Discurso durante a 233ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações a respeito do julgamento, amanhã, pelo Supremo Tribunal Federal, de ação que questiona a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Augusto Botelho (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Considerações a respeito do julgamento, amanhã, pelo Supremo Tribunal Federal, de ação que questiona a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2008 - Página 50543
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, ATENÇÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RETOMADA, JULGAMENTO, AÇÃO JUDICIAL, ORADOR, MOZARILDO CAVALCANTI, SENADOR, QUESTIONAMENTO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, EXPECTATIVA, JUSTIÇA, ESTADO DE RORAIMA (RR), JUSTIFICAÇÃO, OPOSIÇÃO, HOMOLOGAÇÃO, RESERVA INDIGENA, DEFESA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, INDIO, LONGO PRAZO, TRABALHO, PROPRIEDADE FAMILIAR, REGIÃO, PREVISÃO, PREJUIZO, SOBERANIA NACIONAL, SEGURANÇA NACIONAL, FRONTEIRA.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, PROCESSO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, INCLUSÃO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, CONGRESSO NACIONAL, PLEBISCITO, REFERENDO, POVO, DECISÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fiquei consternado com o voto dado em agosto pelo Relator Ministro Ayres de Britto, do Supremo Tribunal Federal, a respeito da ação de minha autoria e do Senador Mozarildo, que questiona a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Porém, subo hoje à tribuna para fazer um apelo aos Ministros que ainda não deram seu voto. O pedido de vista do Ministro Direito deu o tempo necessário aos demais Ministros do Supremo para aprofundarem a sua visão sobre essa questão.

Tenho esperança de que a retomada do julgamento faça justiça ao povo de Roraima, a quem represento aqui no Senado e na ação que impetrei no STF.

Como representante de Roraima, carrego a responsabilidade de defender os interesses da minha gente. E reafirmo com segurança que a homologação da reserva Raposa Serra do Sol, da forma como está sendo proposta, não está de acordo com o desejo da maioria das pessoas que lá vivem.

Como já disse várias vezes desta tribuna, nem eu nem a maioria das pessoas do meu Estado de Roraima somos contra a demarcação de terras para os índios, tanto em nosso Estado quanto em qualquer lugar do Brasil. É um direito líquido e certo dos povos indígenas, de acordo com a Constituição de 1988 e de acordo com o entendimento de nós, brasileiros, de nós, de Roraima.

Porém, a demarcação da Raposa Serra do Sol, como proposta, afetará profundamente a vida de índios e não-índios. Defendo as pessoas afetadas pela demarcação porque convivo diariamente com os dramas que essas pessoas estão enfrentando. A demarcação da Raposa Serra do Sol, como está, compromete a vida de muitas famílias, de índios e não-índios, de gente que vive naquelas terras há mais de 100 anos.

Sou representante e defensor do pequeno agricultor e do indígena, que estão trabalhando na propriedade familiar há mais de 30, 40 anos. Esses pequenos agricultores têm recebido do Governo um tratamento injusto e desumano - não é só deste Governo atual, não; receberam dos Governos anteriores também o mesmo tratamento; ou seja, não receberam nenhuma atenção, não receberam nada. Eles são retirados da terra onde construíram sua vida, sem receber uma indenização justa.

Tal demarcação compromete também a existência do meu Estado, pois a reserva vai fazer com que mais de 46% do território de Roraima se torne exclusivamente de etnias indígenas. Em torno de 69% de área do meu Estado já são reservas indígenas, unidades de conservação ou área militar. Sobra pouquinho mais de 30%. Como só podemos usar 20%, vão sobrar 6%. Mas, se esses 6% forem entregues ao nosso Governo, nós vamos saber sobreviver ali dentro, embora não tão folgados como se tivéssemos um espaço maior.

Compromete a demarcação, como foi feita, a soberania e a segurança nacional, pois a faixa de reserva da terra indígena Raposa Serra do Sol está bem dentro de uma área de litígio entre a Guiana e a Venezuela. Todos nós sabemos que nas áreas indígenas é difícil colocar batalhões e instalações militares, necessários para a impedir ações de contrabandistas, de traficantes e de estrangeiros usurpadores do conhecimento dos povos tradicionais da nossa terra.

Concedo aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Augusto, V. Exª aborda um tema que nós temos, reiteradamente, aqui abordado. Ontem mesmo, falei sobre isso e V. Exª me aparteou. E, felizmente, amanhã, o Supremo dá prosseguimento ao julgamento da ação movida por V. Exª e por mim, que, como V. Exª diz, não é contra a demarcação. Pelo contrário, nós estamos contra as ilicitudes, as fraudes no processo de demarcação dessa reserva. Fraudes de todos os tipos estão lá sobejamente provadas nos autos. Uma comissão temporária externa do Senado, presidida por mim - da qual V. Exª fez parte, assim como o Líder do Governo e o Senador Jefferson Péres -, e cujo Relator foi o Senador Delcídio Amaral, concluiu por uma proposta que pacificaria essa questão e não teria gerado tantos conflitos que aconteceram ao longo desse tempo. E o que era? Tirar 320 mil hectares de 1,7 milhão que foram demarcados. Mas houve uma radicalização no processo e, pior, sequer foram ouvidos os índios. Eu sempre tenho debatido que, além das 500 famílias de não-índios, mestiços e não-índios brancos - vamos dizer assim -, se é que há algum branco que não tenha nenhum percentual de DNA indígena, além dessas 500 famílias... Acontece que a maioria dos índios que estão lá e aqui estão hoje - os índios da Sodiur -, para dizer isso de viva voz, não concordam com essa demarcação. E eu fico preocupado de ver como é que a nossa Constituição diz que todos são iguais perante a lei, se lá nem os índios estão sendo tratados como iguais. Só os índios do Conselho Indígena de Roraima são ouvidos. Os índios da Sodiur, da Arekon e Alidcir não são ouvidos. Então, que igualdade é essa? Lembro-me até de um trecho do livro A Revolução dos Bichos em que, quando a revolução foi feita, diziam que todos os bichos eram iguais. Mas, depois, percebeu-se que alguns eram mais iguais do que os outros, isto é, os porcos, no caso exposto nesse livro, passaram a ser melhores que os outros bichos. Então, não podemos permitir que realmente isso aconteça. E eu tenho muita confiança de que os Ministros do Supremo, amanhã, vão corrigir as distorções, as ilegalidades e as fraudes que foram cometidas nessa demarcação e fazer justiça aos brasileiros que lá vivem, sobretudo pensando no Brasil como um todo e não apenas em uma reserva isoladamente, como se ela não fizesse parte do Brasil.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Muito obrigado, Senador Mozarildo.

Sr. Presidente Romeu Tuma, Srªs e Srs. Senadores, a decisão do STF servirá de parâmetro para todo e qualquer processo demarcatório de terras indígenas no Brasil. Por isso, a importância desse julgamento se agiganta, já que o que for decidido também afetará outros Estados brasileiros. Pode afetar inclusive decisões já tomadas anteriormente a respeito dessa questão.

Não concordo com o voto dado pelo Ministro Ayres de Britto. Mas acredito que outros Ministros irão fazer justiça. Por isso, continuo confiante no Supremo Tribunal Federal. Espero que o STF decida que a União não poderá mais pegar um pedaço de área do Estado e definir que aquela área será uma reserva indígena sem ouvir quem vive no local há muitas gerações.

As decisões devem passar também pelas Assembléias Estaduais, pelo Senado e pela Câmara.

O povo precisa opinar, seja por plebiscito, seja para referendar uma decisão tomada pelos seus representantes.

Falando em plebiscito, nós sempre pedimos para que se fizesse um plebiscito entre os habitantes da Raposa Serra do Sol, mas nunca conseguimos autorização para tal. O Ministério da Justiça nunca se propôs a fazê-lo, nem a Funai, nem ninguém. E por que não o fizeram? Porque as ONGs tinham certeza de que, se fizessem plebiscito, iam perder. Então, preferiram fazer dessa forma, desrespeitando a vontade da maioria da minha gente.

Confio na serenidade dos guardiões da Constituição. Confio na neutralidade e no compromisso dos Ministros com o bem coletivo e com as futuras gerações. Nas mãos do STF, está o futuro de Roraima. Nas mãos do STF, está o futuro de centenas de milhares de cidadãs e cidadãos que, juntos, a despeito das divergências e preferências, contribuem para o sentido único da Nação, que é o nosso Brasil.

Volto a afirmar que essa decisão vai afetar todos os Estados brasileiros. No Mato Grosso, já existe um movimento antropológico querendo criar uma área de três milhões de hectares, unindo duas aldeias diferentes. Vão surgir mais problemas.

Como esta é uma Casa legislativa, podemos partir para uma PEC, a fim de modificar isso. Se não conseguirmos pela lei, vamos conseguir de uma forma com que a maioria concorde aqui.

Sr. Presidente Romeu Tuma, era o que eu tinha a dizer a respeito desse julgamento sobre a Raposa Serra do Sol que vai ocorrer amanhã - está chegando o Senador Valter. E acredito que vai haver muita confusão se for mantida a decisão do jeito que está.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2008 - Página 50543