Discurso durante a 232ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Definição do que seria, para S.Exa., o primeiro Presidente do Século XXI nos Estados Unidos, esperando que Barack Obama corresponda a essa expectativa.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Definição do que seria, para S.Exa., o primeiro Presidente do Século XXI nos Estados Unidos, esperando que Barack Obama corresponda a essa expectativa.
Aparteantes
João Pedro.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/2008 - Página 50431
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AMPLIAÇÃO, DIALOGO, IMPORTANCIA, ECOLOGIA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, ASSINATURA, TRATADO, REDUÇÃO, GAS CARBONICO, ACEITAÇÃO, RECIPROCIDADE.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA EXTERNA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ACEITAÇÃO, JULGAMENTO, JUSTIÇA ESTRANGEIRA, CRIME, AMBITO INTERNACIONAL, CUMPRIMENTO, DIRETRIZ, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, MUNDO, NECESSIDADE, AUXILIO, GOVERNO ESTRANGEIRO, SUPERIORIDADE, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, ESPECIFICAÇÃO, CONTINENTE, AFRICA, ASIA.
  • EXPECTATIVA, EFICACIA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), REORGANIZAÇÃO, ECONOMIA, EXTINÇÃO, PENITENCIARIA, BLOQUEIO, GOVERNO ESTRANGEIRO, CUBA, CONCLUSÃO, GUERRA, ORIENTE MEDIO, NECESSIDADE, RESPEITO, DIVERSIDADE, MUNDO.
  • DEFESA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CRIAÇÃO, PLANO, AUXILIO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, REDUÇÃO, POBREZA, MUNDO, SEMELHANÇA, PLANO GLOBAL, RECONSTRUÇÃO, PAIS, DESTRUIÇÃO, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senador Paim foi o primeiro Senador nesta Casa que falou do novo Presidente dos Estados Unidos. Devo confessar, Senador Paim, que acompanho com muito cuidado o que acontece com aquele País, até porque morei lá quatro anos. Fui alertado, por algumas pessoas, de que surgia um novo nome, o do Senador Barack Obama, e não dei a devida importância, como o senhor deu naquele momento.

Por isso, falo aqui hoje do Presidente Obama, de certa maneira indo atrás do que o senhor falou, mas de uma maneira diferente. Até aqui o que todos falam é que os Estados Unidos vão ter, graças ao Senador Obama, o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos. Presidente negro graças à sua herança genética e à sua competência pessoal. Mas eu não quero falar dele como o primeiro Presidente negro, quero falar do desejo de todos nós de termos nele, Senador João Pedro, o primeiro Presidente do século XXI nos Estados Unidos. E vou definir o que, para mim, seria um Presidente do século XXI. O Presidente Bush é não apenas a continuação do século XX, mas até mesmo um retrocesso de um avanço que ocorreu com alguns presidentes do diálogo, Presidentes que foram ao ponto de forçarem a redemocratização, como foi o caso do Presidente Carter. Um Presidente como o próximo Nixon, um homem conservador, que chegou a fazer grandes acordos com a União Soviética, com a China, que levaram a um afrouxamento do risco de hecatombes nucleares. Bush é um Presidente do século XX, um Presidente do passado, um Presidente da arrogância e do exclusivismo norte-americano, da indústria como motor fundamental do progresso, independente das conseqüências climáticas.

O que eu gostaria de lembrar aqui é como seria um presidente norte-americano do século XXI, que talvez venha ser o Presidente Obama, senão ele será o primeiro presidente negro, mas mais um presidente do passado. A primeira coisa é a idéia de trazer a dimensão ecológica para o projeto civilizatório. Isso significa assinar o Acordo de Kyoto, que até os Estados Unidos não assinaram; significa definir regras concretas sobre o uso dos combustíveis fósseis para evitar o aquecimento global. E veja que quando falo em século XXI, não estou falando esquerda e direita, porque talvez o mais conservador dos políticos norte-americanos hoje é o mais progressista do ponto de vista ecológico, é o Governador da Califórnia, Schwarzenegger, é o mais avançado do ponto de vista de medidas para proteger o meio ambiente. 

Eu desejo muito como cidadão do mundo, e lembro que uma vez aqui na TV Senado me perguntaram qual seria o melhor para o Brasil, dos dois candidatos a Presidente, e eu disse: para o Brasil serão iguais, agora, para a humanidade, será melhor o Obama, logo, como o Brasil é parte da humanidade, ele será melhor para nós. Mas, do ponto de vista comercial, das relações entre países, vão ser iguais porque eles defendem o seu país.

Pois bem, Senador João Pedro, creio que o primeiro ponto que gostaria de ver num Presidente para dizer que é o primeiro Presidente do século XXI dos Estados Unidos é a preocupação, o cuidado com o planeta inteiro, do ponto de vista ecológico. Isso ainda falta ver se vamos ter ou não no Presidente Obama um presidente sintonizado com as necessidades do século XXI.

O segundo é o respeito a instituições internacionais que os Estados Unidos se negam a ter ao não aceitarem que a Corte de Haia possa julgar os cidadãos norte-americanos por crimes cometidos no exterior. Soldados norte-americanos não se submetem à Corte de Haia. Vejam que a Corte de Haia hoje está punindo ditadores que cometeram genocídios em alguns países do mundo, mas, se esses ditadores fossem norte-americanos, os Estados Unidos não aceitariam o julgamento pela Corte de Haia.

Espero que, com um Presidente sintonizado com o século XXI, em que começamos a definir certos valores internacionais, os Estados Unidos passem a aceitar que o julgamento daqueles que não cumprirem os valores universais sejam punidos por uma Corte internacional, Senador Mozarildo. Esse seria um gesto de um Presidente norte-americano do século XXI.

O terceiro ponto é aceitar, radicalizar e apoiar o cumprimento das Metas do Milênio aprovadas pelas Nações Unidas. Até aqui, embora os Estados Unidos participem da definição das Metas do Milênio, o faz de forma não substancial, não de acordo com a sua importância no mundo inteiro. É preciso que as Metas do Milênio passem a ser um objetivo nítido, claro, concreto de todos os países, mas também do país que é o mais rico do Planeta, pelo menos nessa fase da História. Isso não quer dizer que será por muito mais tempo e não o foi no passado recente.

O primeiro Presidente americano do século XXI, se vier a ser o Presidente Obama, ele vai ter, Senador Mão Santa, de levar em conta que o mundo não pode continuar com a desigualdade crescente que vê, com o abandono sistemático dos pobres do mundo inteiro, especialmente onde estão mais concentrados, na Ásia e na África.

Eu gostaria de ver um primeiro Presidente norte-americano do século XXI, comprometido com a luta para enfrentar o cumprimento das metas do milênio: erradicação do analfabetismo, escolarização das crianças do mundo inteiro, redução da mortalidade infantil, aumento da esperança de vida no mundo inteiro e em todas as classes, porque por aí todo mundo comemora o aumento da esperança média de vida. Mas essa esperança média é feita assim: as pessoas não sabem, talvez, mas a esperança de vida do dono do escravo era a mesma do escravo. Hoje, a esperança de vida das camadas médias e altas da sociedade é muito maior do que das camadas pobres, Senador Mão Santa, graças aos milagres que o senhor, como médico, sua classe, criou no mundo, mas dividindo a sociedade e as pessoas.

Eu espero que um Presidente nos Estados Unidos, esse primeiro Presidente do século XXI, se for o Presidente Obama - ainda não está claro se será ele ou se teremos de esperar pelo próximo, - que ele leve em conta que as metas do milênio são um compromisso também dos Estados Unidos.

Eu passo a palavra ao Senador João Pedro para um aparte, antes de continuar relatando o que eu vejo como um retrato de um Presidente que, além de ser o primeiro Presidente negro, como já o é, seja também o primeiro Presidente norte-americano no século XXI, porque o Clinton, que pegou um ano do século XXI e o Bush, que pegou oito anos, não foram Presidentes do século XXI, foram Presidentes do passado, da arrogância norte-americana, foram Presidentes do isolamento em relação às necessidades e aos interesses do mundo inteiro.

Ouço o Senador João Pedro.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senador Cristovam, quero concordar com a análise que V. Exª está fazendo, por conta dessa esperança mundial do ponto de vista de o Presidente eleito Barack Obama mudar não o rumo mas a história da relação dos Estados Unidos com o mundo. Eu quero colocar, assim de forma muito pontual, cinco medidas que o Presidente Barack Obama vai ter de tomar, sob pena de ele ser o mesmo presidente.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Mudando apenas a cor da cara.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Sob pena... E eu espero que, em um ano, ele possa fazê-las, porque foram temas que ele enfrentou no debate. Não concluiu, mas sinalizou. Uma: a presença dos Estados Unidos no Iraque. Ele tem de tomar uma decisão firme acerca da presença dos Estados Unidos naquele país, dessa invasão, dessa guerra absurda.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador João Pedro, ele já tomou, ele foi contra, ele...

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Não, não, ele tem de tirar o Exército...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Não, ele foi minoria...

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Está lá uma intervenção sem obedecer à soberania iraquiana. Então, ele tem de tirar o Exército, as Forças Armadas, o Exército norte-americano de lá. Ele tem de rever a postura do Bush em relação ao Tratado de Kyoto, que já está-se encerrando. Os Estados Unidos vão ter de assinar isso. E tem a relação dos Estados Unidos nesse bloqueio econômico contra Cuba, Guantánamo e a questão econômica. Sobre essa crise que começou nos Estados Unidos, em abril, o G-20 vai-se reunir e, com certeza, vai ser construída uma nova ordem, uma nova engenharia do ponto de vista de se estabelecer novos parâmetros, um novo conceito acerca da presença dos países, não só os do G-20, mas do mundo, em relação à crise econômica. Essas cinco medidas, se o Presidente Obama não tomar para valer, ele será, lamentavelmente, o mesmo Presidente que V. Exª não está querendo que seja. V. Exª está querendo que Obama seja o novo Presidente, o Presidente do século XXI.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Prorrogação.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Obrigado, Sr. Presidente. V. Exª está dizendo: “Obama, a história está com você. Seja o Presidente do século XXI”. Para mim, essas cinco medidas o Presidente terá de tomar, sob pena de se tornar o mesmo Presidente.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador João Pedro, mas creio que a parte da economia o Presidente do século XX também tomaria. Roosevelt o fez quando veio a crise de 1929. Qualquer outro faria, de uma maneira ou de outra. Quero radicalizar mais para dizer: este é um Presidente do século XXI. É mais do que recuperar o crescimento. É reorientar o crescimento para dar importância à base da pirâmide, em vez do topo da pirâmide. Ainda não tivemos também um primeiro Presidente do século XXI desse ponto de vista da reorientação da economia. Nesse sentido, sim, estou de acordo.

Quanto a sair do Iraque, acho que essa é uma circunstância que vai ter de acontecer, como outros Presidentes já saíram de outros países. Quero aquilo que realmente signifique outra visão, e outra visão não é apenas sair do Iraque, é respeitar as diferenças que há entre os países, para que não volte a haver invasão desse tipo.

O próprio fim do bloqueio a Cuba poderá ser feito. Isso, para mim, não bastará para dizer: é o primeiro Presidente do século XXI. Eu queria, além disso, um Presidente, cuja doutrina - e os presidentes americanos fazem doutrinas - fosse: nós respeitamos a diversidade como cada povo encontra o seu próprio caminho. E, se tem alguma discordância com algum valor fundamental da humanidade que não é cumprido por um ou por outro país, aí não é dos Estados Unidos o papel de intervir e bloquear, para mudar aquele povo, mas das cortes supremas, internacionais, que já existem. Se um Presidente de um país comete genocídio, há cortes no mundo para poder fazer isso. E, se realmente for preciso, inclusive, em último caso....

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - A ONU foi contra a guerra contra o Iraque.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É lógico que todo mundo é contra a guerra contra o Iraque. Isso não está em discussão.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Não, para resgatar o papel da ONU, quando V. Exª fala dos organismos internacionais.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sim, sim, mas eu vou chegar na ONU. A ONU foi contra. Mas, se, por acaso, em alguns casos extremos, algum Presidente comete genocídio, algum crime contra a Humanidade, que as instituições internacionais decidam a intervenção e não os Estados Unidos sozinhos, nem a Europa sozinha, nem o Brasil sozinho.

Eu peço ao Presidente que desconte apenas o tempo dos...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Mas eu quero fazer aqui a defesa do Obama. O Bush foi a favor; o Congresso foi a favor. O Obama, desde o início - e há vários pronunciamentos dele -, foi textualmente contra e disse tudo isso que está acontecendo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu peço apenas que desconte do meu tempo os apartes.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Eu estou trazendo a verdade histórica.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Isso. Muito bem. Então, Senador João Pedro, o que vejo como um Presidente do século XXI é a sua capacidade de definir uma doutrina contra qualquer intervenção unilateral de um país sobre outro. E sempre as intervenções têm sido dos Estados Unidos.

Os últimos dois pontos, Sr. Presidente - e peço mais tempo - é o respeito ao multilateralismo, acabar com a idéia de que há uma superpotência capaz de definir o futuro do mundo inteiro. E reconhecer que no mundo hoje há focos diferentes, pontos diferentes, níveis diferentes, poderes diferentes que devem ser respeitados.

Para concluir, creio que o que realmente, Senador Mozarildo, faria do Presidente Obama o Presidente do século XXI seria um novo Plano Marshall social para enfrentar a pobreza no mundo. O que fez de Roosevelt o grande Presidente do século XX foi a capacidade de usar as energias norte-americanas para recuperar os países europeus destruídos, para recuperar a destruição que houve no mundo inteiro. E, graças a um programa econômico de financiamentos e de investimentos, além de dinamizar a própria economia americana vendendo equipamentos, foi capaz de dinamizar as economias dos países europeus. E, em conseqüência, por meio de diversos organismos internacionais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano, com todas as suas deformações, investir e provocar o crescimento dos países chamados à época Terceiro Mundo.

Além disso, foram os Estados Unidos que conseguiram influir para que as lutas de libertação de países africanos e asiáticos tivessem êxito. Embora, no caso de alguns, como o Vietnam, os americanos tentaram impedir a libertação, em muitos outros foi uma luta do império britânico com o império norte-americano que permitiu que houvesse, sim, um movimento de libertação, apoiando o Egito a recuperar o seu canal; apoiando países da África para que se libertassem de Portugal, da França, da Bélgica. Foi, portanto, um Plano Marshall que levou à recuperação, do ponto de vista econômico, do mundo, a partir da Segunda Guerra.

Eu veria no Presidente Obama um Presidente do século XXI se víssemos nele a capacidade, a vontade política, a competência técnica de fazer um novo Plano Marshall, social, global, para o mundo inteiro. Um Plano Marshall que diminuísse a desigualdade, que colocasse as crianças na escola, que erradicasse o analfabetismo, que fizesse um grande investimento na área de saúde em países como a África. E que se pudesse dizer, daqui a alguns anos, que os Estados Unidos tiveram não apenas o primeiro Presidente negro, mas que esse Presidente negro foi o primeiro Presidente de um novo tempo que o século XXI nos oferece.

Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha a dizer, agradecendo o tempo que o senhor deu para compensar os apartes, não mais do que os 15 minutos para o meu próprio discurso.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/2008 - Página 50431