Discurso durante a 220ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre os últimos resultados do ENEM.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Reflexão sobre os últimos resultados do ENEM.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Mão Santa, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2008 - Página 47006
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • APOIO, SUGESTÃO, MOBILIZAÇÃO, SENADOR, VIGILANCIA, DEBATE, EDUCAÇÃO.
  • ANALISE, RESULTADO, EXAME, AMBITO NACIONAL, AVALIAÇÃO, ENSINO MEDIO, APREENSÃO, REDUÇÃO, MEDIA, COMPROVAÇÃO, PERDA, QUALIDADE, ENSINO, ESPECIFICAÇÃO, ESCOLA PUBLICA.
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, RESERVA, VAGA, UNIVERSIDADE FEDERAL, ALUNO, EGRESSO, ESCOLA PUBLICA, PREVISÃO, CLASSE MEDIA, PAGAMENTO, REFORÇO, APRENDIZAGEM, COBRANÇA, ORADOR, INVESTIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO MEDIO, MELHORIA, QUALIDADE, GRAVIDADE, DESIGUALDADE REGIONAL, SETOR, COMPARAÇÃO, DADOS, ESTADOS, ESTADO DE RORAIMA (RR), SITUAÇÃO, ATENDIMENTO, COMUNIDADE INDIGENA, ELOGIO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
  • MANIFESTAÇÃO, APOIO, POLITICA, COTA, COMPENSAÇÃO, NEGRO, INDIO, LIMITAÇÃO, PRAZO, SIMULTANEIDADE, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO.
  • IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DADOS, EXAME, AVALIAÇÃO, ENSINO MEDIO, CONCLAMAÇÃO, SENADO, FISCALIZAÇÃO, APLICAÇÃO DE RECURSOS, ESPECIFICAÇÃO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, COBRANÇA, PROVIDENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Mão Santa, pela gentileza de V. Exª, mas os maçons de antigamente tiveram muito mais mérito do que têm os da atualidade, porque eles realmente se empenharam por uma mudança radical no País ainda Colônia, para fazer a nossa Independência; depois, no Império, para fazer a República; e na República fazer tantas mudanças das quais o Brasil ainda goza. Entre eles está Rui Barbosa, imortalizado em nosso plenário naquele busto.

Senador Mão Santa, que preside esta sessão, e Senador Cristovam, escolhi hoje fazer uma análise, uma reflexão sobre os resultados do Enem. Coincidentemente estão no plenário o Senador Paim e o Senador Cristovam, um defensor permanente da educação que abordou em seu pronunciamento essa questão. Aqui foi sugerida uma vigília pela educação. Acho que essa deve ser a vigília das vigílias, porque, até para defender os aposentados e pensionistas, é necessário que haja raciocínio, que haja confiança e, principalmente, um raciocínio lógico de que nada muda neste País se não mudar a educação.

Fico muito triste, Senador Cristovam. V. Exª é um homem da educação, foi Reitor da UnB, foi Ministro da Educação, candidato a Presidente da República com a bandeira educação. Diziam até: “Ele só tem essa bandeira”. Eu, que não votei em V. Exª, dizia: não precisa ter as outras, porque as outras vêm depois, como conseqüência. Não há nem o que discutir.

Pena é que muitas vezes, ou na quase totalidade das vezes, os candidatos, os políticos quando candidatos, têm invariavelmente na sua plataforma a educação. Educação, saúde e segurança. E, quando eleitos esquecem isso, vão para o clientelismo, se dobram ao Poder Público, ao poder do Presidente, para conseguir liberação de emenda, para conseguir cargos na Administração Federal ou Estadual, e aí o eleitor que votou nele fica lá no rabo da fila.

E o que vemos? Os jornais todos de ontem, a televisão, as rádios e os jornais de hoje dão destaque - e a manchete aqui do jornal O Globo é: “Cai a nota média na prova do Enem”. E a sub-manchete traz que estudante do Rio foi o segundo mais bem colocado do País. Mas sabe de onde era esse estudante, Senador Cristovam? Da Escola Preparatória de Cadetes do Ar. Uma escola pública, mas uma escola pública diferente, Senador Mão Santa, uma escola pública que não tem, digamos assim, as distorções da escola pública comum dos Estados ou mesmo até de algumas federais.

         E é lamentável perceber a seguinte observação: caímos, do ano passado para cá, da média nacional de 51, 52%, que já não é uma média boa porque o máximo é 100; caímos de 51,52% para 41,69%. Quer dizer, a educação está piorando no Brasil. E o pior: o que está piorando é o ensino na rede pública.

Aí, coincidentemente, Senador Cristovam, ontem a Câmara aprovou - e os jornais das televisões deram destaque - um projeto que reserva 50% das vagas para o estudante oriundo da rede pública. Em tese, a decisão é meritória, até porque a rede pública é a maior que existe. Teoricamente, deveria abrigar os mais pobres. Teoricamente. Se formos analisar na prática, talvez nem isso.

Vi a entrevista de uma jovem aluna que foi bem classificada no Enem, dizendo: “Está muito bom, mas o que se deveria mesmo era investir na escola pública de qualidade”. Assim não seria necessário dar 50% de vagas nas federais para os egressos das escolas públicas, porque eles estariam habilitados para concorrer com qualquer um.

Lembro-me, Senador Mão Santa - creio que isso tenha acontecido com V. Exª - que na minha época de estudante de ensino médio (ginasial, e depois científico ou clássico no segundo grau) - brigávamos para não sair da escola pública, fazíamos seleção. Tínhamos exame de admissão no ginasial; e no segundo grau, em cada Estado, existiam os colégios estaduais, os liceus, que repetiam o modelo do Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro, onde podíamos fazer um curso melhor. As escolas particulares, naquela época, eram tidas apenas como quebra-galhos, para quem não queria ser bom aluno. Inverteu-se isso, inverteu-se completamente. E a culpa é de quem? É da população? É do estudante? Não. É do professor? Também não, muito menos.

A culpa é dos governos municipais, estaduais e, principalmente, federal, porque houve uma inversão. Investiu-se mais, principalmente o Governo Federal, nas universidades e relaxou-se quanto ao investimento no ensino fundamental. Com isso, temos essa situação grave.

Vamos analisar, Senador Cristovam, regionalmente. Aqui, na educação, está, de novo, o retrato de como as políticas públicas são desenvolvidas no Brasil. É assim também na saúde, é assim também na segurança. Mas olhe a educação. Onde está o melhor ensino? Na Região Sul. Depois? Na Região Sudeste. Por terceiro? Na Região Centro-Oeste. Quarto? No Nordeste. E quinto? No Norte. É o retrato da desigualdade regional. Lógico! Se formos analisar, depois, o quadro da classificação por Estado, desprezadas as regiões, por exemplo, o meu Estado é o décimo segundo na nota da rede pública, estando acima, portanto, do que foi colocado no meio. Somos 27 Estados, com o Distrito Federal. Como somos o décimo segundo, estamos acima daquele que estaria no meio da classificação. Isso na rede pública.

No que tange à rede privada, Senador Mão Santa, V. Exª me chamou a atenção e fui olhar. Veja V. Exª que Roraima está aqui colocado como vigésimo sétimo, portanto o último na rede privada, com 50,48. Mas, se V. Exª observar, há sete Estados com nota inferior a 50. Então, aqui há um equívoco. Há sete Estados com notas inferiores a 50. Então, Roraima sobe para vigésimo, não ficando em vigésimo sétimo, como está colocado aqui, na rede privada.

E quero dizer que, no meu Estado, 90% do ensino fundamental, Senador Mão Santa, talvez mais até, são públicos. O Estado está presente em todos os Municípios, fora as escolas municipais. Inclusive, duzentas das quatrocentas escolas públicas do meu Estado - somos apenas 412 mil habitantes e temos quatrocentas escolas públicas - estão nas comunidades indígenas. E o Governo Federal, que é responsável pelas comunidades indígenas, não tem uma escola numa reserva indígena, numa comunidade indígena.

Então, essas distorções regionais, intra-regionais... V. Exª lamentou a posição do Piauí. Veja, por exemplo, que o Piauí, para as Regiões Norte e Nordeste, principalmente para a Região Norte, é uma referência na área de saúde. Meus amigos, em Roraima, principalmente aqueles oriundos do Nordeste, quando adoecem, querem ir para Teresina, porque a referência que têm o maranhense e o piauiense que estão em Roraima é que Teresina é um centro de excelência em saúde. Mas não é em educação? É uma pena, porque, se realmente não é um centro de excelência em educação, daqui a pouco também não vai ser em saúde. Não adianta pensar que se pode ter uma saúde de excelência sem uma educação de excelência, que se vai ter uma segurança boa sem a educação dos policiais.

É preciso investir na formação do policial. É preciso investir na qualificação do policial. E em tudo entra a educação.

Quero dizer uma coisa: sou a favor das cotas, como disse o Senador Paim, talvez por um período. Que se estabeleça por um período, durante, por exemplo, dez ou quinze anos. Sou a favor disso.

Em tese, sou a favor de como a proposta foi aprovada na Câmara, Senador Paim, com 50% para a rede pública, aí embutida a cota para negros, índios e aqueles mais pobres, de acordo com a renda familiar. Agora, fico com aquela jovem que deu a entrevista. Não adianta fazer isso e incentivar o aluno a ir para a rede pública e entrar pela cota, mas ele ser uma pessoa mal preparada, pois ele vai chegar à universidade mal preparado e ter uma desvantagem enorme em relação ao aluno que vem da rede privada.

Vamos analisar aqui os dados das redes pública e privada. No Brasil, a média da rede pública foi 37,27, e a da rede privada foi 56,12. Então, é uma disparidade enorme. Se formos para as regiões, pior ainda! Ora, se vamos dar essa cota, não uma espécie de privilégio, mas é uma concessão, como se diz, afirmativa, que vem, lamentável e possivelmente, em desfavor dessas pessoas. Por quê? Porque o ensino fundamental é ruim. O ensino fundamental público, principalmente, é péssimo. Então, nós não vamos ter, amanhã, entre esses beneficiados por essas cotas, pessoas com facilidade para fazer uma faculdade e serem, depois, bons profissionais.

Como médico, eu tenho, como qualquer profissional da medicina, um raciocínio lógico: não adianta ficar dando só analgésico para um paciente que está com dor. Lógico que o analgésico é o remédio para aliviar a dor naquele momento, mas é necessário se fazer o diagnóstico e curar o mal, curar a doença. Se eu não curo a doença, vou ficar dando analgésico a vida toda para uma pessoa, por exemplo, que está com uma patologia, seja um reumatismo, seja o que for? Vou ficar dando só analgésico? Não. Então, para o caso da educação, eu acho que nem analgésico se está dando.

O Senador Cristovam tem lutado pela questão do piso salarial, um passo fundamental, porque, se o professor não é bom, se ele não é bem pago, se não é qualificado, como é que vamos ter a melhora da escola pública? Prédios? Eu tenho visto até excelentes prédios, mas equipamentos, quase zero, e investimento no professor, muito perto de zero; em alguns casos, abaixo de zero.

Hoje em dia, pouca gente se interessa por ser professor. Chamo a atenção dos Senadores e Deputados para dizer que ninguém exerce sua profissão, seja ela qual for, se não tiver tido um professor, se não fosse a professorinha ou o professorzinho lá do ensino fundamental, até da pré-escola ou o professor emérito de uma universidade.

Mas quero ouvir, com muito prazer, o Senador Cristovam.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador, fico feliz em ouvi-lo falar desse assunto. Até resisti em pedir o aparte, porque eu também vou tocar nesse assunto, embora vá fazer uma provocação maior perguntando como os próximos candidatos a Presidente vão apresentar propostas para resolver a contradição de um país precisar de cotas, precisar de bolsa-família. O grande desafio é fazer com que isso não seja preciso, mesmo que a gente ache que é necessário neste momento. Mas ainda sobre sua colocação, quero chamar a atenção, positivamente - alegro-me por V. Exª estar falando disso -, para dizer que, de fato, a maneira como as cotas saíram daqui é diferente de como foi aprovado o sistema na Câmara dos Deputados. Aqui foi aprovada a cota para a educação de base da escola pública e ponto, que tem uma vantagem: melhorar a escola pública, até por algo que pode ser negativo em relação ao que se pensa ao se fazer a cota. Ao se fazer a cota, imaginou-se dar vantagem às classes mais pobres. Mas ao se fazer a cota para a escola pública, o que vai acontecer é que as classes média e alta vão transferir seus filhos para a escola pública, para ganhar a cota, e vão mantê-los num cursinho ou numa outra escola para poder passar na frente no vestibular. Isso vai ser injusto do ponto de vista de classe social, mas vai ser bom do ponto de vista de melhoria da escola pública, e aí vai melhorar para todo mundo, porque, quando a classe média consome um produto, ela melhora de qualidade. Não há dúvida nenhuma disso. Por isso não sou contra, mas não é a solução. Até porque, se a gente for olhar as cotas, por que a gente só pensa em cota para a universidade? Por que a gente não pensa em cota para as creches, que é onde tudo começa? Por que a gente não pensa em creche para as boas escolas públicas do ensino fundamental? Aqui, no Distrito Federal, há escolas do Ensino Fundamental, com mais de trinta ou quarenta anos, de qualidade em qualquer país do mundo. Nesta semana fui visitar uma, e a gente ficou de queixo caído: é aqui na 304 Norte. Mas são cinco em todo o Distrito Federal, que a gente pode dizer, com essa qualidade. Ninguém defende cota para essas escolas do Ensino Fundamental, ninguém defende cota para as boas escolas de Ensino Médio. A gente defende cota lá para o topo, onde só vão entrar para disputar aqueles que aprenderam a ler, os analfabetos não entram. Ninguém propôs cota para analfabetos na universidade. Não vão entrar os que saíram da escola antes da 4ª série primária, não vão entrar os que saíram antes da 8ª série. Só terão direito os que terminaram a 8ª série e fizeram vestibular. Eu não sou contra, mas esse é um jeitinho insuficiente. O Brasil precisa, na linha do que falou o Senador Mozarildo, é de uma revolução que faça - ele citou - o que disse aquela garota: “O que a gente precisa é de escolas boas, gratuitas e de qualidade para todos”. Este é o debate que eu gostaria de ver, Senador Mão Santa, na eleição de 2010: como resolver para que o Brasil não precise mais de cotas e nem de bolsas? Esse é o desafio que está na hora de a gente fazer e não a disputa entre candidatos para ver quem vai oferecer mais cotas, mais bolsas e aumentar as percentagens e os valores disso. Daqui a pouco, a gente vai ter candidato propondo bolsas a um custo maior do que o Produto Interno Bruto e cotas que, somando, vão dar mais de 100%, e o povo é capaz de acreditar que isso será possível e que isso é a solução.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senador Cristovam, o aparte de V. Exª não é que abrilhanta o meu pronunciamento, não, na verdade faz do meu pronunciamento um pronunciamento completo, porque V. Exª chamou a atenção para duas coisas.

         Com essa cota, realmente a classe média vai colocar os filhos na rede pública e vai pagar professor particular para fazer os reforços a fim de que eles se qualifiquem melhor do que o pobre que vai para a rede pública e não pode pagar professor particular. Portanto, vai ser um remédio que vai ter um efeito colateral muito ruim para os mais pobres.

         É importante que o Governo esteja atento a isso. Mas não há como driblar. Se, amanhã, qualquer um de nós aqui quiser colocar o filho numa rede pública de ensino e pagar por fora um professor particular, como impedir? Não há lei que possa impedir. Mas o pobre não vai poder pagar.

Hoje, qual é a realidade, Senador Cristovam? Quem são os mais bem preparados - até o resultado do Enem mostra isso - para enfrentar os vestibulares das universidades federais? Os egressos da rede particular. Por quê? Porque têm os melhores professores, os professores mais bem pagos, têm mais equipamentos.

Então, quer se corrigir a inversão de hoje talvez com uma inversão pior. Como V. Exª disse, talvez a ida da classe média para a rede pública force a mudança da rede pública. É possível. Também isto se faz em Medicina: às vezes se dá um remédio amargo para ter um efeito positivo.

Repito: embora seja favorável a essa questão de ações afirmativas, de cotas, sonho com o momento, como diz V. Exª, em que este País não precise mais fazer isto: dar cota para qualquer coisa ou dar bolsa-família ou cesta básica ou bolsa para as pessoas freqüentarem as escolas. Sonho com este País, porque tenho, repito, uma convicção pessoal profunda de que, se não melhorarmos a educação no Brasil, não chegaremos jamais ao nível dos outros países que estão no primeiro mundo. Se estamos caminhando nesse passo, piorando de um ano para o outro a avaliação do ensino público, como vamos sequer acompanhar os países do primeiro mundo, que avançam num nível muito melhor?

Então, o Governo do Presidente Lula, que ainda tem dois anos, deveria dedicar esses dois anos à educação, principalmente à educação dos mais pobres. Mas não é - repito - o remédio adequado fazer cotas, não. É um analgésico, é um paliativo, mas não melhora de fato, não qualifica de fato aquele estudante pobre.

Senador Paim, com muito prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Mozarildo, estamos, principalmente desde ontem, fazendo aqui, de forma simbólica, uma homenagem também à data de 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra e do debate, na minha avaliação, contra todo tipo de preconceito. Aproveito a sua fala sobre o tema para dizer que, ontem, o Presidente da República, num ato no Rio de Janeiro, defendeu também o 20 de novembro, data que já aprovamos por duas vezes no Senado. A Senadora Benedita da Silva apresentou projeto, que, aprovado, foi para a Câmara e ficou guardado. Eu aprovei outro durante estes meus seis anos no Senado, que está guardado também na Câmara, para que seja um dia nacional, como feriado, e sirva de reflexão contra todo tipo de discriminação. Aí, sim, tem muito mais força o dia 20 de novembro, com a simbologia sobre uma figura histórica, heróica, que ilumina as nossas vidas: o grande Zumbi dos Palmares. Faço essa reflexão porque eu gostaria muito que, se o feriado for aprovado nos moldes em que o Senado aprovou lá na Câmara, sirva esse dia para refletirmos tudo: preconceito religioso, preconceito pela cor da pele, preconceito por idade, preconceito contra a mulher, preconceito pela orientação sexual etc. Enfim, que seja um dia de reflexão contra todo tipo de preconceito. Quanto à questão específica da educação, que é o eixo do seu pronunciamento, concordo com V. Exª. Repito muito o seguinte, que não é o caso de V. Exª nem do Senador Cristovam: quem, às vezes, fala contra as cotas só diz o seguinte: “Não, não, não, cota não precisa, não; vamos mais é investir em educação”. Só que passam 10, 20, 30, 40, 50, 100 anos, e o resultado é o que V. Exª leu: a escola pública de péssima ou má qualidade em relação à escola privada. Aí V. Exª mesmo, com muita competência, diz: quem vai passar na universidade pública federal? O filho do pobre ou o filho do rico? Vai passar é o filho do mais rico, do mais rico. Não digo que não passem alunos competentes da classe média e mesmo de pobres, mas serão numa proporção muito menor que aqueles que pagaram uma escola particular. A mensalidade média de uma escola particular, hoje, está em torno de R$400,00, um salário mínimo. Como é que o camarada vai dar todo o salário dele para pagar a mensalidade da escola particular? Então, uma política de cotas, V. Exª diz, e concordo, pode ser até um mal necessário. Olha, eu estou dizendo isso! E digo isso por quê? Porque, como V. Exª, inclusive, destacou no seu pronunciamento, e me senti contemplado, ela é uma coisa transitória. O bom seria dizer que nós não precisamos de política de cota, mas, infelizmente, temos que dizer que precisamos, nem que seja por 10, 15 anos. E, como eu dizia outro dia, que fique um artigo já escrito de que será revogado em 15 anos - falei 10, 15, e V. Exª até disse: ”olha, quem sabe não colocamos a data, mas dizemos que vamos trabalhar para assegurar a inclusão dos excluídos”. E V. Exª tem um projeto que quero destacar, que é cota para índios, que ninguém apresentou, só V. Exª, e é um belo projeto, que merece o debate. E V. Exª coloca na proporção de cada Estado: o que tem mais seria 5%, 1% ou 0,5%. E é nessa linha a política de cotas que a Câmara também aprovou, que é proporcional à população do Estado. Outro dado interessante, veja bem, vamos pegar o exemplo do Rio Grande do Sul: 13% da metade, significam, praticamente, 7% se pegarmos um universo de 100. São 13% de uma quota de 50, porque os outros 50 são destinados à escola privada. Então, não é nenhum exagero dizermos que um Estado que tem 20% de negro, praticamente, somente 10% das vagas, porque são 20% de 50, 10% das vagas são destinadas a negros, a índio ou àqueles cuja renda per capita não ultrapasse 1,5 salário mínimo. Acho que a Câmara avançou, e claro que nós, aqui no Senado, podemos aprovar como vem ou aperfeiçoá-lo naquilo que for possível para garantir, efetivamente, a inclusão daqueles que são excluídos da sociedade. No mais, o aparte era para cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senador Paim, agradeço muito o aparte de V. Exª, porque não adianta pensar que se ajuda as minorias, sejam raciais, étnicas, melhor dizendo, ou sociais criando mecanismos que não tenham, de fato, efeito duradouro.

É verdade - repito -, sou a favor dessas cotas, todas elas, desde que, como disse V. Exª, sejam transitórias e que, nesse período de transitoriedade, o Governo realmente use remédios curativos, não apenas paliativos ou analgésicos para o problema, porque senão vai terminar o prazo de 15 anos e tudo estará do mesmo jeito.

Então eu quero até parabenizar V. Exª, porque o seu Estado está em primeiro lugar na avaliação, o que demonstra justamente o cuidado, embora V. Exª tenha feito aqui uma ressalva da greve dos professores etc, mas, mesmo assim, o Rio Grande do Sul está em primeiro lugar.

Ontem lembrei-me - e quero lembrar de novo aqui - do ator Milton Gonçalves, que é negro e faz o papel, na novela “A Favorita”, daquele deputado corrupto. Ele disse aqui, numa sessão destinada a comemorar a Abolição da Escravatura - falando para outro companheiro dele ao lado, negro também -, que o que tinha de ser a grande bandeira dos negros no Brasil era lutar pela educação, eles todos lutarem pela educação, mais do que por outra coisa. Mas é evidente, porque, com a educação, desaparecem os preconceitos, desaparece, portanto, o chamado racismo, que prefiro chamar de preconceito, porque raça nós só temos uma, que é a raça humana.

De qualquer forma, é importante encarar esses assuntos de frente, conscientes da realidade que existe. E a realidade, Senador Paim - que agora assume a Presidência -, está aqui refletida. Podem até criticar o Enem. Há críticas de que é um modelo por amostragem etc, mas, pelo menos, é uma forma de avaliação, e ela mostra, lamentavelmente, um triste resultado para o Brasil e, notadamente - e aqui quero destacar, Senador Paim -, o reflexo da má gestão pública, ou melhor, da má aplicação das políticas públicas no que tange a eliminar as desigualdades regionais. Porque aqui também está refletido que as regiões mais ricas têm a melhor avaliação no Enem e as regiões mais pobres, a pior avaliação no Enem, embora, na Região Norte e na classificação geral, o meu Estado tenha sido muito bem colocado: no que tange à rede pública, o 12º, e o 20º na rede privada, até porque a rede privada em Roraima ainda é muito pequena - não tenho os dados exatos, Senador Paim, mas tenho certeza de que não chega a ser nem 10% da rede de ensino do Estado.

De qualquer forma, quero deixar o meu registro e pedir a V. Exª que sejam transcritos, como parte do meu pronunciamento, esses dados publicados nos jornais O Globo e Folha de S.Paulo, que foram divulgados também por todos os outros jornais e ontem nas televisões, para que realmente possamos não esquecer isso e, baseados nessa avaliação, fazer aqui dentro do Senado, como temos feito, aliás, um trabalho permanente. A nossa parte é legislar, cobrar, fiscalizar. Aliás, quanto a fiscalizar, Senador Paim e Senador Cristovam, preocupa-me muito que tenhamos uma Comissão de Fiscalização e Controle que, na prática, não funciona. E ainda colocaram nesta mesma Comissão um apêndice: Comissão de Fiscalização, Controle, Legislação Participativa e Meio Ambiente.

         Ora, ela nunca funcionou, nem sozinha! Eu acho que esta Comissão deveria ser a comissão das comissões, depois da de Constituição e Justiça, porque, se tivéssemos aqui uma Comissão, de fato, de Fiscalização e Controle, o nosso papel, como legisladores, de fiscalizar o Executivo e até o Judiciário, de fiscalizar a aplicação do dinheiro público seria mais bem executado, muito melhor. Mas é lógico, repito, lamento que o Poder Legislativo não tenha se imposto ao longo desse tempo. Está começando a se impor agora, com a medida do Presidente Garibaldi de devolver uma MP, com a postura que o Senado tem tido de, por exemplo, como foi no caso da CPMF, rejeitar essa contribuição. Nós estamos mostrando que o Legislativo não foi feito para obedecer a qualquer outro Poder, muito menos ao Poder Executivo.

Ouço o aparte do Senador Mão Santa.

(Interrupção do som.)

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Mozarildo, eu desci da Mesa justamente para isso. V. Exª nos impressiona a cada dia. V. Exª é médico, eu sei; maçom, eu sei. Até pensei, e penso: todo seminarista pensa em ser papa. Nunca vi um soldado ou um cabo que não quisesse ser general, não é, Paim? Um cabo quer ser general. Se eu chegasse à Presidência, estive pensando, V. Exª seria o Ministro da Amazônia. Eu quis igualar, porque outro dia fiquei sensibilizado. O Professor Cristovam Buarque fez uma análise interessante: há mais de ano que o Mão Santa, que é médico, nos advertia sobre a economia, essa globalização, sobre os empréstimos consignados, que isso não estava certo. Ele foi ficando surpreso de como um médico pode ter essa visão de economia. E agora quero dizer a mesma coisa: o Cristovam que se cuide, porque V. Exª se aprofundou nos problemas educacionais. E V Exª foi muito feliz no seu pronunciamento, principalmente quando se referiu, numa síntese, ao que disse o artista Milton Gonçalves. Preconceito, só tem um caminho e uma salvação - e Rui Barbosa disse “é a lei e a justiça” -, ele disse: é a escola. Então o nosso cumprimento por mais essa abrangência. V. Exª é em Medicina o que a gente chama de antibiótico de largo espectro. Não havia aquele Tetrex 500 mg? Então V. Exª é um Senador Tetrex 1.000 mg.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Obrigado, Senador Mão Santa. V. Exª, como sempre, muito gentil.

Quero dizer que realmente precisamos aprofundar o debate sobre educação no País. Eu, como V. Exª, sou médico. Quando vemos - aqui é um exame laboratorial, não é mais nem uma impressão diagnóstica - que o paciente estão tal mal assim, é preciso que tomemos uma ação mais violenta, e acho que aquela vigília aqui proposta pela educação deve ser feita urgentemente, inclusive para debater, discutir esses resultados, ver essas questões regionais.

Aqui termino o meu pronunciamento, Senador Paim, de novo lamentando que o Governo não tenha trabalhado no sentido da eliminação das desigualdades regionais. E a pior delas é a da educação. Veja bem, em primeiro lugar, qual é a Região? O Sudeste. Em segundo, o Sul; em terceiro, o Centro-Oeste; em quarto, o Nordeste; e, em quinto e último lugar, a Região Norte. Eu lamento muito, porque isso só aprofunda as desigualdades regionais.

Então, eu espero - repito - que o nosso Presidente Lula gaste os dois últimos anos do seu Governo com menos passeios, menos viagens, menos discursos, menos retórica, e que chame seus Ministros, notadamente o da Educação, e outros como o da Integração Nacional - que não integra nada, infelizmente, está aqui o exemplo da integração regional -, e diga que quer um plano para terminar seu Governo com a educação num outro quadro, com a educação melhor na rede pública. Porque a rede privada se cuida sozinha; é preciso cuidar da rede pública.

Portanto, fica aqui o registro da minha indignação com um Governo que completa seis anos, e a educação piorando, como aqui está registrado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e o § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas: -

“Um critério para cada instituição”;

“Cai a nota média na prova do Enem”;

“Cotas para alunos pobres”,

“De novo, alunos de particulares têm desempenho melhor que de públicas”;

“Conheça as notas” (O Globo);

“Pelo 2º ano, rede pública do RS é a melhor no Enem” (Folha de S.Paulo).


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2008 - Página 47006