Discurso durante a 233ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Voto de pesar e repúdio pelo assassinato de dois líderes quilombolas, do Quilombo dos Alpes, no Rio Grande do Sul: Joelma da Silva Ellias e Volmir da Silva Ellias. Leitura de artigo de autoria de S.Exa., em que faz uma articulação entre o chimarrão e o combate a todo o tipo de discriminação.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.:
  • Voto de pesar e repúdio pelo assassinato de dois líderes quilombolas, do Quilombo dos Alpes, no Rio Grande do Sul: Joelma da Silva Ellias e Volmir da Silva Ellias. Leitura de artigo de autoria de S.Exa., em que faz uma articulação entre o chimarrão e o combate a todo o tipo de discriminação.
Aparteantes
João Pedro, Serys Slhessarenko.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2008 - Página 50527
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, SOLIDARIEDADE, FAMILIA, LIDER, QUILOMBOS, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), VITIMA, HOMICIDIO, COMENTARIO, CONFLITO, DEMORA, REGULAMENTAÇÃO, TITULO, TERRAS, EXPECTATIVA, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, ANUNCIO, AUDIENCIA PUBLICA, CAMARA MUNICIPAL, CAPITAL DE ESTADO, OBJETIVO, GARANTIA, SEGURANÇA, COMUNIDADE.
  • LEITURA, TEXTO, AUTORIA, ORADOR, VINCULAÇÃO, TRADIÇÃO, ERVA MATE, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), POSSIBILIDADE, INCLUSÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, SUBSTITUTIVO, DEPUTADO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, DEMOCRATAS (DEM), RESERVA, METADE, VAGA, INSTITUIÇÃO FEDERAL, ENSINO SUPERIOR, ALUNO, ORIGEM, ESCOLA PUBLICA, COMENTARIO, PESQUISA, RESULTADO, COTA, IGUALDADE, DESEMPENHO FUNCIONAL, ESTUDANTE, BENEFICIARIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Papaléo Paes, é com tristeza que registro e deixo aqui a minha solidariedade aos familiares e amigos de dois quilombolas covardemente assassinados no Rio Grande do Sul.

No dia 4 deste mês, por volta das 13 horas e 30 minutos, na comunidade remanescente de Quilombo dos Alpes, no Rio Grande do Sul, os líderes do movimento quilombola gaúcho Joelma da Silva Ellias (Jô, 36 anos), Diretora de Eventos e membro do conselho fiscal da Associação do Quilombo dos Alpes, e Volmir da Silva Ellias (Guinho, 31 anos), vice-presidente da Associação do Quilombo dos Alpes, foram assassinados.

O ataque ocorreu dentro da comunidade, sendo que Volmir e Joelma foram alvejados pelas costas, Senador Mesquita Júnior, que perguntou por que eu estava meio cabisbaixo. Eu os conhecia. Ambos eram netos da D. Edwiges, matriarca fundadora desse Quilombo.

Segundo integrantes da comunidade, o principal suspeito foi identificado, mas não foi preso, continua solto.

A Presidente da Associação dos Moradores do Quilombo, Rosângela da Silva Ellias (Janja), também foi atacada e está ferida. A comunidade está fazendo vigília, orações, naturalmente, pela sua recuperação.

A Comunidade Remanescente do Quilombo dos Alpes foi auto-conhecida e certificada pela Fundação Cultural Palmares em janeiro de 2005.

As 80 famílias quilombolas que lá estão ainda aguardam o processo de regularização desse território quilombola.

A demora do processo da regulamentação do território quilombola vem acirrando os conflitos entre aqueles que entendem que a terra é deles, os quilombolas que estão morando lá há muito tempo, e aqueles que querem invadir a terra.

Queremos ver, Sr. Presidente, o principal desejo dos que caíram na luta cumprido: a titulação do território quilombola, bem como a proteção pela Polícia Federal e o respectivo acompanhamento do inquérito policial.

Quero dizer que assim como os movimentos, amigos e familiares, estou também acompanhando passo a passo as investigações.

Na próxima quinta-feira ocorrerá uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Porto Alegre-RS, às 10 horas, com o objetivo de garantir a segurança da comunidade e ainda, naturalmente, exigir que tudo seja esclarecido.

Quero finalizar dizendo, Sr. Presidente, especialmente aos moradores do Quilombo dos Alpes, que a luta dos que caíram nessa batalha não será em vão. As pedras que aparecem no caminho, as dores, as perdas e as decepções não devem apagar a chama da liberdade, a chama da esperança que existe com certeza no coração de todos esses heróis pela causa. Ou seja, que eles tenham o direito à titularidade da terra que eles habitam há décadas e décadas.

Os sonhos de Joelma e de Volmir seguirão vivos em nossas caminhadas. A vitória será a titulação das terras dos remanescentes dos quilombos.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senador Paulo Paim, V. Exª me permite um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Pois não, Senador João Pedro.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senador Paulo Paim, peço este aparte para prestar minha solidariedade por essa perda. São perdas doloridas de lideranças de populações tradicionais. Presto minha solidariedade e elogio a sensibilidade de V. Exª em trazer ao Senado esta violência às populações tradicionais que compõem a nossa Nação. É grave a denúncia que V. Exª faz, o registro que faz. Solidarizo-me não só com o Quilombo, mas com os familiares e com o Movimento nacional que luta pelo reconhecimento dos quilombos, que luta pela demarcação dos seus territórios, o que redunda nos assassinatos e na luta pelo reconhecimento, na luta pela demarcação fundiária dos territórios dos quilombos - populações que aqui chegaram. É bom lembrar das condições de como chegaram no Brasil. Nós tínhamos a população indígena, mas os afrodescendentes formaram a primeira grande população deste País, e só agora a sociedade tem um olhar para o reconhecimento dos quilombos. E só agora, no nosso Governo, há ações mais concretas no sentido de reconhecer, de demarcar os territórios onde vivem os quilombolas. No Brasil, do sul ao norte, do Rio Grande do Sul ao Amazonas... No Amazonas, temos alguns quilombos. São poucos dessa população histórica que muito contribuiu com a formação do nosso País, da nossa Nação. Muito obrigado.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Agradeço, Senador João Pedro.

Sr. Presidente, hoje resolvi falar sobre esse tema e gostaria, então, de ler aqui um artigo que escrevi em que faço uma articulação entre o chimarrão e o combate a todo tipo de discriminação.

            Há momentos nos quais olho para o céu e observo o brilho das estrelas. Vejo a harmonia dos inúmeros pontos brilhantes com a noite escura e fico a pensar em alguns costumes típicos lá do meu Rio Grande, como o prosear tomando um bom chimarrão.

            Penso que, apesar de simples e informal, a roda de chimarrão traz grandes lições.

Aprendemos a partilhar e quebramos preconceitos. Afinal, na mesma cuia do chimarrão em que bebe o patrão bebe o peão, Senador Mesquita; na mesma cuia em que bebe o adulto bebe a criança; na mesma cuia em que bebe aquele que se diz eficiente bebe também o meu querido homem ou mulher que tenha algum tipo de deficiência. Na mesma cuia, Senador Simon, bebem os brancos, bebem os negros, os orientais, os indígenas e nessa roda saboreiam do mesmo mate.

Isso, sem dúvida, é um exemplo de que podemos conviver com as diferenças e enfrentar as desigualdades.

Precisamos levar esse exemplo também para as instituições, sejam elas públicas ou privadas, porque a diversidade nas ruas não corresponde à que encontramos nas universidades, nos mais diversos setores do mercado de trabalho, no acesso à Justiça, entre tantos. Por isto, leio hoje esse artigo.

O debate acerca das quotas nas universidades públicas já ganhou as mentes e os corações de 73 universidades públicas do nosso País, assim como 1.580 instituições particulares que adotam o Programa Universidade para Todos, o ProUni, todas com algum modelo de quota.

O PLC nº 180, de 2008, não é de autoria de nenhum Senador do PCdoB, nem do PT, nem do PDT, nem do PSDB, nem do PMDB. 

O PLC nº 180, que regulamenta as quotas no Brasil, é da nobre Deputada Nice Lobão, do DEM do Maranhão. Ele estabelece que pelo menos 50% das vagas das instituições federais de ensino superior serão reservadas para os alunos que vieram de escolas públicas.

Dentro desse percentual de vagas, haverá, sim, reserva para estudantes negros e indígenas, em conformidade com a população negra e indígena de cada Estado.

Só vou dar um exemplo: o Estado que tem 10% de negros. Ora, se tem 10% e eles terão direito a 50%, isso corresponde a 5%. Não é justo? Claro que é justo.

Também estão contemplados com, pelo menos, 25% dessas vagas, dos 50%, alunos de família cuja renda per capita seja de até um salário mínimo e meio, para atender brancos, negros, pobres...

Senadora Serys, V. Exª foi escolhida pelos movimentos sociais para ser a Relatora desta proposta, que, se depender de nós, virá direto da CCJ para o Plenário.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Sr. Presidente, permita-me que eu conclua o artigo. Esta matéria vai ser votada amanhã, na CCJ, e nós temos uma grande esperança de que o relatório da Senadora Serys seja aprovado.

Esse é um projeto que busca unificar a diversidade do Brasil, tal como fazemos em nossas campeadas pelas coxilhas do Rio Grande com o chimarrão.

Os estudantes, cotistas e não-cotistas, estão vivendo em harmonia com as universidades federais que adotaram as quotas.

As pesquisas mostram que aqueles que entraram pelo sistema de quotas tiram notas iguais e até, em muitos casos, superiores. Mas não quero usar o termo “superior” porque dá sempre a impressão de que alguém é superior a alguém. Não, tiram notas iguais àqueles que entraram pelo sistema tradicional.

Enfim, estamos caminhando para a igualdade de direitos e para a igualdade de oportunidades. Enfrentar o passado escravocrata, a quase inexistência de políticas públicas para negros e índios é, na verdade, um desperdício de talentos e a ausência de referenciais para as nossas crianças. Sei que é uma tarefa difícil, mas que deve ser iniciada.

Nos Estados Unidos, o Presidente Barack Obama disse, recentemente, que quer rever as políticas afirmativas, após 48 anos de implantação naquele País. Ora, eu tenho dito que seria muito bom que aqui no Brasil não tivéssemos que esperar 48 anos. Seria bom, como diz o projeto, que daqui a dez anos eu pudesse vir aqui dizer “não, não precisamos mais de política de quotas” ou “não, não precisamos mais de políticas afirmativas, pois as portas foram abertas e houve a inclusão”. É isso que nós queremos, porque o Projeto que a Senadora Serys está relatando é transitório.

Digo eu no artigo, assim como afirmei em meu livro: pátria, pátria, pátria somos todos, negros, índios, brancos, orientais, não importa o gênero, a orientação sexual ou a idade.

A nossa participação na sociedade deve ser um eterno exercício, Sr. Presidente, de compreender o outro, de transpor os nossos desafios individuais para entender que o investimento é no coletivo e que esse investimento trará resultado para todos, repito, sejam brancos, negros, orientais ou indígenas.

Devemos parar e refletir, tal como fazemos no momento em que aguardamos a erva do chimarrão absorver a água, se é justo perpetuar as diferenças e não buscamos soluções possíveis, afinal, a luta por quotas não acaba com a luta pela melhoria da educação básica, mas, sim, simplesmente a complementa.

No combate aos preconceitos e à discriminação, repito muito uma frase que ouvi, quando estive na África do Sul, do grande Nelson Mandela, que estava no cárcere. Ele disse: “Paim, ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender. E se as pessoas aprendem a odiar, como é mais bonito ensinar as pessoas a simplesmente amar”.

A busca da integração é a chave para construirmos uma verdadeira nação, pura, bonita, singela, onde prevaleça a solidariedade, o amor e a fraternidade, como na roda do nosso querido chimarrão lá do meu Rio Grande.

Senadora Serys, V. Exª, como Relatora deste importante projeto, faço questão de ouvir o seu aparte neste meu último minuto.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Vou ser bem breve até porque o tempo está esgotado. Ontem, fiz uma fala também bastante longa neste plenário...

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Só não fiz um aparte porque achei que estava perfeito.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - E eu estou fazendo um aparte no final porque cheguei agora. Eu estava ouvindo seu discurso e vim rápido para cá. Realmente, Senador, tenho convicção de que, amanhã, a lei de quotas, como está sendo chamada, será aprovada por unanimidade na nossa CCJ. Tenho a certeza de que Senadoras e Senadores que constituem essa Comissão estarão dizendo “presente” e se posicionando ao lado da sociedade brasileira, ao lado do negro, ao lado do indígena, ao lado daqueles que realmente não têm poder aquisitivo acima de 1.5 salários. Então, é realmente da maior relevância. Eu diria que, se a gente quer realmente conquistar uma sociedade diferenciada dessa que está aí, esse projeto de lei é um dos mais importantes que nós temos. Não tenho dúvida disso. Eu diria que aqui nós não temos que olhar a coloração partidária de Senadores ou Senadoras. São todos, independentemente da coloração partidária, como foi feito na Câmara, como foi feito em algumas comissões. Já tenho informação de que tanto o senhor quanto o Senador Cristovam autorizarão que se traga esse projeto direto para o Plenário, para que seja aprovado e logo siga os trâmites normais, porque a sociedade brasileira exige, precisa e é realmente um ato de justiça que a gente vai estar fazendo. Queria apenas dizer isso, porque sei que o tempo urge e o senhor me concedeu esse aparte mesmo fora do tempo. Muito obrigada.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Cumprimento a Senadora Serys.

A Câmara aprovou um outro projeto recentemente, que é uma fusão de dois projetos de minha autoria e de vossa autoria que diz respeito a um dia nacional para discutirmos toda forma de preconceito.

É essa a linha daquele projeto que a Câmara também aprovou e está voltando agora para o Senado.

Digo que esse projeto teve origem aqui na Casa. Foi da Senadora Ideli Salvatti. Seguiu para a Câmara e lá foi aprovado um Substitutivo, onde liderou o projeto da Deputada Nice Lobão, do DEM. Isso é uma demonstração de que essa proposta é de todos.

Todos os partidos colaboraram para a construção do PL 73. E como lá foi aprovado por unanimidade, eu não tenho nenhuma dúvida de que o Senado, que sempre esteve na frente nas políticas de combate a todo tipo de preconceito, estará, nesse momento, mais uma vez caminhando junto com a Câmara dos Deputados.

É bom - por uma questão de justiça; aí eu termino - lembrar que há mais de quinze anos o Senado aprovou a política de quotas, na época apresentada pelo ex-Presidente José Sarney. Ele apresentou. Foi para a Câmara e colocaram-na dentro do Estatuto da Igualdade Racial. Infelizmente, o Estatuto não foi aprovado. Então, está parado na Câmara.

Mas que bom! Para mim, como disse o Presidente Sarney, - rendo a ele, aqui, as minhas homenagens - não importa quem seja o autor da idéia. O que importa, Senador Geraldo Mesquita Júnior, é a causa. Frase de V. Exª que eu carimbei como uma frase sua e tenho repetido. Não importam as coisas e sim a causa. Quem quiser ser dono da idéia está pensando em coisas, não está pensando na causa, como diz muito bem V. Exª.

Frei Davi, tenha a certeza de que esse projeto será aprovado por unanimidade e que 2008 que é o ano dos 120 anos da abolição não conclusa; 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos; 20 anos da Assembléia Nacional Constituinte, teria que terminar com a aprovação de um projeto como esse. E por que não dizer também o ano em que a maior potência econômica do mundo elegeu, queiram ou não queiram alguns, um negro para a Presidência da República, que foi o Barack Obama.

Senadora Serys, estaremos todos rezando para que a Comissão aprove por unanimidade amanhã, e quem sabe à tarde já venha para o Plenário, como foi na questão dos Cefets. Inúmeras questões já fizemos assim.

Muito obrigado, Presidente, pela sua tolerância.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2008 - Página 50527