Discurso durante a 221ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lembrança pelo transcurso dos 5 meses do falecimento da Sra. Ruth Cardoso, ocorrido em 24 de junho deste ano.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Lembrança pelo transcurso dos 5 meses do falecimento da Sra. Ruth Cardoso, ocorrido em 24 de junho deste ano.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2008 - Página 47400
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, SOCIOLOGO, CONJUGE, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMENTARIO, BIOGRAFIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, DEFESA, POLITICA SOCIAL, EXTENSÃO, CIDADANIA, POPULAÇÃO CARENTE, INCENTIVO, TRABALHO, VOLUNTARIO.
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, LANÇAMENTO, LIVRO, AUTORIA, MUSICO, ESTADO DO AMAPA (AP), DIVULGAÇÃO, MUSICA, CRIANÇA, ENSINO FUNDAMENTAL, INCENTIVO, PROCESSO, ENSINO, APRENDIZAGEM.

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O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão o orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Srªs e Srs Senadores, na noite do dia 24 de junho deste ano, o País foi surpreendido pela notícia do súbito falecimento da Professora Ruth Cardoso.

Como sempre ocorre quando do desaparecimento de uma figura pública de grande porte, sucederam-se, de pronto, manifestações de pesar oriundas não apenas dos círculos nos quais a eminente intelectual exercera suas atividades profissionais, mas também das mais diversas facções do espectro político-partidário brasileiro. O que foi flagrantemente diverso, no caso de D. Ruth Cardoso, foi a evidente espontaneidade e sinceridade dos sentimentos de consternação expressos por todas essas personalidades e instituições.

Ruth Vilaça Corrêa Leite Cardoso foi dessas pessoas incomuns que, pela absoluta retidão de sua conduta, por sua inquestionável dedicação ao bem comum, conquistam o respeito e o apreço de todos aqueles que chegam a com elas travar conhecimento, sejam estes chefes ou subordinados, correligionários ou adversários políticos, dignitários ou anônimos.

Sr. Presidente, a trajetória de Ruth Cardoso, que faleceu meses antes de completar 78 anos de idade, foi notável desde a juventude. Na já longínqua década de 1950, a então jovem universitária começava a romper, graças a sua inteligência, os limites que a sociedade de então impunha às mulheres. Graduou-se bastante jovem e dedicou-se, de imediato, à carreira acadêmica. Recebeu os títulos de mestre e doutora pela Universidade de São Paulo e obteve o seu pós-doutorado na Universidade de Columbia, em Nova York.

Sua carreira nas universidades foi marcada pela inovação. Em meados do século passado, quando o assunto ainda era muito árido e distante, estudou a imigração japonesa para São Paulo, fazendo-a tema de sua dissertação de mestrado e de sua tese de doutoramento. Foi um dos primeiros acadêmicos brasileiros a perceber a emergência dos movimentos sociais que abrigavam diversidades - como os feministas, étnico-raciais e de orientação sexual. Embora até a década de 1970 a Academia considerasse que esses movimentos não tinham status para merecer a atenção da universidade, Ruth Cardoso já os chamava de “novos movimentos sociais”.

Esteve, também, entre os primeiros intelectuais a começar os estudos sobre favelas no Brasil, a partir da década de 1970, modernizando, assim, as abordagens no campo da antropologia urbana. Seus enfoques inspiraram muitos outros estudiosos, influenciando a formação de toda uma geração de antropólogos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 1951, enquanto cursava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, a jovem Ruth Corrêa Leite conheceu um brilhante estudante de Sociologia da mesma instituição chamado Fernando Henrique Cardoso. Ambos formaram-se em 1952, e se casaram no ano seguinte. A união, que perduraria até a morte de Ruth, ao longo de mais de 55 anos, gerou três filhos.

Fernando Henrique Cardoso era já um intelectual de renome internacional quando decidiu, no final da década de 1970, ingressar na política partidária. Embora Ruth sempre tivesse manifestado que esse gênero de participação cidadã não era o de sua preferência, a ascensão de seu companheiro à Presidência da República, em 1995, levou-a a exercer sua militância por um Brasil mais justo em um novo patamar.

Era óbvio que o papel tradicionalmente associado às mulheres de Chefes de Governo e de Estado não serviria a essa mulher independente, sempre dona dos seus próprios pensamentos e posições. Por isso, sempre deixou claro que não simpatizava com esse rótulo de significado tão envelhecido, o de “primeira-dama”.

E Ruth conseguiu a proeza de modernizar, revolucionar o papel exercido pela esposa do Presidente da República, mantendo-se sempre discreta, sem provocar controvérsias.

Como destacou o mais influente jornal espanhol, El País, em obtuário dedicado à antropóloga, “Ruth Cardoso foi muito mais do que a esposa de um Presidente”. Lembrando os projetos sociais por ela desenvolvidos, o periódico ressaltou que Ruth foi “sempre respeitada por aliados e adversários por sua entrega à causa social e sua grande preparação científica”.

Ruth Cardoso não interferia no Governo, mas influenciava as políticas públicas. Não aceitou ser a repetidora de políticas assistencialistas, e mudou o rumo das políticas sociais. Conservava sua independência de pensamento e não provocava polêmicas.

Foi ela, Sr. Presidente, a idealizadora do Programa Comunidade Solidária, com um conceito totalmente novo. O órgão era um articulador e não um executor de políticas, por isso tinha orçamento enxuto e poucos funcionários. Exercendo a Presidência de seu Conselho, Ruth Cardoso fazia a articulação entre financiadores privados de políticas sociais - fossem empresas ou instituições - e aqueles que delas necessitam.

Com efeito, o Programa Comunidade Solidária foi a expressão prática, no campo das ações, da visão de pesquisadora e estudiosa do Brasil que Ruth Cardoso detinha. A renovação na concepção das políticas sociais realizada pelo Programa estava toda ela fundada na idéia de enraizar econômica e politicamente a extensão da cidadania aos excluídos.

O programa fomentava a autonomia das pessoas e combatia as tradicionais práticas da política de clientela. Não mais a cesta básica, mas, sim, a transferência de renda direta aos mais pobres. Não mais a dívida eterna dos de menor renda a um político específico, mas a construção do cidadão portador de direitos.

Com o Programa Comunidade Solidária, D. Ruth propôs um novo caminho para combater a pobreza e diminuir as desigualdades, apostando na multiplicidade das parcerias em rede. Jamais aceitou as políticas assistencialistas, que, segundo ela, nunca resolveram nem resolverão o problema da pobreza no nosso País. Não admitia que as políticas públicas não fossem voltadas para “ensinar a pescar”. Sob sua inspiração, o Programa Comunidade Solidária passou a ser um promotor do desenvolvimento local, integrado e sustentável, atuando nas regiões e nos Municípios mais pobres do Brasil, organizando parcerias promotoras do desenvolvimento humano.

Graças a Ruth Cardoso, observou-se um significativo avanço na articulação e otimização de todas as ações sociais públicas e privadas, promotoras do desenvolvimento integral.

Proposta por ela, a Lei das Oscips - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - obteve aprovação unânime no Congresso Nacional. Foi dela a idéia de se constituir a Rede de Informações do Terceiro Setor - Rits. Coube a ela, ainda, articular a regulamentação do microcrédito.

No âmbito do Programa Alfabetização Solidária, três milhões de jovens aprenderam a ler e escrever. Com o Programa Capacitação Solidária, outros 114 mil jovens foram preparados para o mercado de trabalho. A Rede Jovem ajudou a estimular o protagonismo juvenil. Tampouco pode ser esquecido o Programa Universidade Solidária. O Programa Artesanato Solidário salvou centenas de pequenas comunidades da miséria, tendo como símbolo a boneca “Esperança”, recordista de vendas e de exportação a partir de um pequeno Município paraibano.

Ruth Cardoso acreditava firmemente, a partir da observação da experiência de outros países, que o Brasil precisava incentivar o voluntariado. Por meio do voluntariado, multidões de pessoas praticam ações que, individualmente consideradas, são pequenas, mas que, na sua soma, são capazes de mudar realidades.

Para essa finalidade, ela criou o Programa Voluntários, que teve amplo sucesso em disseminar a idéia do voluntariado no País. Dando mostra de seu espírito despido de preconceitos, Ruth Cardoso, para construir essa nova atitude não hesitou em resgatar um velho símbolo do Governo Militar: o Projeto Rondon, por meio do qual universitários deslocam-se para áreas remotas do Brasil e realizavam ações sociais em benefício das populações carentes.

Preocupada que suas iniciativas não fossem interrompidas ao final do Governo Fernando Henrique, Ruth Cardoso fundou a Oscip denominada Comunitas, que continua a promovê-las. Até a sua morte, a Professora Ruth esteve em plena atividade, presidindo a entidade que criou.

Srªs e Srs. Senadores, Ruth Cardoso acreditava que a criatividade, a negociação e a capacidade de mobilização são instrumentos de grande importância para operar na sociedade em rede em que vivemos. Por isso, suas iniciativas na área social distanciam-se tão nitidamente do mero assistencialismo.

Ruth tinha a mais profunda fé na democracia. Por isso, todo o seu trabalho, seja no campo da produção teórica, seja no campo da promoção do desenvolvimento humano, visava ao enraizamento das práticas que dão vida e substância à democracia. Na sua concepção, as ações sociais só são conseqüentes quando contribuem para a construção sólida da cidadania dos excluídos.

Sr. Presidente, a autenticidade que todos puderam perceber nas manifestações de pesar por ocasião do passamento da Professora Ruth Cardoso foi conseqüência natural da autenticidade com que essa mulher extraordinária viveu a sua vida.

Como bem observou O Estado de S. Paulo, em editorial publicado dias após o seu falecimento, a integridade de Ruth Cardoso desdobrava-se em duas dimensões. Ela era íntegra no sentido ético da palavra. Mas também o era no sentido da inteireza de sua personalidade, pensamento e conduta. Por isso, fez-se credora do respeito, da admiração e do apreço de todos. Por isso, não poderia deixar de registrar, nos Anais do Senado, esta minha singela homenagem à saudosa professora, à brilhante intelectual, à combativa militante pela promoção da cidadania em nosso país.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado!


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2008 - Página 47400