Discurso durante a 232ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem a todos os operadores do Direito, no transcurso hoje, do Dia da Justiça. Análise do editorial do jornal Folha de S.Paulo, de autoria do jornalista Jânio de Freitas, intitulado "O país escondido". Críticas à produção de bombas de fragmentação pelo Brasil e à atual diplomacia brasileira, relativa à comercialização de armas com o exterior.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDUSTRIAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Homenagem a todos os operadores do Direito, no transcurso hoje, do Dia da Justiça. Análise do editorial do jornal Folha de S.Paulo, de autoria do jornalista Jânio de Freitas, intitulado "O país escondido". Críticas à produção de bombas de fragmentação pelo Brasil e à atual diplomacia brasileira, relativa à comercialização de armas com o exterior.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/2008 - Página 50417
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDUSTRIAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • HOMENAGEM, MAGISTRADO, ADVOGADO, REPRESENTANTE, MINISTERIO PUBLICO, DIA NACIONAL, JUSTIÇA, IMPORTANCIA, TRABALHO, MANUTENÇÃO, ORDEM PUBLICA.
  • LEITURA, EDITORIAL, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, ATIVIDADE, INDUSTRIA DE MATERIAL BELICO, BRASIL, FABRICAÇÃO, BOMBA, LIBERAÇÃO, EXPLOSIVOS, AMPLIAÇÃO, NUMERO, VITIMA, CRITICA, RECUSA, ITAMARATI (MRE), ASSINATURA, TRATADO, COMBATE, ARMAMENTO, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ISRAEL, RUSSIA, QUESTIONAMENTO, GOVERNO BRASILEIRO, AUSENCIA, DIVULGAÇÃO, PRODUÇÃO, MATERIAL BELICO, CONDUTA, MUTILAÇÃO, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, PAQUISTÃO, INCOERENCIA, PROJETO, ENTRADA, CONSELHO DE SEGURANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • DEFESA, MELHORIA, FORÇAS ARMADAS, UTILIZAÇÃO, MATERIAL BELICO, PROTEÇÃO, VIGILANCIA, TERRITORIO NACIONAL.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA EXTERNA, ITAMARATI (MRE), RESGATE, TRADIÇÃO, DIPLOMACIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, antes de abordar o assunto que proponho ao subir a esta tribuna, gostaria de homenagear todos os operadores do Direito porque hoje comemora-se o Dia da Justiça, e a Justiça tem com o Direito aquela relação umbilical que faz dos operadores o instrumento indispensável, seja atuando como magistrados, como representantes do Ministério Público, como advogados, enfim, todos eles fazem com que a Justiça seja semeada, seja aplicada em todos os campos da vida humana. Portanto, nossas homenagens à Justiça e aos operadores do Direito.

O que me traz a esta tribuna nesta tarde, Sr. Presidente, é a leitura que fiz de um editorial publicado na Folha de S.Paulo de ontem, da lavra do jornalista, do grande articulista Jânio de Freitas, e que me deixou estarrecido com o tema que abordou.

O título da matéria: “O país escondido”. Nesta matéria, ele focaliza dois assuntos extremamente preocupantes. O primeiro deles é o de que o Brasil é fabricante de bombas de fragmentação; o segundo, o de que o nosso País recusou a companhia daqueles que querem banir a fabricação, o uso e a comercialização desses artefatos.

É bem verdade que, entre esses dois fatos, não existe nenhuma incoerência. Se o Brasil fabrica esse tipo de explosivo, não poderia mesmo participar de um grupo que quer bani-lo. No entanto, preciso admitir que me causa espanto o comentário, até porque eu não sabia que produzíamos e vendíamos esse tipo de armamento. E acredito que a maioria dos Srs. Senadores que compõe esta Casa comunga com esta minha santa ignorância. Se assim não fora, o Senado estaria discutindo este assunto e fustigando mudança de atitude. Gostaria, portanto, Sr. Presidente, de iniciar este debate com análise do oportuno editorial.

A matéria, como já disse, está na Folha de S.Paulo de ontem, 7 de dezembro, no “Caderno Brasil”.

         Eis o título: “O país escondido”, que já tem no subtítulo a síntese de tudo que ele aborda: “Na recusa ao banimento de bombas de fragmentação, o Brasil alinhou-se a Estados Unidos, Israel e Rússia”.

Eis a matéria, Sr. Presidente:

A recusa do governo Lula a juntar o Brasil aos 92 países do tratado contra a fabricação, uso e venda de bombas de fragmentação - armas terríveis contra as populações civis - aponta em várias direções inquietantes.

A primeira delas [prossegue o articulista], não pela ordem de importância, mas por suas implicações novas em nossa história republicana, é a submissão da política externa à safra de projetos militares da chamada Secretaria de Quase Tudo, na qual o Ministro Mangabeira Unger produz (também) as orientações adotadas pelo Ministério da Defesa, Nelson Jobim.

No mesmo dia três, quarta-feira passada, da recusa ao tratado formalizada pela diplomacia brasileira, a venda de cem mísseis ao Paquistão ocorria sob o recuo do Ministério das Relações Exteriores às suas restrições, provenientes do sentido anti-Índia do negócio.

No mesmo dia, uma posição confirmou a outra, e ambas renegaram a velha tradição do Itamaraty.

As bombas de fragmentação, como o nome indica, desmancham-se em numerosos artefatos que se espalham por vasta área, cada um deles capaz de explodir logo ou de aguardar no solo que, em dia incerto, alguém pise ou apanhe e assim o faça explodir.Não se trata, então, por mais que os interessados afirmem, de armas de defesa. Os estudos sobre os efeitos do emprego dessa bomba pelos Estados Unidos e por Israel, no Oriente conflagrado, atestam-na como armamento de ataque. Do contrário, as vítimas fatais e de mutilação não seriam populações civis, urbanas e rurais.

Eis aí o tipo de armamento que o Brasil está produzindo, em pelo menos três indústrias bélicas, e vendendo sem limitações. Nem se pense em limitações morais e humanitárias, basta pensar nas de política externa, definidas por quem deveria formulá-la e aplicá-la.

Tudo isso, e muito mais e muito pior, passa-se às escuras, sem conhecimento da população, sem conhecimento do Senado e da Câmara, sem conhecimento do sentido presente na Constituição para a identidade do Brasil entre os países. O Brasil escondido, que alimenta a barbárie e serve à morte, justificaria, e no entanto não precisa temer, uma cruzada de Ministério Público, meios de comunicação, universidade, intelectuais e artistas, para trazê-lo à luz dos dias.

E confrontá-lo, para confirmação ou recusa, com o tipo de país que se pretende ter.

Na recusa ao banimento das bombas de fragmentação, que teriam feito o gozo dos exércitos nazistas, o Brasil alinhou-se a Estados Unidos, Israel, Rússia e aos, outra vez, atritados Índia e Paquistão.

Eis o editorial do jornalista grande articulista, Jânio de Freitas.

O editorial que acabo de ler, Sr. Presidente, traz elementos que precisam de fato ser avaliados pelo Congresso.

         Para começar, não podemos ter a ingenuidade de que o pacifismo do Brasil justificaria prescindir de armamentos e organizações militares. Qualquer país do planeta requer a existência de Forças Armadas capazes e material bélico compatível. O Brasil não é diferente. Tem um vasto território, sofre muita cobiça e tem fronteiras vulneráveis, que precisam de redobrada vigilância.

Não há dúvida, portanto, quanto à necessidade de um aparato militar que tenha material bélico disponível e as condições de fabricá-los em nosso País.

Todavia, as demandas militares e os apetites comerciais não podem justificar exacerbada liberalidade na produção e na transação de armamentos. Tolerar a fabricação de bombas de fragmentação é alimentar um dos mais covardes ataques a seres humanos.

Quem não se lembra das cicatrizes deixadas por numerosas guerras civis na África, como a de Angola, a da Somália? Quem não se lembra do último confronto entre Israel e Líbano, quando alguns brasileiros foram vítimas desse tipo de armamento? E isso foi largamente noticiado pela imprensa brasileira. Quantas crianças não foram mutiladas depois de pisar em uma bomba dessas enterrada no chão? Quantos adolescentes e velhos indefesos perderam as pernas, os braços ou a visão, exatamente no momento em que se livravam da linha de tiro?

A esmagadora maioria dessas vítimas aproveitavam eventuais deslocamentos dos guerrilheiros para fugir. Escapavam daquele momento de ausência das Forças Militares, mas não se livravam das bombas enterradas no chão.

Uma arma na frente é perigosa, mas depende de alguém para ser detonada. Uma bomba enterrada, não! Basta a vítima pisar no explosivo (invisível). E se o explosivo tem capacidade de fragmentação multiplica assustadoramente o número de suas vítimas. Um só artefato mata ou mutila agrupamentos inteiros de pessoas de uma só vez em diferentes pontos, em diferentes momentos.

Agora, imagine tais bombas de fragmentação, Sr. Presidente, nas mãos de traficantes, traficantes que promovem verdadeira guerrilha urbana em nosso País; nas mãos de delinqüentes que enfrentam a Polícia, que roubam delegacias e quartéis policiais e até mesmo quartéis do Exército brasileiro; de meliantes que perderam o respeito pela vida humana.

Não quero acreditar que a produção e a comercialização de tais artefatos resultem de um projeto de política externa de viés belicoso. Aliás, o Brasil é signatário de todos os acordos humanitários e segue uma posição principista nesta matéria. Prefiro crer que é fruto de negligência ou desídia de quem tem a responsabilidade de fiscalizar o setor de armamentos.

Assiste razão, Sr. Presidente, ao jornalista Jânio de Freitas quando aponta a falta de oitivas do Senado e da Câmara sobre a política de armamento de países em vias de beligerância. De fato, é um erro alimentar a guerra em qualquer parte do mundo.

O erro é maior quando o Brasil supre o arsenal bélico de um país amigo, como o Paquistão, sabendo que ele vive às turras com sua vizinha Índia, que cultiva antiga parceria com o Brasil na comunidade internacional. A venda de mísseis ao Paquistão parece ser um negócio ainda mais delicado do que a venda de bombas de fragmentação. É uma venda, afinal, que vinha sendo negociada há mais tempo? Eis a indagação que esta Casa precisa fazer.

Isso precisa, de fato, de uma resposta de nossa diplomacia, para se entendam algumas coisas a mais.

Um país, como o Brasil, que pleiteia uma posição no Conselho de Segurança da ONU precisa ter uma política de segurança consistente. Pelo texto do articulista, o profissionalismo do Itamaraty estaria se rendendo às influências de outras áreas do Governo. Se verídica essa avaliação, estaríamos praticando uma diplomacia de governo, de vida efêmera e também de duvidosa consistência. Nesta circunstância, é preciso resgatar a diplomacia de Estado, uma diplomacia alicerçada em princípios que ultrapassam governos e nos fazem coerentes, previsíveis e respeitados em toda a comunidade internacional.

Para finalizar, Sr. Presidente, quero concitar esta Casa a ouvir as autoridades responsáveis, bem como tomar iniciativas capazes de promover a correção de rota da diplomacia brasileira e da produção, da comercialização de armas do Brasil com o exterior e, também, dos cuidados que se deve ter no controle da produção e da distribuição de armas.

Era esta a nossa fala desta tarde, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/2008 - Página 50417