Discurso durante a 234ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a declarações do Presidente Lula sobre a crise econômica.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. EDUCAÇÃO.:
  • Comentários a declarações do Presidente Lula sobre a crise econômica.
Aparteantes
José Nery.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2008 - Página 50692
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • APREENSÃO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INCENTIVO, POPULAÇÃO, AUMENTO, CONSUMO, COMBATE, CRISE, ECONOMIA, MOTIVO, EFEITO, LONGO PRAZO, REDUÇÃO, POUPANÇA, RISCOS, IMPOSSIBILIDADE, INVESTIMENTO, DIVIDA PUBLICA, RETORNO, INFLAÇÃO.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, INCENTIVO, ESCOLARIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, FAMILIA, EDUCAÇÃO, CRIANÇA, PARCERIA, PROFESSOR, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ESPECIFICAÇÃO, COBRANÇA, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PISO SALARIAL.
  • NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, QUALIDADE, ESCOLHA, CONSUMO, SIMULTANEIDADE, POUPANÇA, PRIORIDADE, SOLUÇÃO, CRISE, POBREZA, FALTA, SAUDE, EDUCAÇÃO, DIGNIDADE, COBRANÇA, AMPLIAÇÃO, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • QUESTIONAMENTO, FACILIDADE, RECURSOS, AUXILIO, BANCOS, DIFICULDADE, DESTINAÇÃO, VERBA, GARANTIA, EDUCAÇÃO, POLITICA DE EMPREGO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, nós temos, Sr. Senador Camata, escutado repetidas vezes, nessas últimas semanas, algo extremamente positivo, que é o otimismo passado pelo Presidente Lula diante da crise econômica. Inclusive, algo positivo é essa insistência que ele faz sempre: comprem, comprem, comprem - apesar da crise.

Entretanto, ao lado de começar elogiando pelo otimismo que passa - e é bom um País com otimismo -, eu venho aqui manifestar, Sr. Presidente, primeiro, as minhas preocupações com essas falas do Presidente; segundo, algumas lacunas que percebo nessa fala. A primeira preocupação é que, num momento de crise econômica, se a gente olha só o imediato, não há dúvida nenhuma de que o certo, Senador Eurípedes, é incentivar o consumo; mas, no médio prazo, isso pode trazer conseqüências profundamente nocivas para o País.

Qualquer um que sabe o mínimo de economia, sabe muito bem que cada consumo feito é uma poupança que não é feita; cada real gasto no consumo é um real a menos na poupança que o País faz. E um país cresce, sobretudo, graças ao investimento que vem da poupança existente.

O Brasil tem a tradição de relegar a poupança em nome do consumo. E é por isso que vai buscar investimentos em empréstimos no exterior, para poder fazer os investimentos aqui dentro. E aí o resultado é que nós compramos, compramos, compramos e nos endividamos, endividamos, endividamos. Mas chega um dia em que temos de pagar a dívida e os juros. E aí a gente fica sem poupança e sem investimento.

Isso aconteceu durante décadas, no Brasil espremido entre uma imensa dívida externa e uma imensa dívida interna, pela incapacidade de escolhermos a poupança. A declaração do Presidente é extremamente positiva para o imediato, mas é extremamente preocupante para o médio e longo prazo. Nós temos que combinar consumo com poupança, compra com investimento, porque, sem isso, nós não aumentaremos a produção, e, aí sim, Senador Camata, se não aumentarmos a produção e continuarmos comprando, virá o inevitável aumento de preços, a velha e conhecida inflação.

Essas palavras do Presidente, que trazem otimismo, o que é positivo, que até reduzem a gravidade de uma possível recessão e até mesmo aumentam a taxa de crescimento, elas podem trazer no seu bojo, se não houver investimento de novos equipamentos, de novos empreendimentos, de aumento da produção, além do consumo, o aumento de preços.

E eu continuo achando que, apesar de toda a tragédia da recessão, da redução do crescimento, a tragédia da inflação também é muito grande. Eu até evitei dizer que é pior a inflação do que a redução do crescimento, mas a redução do crescimento a gente retoma e cresce, enquanto que, com a inflação, em geral nós perdemos o controle, e desarticula-se a economia - foi assim que vivemos durante décadas. Por isso, eu quero deixar aqui, em primeiro lugar, a minha preocupação com o discurso do otimismo presidencial, extremamente positivo no curto prazo, mas extremamente preocupante, no médio prazo, quanto às conseqüências dele para o futuro do Brasil.

Mas, Presidente, não é só isso que quero falar. Eu quero falar também de uma lacuna que eu sinto no discurso. Eu não vi o Presidente ainda falando, ao lado de dizer “comprem, comprem, comprem”, “estudem, estudem, estudem”. Eu não vi, ao lado de dizer “vão às compras”, ele dizer: “Levem seus filhos à escola, visitem a escola, conversem com os professores”. Eu não vi ele fazer isso. E vindo de um Presidente com o carisma, com a força, com a liderança do Presidente Lula, um discurso no sentido de dizer “freqüentem a escola de seus filhos, consultem os professores para saber como é que vão as suas crianças”, um discurso nesse sentido teria um impacto tão grande como dizer “vão às compras e comprem o máximo que puderem”.

Eu não vi, no discurso do Presidente, ele dizer: “Apóiem os professores das escolas de seus filhos, discutam com eles se o piso salarial está sendo pago”, o piso, que é uma lei sancionada pelo Presidente Lula. Ele poderia dizer: “Tentem ver se os Governadores e Prefeitos estão cumprindo a lei que eu, Presidente Lula, fiz, para que vocês tenham um salário, senão como a gente desejaria, pelo menos um piso nacional”. Eu não vi o Presidente incentivando, Sr. Presidente da Mesa, a que os jovens freqüentem as bibliotecas, que procurem estudar mais, que procurem beber menos, que consumam menos álcool. Comprar é bom, mas depende do que se compra.

Senador José Nery, eu ainda não vi um discurso do Presidente defendendo mais compras dos bens essenciais que os pobres precisam. A idéia que fica é que se propõe comprar mais dos bens sofisticados, suntuosos e caros que a classe média e alta compram, até porque são esses bens que dinamizam mais a economia. Eu não vi esse discurso procurando fazer com que combinemos consumo com poupança e que também combinemos consumo com os estudos, com atividade cultural. Ir ao cinema é uma forma de consumo que não precisa de empréstimo, como comprar um carro, que não precisa que se façam estradas, como comprar carro, que não exige gastos altos do Estado para viabilizar a indústria.

A gente precisa fazer com que o nosso Presidente, primeiro, ao propor o consumo, leve em conta a necessidade de poupar. Segundo, que não fique só no discurso da economia, apesar de ser essa a crise principal que a gente vê - mas não a crise principal que a gente vive. A crise principal que a gente vive está subterrânea, porque as pessoas não percebem. É a desigualdade social, é a pobreza gritante, é a degradação escolar, é uma saúde que não funciona. Essa crise ninguém vê. A crise dos bancos todo mundo percebe. Talvez esta seja a maior tragédia de todos nós: o que é visível e o que é invisível. O visível são os bancos; invisível é a saúde, invisível é a escola, invisível é a violência que campeia.

É preciso que o discurso do Presidente se amplie e incorpore outras visões do mundo. Eu mesmo fui acusado, durante a minha campanha à Presidência, de ser candidato de uma nota só. O Presidente Lula está Presidente de uma nota só: a nota da economia, a nota do consumo, a nota do otimismo, tudo junto, numa coisa só.

Ele tem que usar o carisma, a competência, o prestígio de 70% de apoio da população para ampliar um pouco esse discurso e fazer as pessoas despertarem para uma crise que é invisível, que é a crise real da pobreza, da desigualdade, da ineficiência. Essa parte seria tão bem descoberta se o discurso não fosse de um Senador, mas de um Presidente com a força, com o carisma que o Presidente Lula hoje tem.

Concedo um aparte ao Senador José Nery.

O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Cristovam Buarque, o senhor aborda, com muita propriedade, a crise real que ninguém quer ver, porque, se nós verificarmos até aqui, as medidas de enfrentamento da crise foram aquelas que servem para proteger os interesses daqueles que estão e sempre estiveram muito bem, no caso, os que vivem da especulação financeira, o setor bancário. Aqui mesmo, este Plenário acabou de votar, semana passada, a medida provisória que considerei a “MP dos banqueiros”. Portanto, é necessário que possamos nos debruçar sobre a crise real, a crise representada pelos graves problemas sofridos por todos os brasileiros e brasileiras que o senhor tão bem menciona: o caos da saúde, a falta de atenção e prioridade para a educação, a ausência de saneamento básico, as políticas de inclusão social efetivas, que de fato promovam o desenvolvimento humano, e não aquelas que só pensam no desenvolvimento econômico, embora eu ache que seja possível compatibilizá-las. Porém, o que estamos assistindo é a supremacia da busca do crescimento, do desenvolvimento econômico em detrimento...

(Interrupção do som.)

O Sr. José Nery (PSOL - PA) - ... do efetivo crescimento humano da sociedade como um todo. Então, eu queria, ao lado de parabenizar V. Exª por insistir na busca de alternativas para a crise real efetiva, aquela que atinge os milhões de empobrecidos do nosso País, dizer que V. Exª faz esse apelo num dia simbólico, especial, o dia 10 de dezembro, que lembra 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os direitos humanos têm que ser, como dizia o nosso querido Dom Hélder, sobretudo o direito dos mais pobres, dos mais fracos, dos mais oprimidos. Ao mesmo tempo, quero dizer a V. Exª que, com muita satisfação, esta semana participei...

(Interrupção do som.)

         O Sr. José Nery (PSOL - PA) - ... da IV Plenária Estadual do Sintepp, o Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Estado do Pará, que reuniu mais de 300 lideranças do Estado do Pará para firmar um compromisso muito efetivo da luta pela garantia do que nós aprovamos e que é lei, no caso, o piso salarial para os educadores. Portanto, quando o senhor insiste nesse tema e questiona o fato de cinco Governadores de Estado irem ao Supremo questionar a constitucionalidade daquela medida, sem dúvida, eu me somo a V. Exª na crítica e na exigência da garantia do piso, bem como da garantia de todos os direitos sociais básicos, fundamentais, que promovam a pessoa humana, que resgatem direitos, em síntese, que efetivamente promovam os direitos humanos. Parabéns a V. Exª por buscar também elementos, eu diria, da luta...

         (Interrupção do som.)

O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Tempo, Presidente.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Precisamos de tempo, Sr. Presidente.

O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Só para encerrar, precisamos fazer o combate à crise, sobretudo defendendo o emprego, porque milhares de trabalhadores já estão perdendo seus empregos, e não estamos discutindo que alternativas propor efetivamente, para salvaguardar um direito humano fundamental: o direito ao trabalho, a uma renda, para se sobreviver com dignidade. A crise está atacando isso duramente. É preciso voltar os olhos para essa questão. Parabéns a V. Exª! Muito obrigado pelo aparte.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço ao Senador Nery.

Quero dizer que, de fato, muitos trabalhadores estão perdendo o emprego. Isso justifica o Governo até fazer investimentos no setor produtivo, nas empreiteiras, nas produtoras de automóveis e até nos bancos. Mas é preciso lembrar que há milhões e milhões de pessoas que não estão perdendo emprego porque nunca tiveram emprego, e nós nos esquecemos desses. Nunca tiveram emprego, porque não estudaram, não se prepararam no momento certo; e a gente não se esquece deles.

Quando se fala em não deixar que haja emprego, colocamos R$8 bilhões nos bancos que financiam a venda de automóveis, e ninguém pergunta de onde vem esse dinheiro. Mas, na hora em que a gente fala que é preciso dar educação para garantir emprego aos que ainda não tiveram emprego, e que isso custaria alguns bilhões, todos perguntam, Senador Gerson Camata, de onde é que vem esse dinheiro.

A gente vê uma parte apenas da realidade, a parte visível da crise dos bancos, das empresas, nossa e dos que trabalham. Não vemos a crise invisível dos que nem trabalham, dos que nem possibilidade de emprego terão quando a economia voltar a crescer. Não vemos a crise invisível dos que não têm aonde ir quando ficam doentes; das crianças que não têm aonde ir quando as escolas estão paradas; daqueles que hoje sofrem, mais do que tudo, porque são invisíveis neste País.

E meu apelo, como diz o Senador Nery, ao Presidente Lula é para que olhe também para os invisíveis e fale com eles, com os invisíveis que não vão conseguir comprar; e, para os invisíveis que ainda nem nasceram, fale para eles que, se não houver investimento, não vão comprar depois. Sem poupança, não há investimento.

Por favor, Presidente, fale em comprar, mas fale em poupar. Diga às pessoas para irem às compras, mas que também compareçam às escolas, para ver como estão estudando os seus filhos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2008 - Página 50692