Discurso durante a 222ª Sessão Especial, no Senado Federal

Celebração do centenário de morte de Machado de Assis.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Celebração do centenário de morte de Machado de Assis.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2008 - Página 47627
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, MACHADO DE ASSIS, ESCRITOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), APRESENTAÇÃO, BIOGRAFIA, LEITURA, TRECHO, DISCURSO, POSSE, PRESIDENCIA, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), PRONUNCIAMENTO, JOAQUIM NABUCO (PE), POLITICO, COMPROMISSO, RESPEITO, LINGUA PORTUGUESA, PATRIOTISMO.
  • COMENTARIO, SIMULTANEIDADE, DATA, ASSINATURA, DECRETO FEDERAL, PROMULGAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, ORTOGRAFIA, LINGUA PORTUGUESA, UNIFICAÇÃO, IDIOMA OFICIAL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, LANÇAMENTO, REUNIÃO, TOTAL, OBRA LITERARIA, MACHADO DE ASSIS, ESCRITOR, INAUGURAÇÃO, EXPOSIÇÃO, SENADO, CRIAÇÃO, ANO NACIONAL, HOMENAGEM, IMPORTANCIA, INCENTIVO, LEITURA, REGISTRO, INTEGRAÇÃO, POLITICA, CULTURA, BENEFICIO, DEMOCRACIA.
  • LEITURA, TRECHO, OBRA INTELECTUAL, MACHADO DE ASSIS, ESCRITOR, ANALISE, POLITICA NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, VITALICIEDADE, SENADO, IMPERIO, DETALHAMENTO, SUPERIORIDADE, OBRA LITERARIA, APRESENTAÇÃO, TEXTO, PERSONAGEM ILUSTRE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Exmº Sr. Senador Efraim Morais, 1º Secretário da Mesa do Senado Federal que preside esta sessão; Exmº Sr. Ministro Eros Grau, membro do Supremo Tribunal Federal que representa a instituição nesta cerimônia; Exmº Sr. Deputado Federal Osmar Serraglio, 1º Secretário da Mesa do Congresso Nacional e 1º Secretário da Câmara dos Deputados, a quem gostaria de cumprimentar pela bela sessão que promoveu naquela Casa em homenagem a Machado de Assis; Ilmª Srª Ana Cláudia Costa Badra, Coordenadora da Comissão do Ano Cultural Artur da Távola; Srªs Embaixatrizes de Cabo Verde e da Dinamarca; Srªs e Srs. representantes do corpo diplomático e do corpo consular; Srªs e Srs. Senadores; ex-Senador Aureo Mello; ilustre Prof. Antônio José Barbosa, Consultor Legislativo do Senado Federal; minhas senhoras e meus senhores; o Senado Federal se reúne para celebrar, unido ao sentimento de toda a Nação, a passagem do centenário da morte de Joaquim Maria Machado de Assis. E, ao registrar a data, fazemos memória, ao mesmo tempo, de que o escritor foi fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, instituída há mais de 110 anos. O criador e a criatura, o homem e a instituição, ambos são testemunhas perenes de existência proba e digna, efemérides que não podem deixar de ser festejadas, pela notável contribuição ao enriquecimento cultural do País, à verberação de identidade do nosso povo nas diversas manifestações no território da literatura e das artes.

Machado, ao assumir o cargo de presidente da Academia, afirma que o desejo da Casa “é conservar, no meio da federação política, a unidade literária” e que “o batismo de suas cadeiras [...] é indício de que a tradição é o seu primeiro voto”. Na fala de encerramento das atividades do ano de 1897, Machado anuncia:

A Academia [...] buscará ser, com o tempo, a guarda da nossa língua. Caber-lhe-á, então, defendê-la daquilo que não venha das fontes legítimas - o povo e os escritores -, não confundindo a moda que perece com o moderno, que vivifica. Guardar - salienta - não é impor; nenhum [...] tem para si que a Academia decrete fórmulas. E depois, para guardar uma língua, é preciso que ela se guarde também a si mesma, e o melhor dos processos é ainda a composição e a conservação de obras clássicas.

Joaquim Nabuco, que exercitava a política com P maiúsculo, dirá no seu pronunciamento como Secretário-Geral da ABL:

Nós não pretendemos matar o literato, no artista, o patriota, porque sem a pátria, sem a Nação, não há escritor, e com ela há forçosamente o político. [...] A pátria e a religião são, em certo sentido, cativeiros irresgatáveis para a imaginação, condições do fiat intelectual. [...] A política, isto é, o sentimento do perigo e da glória, da grandeza ou da queda do país, é uma fonte de inspiração de que se ressente em cada povo a literatura toda de uma época, mas para a política pertencer à literatura e entrar na Academia é preciso que ela não seja o seu próprio objeto; que desapareça na criação que produziu, como o mercúrio nos amálgamas de ouro e prata.

         Extraio de Josué Montello, em “O Presidente Machado de Assis, nos papéis e relíquias da Academia Brasileira de Letras, a seguinte observação:

Na Presidência da Academia, por força da condição do espírito acadêmico, Machado de Assis encontrou a solução ideal de sua vocação política: realizou-se politicamente, sem se afastar da orbita literária, e o fez com um tato inexcedível, sabendo que se deve compor a vida, segundo Madame Valmore, como se costura - ponto por ponto.

Sr. Presidente, importa igualmente assinalar que, na data do centenário do falecimento do escritor, em cerimônia na sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, foram assinados pelo Presidente da República, os Decretos nº 6.583 [promulga o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990]; nº 6.584 [promulga o Protocolo Modificativo ao Acordo Orográfico a Língua Portuguesa, assinado em Praia, em 17 de julho de 1998]; nº 6.585 [dispõe sobre a execução do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Orográfico da Língua Portuguesa, assinado em São Tomé, em 25 de julho de 2004] e nº 6.586 [dispõe sobre a implementação do Acordo Orográfico da Língua Portuguesa], unificando nos oito países falantes da língua portuguesa a forma da escrita do idioma, objetivo por er que a Academia Brasileira de Letras tanto se empenha - aqui e alhures - por entender ser fundamental para a nossa maior presença nesses tempos de mundialização.

Ademais, uma nova edição das obras completas do maior escritor brasileiro foi lançada, contendo textos inéditos, suscitando novas abordagens e enriquecendo sua fortuna crítica. A ABL vem também realizando, por iniciativa própria ou em parceria com entidades públicas ou privadas, eventos que aviventam no Brasil - e fora do País - o debate e o estudo da fecunda obra do Bruxo do Cosme Velho.

A exposição que vamos a seguir inaugurar, intitulada “Machado vai ao Senado”, é modo de concorrer para despertar o gosto pela leitura, tornar possível o desenvolvimento da educação e adensar as bases fundamentais da vida cultural brasileira.

A Lei nº 11.522, de 18 de setembro de 2007, que instituiu 2008 como o “Ano Nacional Machado de Assis”, projeto de minha iniciativa aprovado pelo Legislativo e sancionado pelo Presidente da República, agracia o escritor com a chancela do nosso reconhecimento, principalmente em função de suas virtudes cívicas.

É bom mencionar que concomitantemente estamos aqui no Senado Federal, por iniciativa do Presidente Garibaldi Alves Filho, realizando também o Ano Cultural Artur da Távola. Cerimônias e eventos foram cumpridos para difundir cada vez mais a cultura brasileira.

Sr. Presidente, o culto que hoje prestamos a Machado de Assis propicia reflexão sobre pontos de interseção entre o mundo da cultura e da política, porque eles se alojam no território dos valores, sem os quais não se possibilita o travejamento das sociedades democráticas e nem se convive sob o sol da liberdade. Ademais, é necessário ter presente que, sem se preservar os valores, não se consolidam os legítimos interesses.

Nas duas Casas do Congresso Nacional, procura-se, pela palavra, o alevantamento das nossas instituições democráticas, posto que capazes de propiciarem através do exercício da liberdade, enquanto prática da cidadania, a seiva que alimenta as raízes da nacionalidade. Pois, se busca sempre entre os que nos separa aquilo que nos pode unir, porque, se queremos viver juntos na divergência, princípio vital das sociedades abertas, estamos condenados a nos entender.

Aqui, o significado da política é percebido como compromisso ético que importa igualmente valorizar a virtude da paciência e a coragem da renúncia, pois seu exercício exige o realismo sem, contudo, deixar de ser idealista.

Sr. Presidente, senhoras e senhores participantes desta sessão, Machado de Assis, nascido no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 e morto na mesma cidade em 29 de setembro de 1908, filho de Francisco José de Assis, descendente de pardo forro, e de Maria Leopoldina Machado, portuguesa da Ilha de São Miguel, era canhoto, talvez o único atributo que pudesse a ele me comparar.

Era pessoa de saúde precária. Órfão de pai e mãe desde muito cedo, não chegou a freqüentar curso que ultrapassasse o primário. Com a morte do esposo em 1851, Maria Inês, sua madrasta, trabalhou num colégio modesto como doceira para educar o enteado.

Aos 15 anos incompletos, publica seu primeiro soneto, estreando, em 1864, na poesia com o livro Crisálidas. Machadinho, assim reconhecido por ser de pequena estatura, exerceu depois a atividade de tipógrafo na Imprensa Oficial, então dirigida pelo romancista Manoel Antônio de Almeida.

Descobre-se portador de epilepsia, à época moléstia sem tratamento eficaz, chamada de mal sagrado, por haver - supõe-se - acometido a Maomé. Casa-se com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Morais, versada no idioma e que exerceu significativa influência em sua vida e obra. Quatro anos mais velha do que ele, faleceu Carolina em 1904, após 35 anos de exemplar vida conjugal.

No momento do desaparecimento da esposa, Machado lhe dedica o seguinte soneto:

À Carolina

Querida, ao pé do leito derradeiro

Em que descansas dessa longa vida,

Aqui venho e virei, pobre querida,

Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro

Que, a despeito de toda a humana lida,

Fez a nossa existência apetecida

E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores - restos arrancados

Da terra que nos viu passar unidos

E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos mal feridos

Pensamentos de vida formulados,

São pensamentos idos e vividos”.

Sr. Presidente, cabe por oportuno, recordar o interesse tão estreito de Machado de Assis com a política e, especialmente, com esta Casa.

Em O Velho Senado, obra que está sendo reeditada pelo Senado Federal, retratou com argúcia e verve as sessões deste Colegiado no Segundo Reinado.

Como ele conta na crônica “O Velho Senado”, fora no longínquo ano de 1860 que entrara “para a imprensa”. Ainda moço, Quintino Bocaiúva o convidou para integrar a redação do Diário do Rio de Janeiro, que reapareceria sob a direção de Saldanha Marinho.

Sobre Sinimbu e Ouro Preto, dois dos maiores estadistas do Segundo Reinado, Machado escreveu que presenciou quando ambos, saindo da Câmara dos Deputados para a Secretaria de Agricultura, “eram seguidos por enorme multidão de gente em assuada”. E narra:

O carro em frente à Secretaria; os dois apearam-se e pararam alguns instantes, voltados para a multidão, que continuava a bradar e apupar, e então vi bem a diferença dos dois temperamentos. Ouro Preto fitava-a, com a cabeça erguida e certo gesto de repto; Sinimbu parecia apenas mostrar ao colega um trecho do muro, indiferente.

Curioso é, igualmente, ao falar Machado sobre o Marquês de Itanhaém, o mais velho dos Parlamentares:

A idade deste fazia-o menos assíduo, mas ainda assim era-o mais do que cabia esperar dele. Mal se podia apear do carro e subir as escadas, arrastava os pés até a cadeira. [E conclui:] A figura de Itanhaém era uma razão visível contra a vitaliciedade do Senado, mas é também certo que a vitaliciedade dava àquela casa uma consciência de duração perpétua, que parecia ler-se no rosto e no trato de seus membros.

Eleitos por toda vida, poder-se-ia argüir que os Senadores, no Império, deixavam de representar seus eleitores, pelo tempo decorrido, pela falta de consultas mais freqüentes ao corpo votante. Observou, contudo, Beatriz Westin Leite, no seu livro sobre o tema, que o Senado, “pela alteração amiudada de seus quadros, a depender do desaparecimento de seus integrantes, conservava sempre vozes da oposição”.

Machado, em abril de 1877, mostra-se favorável - um dos pioneiros, podemos dizer - à concessão do voto às mulheres. Disse ele: “Venha, venha o voto feminino; eu o desejo, não somente porque é idéia de publicistas notáveis, mas porque é um elemento estético nas eleições, onde não há estética”.

Ainda em abril daquele ano, propõe uma reforma eleitoral, protegendo as minorias:

(...) a eleição de duas Câmaras, uma de um partido, outra de outro. Cada uma dessas Câmaras escolhia um Ministério. O Ministério da Câmara A era o Poder Executivo da Câmara B; o da Câmara B era o da Câmara A. Está claro que ambos os Ministérios tinham oposição nas Câmaras onde tivessem de prestar contas; mas a oposição seria moderada, e os votos seriam certos, porque as duas Câmaras assegurariam assim a vida dos seus próprios Ministros”. E encerra dizendo que era uma “idéia para os Benjamins Constants do outro séculos.

Além de comentários sobre esta Casa, contidos no livro a que já me referi, “O Velho Senado”, Machado publicou inúmeras crônicas sobre a vida cultural, social e econômica do País.

E, em maio de 1896, ele recordava ainda a grande lei de 1881:

Um dia apareceu a Lei Saraiva, destinada a fazer eleições sinceras e sossegadas. Elas passavam a ser de um só grau. Oh! Ainda agora não me esqueceram os discursos que eu ouvi, nem os artigos que li esses tempos atrás, pedindo a eleição direta! A eleição direta era salvação pública. Muitos explicavam: direta e censitária. Eu, pobre rapaz sem experiência, piscava embasbacado quando ouvia dizer que todo o mal das eleições estava no método; mas, não tendo outra escola, acreditava que sim, e esperava a lei.

O grande retratista do Império, S.A Sisson, reproduziu, no que chamou “Galeria dos Brasileiros Ilustres”, a efígie de vultos do Império, entre eles Senadores como os Marqueses do Paraná, de Olinda, de Baependi, os Viscondes de Abaeté, de Itaboraí, e tantos outros.

Naquele mesmo ano, reabertas as Câmaras, Machado faria reportagens sobre atividades do Senado, levando para o jornal a síntese dos debates, vendo de perto os grandes líderes do Império, realçando-lhes os méritos, criticando-lhes os desacertos, descrevendo-lhes o íntimo, compondo-lhes as imagens, com a minúcia e a sutileza do seu estilo.

O estilo, já se disse, é o talento do escritor. É a forma de expressar suas idéias.

O texto machadiano, Senhoras e Senhores, caracteriza-se por uma tessitura estilística incomum. Há uma leveza sintética na sua frase, segundo o crítico Cristóvão Tezza (Estado de S. Paulo, de 26.10.2008). Ademais, exibe uma extraordinária concisão. E, sobre esse assunto, na crônica intitulada Balas de Estalo, Machado nos ensina: “Os adjetivos passam, e os substantivos ficam.

Sr. Presidente, “Vivendo numa época de literatíce” - anota Lúcia Miguel Pereira, autora da primeira e, talvez, mais significativa biografia de Machado de Assis, editada logo após a celebração do centenário de seu nascimento, observa: “onde o culto já não da forma, mas do vocábulo excessivo, imperava, soberanamente, teve a suprema graça da exatidão, e rara elegância em ser conciso. Com uma sábia economia de palavras, soube pôr em evidência as idéias”. (Machado de Assis [Estudo Crítico e Biografia], Companhia Editora Nacional, Coleção “Brasiliana”, 2ª edição, vol. 73, São Paulo, 1939, 342 p).

Machado pôde nos transmitir, em palavras, o retrato vivo e o perfil psicológico dos que, no Senado do Império, compuseram a elite política da época. E, com a “graça dançarina” do seu estilo, como uma vez apontaria Gustavo Corção, deixou-nos, também na crônica, páginas imperecíveis sobre o Senado, agora eletivo e Casa da Federação.

Sr. Presidente, Otto Maria Carpeaux, na sua estupenda História da Literatura Ocidental, considera “Machado de Assis o maior escritor da literatura brasileira” e acrescenta:

O caso enigmático, um mulato de origens proletárias, autodidata, torna-se o escritor mais requisitado da sua literatura, espírito cheio de ‘arrière pensées’ [...]; leituras de Schopenhauer fortaleceram-lhe a visão negra e quase demoníaca dos homens e das coisas; mas sempre sabia exprimir-se com a urbanidade reservada e irônica de um ‘homme de lettres’ do século XVIII.

Sem pretender ignorar a contribuição de tantos quantos, no campo da literatura, precederam ao “Bruxo do Cosme Velho”, não hesitaria em considerar a obra machadiana como manifestação da maturidade literária do País, “tesouro do qual se tira sempre coisas novas e velhas”, para usar a expressão do evangelista Mateus. Lidas e relidas, as palavras de Machado continuam a suscitar interesse, provocar debates e despertar novas vocações de escritores na semântica dos novos tempos.

Minhas senhoras e meus senhores, Machado de Assis era um polígrafo, como se constata pela universalidade de sua obra, que abrange praticamente todos os gêneros literários - conto, poesia, romance, novela, crônica, dramaturgia, crítica literária e teatral, e intensa, frise-se, atividade epistolar. Foi jornalista e folhetinista.

É de ressaltar que o jornalismo, na visão de Alceu Amoroso Lima, é considerado também gênero literário. Com relação ao folhetim, assim se refere Machado em uma de suas crônicas:

[O folhetim], “na sociedade, ocupa o lugar do colibri na esfera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo mundo lhe pertence; até mesmo a política”.

Autor de nove romances, compôs onze peças de teatro, que ele considerava “o verdadeiro meio de civilizar a sociedade e os povos”. Certo é que, com seu estímulo, o teatro alcança uma maior participação na vida cultural da Corte. Escreveu 610 crônicas e 190 contos, poesias publicadas nos livros Crisálidas (1864), Falenas (1870) e Americanas (1875), além de 75 poemas diversos.

Traduziu obras do francês e do inglês para o português, inclusive o conto “Queda que as mulheres têm para os tolos” - atribuído a Victor Hénaux -, além de trabalhos sobre estética, perfis e biografias. Graça Aranha escreveu livro - reeditado com apresentação do historiador José Murilo de Carvalho - contendo as cartas trocadas entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco, este no exterior, em missão diplomática, donde se retiram lúcidas observações sobre temas acadêmicos e questões várias.

Sr. Presidente, Senador Garibaldi Alves Filho, Machado não foi um pessimista, como tantas vezes se afirma; um cético, talvez, haja sido a muitas coisas, não, porém, com relação ao Brasil. Nele se vê a consciência nacional brotar, embora lenta, emergindo do sentimento da alma brasileira.

No conjunto da vastíssima obra de Machado de Assis, destacam-se, indiscutivelmente, os romances. Contêm o tempero da ironia, são psicologicamente densos e expressam seu pensamento, como ele revela, com a “pena da galhofa e a tinta da melancolia”. Sempre no limite entre a loucura e a razão, o escritor encontrou uma vertente literária singular, que o levou - sem sair do Rio de Janeiro - a tecer toda uma genial trama que o converteu no autor de riquíssima universalidade.

Considerados pela crítica, dentro da dicotomia classificatória, seus romances iniciais são caracterizados pelo romantismo, e os posteriores ostentam caráter realista. Aliás, Machado nunca se fixou numa escola literária.

A fase romântica compreende Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1879), Helena (1871), Iaiá Garcia (1878). Eles expressam um cariz fundamentado na vivência e escolhas amorosas de seus personagens, que batizam o caminho de damas adoradas e de seus adoradores. A doçura, não raro estóica do romantismo, não se faz distante em vários momentos de frio sentir do realismo nessa fase da obra machadiana.

Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1892), Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), seu último livro, ao lado da coletânea dos contos Papéis Avulsos (1882) e Relíquias da Casa Velha (1906), integram o conjunto de romances de viés realista de Machado de Assis e o consagram definitivamente.

No prólogo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, confessa Machado: “Há na alma desse livro, por mais risonho que pareça, um sentimento amargo e áspero”.

O livro é escrito por um defunto, Brás Cubas, e se inicia de maneira surpreendente: “Ao verme que primeiro roeu as carnes frias do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”.

No último capítulo do livro, intitulado “Das Negativas”, diz Brás Cubas - o defunto:

Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto”.

E encerra:

Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: - Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.

Machado, conquanto freqüentasse os melhores salões da sede do Império e, depois, Capital da República, debica dos valores e do modo de ser da vida burguesa. A hipocrisia, o egoísmo, a mentira, a vaidade, o interesse acima da amizade, a falta de esperança são assuntos, entre outros, presentes à sua fértil imaginação. A ambigüidade, ao lado da ironia, talento e arte, mostram o seu enorme poder criador. Enfim, Machado sabia que “a vida não é um jogo de xadrez”, que enseja ao leitor caminhar junto com ele no fantástico universo de sua obra.

Em Esaú e Jacó, Machado nos oferece um bem tecido enredo, característica dos seus romances, e define o que significa ser oposição:

Advertiu que o homem, uma vez criado, desobedeceu logo ao Criador, que aliás lhe dera um paraíso para viver; mas [dispara Machado] não há paraíso que valha o gosto da oposição.

Pela boca de Quincas Borba sentencia Machado:

Em política, a primeira coisa que se perde é a liberdade”.

E acrescenta:

Isto de política pode ser comparado à paixão do nosso Senhor Jesus Cristo; não falta nada, nem o discípulo que nega, nem o discípulo que vende. Coroa de espinhos, bofetadas, madeiro e afinal morre-se na cruz das idéias, pregado pelos cravos da inveja, da calúnia e da ingratidão.

Conquanto Machado tivesse “tédio à controvérsia”, como revelara, ao contrário do que muitos afirmam, sempre demonstrou interesse pelas grandes questões nacionais e expendia, com freqüência, sua opinião.

Na crônica “A Semana”, de 11 de novembro de 1897, confessou: “Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto.” Para arrematar: “A vantagem dos míopes é enxergar onde as grandes vistas não pegam.”

Se não chegou a se engajar nas porfias eleitorais, Machado jamais deixou de externar seu pensamento e pronunciar-se a respeito de assuntos da sociedade brasileira. Foi abolicionista - admirava o semi-parlamentarismo que se praticara durante o Império, sobretudo no Segundo Reinado. Não foi, portanto, republicano, mas recebeu a República com naturalidade.

Daniel Piza, em seu apreciado livro Machado de Assis, um gênio brasileiro, salienta a visão de Machado sobre dois “Brasis”: “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial é caricato e burlesco. A sátira de Swift nas suas engenhosas viagens cabe-nos perfeitamente. No que respeita à política, nada temos a invejar o reino de Lilipute.”

Sr. Presidente: “Esse homem ameno não se curvava nem ao peso do trabalho, nem à coragem das atitudes, embora sem espalhafatos”, diz Francisco de Assis Barbosa no seu livro Machado de Assis em Miniatura - um perfil biográfico.

Registre-se sua posição como Diretor do Ministério da Agricultura interpretando a Lei do Ventre Livre, de 1871, ao manifestar que “desde o direito e facilidades de alforria até a disposição máxima, sua alma e fundamento, a Lei de 28 de setembro quis, primeiro que tudo, proclamar, promover e resguardar o interesse da liberdade.” Daí a sua posição favorável à lei então aprovada.

Continuo citando Francisco de Assis Barbosa:

Estava [Machado] sinceramente convencido da supremacia do parlamentarismo, que vinha sendo aplicado no Brasil desde a Maioridade. Não acreditava na experiência presidencialista, à americana, de que Rui Barbosa se fizera paladino. [...] 

Antioportunista, Machado poderia repetir em 1889 o que dissera em 1873: A influência popular tem um limite; e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce uma grande influência a este respeito depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão”.

Ilustres convidados, senhoras e senhores, caro Presidente Garibaldi Alves, Machado era, também, metabolicamente dotado de forte sentimento de brasilidade. Em ensaio escrito em 1873, ele anota:

Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com ascores do país, e não há negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro. As tradições de Gonçalves Dias, Porto Alegre e Magalhães são assim continuadas pela geração já feita e pela que ainda agora madruga, como aqueles continuaram as de José Basílio da Gama e Santa Rita Durão. Escusado é dizer a vantagem deste universal acordo. Interrogando a vida brasileira e a natureza americana, prosadores e poetas acharão ali farto manancial de inspiração e irão dando fisionomia própria ao pensamento nacional.

E complementa Machado de Assis:

Esta outra independência (e ele se refere à independência literária) não tem Sete de Setembro nem campo de Ipiranga; não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão para ela até perfazê-la de todo.

Sente-se aquele instinto até nas manifestações da opinião, aliás mal formada ainda, restrita em extremo, pouco solícita, e ainda menos apaixonada nestas questões de poesia e literatura.[...] A juventude literária, sobretudo, faz deste ponto uma questão de legítimo amor-próprio. Nem toda ela terá meditado os poemas de Uruguai e Caramuru com aquela atenção que tais obras estão pedindo; mas os nomes de Basílio da Gama e Durão são citados e amados, como precursores da poesia brasileira.

A razão é que eles buscaram em roda de si os elementos de uma poesia nova, e deram s primeiros traços de nossa fisionomia literária [...]

Reconhecido o instinto de nacionalidade que se manifesta nas obras destes últimos tempos, conviria examinar se possuímos todas as condições e motivos históricos de uma nacionalidade literária, esta investigação (ponto de divergência entre literatos), além de superior às minhas forças, daria em resultado levar-me longe dos limites deste escrito. Meu principal objeto é atestar o fato atual; ora, o fato é o instinto de que falei, o geral desejo de criar uma literatura independente. [...]

Viva imaginação, delicadeza e força de sentimentos, graças de estilo, dotes de observação e análise, ausência às vezes de reflexão e pausa, língua nem sempre pura, nem sempre copiosa, muita cor local, eis aqui por alto os defeitos e as excelências da atual literatura brasileira, que há dado bastante e tem certíssimo futuro”.

Afrânio Coutinho, na Enciclopédia de Literatura Brasileira, a respeito do trabalho de Machado de Assis, a que me refiro, o Instinto de Nacionalidade, comenta:

Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos é um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A esse respeito a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade.

A propósito, Afrânio Coutinho cita opinião de Barreto Filho:

essa língua nada tem de puramente erudita, mas é uma utilização lógica e cultural da contribuição do povo, conforme a dosagem que ele prescreveu [...], português novo, esperto e flexível como o espírito carioca.

Sr. Presidente, Srs. membros da Mesa, Machado de Assis, a partir de 1904, alquebrado pela perda da esposa, companheira de 35 anos, e os achaques que se agravam, falece aos 69 anos, nas primeiras horas do dia 29 de setembro de 1908. “Quando se padece tão e longamente, a morte é liberdade”, observava Machado, em crônica “A Semana”, do citado ano.

Morto o “Bruxo do Cosme Velho”, sua casa, “como é de má praxe no Brasil, [...] seria derrubada mais tarde”, observa Daniel Piza, já referido anteriormente.

Um ano depois [...] foi colocado uma placa no hoje Museu Histórico Nacional. [...] Mas Nabuco queria mais. [...] Na cerimônia de descerramento, coube ao poeta e acadêmico Olavo Bilac fazer o discurso. Depois de descrever a moderação do comportamento do escritor, abnegado e solitário, [...] Bilac registrou: [...]’Neste quieto recanto da cidade, longe de ‘agitações e lutas’, fugindo à curiosidade pública, ao louvor da multidão, à popularidade fácil e à sedução brilhante mas estéril da política, dividiu ele o melhor da sua existência, vinte e quatro anos da sua maturidade fecunda, entre o gozo recatado da sua felicidade doméstica e o gozo igualmente discreto da sua arte. [...] Aqui experimentou ele, com a satisfação de ser amado e com as agruras dos padecimentos físicos, o prazer de tratar o idioma que prezava tanto.

Senhoras e senhores, no dia 30 de setembro, na câmara ardente do escritor, no prédio do silogeu, então sede da ABL,

Rui Barbosa dá a Machado de Assis o adeus da Academia Brasileira de Letras:

Nunca ergui a voz sobre um túmulo, parecendo-me sempre que o silêncio era a linguagem de nos entendermos com o mistério dos mortos.

A seguir Rui acrescenta, referindo-se a Machado:

Modelo foi de pureza e correção, temperança e doçura; na família, que a unidade e devoção do seu amor converteu em santuário; na carreira pública, onde se extremou pela fidelidade e pela honra; no sentimento da língua pátria, em que prosava como Luís de Sousa, e cantava como Luís Camões; na convivência dos seus colegas, dos seus amigos, em que nunca deslizou da modéstia, do recato, da tolerância, da gentileza. Era sua alma um vaso da amenidade e melancolia. [...] Contudo, o mesmo cálice da morte, carregado de amargura, lhe não alterou a brandura da têmpera e a serenidade da atitude.

Conclui Rui Barbosa:

Mestre e companheiro, disse eu que nos íamos despedir. Mas disse mal. A morte não extingue: transforma; não aniquila: renova; não divorcia: aproxima.

Encerro, portanto, parafraseando Rui Barbosa:

O seu desaparecimento nos mantém próximos. Cultuar-lhe a memória é dizer que sua morte não nos separa, antes nos conserva unidos pelo denso testemunho da vida e da obra que nos legou.

Muito obrigado. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2008 - Página 47627