exploração.

A ladainha de capoeira “Negro Escravo” resgata a realidade dos tempos da escravidão:

“Faz muito tempo

Me dói só de lembrar

Que o negro era escravo

Apanhava sem parar

Acordava bem cedinho

E com a dor da chibatada

Que ardia e não passava

Ia pro mato trabalhar

Trabalhava noite e dia

Não sonhava e mal dormia

E nem tinha tempo pra rezar”

Mas todos, negros e não negros, por vezes dizem: “mas não fui eu quem escravizou. Qual a minha culpa?”

Com certeza não participamos da barbárie que foi a escravidão e nem queremos ter esta marca em nosso currículo.

Mas se não exercermos o espírito da tolerância e do amor ao integrar os que vivem excluídos, em sua maioria negros, corremos o risco de agirmos como os senhores de escravos.

Os estudos e a consciência social demonstram que o fardo da escravidão e a ausência de políticas públicas para os negros, recaem sobre o ombro de todos, seja via impostos, violência ou pelo desperdício de talentos.

Srªs. e Srs. Senadores, o mundo parou para celebrar a vitória do primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos. O grito dos excluídos foi ouvido nos cinco continentes. Isso prova que queremos, sim, aceitar a diversidade, que queremos, sim, valores sociais e ambientais.

Obama mostrou que nós podemos! Mas antes disso, há 44 anos os Direitos Civis foram aprovados e políticas públicas e humanitárias para negros foram possíveis.

Aqui nós não queremos esperar mais 40 anos. Queremos aprovar e depois discutir em dez anos.

Posso dizer que naquele momento os americanos estavam assustados, não sabiam se aquele importante passo daria frutos... e deu! Mas Obama não é tupiniquim!

Nós também temos nossos Obama’s. São jovens esforçados que vivem à espera de oportunidades. O Brasil deve investir em políticas humanitárias e de ações afirmativas.

Srªs. e Srs. Senadores, por fim, quero que neste dia 20 de novembro possamos fechar os olhos e abrir os corações para visualizar a bonita aquarela que é a sociedade brasileira.

Que possamos observar que a riqueza do nosso povo reside na diversidade de negros, indígenas, brancos e orientais, mas que para uns o Estado continua reservando as cadeias, o racismo, a falta de acesso às universidades e a ausência de políticas públicas.

O nosso exercício será de aceitar o outro, entender que enfrentar as dificuldades e o “abismo social” entre negros e brancos é uma prova de amor para com o Brasil, sabendo que a única culpa que deve existir é a de não agirmos. 

Devemos percorrer os valores históricos, jurídicos, morais, econômicos e sociais para compreender a importância de criarmos políticas de ações afirmativas e aprovar o Estatuto da Igualdade Racial e Social, como gosto de chamar, para, de uma vez por todas, estabelecermos oportunidades de fato e de direito para todos.

Enfim partilho o meu poema “Negro das Américas” que traduz um pouco da nova aurora que buscamos:

“Ah, como seria bom se houvesse uma história ou uma canção que falasse das veias cortadas dos negros latino-americanos.

Que bom seria se os poetas falassem que o direito à terra

Por nós trabalhada, foi sempre negado.

Que bom seria se pudéssemos conhecer os heróis negros da nossa América.

Não importa se os escravocratas trocaram até seus nomes de

origem pelo espanhol, português, francês e inglês.

Não importa se eles não podiam falar o dialeto africano.

Que bom seria se os versos relatassem os crimes cometidos

contra este povo que foi ferido na alma, coração e estima.

Andamos pelo continente, por terra e por mar, vimos o que não gostamos:

O negro afastado, excluído e discriminado.

Sonhamos com uma vida de paz, alegria e liberdade.

Na realidade encontramos suor, sangue e lágrimas.

Que essas gotas de sofrimento arrancadas do nosso corpo

Se tornem pérolas para iluminar a nossa jornada, porque deixar de sonhar e lutar, jamais, jamais, jamais!”

Chegará o dia em que diremos: Feliz dia da Consciência Negra!

Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2008 - Página 46966