Discurso durante a 233ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação sobre a decisão que tomará o Supremo Tribunal Federal, amanhã, sobre a ação movida referente à Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Manifestação sobre a decisão que tomará o Supremo Tribunal Federal, amanhã, sobre a ação movida referente à Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Aparteantes
Augusto Botelho, José Nery, Marina Silva, Marisa Serrano, Mozarildo Cavalcanti, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2008 - Página 50593
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • PROXIMIDADE, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), AÇÃO JUDICIAL, QUESTIONAMENTO, HOMOLOGAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), EXPECTATIVA, MANUTENÇÃO, CONTINUAÇÃO, RESERVA INDIGENA, RESPEITO, GRUPO ETNICO, INDIO, REGISTRO, DADOS, HISTORIA, PROCESSO.
  • DEFESA, PARECER, ANTROPOLOGO, NECESSIDADE, CORREÇÃO, ERRO, CRIAÇÃO, MUNICIPIO, AREA, RESERVA INDIGENA, REGISTRO, GARANTIA, INDENIZAÇÃO, FAMILIA, IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, EVOLUÇÃO, ESTADO DEMOCRATICO, RESPEITO, INDIO, CONFIANÇA, DECISÃO, JUDICIARIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Garibaldi, Srªs e Srs. Senadores, vários Senadores na tarde de hoje já externaram suas opiniões e suas expectativas acerca da decisão que tomará o Supremo Tribunal Federal no dia de amanhã. Quero, também, Sr. Presidente, deixar aqui, mais uma vez, a minha opinião sobre esse debate, que não se realiza apenas no Estado de Roraima, mas sim um debate nacional e, por que não dizer, um debate internacional.

E é bom registrar que é a primeira vez que o Supremo Tribunal Federal discute o mérito de um procedimento, Sr. Presidente. E, inclusive, está no jornal de hoje a opinião do Presidente do Supremo, Ministro Gilmar Mendes, de que, com a decisão do STF amanhã, haverá repercussão, haverá desdobramento, haverá diretrizes para a homologação de terras indígenas em nosso País.

Sr. Presidente, quero deixar aqui a minha expectativa. A surpresa para este Senador do Estado do Amazonas será se o Supremo Tribunal Federal não votar pela homologação contínua dessas terras, até porque, nos governos que passaram desde a promulgação da nossa Carta Magna em 1988 - faz vinte anos, Sr. Presidente -, todas as terras indígenas foram homologadas. Essa é a novidade, essa é a alteração, esse é o novo rumo. Espero que os nossos onze Ministros que compõem a Corte maior da Justiça brasileira possam, Sr. Presidente, decidir pela homologação contínua.

É verdade que a Raposa Serra do Sol talvez seja a última grande área de terras indígenas a ser demarcada. São 152 aldeias dentro desse território de 1,670 milhão metros quadrados.

Sr. Presidente, é grande a expectativa por compreender e por entender o papel, a importância, a relevância do Estado brasileiro na relação com os povos indígenas, com as etnias indígenas que resistem ao longo desses séculos e que compõem este grande País, esta grande Nação. Daí a minha expectativa de termos, no dia 10 de dezembro, uma decisão em que a Corte maior da nossa Justiça possa olhar o Brasil com a sua diversidade cultural e com um profundo respeito para com as etnias que resistem na fronteira do Brasil com a Venezuela e a Güiana.

Concedo um aparte à nobre Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Quero cumprimentar V. Exª pela oportunidade do discurso que faz nesta tarde e dizer que V. Exª chamou a atenção para um aspecto fundamental de que existe uma normalidade que vinha sendo seguida, uma normalidade que obedece aos preceitos constitucionais, que obedece a toda legislação e a um rito de criação e homologação de terras indígenas, e que a anormalidade seria quebrar esse processo. Seria algo inédito.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Desde 1988.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - E V. Exª diz que vem desde 1988. Com certeza, o Supremo tem a compreensão de que atomizar esse processo terá graves conseqüências do ponto de vista de ferir os preceitos constitucionais, mas, mais do que isso, de ferir um processo histórico, social, de reparação de injustiças que vem sendo cometidas contra essas comunidades.

Sempre digo que não temos nada contra os demais segmentos, aqueles que, de forma mansa e pacífica, têm ali suas propriedades, aqueles que querem buscar no Estado e na Justiça um espaço de mediação para esses conflitos. Todavia, esses podem se estabelecer em outras regiões. As populações indígenas têm a sua identidade marcada com o território. Toda a sua cosmovisão está estabelecida a partir dessa relação indivíduo/território, território/indivíduo. É por isso que, no meu entendimento, Senador João Pedro, V. Exª está inteiramente correto. Respeito as opiniões contrárias aqui colocadas, como a do Senador Mozarildo e a do Senador Botelho, mas discordo de que, para fazer justiça ao povo de Roraima, tenham de se cometer injustiças históricas, não apenas com os índios macuxis e com as demais etnias, mas com todos os povos indígenas brasileiros que vêm sendo massacrados ao longo de séculos. Ainda existem aqueles que acham que fazer alguma reparação se constitui em privilégios. Não são privilégios. São direitos assegurados legalmente na nossa Carta Maior, ali aportados pelo Constituinte, que assim o entendeu.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Muito obrigado, Senadora Marina, por essa reflexão que considero importante ser feita e registrada no Senado da República.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador João Pedro, V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Senador Mozarildo, após a conclusão do meu raciocínio, já passo para V. Exª.

Nesse território Raposa Serra do Sol, vivem cerca de 18 mil índios, divididos nas seguintes etnias: o povo macuxi, o tauarepang, patamona, ingarikó e wapixana. São essas as etnias.

Mas é importante, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falar e refletir sobre esse debate nesse território, porque começa no início do século XX, o século passado, quando, em 1917, o Governo do Amazonas editou a Lei Estadual nº 941, destinando as terras compreendidas entre os rios Surumu e Cotingo para a ocupação e o usufruto dos índios macuxi e jaricuna. Em 1917, o Estado de Roraima pertencia ao Estado do Amazonas.

Mais à frente na história, Sr. Presidente, em 1919, o Serviço de Proteção ao Índio, SPI, iniciou a demarcação física da área, que estava sendo invadida por fazendeiros. O trabalho, entretanto, não foi finalizado.

Mais à frente, já com a Presidência de José Sarney, em 1984, um grupo de trabalho foi instituído para identificação e levantamento fundiário da área. Cinco áreas contíguas, Xununuetamu, Surumu, Raposa, Maturuca e Serra do Sol, são identificadas, totalizando 1,57 milhão de hectares.

Mais na frente, Sr. Presidente...

(Interrupção do som.)

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Mais alguns minutos, e eu concluo, após ouvir o Senador Mozarildo.

1993: parecer dos GTs, em caráter conclusivo, é publicado no Diário Oficial da União no dia 21 de maio de 1993, propondo ao Ministério da Justiça o reconhecimento da extensão contínua de 1,67 milhão de hectares. Está lá, está no Diário Oficial da União de 21 de maio de 1993 o reconhecimento da área em questão.

1996: o então Ministro da Justiça Nelson Jobim assina o Despacho 80, rejeitando os pedidos de contestação apresentados à Funai, mas propondo uma redução de cerca de 300 mil hectares da área.

Pois bem, em 1998, o Ministro da Justiça, Renan Calheiros, que hoje compõe este Senado, assina o Despacho 50/98, que revogou o Despacho 80/96, do Ministro Nelson Jobim, e a Portaria 820/98, que declara a terra indígena Raposa Serra do Sol posse permanente dos povos indígenas.

Em 1999, o Governo de Roraima impetra mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com pedido de anulação da Portaria nº 820/98, do então Ministro da Justiça Renan Calheiros.

Sr. Presidente, o debate prossegue. São dezoito mil índios nesse território. Ele não diz respeito a uma questão de Roraima, essa é uma situação que o Estado brasileiro precisa enfrentar, encarar.

Quero chamar a atenção para o fato de que a Constituinte de 1988 deu passos importantes - a Senadora Marina Silva acaba de refletir sobre isso -, e será uma surpresa, um retrocesso se a nossa Corte máxima de Justiça não decidir pela homologação dessas terras contínuas.

Concedo aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador João Pedro, nem vou falar sobre os laudos, que são falsos, fraudulentos. Não vou falar, por exemplo, das quinhentas famílias que estão lá há quatro gerações e que estão sendo expulsas - já criaram, inclusive, uma associação dos excluídos da Raposa Serra do Sol. Quero falar sobre os índios que V. Exª citou várias vezes. Por que V. Exª não ouve os índios que não são do CIR? Por que a Funai não houve os índios que não são do CIR? Só fala o CIR. A Sodiu, para vir agora aqui, teve de contar com o apoio do Governo do Estado, porque a Funai negou-lhe apoio para trazer os índios. Ao CIR a Funai dá todo apoio. Então, vamos falar a verdade, é só chamar os índios aqui para falarem. Eles estão aqui em Brasília, eles estarão amanhã...

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Falar a verdade sobre o quê?

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Não, é que estão dizendo que só há um pensamento dos índios. Não é assim, Senador João Pedro. Lá existem pensamentos diferentes dos próprios índios. Não estou nem falando das quinhentas famílias que vão ser expulsas não; estou falando dos índios que vão ficar lá.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Nenhuma família será expulsa, Senador Mozarildo. Elas serão indenizadas.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Todas serão expulsas. Existe até a Associação dos Excluídos da Raposa Serra do Sol. Mas estou falando dos índios, Senador João Pedro. Os índios não pensam majoritariamente assim. O que está sendo colocado é uma falsa história para que seja engolida pelo povo brasileiro. Mediante uma falsa defesa dos índios, esquece-se a maioria dos índios daquela região. Estou falando dos índios. Estão aí doze índios da Sodiu. Vá lá os ouvir.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Ouço o Senador Augusto Botelho, meu companheiro de partido e de bancada.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Exato, de partido e de bancada. Em seu discurso, V. Exª fez um levantamento e misturou algumas coisas. Por isso digo que V. Exª entende de seus tucanos, macuxis, tauarepangs, guapixanas, patamonas e ianomâmis. V. Exª misturou uma área contígua à Raposa Serra do Sol, que é a área de São Marcos...

(Interrupção do som.)

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Em suas considerações, V. Exª incluiu a área de São Marcos, área de oitocentos mil hectares já demarcada há muito tempo. Os índios, depois que a área foi demarcada, foram abandonados. Os índios de São Marcos vivem do descaminho de gasolina da Venezuela. O que tem de acontecer - espero que o Presidente aja nesse sentido - é uma mudança nessas políticas. A Raposa Serra do Sol, como V. Exª mesmo declinou, foi ampliada várias vezes antes de chegar a essa área total de 1,75 milhão de hectares.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Senador Augusto Botelho, essa decisão é de 1993.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Mas não abrangia toda a área, ficavam de fora as vilas, as estradas e algumas propriedades. Cada vez que vinha um antropólogo, modificava-se a situação. Por isso, dizemos que o laudo antropológico é falso, foram feitas muitas modificações. Por isso entrei na Justiça. Eu que entrei na Justiça também contra isso, porque acho que o direito dessas quinhentas famílias a que o Senador Mozarildo está se referindo está, de fato, sendo desrespeitado, mas também há trezentas famílias que saíram de São Marcos em governos anteriores cujos direitos estão sendo desrespeitados e não foram reassentadas, como sempre prometem. Disseram que iriam reassentar as pessoas, dar-lhes condições dignas de vida, mas não fazem isso. Entrei no Supremo porque quero que o Supremo defina essa história. Quero saber o que se pretende fazer com as pessoas que saíram e com as pessoas que sairão de lá. É isso o que quero, Senador João Pedro. Como o Senador Mozarildo falou, nunca foram ouvidas as pessoas que vivem na área. É uma decisão de gabinete, de Brasília, de pessoas que não têm o sentimento dos indígenas, dos nossos irmãos índios de Roraima. Se fizessem um plebiscito, saberiam o que se quer. Mas não. São muito sábios os nossos antropólogos, sabem mais do que os próprios índios sobre o que eles querem. Os índios da Raposa Serra do Sol, em número de dezessete ou dezoito mil mesmo, são índios que já vivem há muito tempo em contato com a nossa dita civilização e que já têm hábitos diferentes dos hábitos dos ianomâmis. Para os ianomâmis, concordo que a área seja grande, que seja dessa forma. Mas, com eles, vai prejudicar a convivência dos índios. Surgiram as vilas em função da necessidade das próprias comunidades. Nem vou discutir a quantidade de aldeias que foram multiplicadas pelas ONGs. Quando V. Exª fala que já existiam esses cinco grupos, fala acertadamente. Existiam, mas nunca houve uma região denominada Raposa Serra do Sol pelos próprios indígenas. Cada um tinha a sua região, que pegava o nome do seu rio. Foi uma mudança que fizeram no meu Estado e que estão fazendo em tudo. Lamento, porque, se ficar da forma como está, vai criar instabilidade e, logo, outros Estados vão querer unir duas aldeias que estão a trinta ou cinqüenta quilômetros de distância uma da outra com os mesmos argumentos. Vamos ver. Confio na Justiça e espero que seja feita justiça, respeitando-se o direito de todos, de índios e não-índios, de todos os brasileiros. Do meu ponto de vista, os índios são cidadãos brasileiros e espero que tenham seus direitos respeitados.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Meu caro Senador Augusto Botelho, não tenho nenhuma dúvida, não duvido de um diagnóstico feito por V. Exª, porque V. Exª é médico. Agora, não duvide de um olhar imemorial de um antropólogo. Eles merecem o nosso reconhecimento, o nosso respeito.

Quem tem de definir o território são os antropólogos, evidentemente com base na cultura, na vivência secular dos povos indígenas na área em questão. Mas cabe a eles fazer isso, aos antropólogos que estudam os povos indígenas. É uma matéria delicada para a história de um Estado autoritário como o Brasil, mas nós avançamos, e o Brasil precisa avançar ainda mais, sem medo da soberania. Os índios que estão lá e nas fronteiras da Amazônia têm orgulho de ser brasileiros, as várias etnias que estão lá, como os ticunas.

Então, nós precisamos ter esse gesto. A concepção de definir um território para os povos indígenas é completamente diferente da concepção da ocupação da Amazônia, feita pelo Incra: “Aqui são 500 por mil”, aí o fazendeiro chegou lá. Fomos nós que erramos ao criar um município dentro da reserva, em 1990. V. Exªs conhecem essa história.

(Interrupção do som.)

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Então, nós precisamos reconhecer os erros, os excessos com as várias etnias que compõem o nosso País. Daí a minha preocupação, porque é a primeira vez que o Supremo discute a homologação. O mérito de amanhã é a primeira vez na história da Justiça brasileira.

Concedo o aparte a V. Exª, Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador João Pedro, já ouvi V. Exª, por diversas vezes, falar desse tema. Ouvi a nobre e querida Senadora Marina Silva e também o nosso amigo Senador Botelho, e quero dizer a V. Exª que, cada vez mais, eu me convenço de que o Supremo Tribunal Federal, entre hoje e amanhã, data em que nós lembramos, perante o mundo, os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

(Interrupção do som.)

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - É uma bela coincidência.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Uma bela coincidência, amanhã, dia 10. E será consagrada com essa decisão. Entendo, Senador Botelho, a sua posição, mas quero dizer, Senador João Pedro, que, em relação à Raposa Serra do Sol, eu fiz uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos. Foram mais de 15 painelistas. Todos que estiveram lá... Eu deixei a Comissão à disposição daqueles que pensavam diferente - e eram convidados, não eram Senadores. Todos defenderam, com muita convicção, com muita firmeza, a importância da titularidade, da regulamentação definitiva dessa terra. Por isso, cumprimento V. Exª, entendendo aqueles que pensam diferentemente. Mas a nação indígena se encontra lá há alguns séculos. Eu, que falo tanto aqui da questão da terra quilombola, eu, que falei ontem, ainda, que dois quilombolas foram assassinados, covardemente, no Rio Grande do Sul, que estão brigando pela titularidade da terra, não poderia ter uma posição diferente. Se a comunidade negra chegou aqui em um segundo momento, a comunidade indígena chegou muito antes do que nós, negros, e sofreram, também, o regime de escravidão, semelhante àquele que, depois, os negros passaram a sofrer. Enfim, todos nós sabemos como se deu a história. Por isso é que, nesta data tão importante, 120 anos da Abolição da Escravatura, em nome da liberdade, da igualdade e da justiça... Eu sei, Senador Botelho, que V. Exª também gostaria muito - eu, pelo menos, penso assim - que os colonos que estão lá... Eu venho de um Estado onde os colonos cumprem um papel fundamental; tenho um carinho muito grande pelos agricultores que estão lá. Eu tenho certeza de que, com a decisão, como V. Exª coloca, eles serão indenizados. Eles serão colocados em outro espaço legítimo e haverão de continuar a produzir.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Senador Paim, a indenização já começou. Várias famílias, inclusive, foram indenizadas. Há uma resistência.

Veja só: a decisão da homologação é de dezembro de 2004, do Ministro da Justiça Thomaz Bastos. Quando ele anunciou, em dezembro de 2004, houve uma rebelião - padres espancados, índios mutilados - contra a decisão da homologação. Mas sempre aconteceu a homologação. Sempre! Os Ianomâmis, o povo Waimiri Atroari, um dos mais recentes. Estou falando de Roraima. Os Ianomâmis, com uma área significativa, no Governo do Presidente Collor de Melo, 1990. Também houve a polêmica.

Nós não podemos retroceder na história, na conquista dos povos indígenas. Mas também é uma conquista do Estado brasileiro na relação com os povos indígenas. Então, as famílias estão sendo indenizadas lá em Raposa Serra do Sol.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador João Pedro, só complemento meu aparte a V. Exª, cumprimentando-o pelo pronunciamento. Acho que amanhã resolveremos, de forma definitiva, essa questão. Com certeza, os que estão lá trabalhando e que não são índios serão indenizados, e os índios ficarão na sua terra. A partir daí, que prevaleçam a paz, a igualdade, a liberdade e a justiça, que é aquilo que norteia a data de amanhã, 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim.

Espero sinceramente, porque a imprensa, no dia de hoje, registra a presença de várias lideranças indígenas de Raposa Serra do Sol, que, ontem, visitaram o Supremo, fizeram todo um ritual. E espero que essa energia da cultura dos Macuxis, das várias etnias possa iluminar os nossos Ministros. E que a decisão dos nossos Ministros, a decisão da nossa Corte, do nosso Supremo Tribunal Federal não possa contrariar essa conquista da sociedade mundial, que celebra, no dia 10 de dezembro, o Dia Universal dos Direitos Humanos.

Então, é grande a expectativa porque, no desdobramento de um possível retrocesso, quem vai padecer ainda mais são os povos indígenas e, nessa cadeia, os povos indígenas são os mais fracos.

Senador Paulo Paim, Senadora Marina Silva, quero dizer que inclusive estarei lá amanhã, na sessão, que será pública, no sentido de acompanhar uma decisão que considero histórica.

Pergunto, Senadora Marisa Serrano, Senador Nery, V. Exªs...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Senador, solicitaria a V. Exª que pedisse urgência porque está há mais de 30 minutos na tribuna. É um assunto importante...

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Quem está pedindo urgência são os povos indígenas, mas vou acatar o apelo de V. Exª, ouvindo a Senadora Marisa Serrano.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Porque há a expectativa de outros oradores.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - V. Exª, Senadora, que é de um Estado que tem uma presença marcante dos povos indígenas.

O Sr. Marisa Serrano.(PSDB - MS) - É justamente por isso, Senador João Pedro. Ouvi V. Exª e os apartes. Quero dizer que há dois tipos de atendimento aos índios que me preocupam, porque não é só dar a terra, mas garantir que os índios tenham uma nova vida, uma vida pedagogicamente correta. O que significa isso? Significa que os índios não façam como os índios da minha terra, que moram em guetos, que estão sendo consumidos pela bebida, cujos jovens se suicidam, cujas crianças morrem de inanição, que não têm condições de sonhar com uma vida melhor. Não é essa a vida que eu quero para os índios da minha terra.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - A responsabilidade é do Estado brasileiro, é nossa.

A Srª Marisa Serrano (PSDB - MS) - Sim. A minha terra a que me refiro é o País. Eu quero que os índios da minha terra, do Brasil, tenham a condição de sonhar com uma vida melhor. Eu quero que eles tenham o mesmo que têm os nossos filhos, que tenham as mesmas oportunidades, que não fiquem, como em Mato Grosso do Sul, grudados em guetos absurdos, sem perspectiva de uma vida melhor. É isso que a gente não pode querer. Não é só dar a terra para o índio. Nós temos de discutir aqui que tipo de futuro os índios brasileiros vão ter. Se eles vão continuar dessa forma, sendo tutelados pela União; se essa terra também não é a terra deles, se eles não são brasileiros. Se são brasileiros, têm de ter os mesmos direitos e os mesmos deveres de todos nós. Eu acho que o mundo mudou, a época é outra. Não há possibilidade, Senador João Pedro, de nós só pensarmos em dar a terra. É muito mais do que isso. É dar dignidade ao povo indígena. É por isso que temos de lutar. E eu me coloco ao lado de V. Exª, se for para lutar para que os índios brasileiros tenham dignidade, o que hoje eles não têm. E dar dignidade não é só entregar a terra a eles. Eu acho que é muito mais do que isso, e a discussão tem de ser muito mais profunda, para que possamos conseguir fazer com que neste País os índios sejam vistos como brasileiros. Aí, sim, é terminar com a Funai do jeito que ela é, tornar os índios autônomos e, principalmente, garantir a eles a cidadania brasileira, que hoje eles não têm. Obrigada.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Sr. Presidente, pelo esforço do Senador Nery, concedo o aparte a ele, e é um defensor...

O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Primeiro, Senador João Pedro, quero me dirigir ao Presidente Romeu Tuma e pedir a S. Exª que nos conceda um pouco mais de tempo, para que possamos dizer e fazer aqui algumas considerações sobre este tema, que é da maior relevância, especialmente porque os inimigos dos índios, que são muitos, muitos, têm muitas tribunas, tempo e dinheiro para, a todo momento, poder acusar, denegrir, dizer infâmias contra os povos indígenas. Eles fazem isso traindo um dos componentes mais importantes do nosso País, do nosso povo: justamente os índios brasileiros, que, em 500 anos, foram perseguidos, dizimados, desrespeitados. Quando o Estado tenta garantir minimamente esse direito, direito que está inscrito na Constituição, como a demarcação feita pelo Governo na terra indígena Raposa Serra do Sol em 15 de abril de 2005, levantam-se vários que se opõem aos direitos dos povos indígenas para questionar, primeiro, o direito à terra e, com a terra, todos os outros direitos inerentes à pessoa humana. Por isso, eu quero me solidarizar com V. Exª por seu pronunciamento,...

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Muito obrigado.

O Sr. José Nery (PSOL - PA) - ... com a determinação de defender aqui, aberta e claramente, os povos indígenas da Amazônia, do nosso País. Esperamos, Senador João Pedro, que, amanhã, o Supremo Tribunal Federal nos dê a resposta que interessa a todos nós, especialmente aos povos indígenas: a garantia da demarcação contínua de suas terras, pondo fim a essa questão e resgatando, garantindo, na sua integralidade, o direito à terra, aos costumes, à cultura, que têm sido violentamente atingidos por alguns poucos, porque, em Roraima, se são lá 19 na Raposa Serra do Sol, são seis grandes arrozeiros que promovem toda essa baderna, toda essa invasão. Eles, sim, são os invasores, e merecem a nossa reprovação, porque agem em desacordo com o que prega a Constituição brasileira. Eles, sim, são os arruaceiros. É preciso ser dito com a veemência necessária para ver se aqueles que aqui abusam do direito, inclusive de defender os interesses e os lucros dos devastadores, dos grandes fazendeiros se convençam de que esta terra, antes de pertencer a eles, pertence originalmente aos povos indígenas. Todo apoio! Amanhã estaremos lá, acompanhando cada palavra e cada voto. Esperamos que o Supremo faça o seu reencontro com o que é mais legítimo e correto neste País: a defesa dos direitos dos povos indígenas. Parabéns a V. Exª! Eu já estava me retirando da Casa, mas, diante do que ouvi, achei que tinha de vir aqui para não só me solidarizar com V. Exª, com a sua defesa, com a coragem que V. Exª tem de defender abertamente essa causa, mas também para dizer que nós todos aqui que temos a crença em um Brasil realmente diferente estamos com os povos indígenas e, especialmente, estamos com o que diz a Constituição brasileira. Muito obrigado.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Muito obrigado.

Encerro, Sr. Presidente, destacando o voto do Ministro Carlos Ayres, que foi um voto fundamentado, um voto longo, um voto profundo do ponto de vista dos direitos imemoriais das etnias que vivem na Raposa Serra do Sol.

Espero que o conjunto de Ministras e Ministros do Supremo Tribunal Federal possa acompanhar o voto do Ministro Carlos Ayres, que, sem dúvida, é o voto de um Estado democrático de direito.

Espero sair amanhã do Supremo Tribunal Federal orgulhoso da Justiça brasileira e voltar aqui para registrar uma conquista não dos Senadores que apóiam a homologação das terras contínuas, mas uma vitória dos povos indígenas do Brasil e, fundamentalmente, uma vitória dos povos indígenas de Roraima.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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