Discurso durante a 233ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso, amanhã, dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembléia da ONU em 1948.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Registro do transcurso, amanhã, dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembléia da ONU em 1948.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2008 - Página 50603
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DECLARAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, DIREITOS HUMANOS, APROVAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), COMENTARIO, HISTORIA, PERIODO, CONCLUSÃO, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, IMPORTANCIA, DEBATE, AMPLIAÇÃO, ACESSO, DIGNIDADE, JUSTIÇA, ANALISE, EVOLUÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL, CONTRIBUIÇÃO, DIRETRIZ, DOCUMENTO.
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, AUSTREGESILO DE ATHAYDE, JORNALISTA, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ELABORAÇÃO, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Nobre Senador Romeu Tuma, que preside a presente sessão do Senado Federal, Srªs e Srs. Senadores, venho aqui registrar uma data de grande significação histórica.

Amanhã, dia 10...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, assumo a Presidência, mas com um único sentido: para que V. Exª tenha o tempo que achar conveniente.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

Nobre Senador Mão Santa, desejo registrar a passagem, amanhã, dia 10 de dezembro, dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembléia Geral da ONU em 1948.

O mundo em 1948 era muito diferente dos dias de hoje. Em 1945, encerrava-se um conflito que deixou milhões de mortos. Eu gostaria de me reportar ao término da II Grande Guerra Mundial. Segundo levantamentos feitos, pelo menos 50 milhões de pessoas morreram no conflito, que se prolongou durante anos.

A seguir surgiram instituições que, de alguma forma, colaboraram para melhorar a saúde da sociedade internacional. Refiro-me à criação da Organização das Nações Unidas (ONU). Posteriormente, outros organismos apareceram como o Tribunal de Nuremberg e a Organização Mundial de Saúde. Não poderia deixar de registrar -, ocorreu a celebração, em Paris, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Essa Declaração foi aprovada por 48 votos e apenas 8 abstenções. As abstenções foram do grupo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, países marxistas, e outros. Foi algo muito importante para a liberdade e para a democracia.

O tema para celebração desses 60 anos é “dignidade e justiça para todos”. Convém lembrar que esta não foi a primeira declaração de direitos do homem ou direitos humanos. Poderia citar outros precedentes como o Bill of Rights  de 1776 - as colônias americanas rebeladas contra a Inglaterra, o Bill of Rights inglês da chamada revolução gloriosa de 1689, que teve repercussão no mundo todo. Se quiséssemos recuar um pouco mais no passado lembraria a Carta Magna de João Sem Terra, de 1215, em pleno século XIII.

Sr. Presidente, o mundo do pós-guerra não foi de paz, porque, tão logo encerrado o conflito, veio a guerra fria, que durou praticamente até a chamada queda do Muro de Berlim, ou seja, até 1989. A guerra fria representou um momento de tensão que o mundo todo viveu entre os países que se alinhavam na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e os países da Europa e da América que praticavam a democracia.

Como seqüela da guerra, o mundo se dividiu por força de ações colonialistas de certas nações e os desdobramentos nem sempre foram positivos.

Vejamos o lado negativo. A reunião de Paris, em 1948, teve no seu encerramento a presença Eleanor Roosevelt, uma mulher de grande presença no cenário internacional, posto que casada com Franklin Delano Roosevelt, que foi quatro vezes Presidente dos Estados Unidos. É dela uma frase que reputo muito boa: “É melhor acender velas do que protestar contra a escuridão”.

O que se defendia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos era iluminar a sociedade democrática com objetivos de desenvolvermos a convivência pacífica e tornar possível a disseminação desses direitos.

Norberto Bobbio, como sempre, trata com muita proficiência e concisão esses temas e chama a atenção que, a partir de então, começou a se desenvolver uma dupla consideração do indivíduo enquanto pessoa humana (direitos civis) e enquanto cidadão (direitos políticos), votar, ser votado, participar de funções partidárias, etc.

A Declaração Francesa, de 1789, foi um instrumento precursor, falava também dos Direitos do Homem e do Cidadão, demonstrando que uma semente já havia brotado em muitos sítios do mundo e era necessário robustecer essa luta em favor dos direitos humanos, que tem como contraface a defesa da democracia.

O Presidente Roosevelt, em 1944, antes de terminar a guerra, em mensagem ao Congresso Americano, disse: “Chegamos a compreender que a verdadeira liberdade individual não pode existir sem segurança e independência econômica.” E acrescentou: “Homens necessitados não são homens livres.”

A Declaração, sabemos, não é uma lei, não tem poder de coerção, não há nenhum tribunal que execute as suas decisões. Todavia, é uma bússola com relação ao futuro. Ela se limita a desenhar um horizonte: o da esperança, da igualdade, da liberdade, da dignidade e da felicidade.

Nesse barco - diz Gilles Lapouge, um grande pensador francês, que, habitualmente, escreve em O Estado de S. Paulo, posto que é correspondente do jornal em Paris - que o Planeta Terra terá que singrar velas ao vento se não quiser soçobrar na morte ou no inferno. Essa declaração é, mais uma vez, um desafio que se lança às lideranças mundiais para que possamos avançar nesse campo.

Bento XVI, ano passado, declarou que o que se fizer nesse campo é um compromisso moral que deve ser assumido por toda a humanidade.

A nossa Constituição de 1988 parte também para o reconhecimento desses direitos fundamentais. No seu art. 4º, considera entre os princípios que devem reger as relações internacionais: a prevalência dos direitos humanos, solução pacífica dos conflitos, igualdade entre os estados, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, repúdio ao terrorismo e ao racismo.

Volto a citar Eleanor Roosevelt, tida como uma líder feminista à época, extremamente ousada em algumas de suas propostas:

Nós, nos Estados Unidos, admiramos aqueles que lutam por suas convicções, e a Delegação Soviética assim o fez. Mas, nas velhas democracias, aprendemos que algumas vezes devemos nos curvar à vontade da maioria. Assim fazendo, não estamos abrindo mão de nossas convicções. Nós continuamos algumas vezes a persuadir e eventualmente podemos ter sucesso.

Enfim, ela declarou: “Trata-se de obra inacabada que temos diante de todos nós.”

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento equilibrado: reconhece direitos civis e políticos, dá proteção, como já chamei a atenção, contra o desemprego; saúde, educação e participação em vida cultural.

O texto de 1948 poderia ser considerado como profético preâmbulo de uma futura constituição mundial. O que ocorre na Europa, com a criação da União Européia, é expressão desses desejos que foram manifestados logo no pós-guerra. Gerou-se a consciência do respeito aos direitos humanos, mesmo porque a democracia, já houve quem dissesse, começa no reino das consciências. Quer dizer, a democracia brota primeiro em cada ser humano.

Isso é fundamental para que possamos ter de fato uma sociedade livre, aberta, atenta a tudo o que constitui legítima aspiração humana.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador Marco Maciel?

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Pois não, concedo a palavra a V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero solidarizar-me com o pronunciamento de V. Exª, que se refere à comemoração, amanhã, dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi um dos atos mais importantes da Organização das Nações Unidas e que tem, obviamente, extraordinária repercussão no mundo. É importante que façamos um balanço a respeito de quão perto ou quão distante ainda estamos de assegurar esses direitos aos brasileiros e brasileiras, aos 190 milhões e 300 mil que somos hoje aproximadamente. Eu também, sendo orador, logo em seguida a V. Exª, vou me referir a esse tema, mas tenho a certeza de que V. Exª o faz muito bem, trazendo aqui reflexões das pessoas que, no mundo, hoje, estão preocupadas em que medida os direitos humanos, inclusive os que estão transcritos e registrados em grande parte na nossa Constituição de 1988, estão efetivamente sendo assegurados no Brasil, como também em outros países do mundo, seja em lugares como Bombaim, na Índia, onde há poucos dias vimos formas que constituem desrespeito aos direitos da pessoa humana para fins de se alcançar objetivos políticos, seja no Sul, onde desastres climáticos acabam promovendo uma destituição trágica de direitos da pessoa humana. Refiro-me aos que perderam suas casas, seus familiares devido às chuvas torrenciais de Santa Catarina. É importante que pensemos quais os instrumentos de políticas públicas, de políticas econômicas que asseguram a consecução desses direitos. Por isso, cumprimento V. Exª.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Nobre Senador Eduardo Suplicy, agradeço o aparte de V. Exª que corrobora as palavras que aqui estou proferindo na busca de darmos ao mundo uma consistência democrática que assegure a todos e a cada um os direitos humanos. Devemos partir do fato de que “todas as pessoas nascem livres, iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”

A Declaração faz afirmações, ao mesmo tempo, jusnaturalista e racionalista, no esforço da vivência prática dessas duas grandes tendências de validade internacional:

Cor, raça, sexo, língua, religião, opinião pública ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição. A escravidão, a tortura, o tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante são igualmente repelidos. Também se proclama a recusa à prisão e exílio arbitrários, a difamação da honra e da reputação e as limitações do direito de ir e vir.

Na Declaração, a família também não é esquecida. Aliás, é bom recordar que o Papa João Paulo II, em um documento intitulado Carta às Famílias, diz que família é a igreja doméstica. E a família não é esquecida nessa Declaração enquanto núcleo natural e fundamental da sociedade e do Estado.

Como conseqüência lógica, vem a condenação aos preceitos de raça. E aí, mais uma vez, estamos buscando construir o mundo se integre, sob todos os seus aspectos políticos, sociais, econômicos, culturais.

O Brasil teve importante participação na Declaração Universal dos Direitos Humanos, com a presença de Austregésilo de Athayde, jornalista brasileiro que atuou na redação do documento.

Nascido Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde, em Caruaru, Estado de Pernambuco, a 25 de setembro de 1898, em 1918, embarca para o Rio, onde passou a viver e integra, em 1948, a delegação brasileira enviada a Paris para a Assembléia Geral da ONU que culminou com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Membro da Academia Brasileira de Letras, foi eleito seu Presidente em 1958, cargo que ocupou até a morte em 1993. A 10 de dezembro de 1978, Austregésilo de Athayde, então único sobrevivente entre os que trabalharam na redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, recebeu carta do Presidente Jimmy Carter, dos Estados Unidos, com palavras de estimulo:

Em nome do meu País, aproveito a oportunidade para aplaudir seu papel na elaboração de tão importante documento e saudar a liderança vital do Brasil nesse empreendimento.

Sr. Presidente, gostaria de dizer que se temos o muito a celebrar com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda há muito que fazer. É necessário robustecer uma consciência social em relação aos direitos humanos, pois não há outro caminho que não o da liberdade e da democracia.

É lógico se fôssemos escrever hoje a Declaração Universal dos Direitos Humanos, teríamos que incorporar novos itens, um deles, certamente a questão ambiental, que aparece como essencial para melhorar a qualidade de vida no mundo ameaçado com a perda de sua base ecológica. Há necessidade de medidas adequadas para que possamos ficar mais atentos à questão ambiental e, assim, preservar a vida humana num planeta que cresce a taxas altas. 

Também é necessário avançar na internacionalização desses direitos humanos, que não sejam uma mera carta de intenção, mas uma constitucionalização no Direito interno de cada país dessas metas, desses objetivos colimados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Enfim, precisamos investir mais na paz. A paz é fundamental, é mais do que ausência de guerra; a paz é a possibilidade de um convício internacional marcado pelo entendimento entre as nações. Esse entendimento nem sempre acontece. Citaria Nehru que foi Primeiro-Ministro da Índia e um dos grandes líderes da luta contra a violência. 

Pandit Nehru, que faleceu em 1964, disse certa feita: “Historicamente a paz só tem sido uma trégua entre duas guerras, uma preparação para a guerra e, até certo ponto, a continuação do conflito na esfera econômica e em outros campos”.

O que vemos, neste instante, é a exacerbação da violência, a violência lúdica, que se expressa nas competições esportivas, e a violência necrófila, se assim podemos dizer, que leva povos e nações a guerras fratricidas.

Devemos aproveitar este momento em que celebramos tão significativa efeméride para insistir na necessidade de expandir os direitos humanos e fazê-los uma realidade entre todos os povos.

O atual Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, japonês de nascimento, disse a respeito da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “É nosso dever assegurar que esses direitos sejam uma realidade de vida - que sejam conhecidos, compreendidos e gozados por todos e em todos os lugares”.

Essa observação do Secretário-Geral da ONU é essencial para que possamos progredir no rumo de assegurar a todos uma sociedade democrática que respeite integralmente em seus diferentes aspectos os direitos do homem e do cidadão.

Muito obrigado a V. Exª.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2008 - Página 50603